Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:58/11.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL;
OPOSIÇÃO;
REVERSÃO;
GERÊNCIA EFECTIVA;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

J..., veio deduzir oposição ao processo de execução fiscal (PEF) n.° 33282009... e apensos, instaurado pelo órgão de execução fiscal (OEF) Serviço de Finanças de Lisboa 9 contra a sociedade “E... Serviços de Catering, Lda." e revertido contra si, na qualidade de responsável subsidiário, para cobrança de dívidas referentes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do exercício de 2006.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 10 de Julho de 2019, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«1) Nos presentes autos discute-se a ilegalidade da reversão do oponente, revertido enquanto responsável subsidiário pelas dívidas tributárias da devedora originária “E... SERVIÇOS DE CATERING, LDA”, do ano de 2006.

2) Nesta senda concluiu o Tribunal ad quo, pela ilegitimidade do oponente para a reversão, considerando procedente a oposição.

3) Nos presentes autos, o oponente limitou-se a alegar que: (i) não era gerente facto da sociedade devedora originária; (ii) e falta de culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade.

4) Dos autos resulta que o opoente era gerente de facto e de direito da sociedade devedora originária, existindo elementos de atos reveladores de que, no período a que reportam as dívidas exerceu, de facto, a gerência da devedora originária.

5) O próprio oponente assumiu o exercício das funções e que nunca renunciou às mesmas (questão também salientada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu parecer).

6) O Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu parecer adere à argumentação explanada pela AT, pronunciando no sentido da improcedência da oposição.

7) A circunstância de resultar dos autos que o oponente não teria uma intervenção tão ativa em termos de tomada de decisões financeiras dentro da empresa não é suscetível de alterar a convicção no sentido de ter sido gerente de facto, pelo menos, até ao encerramento da empresa.

8) Conforme resulta dos autos, a menor intervenção do oponente em alguns aspetos da vida da sociedade, resultam da outorga de uma procuração de gerência a favor dos seus pais.

9) Salvo melhor opinião, a outorga da procuração de gerência por parte do ora oponente aos seus pais, constitui um ato de gerência, uma vez que se destina a vincular a sociedade perante terceiros.

10) Contrariamente ao entendimento do Meríssimo Juiz a quo, que muito respeitamos, encontra-se provado nos autos a nomeação do opoente para o exercício da gerência de direito e de facto, resultando igualmente que aquele continuou a exercer, de facto, as referidas funções, durante o ano de 2006 (ano a que se reportam as dívidas), e igualmente ao tempo do termo do prazo de pagamento voluntário, e não tendo efetuado prova que afastasse a presunção de culpa pela falta de pagamento das dívidas exequendas, o opoente é parte legitima na execução fiscal.

11) Em suma, sendo o ora oponente revertido em virtude de a sociedade devedora originária não ter quais bens penhoráveis, e porque gerente de direito e de facto, com provas inequívocas da sua gerência, e não tendo efetuado prova que afastasse a presunção de culpa pela falta de pagamento das dívidas exequendas, a ilegitimidade que que lhe é imputada, não encontra razão de ser, falecendo in totum todos os argumentos aduzidos pelo meritíssimo juiz a quo.

Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente Recurso proceder, sendo revogada a douta sentença, com o julgamento totalmente improcedente nos presentes autos de oposição.

Porém, com melhor entendimento,

V. Exas., decidindo, farão a costumada justiça.»

O recorrido, devidamente notificado para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:

«1. O recurso ora em crise e no qual se oferecem as ora contra alegações peca na sua subsistência legal, porquanto não se encontra estribado em nenhum fundamento que, devidamente subsumido ao Direito, importe decisão diversa daquela que foi doutamente proferida pelo Tribunal de primeira instância.

2. A recorrente faz seu o parecer do douto Ministério Público, o qual não tem força vinculativa e nada mais faz, convenhamos, senão o dar por reproduzido as alegações da própria recorrida, pelo que é então a recorrida estar a usar fundamentos seus através de interposta terceira pessoa, não assumindo qualquer relevância de maior.

3. O mesmo se diga no quanto concerne à ilegitimidade alegada e declarada procedente por provada, que na verdade é o único fundamento do presente recurso por banda da recorrente.

4. Leia-se o quanto a douta sentença proferida que erro algum alberga deixou bem claro:

5. “Independentemente da reversão do PEF contra o responsável subsidiário se fundamentar na alínea a) ou na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT é à AT que cabe, sempre, fazer a prova do exercício efetivo, ou de facto, da gerência do Oponente na sociedade devedora originária.”

6. Assim o que procura ora a recorrente obter através do recurso interposto, é a sanação do vício de não ter preenchido o ónus de alegação e de prova que sobre si incumbia, que o recorrido previu o facto ilícito e não promoveu para o evitar o seu fim, que não usou das adequadas cautelas,

7. Tudo o que não fez de forma oportuna e tempestiva e que procura ora com o presente recurso acautelar, no entanto e s.m.e., sem sucesso.

8. E uma vez mais, no quanto concerne à ilegitimidade passiva leia-se a este respeito como bem andou a sentença proferida,

9. “Enquanto titular do direito de reversão, impende sobre a AT o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter o PEF contra o gerente da devedora originária, bem como os factos que integram o exercício efetivo dessa gerência e que permitam concluir que, no presente caso, o Oponente controlava os desígnios da sociedade de forma clara e consciente. ”

10. Reitere-se: ónus da AT em demonstrar os pressupostos, os factos que integram o exercício efetivo dessa gerência e que permitam concluir que, no presente caso, o Oponente controlava os desígnios da sociedade de forma clara e consciente

11. O que não o fez!

12. Vindo apenas socorrer-se de uma alegada procuração para provar que o oponente recorrido era gerente de facto, ora, a mesma procuração que o exime de qualquer responsabilidade!

13. É um pleno contrassenso!

14. A outorga de procuração é o que demonstra para além de qualquer dúvida que o recorrido não detinha o controlo e não comandava os desígnios da sociedade.

15. “Face ao exposto, não se mostra provado pela AT conforme lhe competia, atentas as regras de repartição do ónus da prova acima enunciadas, que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da sociedade devedora originária, o Oponente também exercia de facto essa gerência, praticando os atos próprios e típicos inerentes a esse exercício, no ano aqui em causa e, nessa medida, não poderá o mesmo ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.°, n.° 1, da LGT, sendo de concluir pela ilegitimidade do mesmo para a presente execução.”

Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ª Ex.ª se requer a improcedência do presente recurso, porquanto bem andou o douto Tribunal a quo na decisão proferida, a qual se deve manter, s.m.e., em vigor no presente ordenamento jurídico, tudo o que se requer em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!»



*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1) Em 18-03-2004, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade por quotas designada "E... Serviços de Catering, Lda.", constando como gerente o Oponente (cf. certidão a fls. 34 e 35 do PEF apenso aos autos);

2) Em 04-10-2005, deu entrada nos serviços da Administração Tributária (AT) uma declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC em nome da sociedade descrita em Error! Reference source not found., constando no campo do representante legal o NIF do Oponente (cf. declaração a fls. 2 a 69 do SITAF);

3) Em 29-10-2005, o OEF levantou contra a sociedade descrita em Error! Reference source not found. um auto de notícia que deu origem ao processo de contraordenação (PCO) n.° 3328200506... (cf. processo a fls. 2 a 69 do SITAF);

4) Em 23-12-2005, o Oponente outorgou um requerimento para pagamento voluntário do PCO descrito em 3) (cf. requerimento a fls. 2 a 69 do SITAF);

5) Em 23-10-2009, o OEF instaurou contra a sociedade descrita em Error! Reference source not found. o PEF n.° 33282009... para cobrança de dívidas referentes a falta de pagamento de IRC do exercício de 2006 (cf. fls. 1 e 2 do PEF apenso aos autos);

6) Em 24-11-2009, o OEF instaurou contra a sociedade descrita em Error! Reference source not found. o PEF n.° 33282009... para cobrança de dívidas referentes a falta de pagamento de IVA do exercício de 2006 (cf. fls. não numeradas do PEF apenso aos autos);

7) Em 15-07-2010, no âmbito do PEF descrito em 5), os serviços do OEF elaboraram uma informação da qual se extrai, além do mais, o seguinte:

«[...] IDENTIFICAÇÃO DOS RESPONSÁVEIOS SUBSIDIÁRIOS [...]

J... 2004 A 2010

FUNDAMENTOS

1° - Informação dos sistemas informáticos SIPA e CEAP NADA CONSTA relativamente a Prédios, Viaturas, outros valores e rendimentos, aquisições/fornecimentos, relações cadastrais e contas bancárias. [...]»

(cf. informação a fls. 36 e 37 do PEF apenso aos autos);

8) Em 15-07-2010, a Chefe do OEF proferiu o seguinte despacho:

«Face às diligências de fls. q/antecedem, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(ões) contra J... [...] na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada.

Face ao disposto nos normativos do n.0 4 do Art.0 23o e do Art.° 60° da Lei Geral Tributária, proceda-se à notificação do(s) interessados(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de 10 dias a contar da notificação [...]

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° l/b) LGT]. [...]

IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA

N.° PROCESSO PRINCIPAL: 33282009... [...]

TOTAL 172.580,05 EUR [...]»

(cf. despacho a fls. 41 e 42 do PEF apenso aos autos);

9) Na mesma data, os serviços do OEF emitiram em nome do Oponente o ofício n.° 1141, registado, com assunto "NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃO-PRÉVIA (Reversão)" (cf. ofício a fls. 48 e 49 do PEF apenso aos autos);

10) Em 02-09-2010, o Chefe do OEF proferiu o seguinte despacho:

«Face às diligências de fls. q/ antecedem, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário{s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra J... [...] na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada.

Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do{s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.0 160° do C. P. P. T para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5 do Art.º 23° da L. G. T). [...]

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° l/b) LGT]. [...]

IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA

N.° PROCESSO PRINCIPAL: 33282009... [...]

TOTAL 172.580,05 EUR [...]»

(cf. despacho a fls. 51 e 52 do PEF apenso aos autos);

11) Na mesma data, os serviços do OEF emitiram em nome do Oponente o ofício n.° 5122, registado com aviso de receção, com assunto "CITAÇÃO (Reversão)” (cf. ofício a fls. 60 a 62 do PEF apenso aos autos);

12) Em 07-12-2010, constava o seguinte no sistema informático da AT:

«[...] SISTEMA DE CONSULTAS - ENTIDADES PAGADORAS [...]

E... SERVIÇOS DE CATERING, LDA

ANO: 2006 [...]

SUJ. PASS.

1…

13…

18…

19…

195…

20…

21…

22…

24…»

(cf. documento a fls. 2 a 69 do SITAF);

13) A gerência de facto da sociedade descrita em 1) era efetuada através de procuração outorgada pelo Oponente a J... e M... (cf. prova testemunhal);

14) Em 21-12-2010, a petição da presente oposição deu entrada nos serviços do OEF (cf. carimbo a fls. 3 dos autos);

15) Em 07-01-2011, deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF).


*


Consideram-se não provados os seguintes factos:

a) Em 01-01-2005, o Oponente renunciou à gerência da sociedade descrita em 1).


*


Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.

*


A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, assim como nos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PEF apenso aos autos.

Quanto ao facto assente em 13), o mesmo resulta do depoimento das testemunhas, que depuseram de forma convicta e coerente, tendo as afirmações dos três depoentes sido congruentes e complementares entre si.

Já o facto não provado em a) resulta de não terem sido carreados para os autos qualquer elemento no sentido pugnado, nomeadamente uma ata da sociedade ou o registo na Conservatória do Registo Comercial.»



*




Em virtude do facto identificado no ponto 13) se revelar conclusivo, impõe-se proceder à respectiva reformulação, de modo a que seja expurgado de juízos conclusivos.


Assim, altera-se a redacção do facto identificado no ponto 13) do probatório, que passará a ter a seguinte redacção:


“13) Em data que não é possível apurar, o Oponente outorgou procuração a favor de seus pais J... e M..., concedendo-lhes poderes de gerência da sociedade devedora originária – Cfr. depoimento das testemunhas inquiridas.”

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso, verifica-se que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela ilegitimidade do Oponente, ora Recorrido, por ter entendido que a AT não logrou provar, como lhe competia, que o Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente tais funções no período de tempo que releva nos autos.

A sentença recorrida, proferida pelo TT de Lisboa, julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida pelo ora Recorrido, revertido na qualidade de responsável subsidiário, por ter entendido que a AT não logrou demonstrar e provar que o Recorrido, para além de ser gerente de direito, exerceu, de facto, aquela função.

Para chegar a tal conclusão, considerou o Juiz a quo que:

“(…)Analisada a instrução efetuada pelo OEF, verifica-se que os únicos elementos recolhidos respeitante à alegada gerência de facto do Oponente assentam na outorga de um pedido de pagamento de contraordenação e no facto de o seu NIF constar na declaração Modelo 22 de IRC, conforme descrito em 2) e 4).

Porém, ao contrário do que entendeu o OEF, tanto a declaração Modelo 22 de IRC como o pedido de pagamento de contraordenação têm data anterior ao das dívidas ora em crise, pelo que não provam a gerência de facto no exercício de 2006.

Deste modo, da factualidade dada por provada não resulta a prática de qualquer ato de gerência pelo Oponente, outrossim, verifica-se que o OEF não logrou recolher elementos bastantes e suficientes que permitam demonstrar que o Oponente tenha praticado atos concretos, em representação da sociedade devedora originária, que a vinculassem perante terceiros e que se destinassem ao desenvolvimento do seu objeto social.

Face ao exposto, não se mostra provado pela AT conforme lhe competia, atentas as regras de repartição do ónus da prova acima enunciadas, que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da sociedade devedora originária, o Oponente também exercia de facto essa gerência, praticando os atos próprios e típicos inerentes a esse exercício, no ano aqui em causa e, nessa medida, não poderá o mesmo ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.°, n.° 1, da LGT, sendo de concluir pela ilegitimidade do mesmo para a presente execução.(…)”

A Recorrente dissente do decidido, invocando que existem nos autos elementos reveladores do exercício efectivo da gerência, no período a que reportam as dívidas e que a outorga da procuração a favor dos pais do Recorrido constitui um acto de gerência.

Vejamos, então.

Não vindo questionado o regime de responsabilidade aplicado na sentença recorrida (o previsto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária), vejamos então se assiste razão à Recorrente, analisando o regime de responsabilidade subsidiária aí instituído.

O regime legal da responsabilidade subsidiária aplicável é, pois, o que decorre do artigo 24.º da LGT, nos termos do qual os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si :

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

À luz do regime da responsabilidade subsidiária descrito, em qualquer uma das suas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência - neste sentido, entre muitos outros, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10.

No que diz respeito ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, é ao exequente, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência efectiva como pressuposto da responsabilidade subsidiária.

Relativamente a esta matéria afirmou-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no âmbito do processo n.º 1132/06, que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência.

É sabido que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade da sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, quem toma decisões sobre o destino das suas receitas e quem dá ordens de pagamento em nome e no interesse dela, exteriorizando, por essa via, a vontade da sociedade e vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros (conforme estipula o artigo 260.º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais -CSC-).

Não oferece dúvida que gerência nominal (de direito) do Recorrido não vem questionada, contudo, como já afirmamos, inexiste disposição legal que estabeleça que a titularidade da qualidade de gerente faz presumir o exercício efectivo do respectivo cargo.

Refere a Recorrente que existe nos autos prova inequívoca do exercício da gerência efectiva pelo Recorrido. No entanto, esta alegação é totalmente vazia de conteúdo, pois que não identifica, em concreto, quais os ditos elementos, constantes dos autos, que permitiriam chegar a tal conclusão, razão para que improceda a sua argumentação.

Resta apreciar a pertinência da argumentação relacionada com a alegada outorga de procuração pelo recorrido e a favor de seus pais, para o exercício da gerência.

Afirma a recorrente que a outorga da escritura constitui um acto de gerência, já que se destina a vincular a sociedade perante terceiros.

O Recorrido discorda, referindo que a outorga da procuração é o que demonstra, para além de qualquer dúvida, que o recorrido não detinha o controlo e não comandava os desígnios da sociedade. Entende que é a outorga da procuração é o que demonstra que o recorrido não detinha o controlo e não comandava os desígnios da sociedade.

Comecemos por dizer que, muito embora não conste dos autos prova documental relativa à emissão da procuração, a sua existência é admitida por ambas as partes e resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos, como, aliás, resulta da motivação da matéria de facto.

Assim, temos como assente a circunstância de o Recorrido, gerente de direito da devedora originária, ter emitido procuração a favor dos seus progenitores a quem conferiu poderes de gerência da sociedade.

A sentença recorrida, não obstante ter dado como provado o facto de ter sido outorgada a procuração, certo é que dele não retirou quaisquer consequências, tendo concluído pela ilegitimidade do Recorrido, em virtude de a AT não ter provado o exercício de facto da gerência e considerado procedente a Oposição.

Recorde-se que, no requerimento a fls. 81, o Recorrido já afirmava que a identificação dos gerentes de facto será oportunamente realizada em sede de prova testemunhal.

Do probatório resulta, (concretamente, do ponto 13)) que o Recorrido outorgou procuração a favor dos seus progenitores a quem concedeu amplos poderes de gerência da sociedade devedora originária.

Ouvida a gravação da diligência de inquirição de testemunhas, constata-se que, efectivamente, assim foi, tal como considerado pela sentença recorrida.

A questão está em saber as implicações, em termos de responsabilidade e do exercício efectivo da gerência, que a outorga daquele instrumento acarreta para o Recorrido.

Atentemos no que se disse no acórdão do STA de 08/07/2015, proferido no âmbito do processo nº 1659/13:

“(…) Não restam dúvidas de que do ponto de vista jurídico e tendo em conta o instituto da representação que como dispõe o artigo 258 do Código Civil “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado nos limites dos poderes que lhe competem produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”.

E que a procuração é um modo de representação voluntária pois nos termos do artigo 262 do CC é um acto pelo qual alguém atribui a outrem voluntariamente poderes representativos.
Assim sendo a constituição de procurador bastante com a finalidade de exercer a gerência da sociedade devedora constitui também o contrato de mandato com representação nos termos do preceituado nos artigos 1157 e 1178 do Código Civil pelo que o mandatário tem o dever de agir não só por conta mas em nome do mandante a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.

Também como bem refere o recorrente decorre das disposições conjugadas do preceituado nos nºs 5 e 6 do artigo 252 e nº 2 do artigo 261 do Código das Sociedades Comerciais que é ilegal a representação no exercício do cargo de gerente nos termos amplos em que o mandato foi efectuado.

Pelo que em princípio pese embora o facto de se ter provado que a oponente pessoalmente nunca praticou actos próprios de gestão e administração em nome da devedora originária de que era gerente nominal de direito tal seria irrelevante perante o efectivo exercício da gerência do seu procurador dado que de acordo com os preceitos legais citados os actos praticados pelo mandatário de acordo com os poderes que lhe haviam sido conferidos na procuração produziriam os seus efeitos na esfera jurídica do mandante.
Mas como bem salienta o mº juiz “apoiado in Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado Vol III pp 473 e 474 não releva para efeitos de responsabilização subsidiária apenas o que abstractamente decorre dos termos dos preceitos legais mas antes in casu o que verdadeiramente decorre no que respeita às relações havidas entre a oponente e a sociedade devedora sob a capa legal assumida.

E o que ficou provado é que a constituição do mandato em termos até que a lei prescreve dada a sua amplitude é de per si demonstrativa da não intervenção da oponente na vida da sociedade pese embora a moldura jurídica possa aparentemente reflectir o contrário (…)”.

Regressando ao caso dos autos, e considerando a matéria de facto provada (que não vem posta em causa), se é certo que se considerou provada a emissão da procuração com poderes de gerência, verifica-se que para que este tribunal pudesse eximir o Recorrido da sua responsabilidade, era curial que tivesse sido alegado e provado todo um conjunto de factos que permitissem compreender as circunstâncias concretas que levaram à emissão da procuração, naqueles termos.

Densificando, o ora Recorrido não logrou alegar e provar as razões que levaram à outorga da procuração, à sua nomeação como gerente da sociedade, os poderes concretos que delegou pela procuração, em suma, a factualidade bastante que nos permitisse afirmar que, muito embora a outorga da procuração (que a jurisprudência vem reiteradamente considerando como um acto de gerência) o seu alheamento da vida da sociedade era tanto, que em caso algum poderia ser considerado gerente de facto.

Ora, nada disto foi alegado pelo Recorrido, pelo que, tendo apenas sido dada como provada a emissão da procuração, sem outros factos que sustentassem a sua situação concreta, factos que pudessem indiciar que, não obstante a outorga da referida procuração, a sua ligação à actividade da sociedade era nula, a conclusão a que se chega é a de que o Oponente exerceu, efectivamente, a gerência.

Esta conclusão é a que resulta do entendimento jurisprudencial mencionado supra de que, a circunstância de o gerente de direito outorgar uma procuração a terceiros, mediante a qual lhes concede os poderes de gerência que detém, é, por si só, um acto de gerência.

Assim sendo, o recurso procede, pelo que apreciaremos, em seguida a questão da culpa do gerente, cujo conhecimento foi considerado prejudicado pela sentença recorrida.

Da culpa do gerente

Fundando-se a reversão da execução no artigo 24º, nº.1, al.b), da L.G.T. (cfr.ponto 8) do probatório), essa circunstância faz impender o ónus da prova sobre o gerente revertido, no caso o oponente/recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE).
A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não resultou de qualquer conduta que lhe possa ser imputável, em termos de causalidade adequada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).

Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode concluir, absolutamente, que o opoente/recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, “E... – Serviços de Catering, Lda”, se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração, usou da diligência de um bonus pater familias.

Não pode, nessa medida, considerar-se que o oponente/recorrido tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento das dívidas exequendas/revertidas de IRC que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve julgar-se o Oponente/Recorrido parte legítima para a execução fiscal.

Assim, procedendo o recurso, deve ser revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a oposição à execução.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição.

Custas pelo Recorrido.

Registe e notifique.

Lisboa, 27 de Maio de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Lurdes Toscano.


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)


(Lurdes Toscano)