Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:87/09.0BEPDL-S1
Secção:CA
Data do Acordão:10/18/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:DECISÃO DE IMPROCEDÊNCIA DA EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
RECURSO DE APELAÇÃO AUTÓNOMO
COMPETÊNCIA MATERIAL
INDEMNIZAÇÃO AO ABRIGO DO REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS PESSOAS COLECTIVAS
Sumário:I – A decisão constante do despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva não é passível de recurso de apelação autónomo;
II – A jurisdição administrativa é competente para conhecer uma acção intentada contra uma Associação de Municípios e dois sujeitos de direito privado, estes demandados na qualidade de co-contratantes num contrato de gestão e exploração, em que se requer uma indemnização ao abrigo do regime da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e demais pessoas colectivas, por se entender que com a saturação de um aterro sanitário e o depósito de resíduos em quantidades muito superiores às projectadas se provocou danos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
G… – G…, Lda, (GSU), interpôs recurso do despacho saneador na parte em que julgou improcedentes as excepções de incompetência absoluta e de ilegitimidade passiva.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”O presente recurso tem por objeto o Despacho Saneador ("Despacho Recorrido") proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de 'Ponta Delgada, na parte em que o mesmo julgou improcedentes as exceções de incompetência a bspluta e de ilegitimidade passiva, deduzidas pela Recorrente, em sede de contestação.
B Entende a Recorrente que, naquela parte, o Despacho Recorrido padece de erros de julgamento, que deverão conduzir à sua revogação. C A Recorrente é uma empresa privada e celebrou, no âmbito da sua atividade, um contrato de prestação de serviços com o Consórcio de Sociedade de Construções S…, S.A., M…, Lda., H… — G…, Lda., N…, S.A., consórcio empreiteiro no âmbito do Contrato de Empreitada celebrado a 26 de Maio de 1999 com a Associação de Municípios da Ilha de São Miguel.
D Nos termos daquele contrato de prestação de serviços, foi adjudicado à ora Recorrente "todos os trabalhos e serviços respeitantes à gestão e operação do Aterro Sanitário que integram a empreitada identificada nos considerandos", ou seja, a empreitada de "Concepção, Construção e Gestão do Aterro Sanitário da Ilha de S. Miguel".
E No âmbito da presente ação, os Autores/Recorridos pretendem ser ressarcidos de alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, em consequência de alegados maus cheiros oriundos de um aterro sanitário de S. Miguel.
F Apreciando a exceção de incompetência absoluta deduzida pela Recorrente, entendeu o Tribunal que "a gestão do aterro sanitário pelo subempreiteiro" integra a execução do contrato público, e, por isso, se insere no âmbito de uma relação jurídica administrativa, concluindo, dessa forma, que os tribunais administrativos são competentes para conhecer da pretensão dos Autores.
G O Tribunal, ao decidir pela competência dos tribunais administrativos para conhecer da pretensão dos Autores contra a Recorrente incorre em erro de julgamento.
H Em primeiro lugar deve ter-se presente que a atividade realizada pela Recorrente insere-se no contrato de prestação de serviços supra referido e respeita a uma relação de natureza jurídica privada. Desta forma, a eventual responsabilidade civil extracontratual da Recorrente encontra-se obrigatoriamente submetida à jurisdição dos tribunais judiciais.
L Em segundo lugar, e atendendo a que "A competência em razão da matéria afere-se em função da relação material controvertida tal como ela é configurada pelos autores definida pelo pedido e pela causa de pedir (Assim por exemplo o Acórdão do STA de 9/12/2010, proferido no processo 020/10).", também não poderia o Tribunal ter decidido no sentido da competência dos tribunais administrativos para conhecer da pretensão dos Autores contra a Recorrente.
M Com efeito, os Autores fundamentam a sua pretensão no regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (cfr. artigos 77.2 a 80.2 da petição inicial).
N Os Autores/Recorridos não alegam qualquer razão de direito capaz de sustentar a pretensão que deduzem contra a ora Recorrente.
O Relativamente à exceção de ilegitimidade passiva, entendeu o Tribunal que "Como os autores configuram a relação material controvertida as partes têm interesse em contradizer, podem ser prejudicadas com a eventual procedência da acção, razão pela qual são partes legítimas./ As partes são legitimas.".
P Ora, a Recorrente executou todas' as obrigações advenientes do contrato de prestação de serviços.
Q No âmbito da empreitada em que' se inseriu aquela prestação de serviços, o dono da obra emitiu os autos de vistoria e de receção da empreitada, conforme é de sua responsabilidade.
R A Recorrente não pode, por isso, ser responsabilidade por qualquer dos factos alegados pelos Autores/Recorridos.
S O Despacho Recorrido, ao julgar, improcedentes as exceções de incompetência absoluta e de ilegitimidade passiva invocadas pela Recorrente, incorreu em erro de julgamento.”

O Recorrido não contra-alegou.
O DMMP não apresentou a pronúncia.

Suscitada oficiosamente, já no TCAS, a questão prévia da inadmissibilidade do recurso de apelação autónomo na parte em que se visa reagir contra a decisão do saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, as partes nada responderam.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Foi oficiosamente suscitada a questão prévia da inadmissibilidade do recurso de apelação autónomo na parte em que se visa reagir contra a decisão do saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva.
Nos termos do art.º 142.º, n.º 3, al. d), do CPTA, é admissível recurso das decisões que “ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa” (cf. também o n.º 1 deste artigo).
Porém, no caso em apreço, não se recorre de decisões que ponham termo ao processo, mas, antes, de decisões que o fizeram prosseguir porque julgaram improcedentes as excepções de incompetência absoluta e de ilegitimidade passiva.
Nos termos do art.º 142.º, n.ºs.3 e 5, do CPTA, é também possível o recurso nos “casos previstos na lei processual civil” e “nos casos em que é admitida a apelação autónoma nos termos da lei processual civil”. Remete-se, assim, para do art.º 144.º do CPC, que no n.º 2, al. b), permite o recurso de apelação autónomo da “decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal”.
Portanto, por aplicação conjugada dos art.ºs 142.º, n.º 3, do CPTA e 144.º, n.º 2, al. c), do CPC, é possível o recurso de apelação autónomo relativamente à parte da decisão recorrida que julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta, pois ao fazer esse julgamento, ainda que para determinar a improcedência da excepção que era arguida, apreciou-se acerca daquela competência.
Mas, já no que concerne à excepção de ilegitimidade passiva, porque julgada improcedente, não determinou nenhuma absolvição da instância. A indicada decisão também não conheceu do mérito da causa, nem de nenhum pedido. Logo, tal decisão não era imediatamente recorrível, podendo a parte reagir contra a mesma apenas a final, no recurso que viesse a interpor, conforme preceituado no art.º 142.º, n.º 5, do CPTA.
Fica, portanto, afastada a possibilidade de recurso de apelação autónomo relativamente à parte da decisão constante do despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva.
Por conseguinte, não se conhece o recurso interposto quando relativo àquela decisão.

Prossegue o recurso para conhecimento da decisão na parte em que que julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta.
Importa, assim, saber se a decisão recorrida errou porque os Tribunais Administrativos não são competentes para conhecer acerca de uma relação de natureza jurídico-privada e relativa ao contrato de prestação de serviços que a G…/Açores celebrou com o Consórcio empreiteiro, para a gestão e operação do Aterro Sanitário sito em…, em Ponta Delgada.
Conforme decorre da PI, com a mesma visa-se a responsabilização dos RR., ora Recorridos, ao abrigo do regime da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e demais pessoas colectivas, alegando-se que com a saturação do aterro sanitário em questão e o depósito de resíduos em quantidades muito superiores às projectadas, se provocou danos aos AA., decorrentes dos maus cheiros que infestaram a sua habitação. Mais se diz, que com uma projectada ampliação daquele aterro irão provocar-se maiores danos, porque a casa dos AA. ficará ainda mais perto dos lixos. Os AA. intentam a acção contra a Associação dos Municípios da Ilha de São Miguel, por ser a proprietária do aterro, a M… – Operações Intermunicipais de Ambiente, EIM, por ter a seu cargo a gestão da recolha dos resíduos e a G…/Açores, ora Recorrente, por ter sido a responsável por esta gestão até finais de 2008.
A ora Recorrente não contesta que é uma empresa privada que celebrou um contrato de prestação de serviços com o Consórcio composto pela Sociedade de Construções S..., S.A., M..., Lda, H… - G…, Lda e N…, S.A, no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre aquele Consórcio e a Associação de Municípios da Ilha de São Miguel, e que prestou efectivamente aqueles serviços desde Janeiro de 2003 até Outubro de 2008.
A PI desta acção deu entrada no TAF do Funchal em 17-07-2009.
Em decorrência do art.º 212.º, n.º 3, da CRP, quando delimita a competência material dos Tribunais Administrativos por reporte para os litígios emergentes das relações jurídico-administrativas, o art.º 1.º do ETAF (na anterior redacção, aqui aplicável) veio estipular o seguinte: "os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes de relações administrativas e fiscais".
No caso em apreço, pede-se uma indemnização por danos alegadamente decorrentes das condutas de todos os RR., ora Recorridos, por estarem a explorar e a gerir o Aterro Sanitário sito em M…, em Ponta Delgada, que se apresenta saturado e por se antever a ampliação desse aterro. Funda-se a responsabilidade dos RR. no regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas.
Dispunha o art.° 4.° n.° 1, als. h) e i) do ETAF, na versão vigente à data da propositura da acção o seguinte: “I. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:(...)
h) Responsabilidade Civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários agentes e demais servidores públicos;
i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas”.
Assim, face à causa de pedir e aos pedidos formulados, a presente acção cairá na previsão constante das alíneas h) e i) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF, visando-se através dela efectivar a responsabilidade civil extracontratual dos RR., públicos e privados, requerida ao abrigo do regime da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas.
Igualmente, tal como vem configurada a PI a relação jurídica que está subjacente ao litigio é, se dúvida, uma relação jurídico-administrativa, porquanto se imputa a todos os RR. a violação do contrato de gestão e concessão, alegando-se que se opera no aterro para além das quantidades “projectadas” e porque se vai ampliar aquele aterro.
Admite-se que a PI esteja formulada um tanto deficientemente, porquanto não se identifica de forma clara e completamente perceptível quais são os concretos actos ilícitos, nem qual ou que concreto R. os praticou. Mas, ainda assim, é possível compreender que os actos que se indicam como ilícitos serão os relativos à gestão do aterro em condições de saturação e à ampliação que se estima do mesmo. Quanto à gestão do aterro, vem imputada a todos os RR. No que concerne à decisão de ampliação do aterro, apesar de os AA. a imputarem a todos os RR., será uma conduta que apenas pode ser imputada ao 1.º R., mas quanto a essa questão não cumpre aqui conhecer.
Portanto, face à causa de pedir e aos pedidos formulados nesta acção, ter-se-á que concluir pela competência material destes tribunais para conhecer da presente acção.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em não conhecer o recurso interposto quando relativo à decisão constante do despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva;
- em negar provimento ao recurso interposto da decisão que julgou improcedente a excepção de , confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

Lisboa, 18 de Outubro de 2018.

(Sofia David)
(Conceição Silvestre)
(José Correia)