Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11736/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
SUBEMPREITADA
ACÇÃO DIRECTA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Sumário:Aplica-se a regra contida no artigo 16º do CPTA para aferir qual o tribunal territorialmente competente para conhecer a acção instaurada com fundamento no artigo 267º do Decreto-lei n.º 55/99, de 2/03.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

S…………. - SANEAMENTO …………………., SA interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa no âmbito da acção administrativa comum contra si instaurada por A………….. - EQUIPAMENTOS ………….., LDA, a qual declarou o Tribunal territorialmente incompetente para conhecer da acção e competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Concluiu assim as suas alegações:
“1. A presente acção não deriva de uma mera relação pecuniária.
2. Antes tem subjacente um contrato de empreitada.
3. A empreitada tem sido executada em Lisboa.
4. Consequentemente, nos termos do artigo 19º do CPTA, é competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.”

A recorrida não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
*

A única questão que se coloca é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa é incompetente para conhecer dos presentes autos, sendo competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

*


Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da petição inicial constante de fls. 3 a 19 dos autos em suporte de papel, na qual se escreveu nomeadamente o seguinte:
“ (…)

Em 28.04.2006, a Demandada lançou um concurso por negociação, sem publicação prévia de anúncio, designado “CN/0 02/06 Empreitada de Concepção/Construção da Adaptação e Completamento da ETAR de Alcântara”.
Associadas em consórcio ao referido concurso público, concorreram as seguintes empresas:
- S………….. Engenharia, SA, pessoa colectiva n.º ……………..
(…)
- E……….- Construções ………………., SA, pessoa colectiva n.º ………….., registada na Conservatória do Registo Comercial
(…)
- H………..- Contratação e …………., Lda, pessoa colectiva n.º …………..
(…)
Em 28/09/2006, foi-lhes adjudicada a Empreitada, e
Em 29/09/2006, foi celebrado o contrato de empreitada.
(…)
A Demandada assumiu a qualidade de Dona da Obra.
As empresas referidas no artigo 2º, a qualidade de Empreiteiras, em regime de Consórcio.
10º
Para a execução de parte da referida obra, a empresa Co-Empreiteira “H…………. - Contratação e C………………….., Lda”, solicitou à ora Autora a prestação dos seus serviços,
11º
ao que esta aceitou.
12º
Os serviços solicitados, e aceites pela Autora, tinham por objecto a realização de parte das obras de intervenção na obra de Empreitada/Concepção da Construção da Adaptação e Complemento da Etar de Alcântara, objecto de várias sub-empreitadas.
13º
O preço contratualmente acordado entre a Autora e a Co-Empreiteira, pelas várias sub-empreitadas, foi de € 847.444,00 (oitocentos e quarenta e sete mil euros e quatrocentos e quarenta e quatro euros), acrescido de IVA liquidado nos termos legais, e à taxa legal em vigor, como resulta do conjunto de encomendas e confirmação de encomendas resultantes da prova documental que se junta ao presente articulado.
14º
No dia 29.03.2010, tiveram início em oficina as obras contratadas,
15º
e em obra, para início da montagem da obra n.º 1927 (fibra), no dia 28.06.2010.
16º
Tendo as mesmas terminado no dia 26.01.2011.
17º
As obras realizadas a pedido da sociedade Co-Empreiteira “H………….. - Contratação ………………………………, Lda”, e em benefício da aqui Ré, foram realizadas com inteiro conhecimento da Ré.
(…)
22º
Valor em dívida que ascende a € 402.509,60 (quatrocentos e dois mil quinhentos e nove euros e sessenta cêntimos).
23º
Interpelada para proceder ao pagamento das supra mencionadas facturas, a sociedade “H………… - Contratação …………………………., Lda”, não procedeu ao seu pagamento - Documento n.º 33 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
Por outro lado,
24º
no dia 09.06.2011, ao abrigo do disposto no artigo 267º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/99, de 2 de Março, a Autora reclamou junto da Ré o pagamento das facturas vencidas e em dívida - Documento n.º 34, que se junta e se dá por reproduzido, com as legais consequências.
25º
Não tendo, até à presente data, obtido qualquer resposta da Ré.
(…)
34º
Como resulta da prova junta aos presentes autos, não restam dúvidas que a Autora realizou, em regime de sub-empreitada, um conjunto de obras a pedido da sociedade “H………. - Contratação …………………, Lda”,
35º
e que esta sociedade, ainda que interpelada para proceder ao valor em dívida não pagou à Autora, dentro do prazo de 15 dias que a lei concede para o efeito, o valor devido como contrapartida pelos seus serviços ainda se encontra por pagar.
(…)
Termos em que requer a V. Exa., com o douto suprimento que desde já se requer, nos termos do disposto no artigo 267º, n.º 1 e 2 do RJEOP, que seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 402.509,60 (quatrocentos e dois mil quinhentos e nove euros e sessenta cêntimos).
(…)”.
2) A autora tem sede na Rua ………………, Parque Industrial A……………., n.º 10, Cacém (acordo - facto alegado pela autora, o qual não foi impugnado pela ré).

2. Do Direito

A autora, ora recorrida, instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção administrativa comum com vista a obter a condenação da ré, ora recorrente, a pagar-lhe a importância de € 402.509,60, ao abrigo do disposto no artigo 267, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03.
Alegou, para tanto em síntese, que:
- Em 29/09/2006 a ré, na qualidade de dona da obra, celebrou com o consórcio constituído, entre outras, pela sociedade H……………. - Contratação ………………………., Lda, o contrato de empreitada de concepção/construção da adaptação e completamento da Etar de Alcântara;
- Para a execução de parte dessa obra a H……………. subcontratou com a autora a realização de diversos serviços no valor total de € 847.444,00, os quais foram executados;
- Parte das facturas emitidas, no valor de € 402.509,60, não foram pagas pela Hidrocontrato;
- No dia 9/06/2011 reclamou junto da ré o seu pagamento, ao abrigo do disposto no artigo 267º do Decreto-lei n.º 59/99, não tendo obtido qualquer resposta.
O TAC de Lisboa declarou-se territorialmente incompetente para conhecer da presente acção e competente o TAF de Sintra, com base no seguinte discurso fundamentador:
“Atento o teor da petição inicial e o pedido aí formulado, verifica-se que a quantia peticionada pela autora emerge do contrato de prestação de serviços (considerado pela autora como contrato de subempreitada) celebrado com a H…………. - Contratação e …………………, Lda, ou seja, verifica-se que a pretensão da autora é relativa a contrato.
Dispõe o art. 19º do CPTA, sob a epígrafe “Competência em matéria relativa a contratos”, que:
“As pretensões relativas a contratos são deduzidas (…) no tribunal do lugar do cumprimento do contrato”.
Encontra-se dado como assente que a autora tem sede no Cacém, concelho de Sintra, pelo que, atento o disposto no art. 774º do Cód. Civil, era esse o local onde os € 404.509,60 (obrigação pecuniária) - cujo cumprimento é exigido pela autora na presente acção - deviam ser pagos.
Nestes termos, este tribunal é territorialmente incompetente, atento o prescrito no transcrito art. 19º do CPTA, conjugado com o art. 3º, n.ºs 1 e 2 do DL 325/2003, de 29/12, na redacção do DL 182/2007, de 9/5, e respectivo mapa anexo, sendo que, de acordo com tal mapa, competente para conhecer da presente acção é o Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra”.
A ré, ora recorrente, discorda desse entendimento, e defende que “a pretensa obrigação tem subjacente um contrato de empreitada no qual a Autora faz parte, ainda que indirectamente, como subcontratada”, acrescentando que tal contrato “foi celebrado em Lisboa e integralmente realizado em Lisboa, mais concretamente em Alcântara” e que “todos os pagamentos da empreitada, efectuados ao consórcio empreiteiro, que por sua vez subcontratou a Autora, tiveram como referência o local da realização do contrato, isto é, Lisboa”. Conclui, aplicando o artigo 19º do CPTA, que o TAC de Lisboa é o tribunal territorialmente competente para conhecer do pedido formulado na presente acção, uma vez que o mesmo determina que deve atender-se ao “local do cumprimento do contrato”, que é Lisboa.
Vejamos.
Quer o tribunal a quo, quer a recorrente, entendem ser aplicável a regra especial do artigo 19º do CPTA na determinação do tribunal territorialmente competente para conhecer da presente acção.
Porém, enquanto na sentença recorrida se concluiu pela competência do TAF de Sintra, a recorrente entende ser competente o TAC de Lisboa.
A discordância reside no facto de a Senhora Juíza a quo ter entendido que a pretensão da autora emerge do contrato de sub-empreitada que a mesma celebrou com a Hidrocontrato, e a ré entender que o pedido tem subjacente o contrato de empreitada.
Partindo dessa premissa, concluiu a Senhora Juíza a quo que o tribunal territorialmente competente é o TAF de Sintra, uma vez que o lugar do cumprimento do contrato de sub-empreitada é Cacém, sede da autora (cfr. artigo 774º do Código Civil).
Por seu lado, a recorrente entende que o tribunal competente é o TAC de Lisboa, dado que o lugar de cumprimento do contrato de empreitada é Alcântara, Lisboa.
Quid iuris?
A primeira questão que se coloca é a de saber se é a regra vertida no artigo 19º do CPTA que se aplica para aferir do tribunal territorialmente competente.
Dispõe esse preceito que “as pretensões relativas a contratos são deduzidas no tribunal convencionado ou, na falta de convenção, no tribunal do lugar de cumprimento do contrato”.
Estão aí em causa as pretensões que podem ser deduzidas no âmbito de uma acção administrativa comum, nos termos do disposto no artigo 37º, n.º 2, al. h) do CPTA, as quais “poderão versar sobre questões relativas à validade, interpretação ou execução do contrato (entendida como abrangendo a modificação do contrato e a sua extinção ou a aplicação de sanções contratuais) e, bem assim, sobre a responsabilidade contratual (resultante do incumprimento ou do deficiente cumprimento das prestações contratuais), revestindo, assim, a natureza de acções constitutivas, declarativas ou de condenação” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista, 2010, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, pág. 246). Ou seja, estão em causa as típicas acções sobre contratos.
Ora, a pretensão deduzida na presente acção, pese embora tenha por pressuposto o contrato de empreitada celebrado entre a ré e a H……………… e o subsequente contrato de sub-empreitada celebrado entre esta e a autora, não se estriba, nem no primeiro - como sustenta a ré - nem tão pouco no segundo - como se entendeu na sentença recorrida -.
Assim é que, a questão que se coloca nos autos com vista a aferir da pretensão da autora nada tem a ver (directamente) com a validade, interpretação ou execução do contrato de empreitada ou do contrato de sub-empreitada, nem com a responsabilidade contratual da ré resultante do incumprimento das prestações contratuais no âmbito desses contratos.
Não são esses contratos e o seu cumprimento de que aqui se trata.
O pedido formulado nos presentes autos estriba-se, isso sim, no artigo 267º do Decreto-lei n.º 55/99, de 2/03, do qual resulta, no entendimento da autora, o direito da mesma (enquanto subempreiteira) reclamar junto da ré (enquanto dona da obra), o pagamento dos trabalhos que executou e que não foram pagos pelo empreiteiro.
Deste modo, a questão se coloca não se prende com a validade, interpretação, execução ou incumprimento dos ditos contratos, consistindo antes em saber se o artigo 267º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03 concede à autora o direito que a mesma se arroga e, em caso afirmativo, se estão verificados os pressupostos dos quais depende a sua efectivação.
Um desses pressupostos é que o empreiteiro não tenha procedido ao pagamento do montante reclamado pelo subempreiteiro junto do dono da obra, isto é, que tenha incumprido o contrato de subempreitada. No entanto, não é este incumprimento, em si mesmo, que está em causa nos autos, mas apenas enquanto requisito do direito que a autora se arroga junto da ré, nos termos do artigo 267º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2/03; tanto mais que esta não é parte nesse contrato de subempreitada.
E porque assim é, fica afastada a aplicação do artigo 19º do CPTA para aferir do tribunal territorialmente competente para conhecer dos presentes autos.
Que regra se aplica então para esse efeito?
A competência territorial dos Tribunais Administrativos e Fiscais vem regulada nos artigos 16º e ss. do CPTA.
O artigo 16º enuncia a regra geral nesta matéria, ou seja, aquela que deve ser seguida sempre que inexista disposição legal específica, uma vez que, neste caso, é esta que se aplica.
Assim sendo, e antes de recorrer à regra enunciada no referido artigo 16º importa averiguar se não estamos perante uma situação abrangida pelas normas dos artigos 17º e ss.
No caso, afastamos já a regra especial do artigo 19º do CPTA.
Também as restantes regras especiais contidas nos artigos 17º, 18, 20º e 21º do CPTA não se aplicam ao caso dos autos, pelo que se aplica a regra geral enunciada no artigo 16º, nos termos da qual “os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor ou da maioria dos autores”.
Assim sendo, e tendo em conta, por um lado, que a autora tem sede no Cacém e, por outro, o consignado no mapa anexo ao Decreto-lei n.º 325/2003, de 29/12, concluímos que o tribunal competente para conhecer dos presentes autos é o TAF de Sintra.


DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, com a actual fundamentação.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015


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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)


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(Paulo Pereira Gouveia)