Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:531/19.9BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:DECISÃO ADMINISTRATIVA DE FIXAÇÃO DA COIMA
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
NULIDADE
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO
ARTIGO 10.º DA EI N.º 25/06 DE 30/06
CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA APLICADA
Sumário:I. Os requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados no artigo 79.º do RGIT, nele se incluindo a “descrição sumária dos factos” devem ser entendidos no âmbito do direito de defesa, e, por conseguinte, impõe-se que os mesmos tenham capacidade de dar a conhecer ao arguido os factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
II. Constando da decisão administrativa de aplicação de coima a descrição sumária dos factos e a indicação das normas que preveem e punem a contraordenação, não se verifica a nulidade da decisão prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT.
III. A decisão da fixação da coima consubstancia uma manifestação de vontade da autoridade administrativa que a emite, balizada pelos elementos estruturais e requisitos legalmente impostos, cuja violação constitui causa de nulidade do ato praticado e bem assim, de todos aqueles que estejam na sua dependência funcional.
IV. Por seu lado a notificação constitui requisito da eficácia do ato administrativo notificado, sendo que as irregularidades do ato de comunicação (a notificação) não são fonte autónoma de invalidade do ato comunicado.
V. Sendo o facto típico e ilícito que subjaz à contraordenação o da previsão do artigo 5.º da Lei 25/2006, de 30/06, e tendo o regime constante do citado artigo 10, nºs.1 e 3, da mesma Lei, por pressuposto de aplicação a não possibilidade de identificação do condutor do veículo no momento da prática da contraordenação (vide previsão do nº.1 da norma), concluímos que “in casu” “a qualidade do responsável” a quem é imputada a prática da contraordenação não constitui elemento objetivo do tipo.
VI. A exigência a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima e sanções acessórias deve ter-se por satisfeita, quando, em concreto, na fundamentação trilhada, foram ponderados os fatores a que refere o artigo 27.º do RGIT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

A..., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Olhão, que, com fundamento na falta de pagamento de taxas de portagem, lhe aplicou, nos autos de contraordenação fiscal nº 1..., a coima no montante de € 81,86, acrescido de custas do processo.

O Tribunal Tributário de Loulé, por decisão de 20 de maio de 2016, julgou procedente o recurso.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

« I) Decidiu o Meritíssimo Juiz a quo que o identificado processo de contraordenação era nulo, ao abrigo da alínea d) n°1 do art. 63 do RGIT, uma vez que na decisão de aplicação da coima o requisito legal que obriga à descrição sumária dos factos previsto no art. 79 n°1 b) do RGIT não se encontrava adequadamente cumprido.

II) Pugna a Fazenda Publica pela não verificação da invocada nulidade insuprível uma vez que a decisão recorrida descreve os factos de forma sintética e simples, porque esta é a própria natureza dos factos tipificados.

III) Recebeu o recorrido a notificação da decisão de aplicação de coima, assim como a descrição dos factos, documentos que o próprio juntou aos autos.

IV) Os requisitos legais aplicáveis à decisão de aplicação de uma coima, assim como a sua notificação, destinam-se a permitir que o arguido exerça o seu direito de defesa em toda a sua extensão, o que no caso em apreço sucede.

V) E sugerida ao arguido a consulta do portal das finanças, o que se nos afigura ser um procedimento que, ao invés de constituir um ónus imposto ao arguido, antes permite uma densificação operacional do estatuído como direitos e garantias dos administrados no art. 236 do CRP.

VI) A posição da Fazenda Publica no presente caso coincide com a defendida pelo STA no proc. 644/19.9BEAVR, acórdão datado de 25/05/2018, que, em consequência, concedeu provimento ao recurso da Fazenda Publica e revogou a sentença recorrida.

Assim de harmonia com o exposto deve ser concedido provimento ao presente recurso e consequência revogada a douta sentença recorrida como é de inteira Justiça.»


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A recorrida, devidamente notificada para apresentar as suas contra-alegações, nada disse.

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O Ministério Público junto do TAF de Loulé, notificado para os termos do disposto no artigo 413° n° 1 CPP, veio apresentar a sua resposta ao Recurso apresentado pela FAZENDA PÚBLICA, formulando as conclusões seguintes:

«I - A questão a decidir é a de saber se a sentença de 30/12/2019 enferma de erro de julgamento por considerar que a decisão proferida no Processo de Contra-Ordenação n° 1... não contém a descrição sumária dos factos exigida pelo art. 79° n° 1 al. b) RGIT.

II - A descrição sumária dos factos imputados ao Arguido na decisão que aplicou a coima de € 81,86 limita-se a remeter para elementos constantes de Auto de Notícia, podendo ser consultados no Portal das Finanças.

III - Tal remissão, feita de forma tão lacónica não integra qualquer descrição factual e não permite, de todo, alcançar quais são os concretos factos típicos, ilícitos e culposos imputados ao Arguido, impedindo-o de se defender adequadamente.

IV - Não pode admitir-se, do nosso ponto de vista, que se se vá descortinar a descrição da factualidade em falta em locais alheios ou externos à decisão (cfr. acs. TCA Sul de 06/04/201, P. 09633/16 e de 14/02/2019, P. 0368/17.0BELLE), sob pena de flagrante violação das normas constitucionais constantes dos arts. 268° n° 3 e 32° n° 10 da Lei Fundamental.

V - Ainda assim dir-se-à que "Em qualquer tipo de ilícito objectivo é possível identificar os seguintes conjuntos de elementos: os que dizem respeito ao autor; os relativos à conduta; e os relativos ao bem jurídico" (Prof. Jorge Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 278 e 287, Coimbra Editora 2004);

VI - No ilícito contra-ordenacional em causa os elementos típicos do autor estão previstos no art. 10° da Lei 25/2006, 30/06; os elementos respeitantes à conduta susceptível de consubstanciar o ilícito contraordenacional encontram-se no art. 5° da mesma Lei; e a punição ou coima aplicável é determinada de acordo com as regras constantes do art. 7° do mesmo diploma legal;

VII - Autor da conduta qualificada como contra-ordenação no art. 5° da Lei 25/2006, 30/06, tanto poderá ser o condutor do veículo, como o seu proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário, o locatário em regime de locação financeira ou o detentor do veículo;

VIII - A qualidade do agente é pois, quanto a nós, um elemento essencial do tipo.

IX - Tudo depende do prévio e correcto cumprimento, por parte das concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem ou as entidades gestoras de sistemas eiectrónicos de cobrança de portagens, consoante os casos, da notificação prevista no n° 1 do art. 10° da Lei 25/2006, 30/06;

X - Todavia tal notificação não integra a decisão que aplica a coima, constituindo uma fonte externa do acto de decisão (cfr. ac. TCA Sul 14/02/2019, P. 368/17.0BELLE).

XI - No caso dos autos o arguido não foi identificado no momento da prática da contra-ordenação (art. 10° n° 1 da Lei 25/2006, 30/06), nomeadamente porque a detecção da prática da contra-ordenação foi feita através de equipamentos adequados que registam imagem ou detetam o dispositivo electrónico do veículo (art. 8° da Lei 25/2006, 30/06);

XII - A decisão que aplicou a coima é totalmente omissa quanto à identificação do agente da infracção, isto é, não contém uma referência ainda que sumária relativa aos elementos típicos do autor da prática da contra- ordenação tal como vem estabelecido no art. 10° n° 3 da Lei 25/2006, 30/06 e que constitui pressuposto da punição.

XIII - A decisão baseia-se na presunção de que o arguido é o responsável pela prática das contra-ordenações mas omite os factos que fundamentam tal presunção.

XIV - Perante a inexistência de elementos factuais relativos à conduta humana que integrem o elemento objectivo das infracções cuja prática lhe é atribuída o arguido não pode conhecer a que título lhe foi aplicada a coima e vê-se impedido de exercer cabalmente o seu direito de defesa, direito esse consagrado no art. 32° n° 10 CRP, já que não defender-se simultaneamente e de forma adequada na qualidade de condutor, de proprietário do veículo, de adquirente com reserva de propriedade, de usufrutuário, de locatário em regime de locação financeira ou de detentor do veículo.

XV - A decisão que aplicou a coima carece por isso dos factos que fundamentam a aplicação de uma coima face aos elementos objectivos dos tipos de ilícitos contraordenacionais em causa, em flagrante violação da al. b) do n° 1 do art. 79° RGIT.

XVI - Quanto à contradição da sentença recorrida com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo em 25/05/2018 no proc. n° 0644/19.9BEAVR, do nosso ponto de vista não se mostram reunidos os fundamentos do recurso previsto no art. 73° n° 2 RGCO.

XVII - Não indica a Recorrente quais as diferenças dificilmente suportáveis peia jurisprudência que a sentença recorrida consagra relativamente àquelas que foram proferidas pelo Tribunais Superiores,

XVIII - Nem especifica quais os erros cometidos pela sentença recorrida que constituem uma afronta ao direito e que repugne manter na ordem jurídica.

Pelos motivos expostos entende-se que a sentença recorrida aplicou correctamente o direito aos factos e deve ser confirmada.

Todavia, Vas Excias decidirão e farão a costumada JUSTIÇA.”


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Neste TCA Sul, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, reitera a posição assumida na 1.ª instância pelo Ministério Público e entende dever improceder o recurso interposto.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412, nº.1, do CPP, “ex vi” do artº.3, al. b), do RGIT., e do artº.74, nº.4, do RGCO).

No caso sub judice, as questões suscitadas são as de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao decidir estar ferida de nulidade a decisão de aplicação da coima impugnada por considerar que a decisão proferida no processo de contraordenação n.º 1... não contém a descrição sumária dos factos exigida na al. b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

“A) Em 13-05-2019, foi autuado no Serviço de Finanças de Olhão, contra A..., o processo de Contra-ordenação n.° 1..., por infracção ao artigo 5.°, n.° 2, da Lei n.° 25/ 06, de 30 de Junho (falta de pagamento de taxa de portagem), punida pelo artigo 7.° do mesmo diploma legal (cfr. fls. 2 dos autos no SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

B) Em 12-06-2019, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Olhão, no âmbito do processo de Contra-ordenação referido na alínea A), decisão de aplicação de coima ao arguido, ora Recorrente, no montante de €81,86, acrescida de €76,50 de custas processuais com o seguinte teor: "(...)


«Imagem no original»


(cfr. fls. 36 a 37 dos autos no SITAF, idem);

C) Com data de 16-06-2019 foi enviado, ao ora Recorrente, notificação da decisão de aplicação da coima, identificada em B) supra, com o seguinte teor:


«Imagem no original»

(cfr. fls. 10 dos autos no SITAF, ibidem);

D) Em data não determinada, o ora Recorrente recebeu uma carta do Serviço de Finanças de Olhão, com o seguinte teor:


«Imagem no original»

(cfr. fls. 12 dos autos no SITAF, ibidem);


***

Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

Motivação da decisão de facto

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se no teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados pelas partes, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.»


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Do direito

Nos autos foi impugnada a decisão proferida pelo chefe do serviço de finanças de Olhão que aplicou ao arguido, A..., a coima de € 81.86, por falta de pagamento de taxa de portagem (artigo 5.º n.º 2 da lei n.º 25/06 de 30/06), punível pelo artigo 7.º da lei n.º 25/09 de 30/06.

O arguido alegou que a decisão administrativa: (i) padece de nulidade, nos termos do artigo 63.° n.°1, alínea d), do RGIT por preterição do seu direito de defesa, em virtude de a decisão que lhe foi notificada não fazer a descrição dos factos que integram a contraordenação, em violação dos requisitos previstos no artigo 79.°, n.º 1, alíneas b) e c) do mesmo diploma legal; (II) não consta a descrição da pratica pelo arguido de qualquer infração, nada se dizendo quanto à sua responsabilidade (artigo 10.º da Lei n.º 25/06 de 30/06; (III) sofre de nulidade por omissão quanto aos critérios de determinação da fixação da coima aplicada.

Decidindo, a sentença recorrida deu razão ao impugnante ao considerar que a decisão sancionatória não cumpriu, adequadamente, o requisito a que se reporta alínea b) do nº1 do artigo 79º, ambos do RGIT (descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas), enfermando a mesma, da nulidade insuprível prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 63. ° do mesmo diploma legal.

Para assim decidir, o Mmo. Juiz a quo alinhou o discurso fundamentador que, na parte que para aqui releva, se reproduz:

“(…)

Na situação em discussão nos presentes autos, e em conformidade com a matéria de facto dada como assente, verifica-se que em nome do Recorrente foi instaurado procedimento contra-ordenacional, com fundamento em infracção ao artigo 5.°, n.° 2, da Lei n.° 25/2006, de 30 de Junho, punida pelo artigo 7.° do mesmo diploma legal (cfr. alínea A) do probatório).

Da decisão de aplicação de coima enviada ao Arguido (cfr. alínea C) do probatório), resulta que os factos apurados, bem como as normas punitivas, podem ser consultados [pelo Arguido] no endereço electrónico http.// www.portaldasfinancas.gov.pt..

E o mesmo se diga da notificação enviada ao Recorrente, identificada na alínea D) do probatório.

Ou seja, nada é comunicado ao Arguido/Recorrente, na decisão de aplicação de coima que lhe foi transmitida, que preencha, ainda que remotamente, a necessária descrição sumária dos factos como impõe a alínea b) do n.° 1 do artigo 79.° do RGIT.

O que traduz, inapelavelmente, uma compressão inaceitável dos direitos do Arguido, num procedimento de cariz sancionatório, impondo-lhe, caso queira saber quais os factos que consubstanciam infracções que lhe são imputados -, que diligencie nesse sentido.

A decisão recorrida, nos moldes em que foi levado ao conhecimento do Recorrente, não descreve absolutamente nada, nenhum facto, para preenchimento do requisito legal da decisão de aplicação de coima no que à descrição dos factos se refere, impondo-lhe ao invés, ao Arguido, caso queira, porventura, tomar conhecimento dos factos que sustentam a coima aplicada, que assuma um atitude "pró-activa", para tal.

Assim, e porque com tal "descrição" o Arguido, ora Recorrente, não foi, de todo, informado da conduta que lhe é imputada, não pode ter-se por preenchido o requisito essencial da decisão de aplicação da coima relativo, precisamente, à descrição sumária dos factos.

Face ao exposto, não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b), do n.° 1, do artigo 79.° do RGIT, enfermando a mesma, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d), do n.° 1, do artigo 63.°, do mesmo diploma legal.

(…)”

Da leitura da decisão recorrida, damos conta que a mesma não separa cabalmente o conceito de decisão de fixação da coima do de notificação dessa decisão, o que apraz fazer, já que, tratando-se de realidades referentes a fases processuais complementares tem, consequentemente, força jurídica diversa.

Com efeito a decisão da fixação da coima consubstancia uma manifestação de vontade da autoridade administrativa que a emite, balizada pelos elementos estruturais e requisitos legalmente impostos, cuja violação constitui causa de nulidade do ato praticado e bem assim, de todos aqueles que estejam na sua dependência funcional.

Por seu lado, a notificação de qualquer decisão tem como objetivo dar a conhecer ao interessado o conteúdo da uma decisão que lhe diz respeito e bem assim os meios legais de que dispõe para dela reagir, em caso de discordância.

Como sabemos, a notificação constitui requisito da eficácia do ato administrativo notificado, sendo que as irregularidades do ato de comunicação (neste caso a notificação) não são fonte autónoma de invalidade do ato comunicado, já que, conforme se disse no acórdão do STA proferido em 13/03/2019 no processo n.º 0199/18.0BELRA que acolhemos “… o acto de notificação, sendo exterior ao acto notificado, não se integra, salvo disposição em contrário, na formação deste. Por isso, as irregularidades de que eventualmente padeça o acto de notificação, (…), não se reflectem, em princípio, sobre o acto notificado, não afectando a sua validade.”

Na situação que vimos de analisar decorre do probatório – ponto C – que foi enviado ao recorrente a notificação de fls. 10 do autos (SITAF) dando-lhe conta de que de decisão proferida no âmbito do processo de contraordenação n.º 1... lhe foi aplicada a coima no montante de € 81,86, bem como das custas processuais no montante de € 76,50, proferida pela entidade competente nos termos do artigo 15.º da Lei 25/2006 de 30 de junho, naquele processo, em 2019-07-23, em consequência da prática dos factos constantes no Auto de Notícia n.° 93000154868. Os factos apurados, bem como as respetivas normas infringidas e punitivas são, nos termos das alíneas a) e b) do n.° 7 do artigo 14. ° da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho na redação dada pela Lei n. º 51/2015 de 8 de junho, identificados na carta que lhe é remetida, podendo ainda ser consultados via Internet no Portal das Finanças, no endereço eletrónico http://www.portaldasfinancas.gov.pt. ao qual deverá aceder utilizando a sua senha de acesso.”

Foi-lhe ainda dado a conhecer o prazo concedido para proceder ao respetivo pagamento ou, em alternativa, recorrer judicialmente, bem como as modalidades de pagamento (voluntario e coercivo), tudo conforme se prescreve no n.º 2 do artigo 79.º do RGIT, que infra deixaremos transcrito.

Do que deixamos evidenciado ressalta desde logo que a notificação dá conta do valor da coima que foi fixada, remetendo para o auto de noticia que serviu de base aos autos de contraordenação com a respetiva indicação dos números que lhes foram atribuídos (ao processo administrativo e ao auto de noticia) e quanto aos factos e normas infringidas e punitivas remete para a carta que lhe é remetida (ponto D) do probatório) e acrescenta por fim que “[P]pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na Internet no Portal das Finanças, utilizando a sua senha de acesso, no endereço eletrónico http://www.portaldasfinancas.gov.pt. ou no Serviço de Finanças instrutor do processo.”.

Daqui resulta desde logo que, não constam todos os elementos referidos na decisão, porém e como se refere no acórdão do STA que vimos acompanhando (processo n.º 0199/18.0BELRA de 13/03/2019) “[H]há, no entanto, que não perder de vista que estamos perante actos de notificação praticados em massa e que da notificação da decisão à Arguida, que foi efectuada por via electrónica, consta que, pela mesma via, o processo pode ser consultado: quer na internet, no endereço www.portaldasfinanças.gov.pt, mediante utilização da senha de acesso, quer no serviço de finanças que instruiu o processo. Não vislumbramos, pois, como o direito de defesa da Arguida poderá ter saído beliscado pelo modo como foi efectuada a notificação.”

Sendo certo, como se diz no referido aresto e também nós já o afirmamos “… uma eventual irregularidade da notificação, por dela não constarem todos os elementos que constam da decisão notificanda apenas poderia repercutir-se na eficácia do mesmo, eventualmente diferindo o prazo da defesa, e já não na sua validade [cfr. art. 160.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)].”

Feito este esclarecimento, prosseguimos.

Recordemos que discordando com o decidido na sentença objeto do litigio a recorrente (FP) “[P]pugna pela não verificação da invocada nulidade insuprível uma vez que a decisão recorrida descreve os factos de forma sintética e simples, porque esta é a própria natureza dos factos tipificados.”

E diz que o recorrido recebeu a notificação da decisão de aplicação de coima, assim como a descrição dos factos, documentos que o próprio juntou aos autos. – concl. II) e III).

Adiante-se que com razão, porém, vejamos, antes de mais o respetivo regime legal:

De acordo com o estatuído no artigo 79.º do RGIT, são os seguintes os requisitos legais que devem constar da decisão administrativa de aplicação das coimas:

“1- (…)

a) - A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;

b) - A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;

c) - A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

d) - A indicação de que vigora o princípio da proibição da "reformatio in pejus";

e) - A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

f) - A condenação em custas.”

2- A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infrator deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.

Por seu lado, o artigo. 63.º do mesmo diploma legal (RGIT), sob a epigrafe de nulidades do processo de contraordenação tributário, estipula que:

“Constituem nulidades insupríveis do processo de contraordenação tributário:

a) O levantamento do auto de notícia por funcionário sem competência;

b) A falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infração;

c) A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa;

d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.”

(o negrito é nosso)

Ora, a questão da descrição sumária dos factos no processo de contraordenação tributária, tem vindo a ser recorrentemente posta aos tribunais e constitui matéria objeto de vasta jurisprudência, entendendo-se, de forma pacifica, que os requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, nele se incluindo a “descrição sumária dos factos” devem ser entendidos no âmbito do direito de defesa, e por conseguinte impõe-se que os mesmos tenham capacidade de dar a conhecer ao arguido os factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.

Acolhemos aqui por concordância e facilidade o que a este respeito se retira do acórdão proferido pelo STA em 01/07/2020. no processo n.º 02143/17.2BEBRG: “A «descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517. ). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].
Quanto à descrição sumária dos factos na decisão administrativa, disse GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «
em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» (Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, (…)”

Tal como ali, na situação em apreço, a sentença recorrida entendeu que a decisão de fixação da coima proferida pelo chefe do SF de Olhão não obedeceu à imposição legal referente à descrição sumária dos factos e que a mesma “…, nos moldes em que foi levado ao conhecimento do Recorrente, não descreve absolutamente nada, nenhum facto, para preenchimento do requisito legal da decisão de aplicação de coima no que à descrição dos factos se refere,”.

Da analise à materialidade dada por provada na sentença recorrida, facilmente se conclui que assim não é, senão vejamos:

Resulta do probatório – ponto B) – que a decisão de fixação da coima contém na parte que se refere à descrição sumária dos factos a indicação de que ao arguido foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos (1) taxa de portagem (2) data/hora da infração (3) local da infração (4) Entrada /saída (5) identificação da viatura (6) montante da taxa de portagem, constando da mesma, ainda a indicação das normas punitiva e infringidas.

Sendo certo ainda que quer a norma infringida (Artigo 5.º n.º 2 da Lei n.º 25/06 de 30/06) e punitiva (Artigo 7.º da Lei n.º 25/06 de 30/06).

Termos em que não nos restam quaisquer duvidas sobre a factualidade de que a arguida vem acusada, sendo certo que essa factualidade, conjugada com a indicação das normas que preveem e punem a infração, permite à Arguida exercer plenamente o seu direito de defesa relativamente à decisão de aplicação da coima.

Em suma, a descrição sumária da factualidade constante da decisão administrativa que aplicou a coima permite ao arguido o exercício cabal do seu direito de defesa, não subsistindo quaisquer dúvidas quanto aos factos que lhe são imputados, motivo por que não acompanhamos a sentença recorrida ao decidir pela sua nulidade por inobservância do requisito constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º, do RGIT.

Procede assim o argumento da recorrente


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Na petição inicial vem ainda alegado que não consta na decisão em crise qualquer descrição da prática pelo arguido de qualquer infração alegadamente cometida e a que titulo, nada se dizendo quanto à responsabilidade, não tendo sido cumprida a condição objetiva de punibilidade prevista no artigo 10.º da Lei n.º 25/06 de 30/06.

Assim, e porque a questão invocada não implica produção de outro tipo de prova para além da que consta já dos autos e não tendo sido oferecido qualquer outra que cumpra de algum modo, obter, passamos à apreciação.

Na situação em apreço decorre do ponto do ponto A) do probatório que vem imputado ao arguido a prática, enquanto autor material, de contraordenações previstas no artigo 5.º n.º 2 da Lei 25/2006, de 30/6.

A norma citada estabelece que:

2 - Constitui, ainda, contraordenação, punível com coima, nos termos da presente lei, o não pagamento de taxas de portagem resultante da transposição, numa infraestrutura rodoviária que apenas disponha de um sistema de cobrança eletrónica de portagens, de um local de deteção de veículos sem que o agente proceda ao pagamento da taxa devida nos termos legalmente estabelecidos.

Por seu lado o artigo 10.º da mesma Lei, determina o seguinte:

“1-Sempre que não for possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contra-ordenação, as concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem ou as entidades gestoras de sistemas eletrónicos de cobrança de portagens, consoante os casos, notificam o titular do documento de identificação do veículo para este, no prazo de 30 dias úteis, proceda a essa identificação ou pague voluntariamente o valor da taxa de portagem e os custos administrativos associados.

(…)

3-Na falta de cumprimento do disposto nos números anteriores, é responsável pelo pagamento das coimas a aplicar, das taxas de portagem e dos custos administrativos em dívida, consoante os casos, o proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário, o locatário em regime de locação financeira ou o detentor do veículo.

(…).”

Decorre do normativo citado que o facto típico e ilícito que preenche a previsão da norma constante do n.º 2 do artigo 5.º da Lei 25/2006, de 30/06, se consubstancia no não pagamento de taxas de portagem, nos termos ali definidos.

Assim e conforme se deixou dito no acórdão do STA proferido no processo n.º 01070/18.0BEALM em 06/05/2020 que aqui acolhemos “… o facto que constitui uma infracção (crime ou contra-ordenação) consiste numa conduta humana, voluntária e culposa, que preencheu um dos modelos ou tipos onde a lei arrolou bens jurídicos a proteger. A mesma infracção é constituída por um facto material (“nullum crime sine actione”), que preencha um tipo descrito na lei (“nullum crimen sine lege”), que tenha sido praticado culposamente (“nullum crimen sine culpa”) e que naquele tipo esteja prevista a aplicação de uma pena (crime) ou uma coima (contra-ordenação).

Por tipicidade entende-se a adequação da conduta ao tipo, ou seja, o enquadramento de um comportamento real à hipótese legal, preenchendo-se tal requisito quando a conduta de alguém encaixa exactamente na abstracção plasmada na lei.

Já a ilicitude se consubstancia na desconformidade com o direito. Diz-se que é ilícita toda a conduta humana que é contrária ao estabelecido na lei. A ilicitude é, pois, a antijuridicidade do comportamento, ou, por outras palavras, antijurídica é uma acção típica que não está justificada.

Por último, refira-se que o núcleo essencial do facto típico e ilícito se reconduz à existência de uma acção ou omissão ilícitas. Quando a norma penal/contra-ordenacional proíbe, a sua infracção tem de consistir numa acção. Já quando a norma penal/contra-ordenacional ordena, a sua infracção terá de consistir numa omissão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/04/2019, proc.180/18.9BELLE; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.36 e seg.; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1988, pág.70 e seg.).

(…)”

Dito e não deixando de acompanhar o decidido no acórdão citado, já que o mesmo se debruça sobre uma situação idêntica àquela que ora nos ocupa, diremos, tal como ali, que, atento o teor, tanto do auto de notícia que esteve na origem dos processos como a decisão de aplicação de coima objeto do presente recurso, é identificado o arguido, A..., como autor material das contraordenações em causa nos presentes autos (pontos A) e B) do probatório).

Assim, e sendo o facto típico e ilícito que subjaz à contraordenação o da previsão do artigo 5.º da Lei 25/2006, de 30/06, e tendo o regime constante do citado artigo 10, nºs.1 e 3, da mesma Lei, por pressuposto de aplicação a não possibilidade de identificação do condutor do veículo no momento da prática da contraordenação (vide previsão do nº.1 da norma), concluímos que “in casu” “a qualidade do responsável” a quem é imputada a prática da contraordenação não constitui elemento objetivo do tipo.

Acresce ainda referir que o desfecho a que chegamos se encontra reforçado pelo próprio legislador ao consagrar na mesma norma legal (artigo 10.º n.º 3) que, nos casos em que o condutor não tenha sido identificado, a responsabilidade pelo pagamento das coimas é do proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário, o locatário em regime de locação financeira ou o detentor do veículo.

Daqui se retira que a não indicação dessa circunstância, nos autos de notícia ou nas decisões de aplicação de coima, não tem por consequência a nulidade insuprível de tal decisão.

Improcede assim sem mais a presente alegação.


»«

Por fim resta-nos apreciar a invocada nulidade por omissão quanto aos critérios de determinação da fixação da coima aplicada.

Neste ponto assumimos aqui a posição que tem sido sufragada pelo STA, no sentido de que exigência a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT que refere que a decisão que aplica a coima deve conter: “A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.”, deve ter-se por satisfeita, quando à fundamentação da concreta coima aplicada foram ponderados os fatores a que refere o artigo 27.º do RGIT.

Na situação em análise, consta da decisão que foram ponderados esses elementos: a inexistência de atos de ocultação e de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infração. – cfr. ponto B) do probatório.

Termos em que, consideramos que, também aqui, não se verifica qualquer nulidade e que os requisitos mínimos referidos permitem ao visado contra ela reagir no exercício do seu direito de defesa (vide neste sentido entre outros o recente acórdão do STA proferido em 01/07/2020 no processo n.º 02142/17.3BEBRG)

Aqui chegados, resta-nos conceder provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar a decisão recorrida e negar provimento ao recurso.

III - DECISÃO

Face do exposto, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e, julgar improcedente o recurso da decisão de aplicação da coima.


Sem custas.

Lisboa, 08/10/2020


A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º- A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão dos restantes integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]

Hélia Gameiro Silva