Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07031/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/28/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO.
NATUREZA RECEPTÍCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
NOTIFICAÇÃO COMO SIMPLES CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
I.V.A. QUALIFICA-SE COMO IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA.
NOTIFICAÇÃO PESSOAL DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO. ARTº.38, NºS.5 E 6, DO C.P.P.T.
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO.
DÉFICE INSTRUTÓRIO (CFR.ARTº.662, Nº.2, AL.C), DO C.P.CIVIL, NA REDACÇÃO DA LEI 41/2013, DE 26/6).
Sumário:1. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.

2. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.

3. A possibilidade de exame da caducidade do direito à liquidação pode verificar-se no âmbito do processo de impugnação, desde que estejamos perante situação que se reconduz à estruturação de liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo. Mais se dirá que a conjuntura de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal.

4. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.

5. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).

6. De acordo com a jurisprudência que perfilhamos, o I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo, embora o prazo extintivo do direito da Fazenda Pública à liquidação do tributo tenha como termo inicial de cômputo o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o mesmo facto tributário (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção introduzida pelo artº.43, nº.1, da Lei 32-B/2002, de 30/12).

7. O legislador entende que a possibilidade de optar pela notificação pessoal dos actos de liquidação se aplica mesmo nos casos em que a lei prevê a utilização de outros meios de notificação, designadamente os previstos no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., apesar de aí se referir que “as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção”. Com efeito, a razão de ser de tal obrigatoriedade é, manifestamente, impedir a utilização de meios menos idóneos de efectuar as notificações. Assim sendo, tal imposição legal não abrange as situações em que se optar por uma forma de comunicação que, na perspectiva legislativa, é tanto ou mais eficiente do que a carta registada com aviso de recepção. Nestes termos, tendo em consideração o brocardo latino “cessante ratione legis cessat eius dispositio” (cessando a razão de ser da lei, termina o seu alcance), deverá interpretar-se restritivamente a referência à obrigatoriedade de utilização da carta registada com aviso de recepção, consagrada no citado artº.38, nº.1, do C.P.P.T., como não afastando a possibilidade de utilização das regras da citação pessoal, nos termos dos nºs.5 e 6 do mesmo preceito legal e sempre que a entidade que proceder à notificação o entender necessário, nomeadamente se houver dificuldades em realizar a notificação por outra forma, ou não houver a certeza se foi realizada uma notificação.

8. O princípio da investigação, o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário), obriga o Tribunal “a quo” a pronunciar-se sobre as diversas causas de pedir que constam do articulado inicial do processo, sem prejuízo do princípio da prejudicialidade.

9. Se a situação “sub judice” se não enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artº.712, nº.1, do C.P.Civil (cfr.actual artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), norma aplicável ao processo tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário, e que consagra os casos em que é possível a alteração da decisão de facto pelo Tribunal de 2ª. Instância, pode verificar-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte do Tribunal “ad quem” (cfr.artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), caso em que se deve ordenar a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.130 a 138 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente impugnação tendo por objecto liquidação adicional de I.V.A. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2002 e no montante total de € 34.562,85, tudo em virtude do provimento do fundamento caducidade do direito à liquidação.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.161 a 173 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A liquidação, em crise nos presentes autos de impugnação judicial, foi validamente notificada dentro do prazo de caducidade, por meio de afixação no domicílio do sujeito passivo;
2-Afigurando-se esta modalidade como legal e idónea, por forma, a comunicar um certo facto ao seu destinatário;
3-A escolha da notificação pessoal pela entidade competente da administração tributária para transmitir ao destinatário o conteúdo do acto tributário, constitui manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado e não há falta de notificação quando tal escolha é feita sem a indicação da necessidade específica ou concreta que se pretende atingir;
4-As notificações pessoais de actos tributários, a realizar de acordo com as regras das citações pessoais, poderão ser efectuadas de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no C.P.C., designadamente a citação através de contacto pessoal do funcionário com o citando e a citação com hora certa ou através de afixação com posterior advertência (artºs.239, 240 e 241, do C.P.C.);
5-Diga-se que, consta do segmento probatório, que a notificação da liquidação em, crise, ocorreu por afixação, em 30 de Dezembro de 2006, pelas 20horas e 30minutos, contudo o douto Tribunal em nenhum momento considerou tal acto como sendo uma notificação da liquidação;
6-Assim, com a devida vénia, incorreu o Tribunal “a quo” em erro de julgamento, uma vez que considerou, erroneamente, que a notificação ocorreu apôs o término do prazo de caducidade do direito á liquidação, quando na verdade ocorreu entes desse limite;
7-Pelo que perante tal erro de julgamento, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, com a conclusão, do Douto Tribunal, no que concerne ao remate de que "a A.T. não poderia recorrer aos mecanismos previstos no CPC, sem antes ter procedido à notificação da liquidação por correio registado (…)";
8-Contrariamente, a nossa jurisprudência, aceita, que tal acto de dar a conhecer ao sujeito passivo, um acto, que afecte a sua esfera jurídica, possa ocorrer através, de afixação no seu domicílio fiscal;
9-Sendo que tal possibilidade foi totalmente desconsiderada pelo douto Tribunal;
10-Assim, padece a douta Sentença de violação das normas jurídicas que infra se indicam:
- artºs.38, nº.5, e 192, do C.P.P.T., e artºs.233 e 240, do C.P.C., aplicável “ex vi” alinea e), do artº.2, do C.P.P.T., e;
11-De erro na subsuncão dos factos ao direito, porquanto tais factos impunham outra decisão, na qual determinasse a improcedência dos autos de impugnação judicial;
12-Pelo exposto, somos da opinião que o douto Tribunal “a quo”, estribou a sua fundamentação na errónea apreciação dos factos relevantes para apreciação, a manter-se na ordem jurídica, a douta Sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e errada subsunção dos factos ao direito;
13-TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE DECLARE A IMPUGNAÇÃO IMPROCEDENTE, PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.182 a 184 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.132 a 135 dos autos - numeração nossa):
1-O ora impugnante, Luís …………….., foi alvo de acção inspectiva, por parte dos serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço n° ……………., emitida em 24 de Outubro de 2005, que abrangeu os anos de 2002 a 2004 (cfr.relatório a fls.192 do processo administrativo apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
2-Em 10 de Agosto de 2006 foi elaborado projecto de Relatório de Inspecção, no âmbito do procedimento inspectivo referido no número anterior (cfr.documento junto a fls. 187 a 242 do processo administrativo apenso aos autos e que se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
3-Por ofício datado de 17 de Agosto de 2006 foi enviada notificação ao impugnante, para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de Relatório de Inspecção referido no número antecedente (cfr.documento junto a fls.274 do processo administrativo apenso, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
4-O ofício mencionado no nº.3 foi enviado ao impugnante por correio registado (cfr. documentos juntos a fls.183 a 185 do processo administrativo apenso);
5-Em 4 de Setembro de 2006 o impugnante pronunciou-se, em sede de audiência prévia, quanto ao projecto de Relatório de Inspecção (cfr.documento junto a fls.815 a 845 do processo administrativo apenso);
6-Em 13 de Outubro de 2006 foi o ora impugnante, na pessoa da sua mandatária, novamente notificado para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de Relatório de Inspecção (cfr.documentos juntos a fls.1175 e 1177 do processo administrativo apenso);
7-Em 29 de Outubro de 2006, o impugnante exerceu o direito de audição sobre o projecto de Relatório de Inspecção (cfr.documento junto a fls.1188 a 1201 do processo administrativo apenso);
8-Em 28 de Dezembro de 2006 foi efectuada a liquidação adicional de I.V.A. referente ao segundo trimestre de 2002, com o n° …………, da qual resultou o valor a pagar de € 29.049,76, com data limite para pagamento voluntário em 28 de Fevereiro de 2007 (cfr. documento junto a fls.25 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso; documento junto a fls.32 dos presentes autos);
9-A liquidação adicional de I.V.A. referida no número antecedente foi enviada ao impugnante sob correio registado com o nº.RY…………., expedido em 4 de Janeiro de 2007 (cfr.documentos juntos a fls.25 e 26 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso);
10-Em 28 de Dezembro de 2006 foi efectuada a liquidação de juros compensatórios, com o nº…….., da qual resultou o valor a pagar de € 5.513,09, com data limite para pagamento voluntário em 28 de Fevereiro de 2007 (cfr.documento a fls.8 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso; documento junto a fls.34 dos presentes autos);
11-A liquidação de juros compensatórios referida no número antecedente foi enviada ao impugnante sob correio registado com o nº.RY……………, expedido em 4 de Janeiro de 2007 (cfr.documentos juntos a fls.8 e 9 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso);
12-Consta dos autos documento denominado "Certidão marcando hora certa", artigo 240° do CPC, onde se refere o seguinte:
"(...) Certifico que tendo vindo dia 29 de Dezembro de 2006, pelas 20.30 horas, à Av. Aida ……………. APT 3 G 2765 ……………, a fim de notificar o sujeito passivo Luís ………………., (.,.), do conteúdo da notificação das liquidações de IVA e Juros Compensatórios resultante da acção de inspecção efectuada em sede de IVA ao exercício de 2002, não consegui fazer essa diligência em virtude de no referido domicílio não se encontrar qualquer pessoa, por este facto deixo-lhe Hora Certa, nos termos do disposto no n°1 do artigo 240° do Código de Processo Civil, ficando desse modo avisado que no próximo dia 30/12/2006, pelas 20.30 horas, será contactado neste mesmo local, para levar a efeito a Notificação que hoje me propunha fazer. (...)" (cfr.documento junto a fls.27 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso);
13-Consta do processo administrativo apenso documento denominado "Certidão de verificação (hora certa)", onde se refere o seguinte:
"(...) Certifico que hoje, dia 30 de Dezembro de 2006, pelas 20.30 horas, que designei por aviso de notificação marcando hora certa nos termo do art° 240° do Código de Processo Civil, voltei à Av. Aida …………….. APT 3 G 2765 …………., a fim de efectuar a notificação do sujeito passivo Luís …………………., (...) de todo o conteúdo do mandato que antecede, relativo à notificação da liquidação de IVA e de Juros Compensatórios referente ao exercício de 2002. (...)
Como o notificando nem qualquer pessoa se encontrava presente, verifiquei a notificação por afixação à porta da sua residência da nota onde constava o objecto da notificação. (...)" (cfr. documento junto a fls.28 do processo administrativo de reclamação graciosa apenso);
14-Em 21 de Março de 2007, o impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações de I.V.A. e Juros Compensatórios supra identificadas (cfr.processo administrativo de reclamação graciosa apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “… Nenhum outro facto com interesse para a decisão da causa ficou provado…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
15-Em 2/1/2007, foi remetido para o domicílio fiscal do impugnante identificado no nº.12 supra, ofício sob correio registado comunicando que se procedera à notificação da liquidação nos termos do artº.240, nº.3, do C.P.Civil, no dia 30/12/2006, acrescido de cópia do mandado de notificação pessoal, de certidão de marcação de hora certa, de certidão de verificação de hora certa e de nota de notificação, tudo para efeitos do disposto no artº.241, do C.P.Civil (cfr.documentos juntos a fls.145 e 146 do processo administrativo apenso).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente impugnação, tudo em virtude do provimento do fundamento caducidade do direito à liquidação.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que a liquidação em crise nos presentes autos de impugnação judicial foi validamente notificada dentro do prazo de caducidade, por meio de afixação no domicílio do sujeito passivo. Que a escolha da notificação pessoal pela entidade competente da administração tributária para transmitir ao destinatário o conteúdo do acto tributário, constitui manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado e não há falta de notificação quando tal escolha é feita sem a indicação da necessidade específica ou concreta que se pretende atingir. Que as notificações pessoais de actos tributários, a realizar de acordo com as regras das citações pessoais, poderão ser efectuadas de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no C.P.C., designadamente a citação através de contacto pessoal do funcionário com o citando e a citação com hora certa ou através de afixação com posterior advertência (artºs.239, 240 e 241, do C.P.C.). Que consta do segmento probatório da decisão recorrida que a notificação da liquidação ocorreu por afixação, em 30 de Dezembro de 2006, pelas 20horas e 30minutos, contudo o douto Tribunal em nenhum momento considerou tal acto como sendo uma notificação da liquidação. Que padece a sentença recorrida de violação do regime previsto nos artºs.38 nº.5, e 192, do C.P.P.T., e 233 e 240, do C.P.C. (cfr.conclusões 1 a 11 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª. Edição, 2003, pág.207 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12).
Conforme mencionado supra, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos, nos termos do artº.45, nº.1, da L.G.Tributária.
Revertendo ao caso dos autos, em causa está o exame da eventual caducidade do direito à liquidação face a liquidação de I.V.A., e respectivos juros compensatórios, relativa ao segundo trimestre do ano de 2002 (cfr.nºs.8 e 10 do probatório).
Mais se dirá que a conjuntura de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção,12/10/2005,rec.633/05;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5594/12).
De acordo com a jurisprudência que perfilhamos, o I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo, embora o prazo extintivo do direito da Fazenda Pública à liquidação do tributo tenha como termo inicial de cômputo o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o mesmo facto tributário (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção introduzida pelo artº.43, nº.1, da Lei 32-B/2002, de 30/12). A referida alteração normativa aplica-se ao caso “sub judice” (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/11/2008, rec.598/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.361 e seg.).
Face ao exposto, o termo inicial do prazo de caducidade em causa nos presentes autos é o dia 1/1/2003.
Já quanto ao termo final de tal prazo, deve concluir-se que, não tendo ocorrido nenhuma causa de suspensão do prazo de caducidade (cfr.nºs.1 e 2 do probatório; artº.46, nº.1, da L.G.T.), o mesmo teve o seu termo final em 1/1/2007, visto que a acção inspectiva a que foi sujeito o recorrido se prolongou por período superior a seis meses.
Examinemos, agora, a forma e conteúdo da notificação dos actos tributários de liquidação objecto dos presentes autos (recorde-se a natureza receptícia do acto tributário a que já supra se aludiu).
Conforme se retira da factualidade provada, o impugnante foi notificado pessoalmente da liquidação de I.V.A. e juros compensatórios em 30/12/2006 (cfr.nºs.12, 13 e 15 da matéria de facto provada), mais tendo tal notificação assento legal nos artºs.38, nºs.5 e 6, e 192, nº.1, do C.P.P.T., tal como nos artºs.240 e 241, do C.P.Civil (notificação com hora certa).
O legislador entende que a possibilidade de optar pela notificação pessoal se aplica mesmo nos casos em que a lei prevê a utilização de outros meios de notificação, designadamente os previstos no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., apesar de aí se referir que “as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção”. Com efeito, a razão de ser de tal obrigatoriedade é, manifestamente, impedir a utilização de meios menos idóneos de efectuar as notificações. Assim sendo, tal imposição legal não abrange as situações em que se optar por uma forma de comunicação que, na perspectiva legislativa, é tanto ou mais eficiente do que a carta registada com aviso de recepção. Nestes termos, tendo em consideração o brocardo latino “cessante ratione legis cessat eius dispositio” (cessando a razão de ser da lei, termina o seu alcance), deverá interpretar-se restritivamente a referência à obrigatoriedade de utilização da carta registada com aviso de recepção, consagrada no citado artº.38, nº.1, do C.P.P.T., como não afastando a possibilidade de utilização das regras da citação pessoal, nos termos dos nºs.5 e 6 do mesmo preceito legal e sempre que a entidade que proceder à notificação o entender necessário, nomeadamente se houver dificuldades em realizar a notificação por outra forma, ou não houver a certeza se foi realizada uma notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.423/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/11/2007, rec.648/07; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 29/1/2013, proc.5512/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.374).
Atento o referido, deve relevar-se a notificação pessoal da liquidação no pretérito dia 30/12/2006, pelo que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, assim merecendo provimento o presente recurso, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
Aqui chegados, em virtude do provimento do recurso e de acordo com o artº.665, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, haverá que saber se se aplica no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
Pensamos que não, antes devendo configurar-se uma situação de défice instrutório.
Expliquemos porquê.
Conforme se retira do exame do articulado inicial dos presentes autos (cfr.p.i. junta a fls.3 a 29 do processo), o impugnante e ora recorrido, além do mais, erigiu como causas de pedir a preterição de formalidades legais no procedimento de audição prévia e a errónea qualificação e quantificação dos montantes apurados e que fundamentaram a estruturação da liquidação de I.V.A. identificada no nº.8 do probatório, mais tendo arrolado testemunhas com vista à produção de prova testemunhal.
Ora, sobre estas matérias o Tribunal “a quo” não se pronunciou, igualmente não se tendo realizado a diligência probatória requerida pelo impugnante no final da p.i.
E recorde-se que o próprio princípio da investigação, o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário), obrigava o Tribunal “a quo” a examinar as mencionadas causas de pedir.
Nestes termos, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99 da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Concluindo, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos do artº.712, nº.4, do C.P.Civil (cfr.actual artº.662, nº.2, al.c), do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja estruturada a instrução do processo pelo Tribunal de 1ª. Instância nos termos mencionados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO;
2-REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à discussão da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
X
Sem custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 28 de Novembro de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)