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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2327/11.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IMT
PARTILHA
EXCESSO DE QUOTA
Sumário:1. Em partilha judicialmente decretada a liquidação oficiosa respeitante à tributação do excesso da quota ideal deve ser precedida de audiência do interessado se forem adjudicados bens imóveis de diferente natureza e destino.
2. Neste caso deve ser anulada a liquidação que não foi precedida de audiência prévia, por não estar legalmente prevista a sua dispensa nem ocorrer qualquer situação que, em abstracto, configure uma inutilidade nessa audição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. Relatório

1.1. As partes
A Fazenda Publica, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial interposta por H…….. contra a liquidação oficiosa de IMT do ano de 2011, veio interpor recurso jurisdicional dessa sentença.
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1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formula as seguintes conclusões:
1.ª Face aos factos provados não poderia o respeitoso tribunal a quo, decidir como fez, pois face aos factos dados como provados, a conclusão a retirar deveria ser outra.
2.ª O presente processo decorre do ato de liquidação oficiosa de IMT referente a excesso de quota de imoveis em divisões ou partilhas, dado a ora Impugnante ter omitido a entrega da declaração a que se refere a norma do n.º 1 do artigo 19.° do Código do IMT (CIMT).
3.ª A Impugnante adquiriu através de transmissão mortis causa, seis imoveis (cfr. mapa de partilha fls. 72 a 74 dos autos).
4.ª Na sequência daquela liquidação oficiosa realizada pelos serviços de administração tributária, requereu a Impugnante em 29/09/2011, no SF de Lisboa 2, que fosse emitida certidão com todos os atos praticados pelos serviços da administração tributária, nomeadamente cópias de todo o processo referente a referida liquidação oficiosa, tendo concluído, dos elementos fornecidos em resposta àquele requerimento, que não tinha sido notificada para efeitos do exercício de audição prévia antes da liquidação oficiosa.
5.ª Desse facto retira a ora Impugnante de que houve preterição de formalidade essencial susceptível de tornar nula a liquidação.
6.ª De acordo com a fundamentação de facto as alíneas A), B) e C) a liquidação foi realizada, nos termos do artigo 23.° do CIMT, portanto com base em documentos oficiais, in casu, considerando a sentença da partilha dos bens.
7.ª Ora conforme decorre o procedimento de liquidação, tratando-se de partilhas judiciais, a liquidação é efectuada com base nos documentos referidos no n.º 3 (actual n.º 4) do artigo 48.° do CIMT, devendo os secretários judiciais remeter a participação, para ser promovida pelo SF da área onde estiverem situados os bens (cfr. n.º 4 do artigo 21.° do CIMT).
8.ª Pelo que na situação descrita, a administração tributária (o SF de Ourém) verificando não estarem cumpridos o n.º 1 do artigo 19.° do CIMT, encontrava-se vinculada a promover oficiosamente a liquidação de IMT nos termos do n.º 2 da citada norma.
9.ª Conforme defendeu a Fazenda Publica em sede de contestação, o ato de liquidação em apreço consiste no apuramento matemático, processado informaticamente, do valor a pagar (ou a receber) pelo sujeito passivo.
10.ª Salientando-se que a impugnante tinha conhecimento do valor da sua herança para se aperceber correctamente do alcance da liquidação oficiosa do Imposto sindicado.
11.ª Foi considerado pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), no processo n.º 0171/06, de 15-02-2007, que no sumário diz: “É de aplicar o princípio de aproveitamento do acto para obstar a anulação de um acto de liquidação de sisa efectuado sem prévia audição dos destinatários, quando não havia qualquer possibilidade de a sua intervenção poder influenciar o conteúdo daquele acto.”
12.ª Sendo de aplicar ipsis verbis, neste caso em concreto, porque se trata de uma liquidação emanada das normas como é realizada e por quem deve ser promovida, trata-se inclusivamente de uma liquidação baseada em documentos oficiais, pelo que o direito a participação consignado no artigo 60.° da Lei Geral Tributária (LGT) em nada poderia alterar a liquidação sindicada.
13.ª Destarte mantemos a tese já defendida, que a falta de notificação para o exercício de audição prévia obstaria apenas à eficácia do ato, não sendo susceptível de implicar a nulidade da liquidação.
14.ª O princípio da participação, com consagração constitucional no art.° 267.° n.º 1 e 5, visa evitar que o sujeito passivo sofra uma decisão desfavorável da administração tributária sem que tenha tido, previamente, oportunidade de expor a sua opinião.
15.ª Podemos concluir, também, que o direito do interessado na participação da formação do ato de que a destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir a exercer influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção a certos aspectos de facto e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução.
16.ª Pelo que, a finalidade visada pela lei com a concessão do direito de audição prévia, o de participação do sujeito passivo na formação das decisões e deliberações que lhe digam respeito, foi plenamente atingida.
17.ª Assim, não se verificando qualquer preterição da formalidade legal com implicações na validade do ato final, por não ter existido qualquer lesão efetiva e real dos interesses ou valores protegidos pelo preceito violado, o resultado que se pretende com o disposto no art.° 60.° da LGT, o de defesa contra o ato tributário, foi atingido.
18.ª Não sendo a formalidade invalidante da decisão, impõe-se o aproveitamento do ato — utile per inutile non viciatur.
19.ª Com efeito, resulta do artigo 60.°, n.º 2, da LGT que: " 2 - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ...", pelo que sendo a sentença um documento oficial, de um órgão de soberania, que institui, um pedido declaratório realizado pela Impugnante sedimentando os seus direitos e deveres no ordenamento jurídico, sempre se poderá correlacionar nestes elementos, assim se considerando susceptível de abarcar a dispensa.
20.ª Nestes termos, deve a douta sentença do douto tribunal a quo ser corrigida, visto a fundamentação da douta sentença não contemplar todas as soluções de direito que circunscrevem a matéria sob discussão e ao decidir como decidiu preteriu o sentido pelo qual foi instituído o próprio direito a participação. Considerando que ao manter-se esta decisão com todos os elementos incorporantes, farão como se de um escape se trate à própria Lei, que enforma como inevitável a tributação nesta situação.
21.ª Neste seguimento deverá o ato tributário em causa ser mantido, por ser de relevar que a administração tributária não preteriu qualquer formalidade essencial, muito pelo contrário promoveu a liquidação de IMT que deveria ter sido realizada e promovida pela própria Impugnante.
22.ª Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo, lavrou em erro de análise, interpretação e aplicação do direito, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha o procedimento de liquidação em causa.
23.ª Com o devido respeito, que é muito, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou acertadamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais.
24.ª Não o entendendo assim, a douta sentença recorrida violou os preceitos legais invocados, pelo que, devera ser revogada, com todas as legais consequências devidas.
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1.2.2. Contra-alegações
A recorrida não apresentou contra-alegações.
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1.3. Parecer do Ministério Público
O Exm.º Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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1.6. Questão a decidir
É obrigatória a audiência prévia em caso de liquidação oficiosa de IMT, na sequência de partilha judicialmente decretada?
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2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.2. Factos provados (na sentença)
a) Por partilha da herança do seu pai, C….., a ora Impugnante [recorrida] adquiriu bens imóveis no valor de 235.731,00 EUR (cfr. documento junto a fls. 71 a 74 do processo administrativo apenso);
b) Considerando que o valor dos bens mencionado em A) que antecede excede em 126.218,67 EUR o seu quinhão, de 109.512,33 EUR, a Impugnante deu de tornas aos dois restantes herdeiros, aquele primeiro valor de 126.218,67 EUR (cfr. documento junto a fls. 71 a 74 do processo administrativo apenso);
c) A partilha mencionada em a) e b) supra foi homologada por sentença proferida em 24.02.2011, pelo Tribunal Judicial de Ourém – 2º Juízo –, transitada em julgado em 24.03.2011 (cfr. documentos de fls. 44 e 75 do processo administrativo apenso);
d) A Administração Tributária emitiu, em 03.08.2011, a liquidação oficiosa de IMT n.º 327…., a que corresponde a nota de cobrança n.º 2011……, no valor de 7.045,62 EUR, com o seguinte teor:
“texto integral com imagem”
Cfr. documentos de fls. 6 e 7 dos autos e fls. 77 do processo administrativo apenso);
e) Em 23.08.2011, foi remetido à ora Impugnante, por carta registada, ofício com a liquidação oficiosa mencionada na alínea anterior, o qual foi recepcionado em 31.08.2011 (cfr. documentos de fls. 5 a 7 e 11 dos autos);
f) Em 05.12.2011, deu entrada no Tribunal a presente impugnação (cfr. fls. 2 dos autos).
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2.1.2. Factos não provados (na sentença):
Que foi remetido à Impugnante ofício de notificação para exercer o direito de audição prévia à emissão da liquidação identificada na alínea D) do probatório supra.
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2.1.3. Motivação:
A sentença motivou a decisão da matéria de facto nestes termos:
“Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Quanto ao facto dado como não provado, tal decorre de não ter sido junto, nem aos presentes autos, nem ao processo administrativo apenso, qualquer elemento de prova que demonstre o referido facto.
De resto, é o próprio Serviço de Finanças de Ourém que admite, no ofício de remessa do processo administrativo à Direcção de Finanças de Lisboa, junto a fls. 29 do referido processo administrativo, que “[c]omo decorre da consulta às peças processuais, não se encontra qualquer comprovativo de audição prévia (…)”.
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2.1.4. Matéria de facto a aditar:
Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
g) À recorrida foram adjudicadas as verbas n.os 21, 22, 23, 24, 25 e 27, constituídas por prédios destinados a comércio e habitação, terreno para construção, terrenos rústicos e fracção autónoma destinada a habitação (cfr. fls. 56 a 59 do PI).
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2.2. De Direito
2.2.1. Vício das conclusões de recurso
A Fazenda Pública vem questionar a sentença aduzindo 24 conclusões, repetindo quase ipsis verbis os 27 artigos da alegações e acrescentando até matéria que não foi alegada nestes. Não cumpriu, assim, o disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, que sob a epígrafe “ónus de alegar e formular conclusões”, dispõe que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
No limite, tal infracção poderia ser considerada falta de conclusões, a justificar a rejeição do recurso. Porém, como a questão colocada é facilmente perceptível, não se coloca aqui uma impossibilidade de definição do objecto do recurso, razão pela qual não se cumprirá o disposto no n.º 3 do artigo supra referido (numa interpretação a contrario).
Posto isto…
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2.2.2. Do mérito do recurso
A única questão colocada, aliás na petição inicial, na sentença e no recurso, consiste em dar resposta à seguinte questão: é obrigatória a audiência prévia em caso de liquidação oficiosa de IMT, na sequência de partilha judicialmente decretada?
A sentença considerou que sim, o que merece a discordância da recorrente. Argumenta esta, em síntese, que o montante de imposto liquidado foi apurado por simples aplicação das taxa de IMT, razão pela qual a AT estava obrigada a proceder a uma liquidação oficiosa vinculada, não podendo a audição do contribuinte influenciar essa liquidação. Daí sustentar que a irregularidade cometida, que não contesta, se degrada em formalidade não essencial.
Invocou, a esse propósito, jurisprudência do STA.
A sentença, que como se disse, considerou existir o vício de preterição da audiência prévia, não descurou essa vertente relativa ao aproveitamento do acto em circunstâncias de que não resulta qualquer outra possibilidade de actuação da AT que não aquela concretamente tomada, mas obtemperou que não era assim no caso em apreço.
Não explicitou devidamente esta asserção mas cremos que, ainda assim, não errou no seu juízo de julgamento.
É que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, em situações de liquidação oficiosa de IMT por excesso de quota em partilha judicial, a liquidação não é “automática”, passe a expressão, ou vinculada como afirma.
De acordo com o Código do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (CIMT), este imposto incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados em território nacional.
No que concerne aos bens imóveis adquiridos em partilhas estabelece o diploma que “o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer” fica sujeito a IMT, sendo o valor do imposto a pagar calculado em face do valor patrimonial tributário dos bens imóveis ou, se superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha (isto é, o valor declarado na escritura pública ou, como é o caso, na sentença judicial).
As regras constantes do IMT não fornecem, contudo, uma resposta imediata às diversas questões que se podem colocar em sede de partilhas, o que impõe uma abordagem mais profunda ao regime do IMT para se perceber se, em caso de partilha, basta apenas aplicar a taxa de imposto ao valor apurado
Vejamos.
No caso em que sejam atribuídos, na partilha, imóveis com destinos diferentes (e é o caso), importa apurar a base tributável de cada um dos imóveis de forma a calcular o imposto devido, já que a taxa aplicável depende da natureza e destino de cada um deles.
E inexistindo uma norma que resolva expressamente esta questão, parece que a melhor solução será, dentro do espirito do IMT, proceder, por cada um dos imóveis atribuídos na partilha, a uma imputação proporcional do excesso apurado.
Note-se, aliás, que no caso em apreço foi atribuída à recorrente a verba n.º …, fracção autónoma destinada a habitação, pelo que sempre se teria de averiguar se se trata da habitação permanente da recorrida ou não, pois neste caso a transmissão pode estar isenta ou sofrer uma tributação apenas a partir do valor fixado no artigo 9.º do IMT.
Demonstrado fica, pois, que no caso concreto a audiência prévia nunca poderia (nem pode!) ser entendida como um acto inútil, a fundamentar a sua dispensa e, consequentemente, a justificar a degradação da preterição da formalidade em mera irregularidade não invalidante.
Dito de outro modo, a recorrida devia ter sido ouvida, pois a sua audição poderia alterar o conteúdo concreto do acto.
Assim, impondo o n.º 1 do artigo 60.º da LGT a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, e não tendo esta sido cumprida no caso em concreto nem se vislumbrando qualquer causa de exclusão legalmente prevista para esta formalidade (cfr. n.os 2 e 3 do artigo 60.º da LGT), bem andou a sentença em anular a liquidação em causa.
Razão pela qual deve ser confirmada, o que implica negar provimento ao recurso.
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2.2.3. Síntese conclusiva:
1. Em partilha judicialmente decretada a liquidação oficiosa respeitante à tributação do excesso da quota ideal deve ser precedida de audiência do interessado se forem adjudicados bens imóveis de diferente natureza e destino.
2. Neste caso deve ser anulada a liquidação que não foi precedida de audiência prévia, por não estar legalmente prevista a sua dispensa nem ocorrer qualquer situação que, em abstracto, configure uma inutilidade nessa audição.
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3. Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2019-03-14
(Benjamim Barbosa, relator)
(Anabela Russo)
(Ana Pinhol)