Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:497/04.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:OPOSIÇÃO,
APENSAÇÃO DE EXECUÇÕES FISCAIS;
Sumário:I. A decisão de apensação de execuções nos termos do art. 179.º do CPPT, e que anteriormente se encontrava prevista em termos similares no art. 263.º do CPT, não é uma faculdade cujo exercício esteja ao livre arbítrio de cada Chefe de Finanças, mas antes um poder-dever, devendo tal questão ser conhecida pelo órgão de execução fiscal oficiosamente, ou logo que tal questão seja suscitada pelo executado no processo de execução fiscal ou num dos seus apensos;
II. Considera-se suscitada a questão da apensação das execuções fiscais, impondo uma decisão a proferir pelo órgão de execução fiscal, quando o Oponente apresenta junto do órgão de execução fiscal uma única Oposição contra várias execuções, pois a Oposição é apresentada junto do órgão de execução fiscal onde pende a execução (art. 207.º, n.º 1 do CPPT);
III. Nesse contexto, não basta uma informação do órgão de execução fiscal sobre o estado de não apensação dos processos, devendo ser proferida decisão nos termos do n.º 1 do art. 179.º do CPPT, que deve ser notificada ao Oponente com respeito pelo n.º 2 do art. 36.º do CPPT, designadamente com a indicação de que dela pode reclamar nos termos do art. 276.º do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por A... contra as execuções fiscais n°349… e aps, 349…e aps, 349220040100250 e aps. e 3492… e aps., no âmbito da qual é executado por reversão na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “C... e CIA, Lda. ”.

A recorrente Fazenda Pública apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«I — Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se sempre melhor o Vosso douto entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal "ad quo" caiu em erro porque não logrou alcançar a análise crítica da prova nem proceder à sua subsunção às normas legais, relevantes para a boa decisão. Solução diversa da constante na sentença recorrida deveria ter sido adotada pelo Tribunal ad quo.
Assim sendo, somos levados a concluir pela existência de uma distorção na apreciação da prova de tal forma a que os factos não se podem subsumir in totum à realidade normativa que, objeto de uma análise deficiente, levou a decisão recorrida a enfermar in error.
II — Está em causa OPOSIÇÃO JUDICIAL aos processos de execução fiscal n.°s 3492… e apensos, 3492… e apensos, 34922… e apensos, 3492-… e apensos. O revertido alega a sua ilegitimidade face a diversas prestações tributárias em dívida cuja cobrança voluntária se iniciou em 1994 a 2002.
III — A determinação da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas. À data dos factos, tendo em conta que as dívidas a ser exigidas coercivamente nos processos de execução fiscal ativos, remontam (as mais recentes) ao ano 2002, os pressupostos da responsabilidade subsidiária estavam previstos no artigo 13.° do Código de Processo Tributário (CPT). Conforme asseverou a Fazenda Pública nas suas alegações (fls.349 e ss) e tal como consta efetivamente nos despachos de reversão (fls. fls. 248 e 249,157 e 158, 121 e 90 e 91)
IV — O regime da responsabilidade subsidiária, prevista no art.° 13 do CPT assenta numa presunção legal, de que provada a gerência de direito se presume a gerência de facto, devendo operar quando exista da parte desse mesmo gerente uma efetiva prática de atos que conduzam a essa conclusão.
V — De tal entendimento é expressão o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.° 025393, com data de 04-04-2001, 2 SECÇÃO, no qual foi relator ALMEIDA LOPES e onde se lê em Sumário:
"l - As presunções judiciais ou naturais ou de facto, porque não tem o seu valor previsto na lei, são matéria de facto e não matéria de direito, estando sujeitas à prova livre e não à prova legal;
II - No domínio do art. 0 130 do CPT, era ao gerente que incumbia alegar e provar não ter exercido a gerência de facto;
III - Recaindo sobre ele o ónus da prova, na dúvida sobre esse facto a oposição improcedia"
VI — A sentença proferida enferma de défice instrutório porque simplesmente parece ignorar formulação da presunção, no entendimento de que a Fazenda Pública não tinha alegado e provado factos que consubstanciassem o exercício da gerência de facto. Com o devido respeito, será possível inferir-se, face ao probatório, que o oponente não exerceu a gerência de facto?
VII - O facto de o oponente desempenhar as funções de vendedor, diariamente, fora das instalações da empresa, não quer dizer que não se inteirasse, entretanto dos negócios da empresa, agisse em representação da mesma e que, o fizesse apenas por conta das quotas a realizar. Ou seja, o mesmo não logrou cumprir o ónus da prova que sobre si impendia demonstrando de forma inequívoca que não foi gerente de facto.
VIII - Em suma, os testemunhos considerados nos autos, ao invés da prova documental, não se mostram sólidos e fiáveis ou, suficientes à demonstração do não exercício da gerência de facto.
IX - Ademais, estando em causa nos autos processos de execução fiscal não apensos e, tendo o oponente deduzido oposição no âmbito de diversos processos de execução fiscal com os n.°s 3492.. e apensos, 3492-… e apensos, 3492… e apensos, 3492…e apensos, como consta da informação oficial prestada pela AT em cumprimento do ordenado nos doutos despachos proferidos em 06/04/2004 e 01/03/2004 - cfr. fls. 248 e 249,157 e 158, 121 e 90 e 91, também não poderia ter sido proferida a decisão em causa.
X — Efetivamente, tal como decorre, designadamente do teor do Douto Acórdão do STA, proferido no recurso n.° 0867/11, de 21 de Março de 2012, “Se as execuções são autuadas em diferentes processos, a oposição deduzida numa delas não pode projectar os seus efeitos processuais nas demais, sem que as execuções sejam reunidas num único processo."
XII — Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o Douto suprimento judicial, solicita- se, desde já, a V. Ex.as se dignem julgar considerada verificada a invocada exceção, limitativa do direito de intentar a presente oposição, e, em consequência, a absolvição da Fazenda Pública da instância.
XII — Salvo melhor entendimento e com o devido respeito a sentença recorrida não logrou alcançar a análise crítica da prova, ofendendo as normas supra elencadas, relevantes para o bom enquadramento da decisão, termos em que deve ser banida da ordem jurídica.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

O recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.
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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pela recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, por um lado, aplicando-se o regime do art. 13.º do CPT a Fazenda Pública beneficia da presunção de que provada a gerência de direito, se presume a gerência de facto (conclusões I) a V) das alegações de recurso), e por outro lado, a sentença recorrida enferma de défice instrutório não tendo o Oponente logrado provar que não exerceu de facto a gerência de facto (conclusões VI) a VII e XII das alegações de recurso). Invoca ainda a recorrente que não estando os processos de execução fiscal objeto dos presentes autos apensos, não poderia ter sido proferida a decisão (conclusão IX a XII das alegações de recurso).

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


A) Em data não concretamente apurada, mas durante 1994, foi instaurado no Serviço de Finanças de Loures 4 em nome da sociedade “C... e CIA, Lda. ”, o processo de execução fiscal (PEF) n.° 349…;

B) Em data não concretamente apurada, foram apensados ao processo referido em A) os PEF n.° 34922… aps., 3492-… e aps. e 3492-… e aps.;

C) Em 6/04/2004, no âmbito do PEF n.° 3492... e apensos, o Chefe do Serviço de Finanças de Loures 4 proferiu o despacho constante a fls. 248 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, através do qual reverteu a dívida contra o Oponente;

D) Em 6/04/2004, no âmbito do PEF n.° 3492..., o Serviço de Finanças de Loures 4 remeteu para o Oponente por carta registada com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 250 do PEF apenso aos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte «(...) Fica por este meio citado (...) na qualidade responsável subsidiário, para no prazo de trinta dias a contar desta citação, pagar na tesouraria da fazenda publica junto deste serviço. Com guias que deve pedir no mesmo a quantia de 214.709,74€ (...)»;

E) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Loures a nomeação do Oponente enquanto gerente da sociedade “C... e CIA, Lda. ” desde 1988 ao lado de 4 gerentes - cfr. Ap. 02/8… constante na certidão do registo comercial de fls. 77 a 79 dos Autos,

F) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, a renuncia da gerência do Oponente da sociedade “C... e CIA, Lda.” desde 06/01/1999 - cfr. Ap. 19/9… constante na certidão do registo comercial de fls. 78 e 79 dos Autos;

G) A sociedade devedora originária obrigava-se pela assinatura de dois gerentes - cfr. certidão do registo comercial constante na certidão do registo comercial de fls. 78 e 79 dos Autos;

H) A p.i. foi apresentada em 17/05/2004 junto do SF de Loures 4 - cfr. fls. 2 dos Autos.
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Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»

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Com base na matéria de facto supra transcrita o Meritíssimo Juiz a quo julgou procedente a Oposição, entendendo o seguinte:

“Ora, está provado que foram instaurados em nome da C... e CIA vários processos de execução fiscal relativamente a dívidas de IVA, Coimas e IRC de 1994 a 2002.
E consta dos factos assentes que o Serviço de Finanças de Loures 4 reverteu a dívida contra o Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, apenas e unicamente com fundamento “verifica-se que os alegantes exerceram a gerência da sociedade, conforme confirmação dos próprios (...)”.
Todavia, em algo algum o Oponente confessa que foi gerente de facto da sociedade revertida. Aliás, em sede de audição prévia, o Oponente alega expressamente que foi um mero vendedor da sociedade e que o gerente era o Sr. M….
(…)
Da factualidade dada como assente retira-se que o Oponente foi nomeado gerente da sociedade devedora originária em 1988.
Ora, para que se verifique a responsabilidade do gerente da sociedade, é mister a existência de uma gerência de facto. E entende-se correntemente que é gerente efectivo ou de facto aquele que exerce uma gerência que consubstancia no uso efectivo dos poderes de administração e representação da sociedade.
Porém, do probatório não conseguimos concluir que existem indícios suficientes de que o Oponente tenha praticado esses actos de gerência.
Assim sendo, impunha-se, pelo menos, saber se o Oponente chegou efectivamente a praticar actos no exercício de poderes de representação da sociedade e para isso era necessário que a Fazenda Pública fizesse prova que o Oponente tivesse assinado documentos da sociedade por exemplo. E falhando a prova de que o Oponente exerceu de facto, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, resultará inviável a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda e, com isso, deverá concluir-se pela ilegitimidade dos mesmos para a execução e implicar a procedência da oposição à execução fiscal, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos nos termos do artigo 608° n° 2 do CPC, ex vi do artigo 2° al. e) do CPPT, nomeadamente a questão da prova da culpa para efeitos da reversão das coimas e restantes dívidas, uma vez que parte da reversão foi feita ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do art. 24° da LGT.
Por último, e não menos importante, também sempre se diria que o despacho de reversão é completamente omisso quanto à base legal que esteve na base da reversão.
E quanto a esta matéria, o TCA Norte já se pronunciou, tal como se pode constatar no Acórdão do TCAN, de 8/03/2012, Rec. 01449/07.3BEPRT, relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Catarina Almeida e Sousa.
Com efeito, a Sra. Juíza Desembargadora ensinam-nos que a decisão de reversão, pela qual se concretiza a chamada à execução fiscal de um responsável subsidiário pela dívida exequenda (cf. art. 23.°, n.° 1, da LGT), deve ser fundamentada nos termos do art. 23.°, n.° 4, da LGT. 
E continua a Sra. Desembargadora explicando que o enquadramento jurídico de uma reversão numa ou noutra alínea do n.°1 do art. 24° da LGT assume enorme relevância pois que, neste último caso - alínea b) - é ao revertido que cabe provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento, ou seja, só neste caso a Administração Tributária beneficia de uma presunção legal de imputabilidade ao gerente da falta de pagamento da dívida.
Assim sendo e seguindo de perto os ensinamentos do referido Acórdão, podemos concluir que no caso dos Autos, a simples referência no despacho de reversão de “ o artigo 24o da Lei Geral Tributário (LGT) impõe a responsabilidade dos gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada...” nada permite conhecer relativamente ao fundamento porque o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 entendeu responsabilizar o Oponente pelas dívidas exequendas.
Note-se que não pode este Tribunal, sob pena de ilegal intromissão na actividade administrativa e de intolerável restrição dos direitos dos administrados, substituir-se ao Serviço de Finanças na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra os Oponentes, procurando e elegendo agora, de entre as várias possibilidades que podem em abstracto justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação.
E por este motivo, o Tribunal não consegue indagar, com base no despacho de reversão que consta no processo, se o Oponente tem ou não razão, quando alega que cabe à Administração Fiscal provar os pressupostos da culpa.
E se o Tribunal não consegue perceber qual foi a base legal no qual o despacho de reversão se baseou, também não consegue determinar quem tem o ónus da prova relativamente à culpa em que o património da C... e CIA, Lda.”. se tornou insuficiente para a sua satisfação.
Assim sendo, mesmo que não fosse pela ausência de factos que demonstrassem a gerência do Oponente, a Oposição teria sempre que proceder com base neste fundamento, anulando-se o despacho de reversão da execução fiscal contra o Oponente.”

A recorrente Fazenda Pública não concorda com o decidido, entendendo que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, por um lado, aplicando-se o regime do art. 13.º do CPT a Fazenda Pública beneficia da presunção de que provada a gerência de direito, se presume a gerência de facto (conclusões I) a V) das alegações de recurso), e por outro lado, a sentença recorrida enferma de défice instrutório não tendo o Oponente logrado provar que não exerceu de facto a gerência de facto (conclusões VI) a VII e XII das alegações de recurso). Invoca ainda que não estando os processos de execução fiscal objeto dos presentes autos apensos, não poderia ter sido proferida a decisão (conclusão IX a XII das alegações de recurso).

Comecemos por apreciar a exceção suscitada, nomeadamente a dedução de uma única oposição contra vários processos de execução fiscal que não se encontram apensados (conclusão IX a XII das alegações de recurso).

Antes de mais comecemos por referir que a sentença recorrida não se pronunciou sobre esta exceção, pela simples razão de que não foi suscitada pela Fazenda Pública em 1.ª instância. Não obstante, porque é de conhecimento ofícioso, sempre poderá ser conhecida no presente de recurso.

Constitui jurisprudência pacífica que a dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas constitui exceção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito daquela (v., por o acórdão do STA de 10/04/2019, proc. n.º
0326/17.4BEFUN, 0566/18).


Ora, a decisão de apensação de execuções nos termos do art. 179.º do CPPT, e que anteriormente se encontrava prevista no art. 263.º do CPT em termos similares, não é uma faculdade cujo exercício esteja ao livre arbítrio de cada Chefe de Finanças, mas antes um poder-dever. Efetivamente, a apensação de execuções pode ser requerida pelo Oponente, porém, é de conhecimento oficioso, o que significa que, não sendo requerida deve ser conhecida pelo órgão de execução fiscal oficiosamente quando os seus pressupostos se verifiquem.

Suscitada a questão da apensação das execuções fiscais, não basta uma mera informação sobre o estado dos processos de execução fiscal, deve ser proferida decisão pelo órgão de execução fiscal sobre tal questão, mais devendo tal decisão ser notificada com respeito pelo n.º 2 do art. 36.º do CPPT, designadamente com a indicação de que o executado dela pode reclamar nos termos do art. 276.º do CPPT – v. nesse sentido, acórdão do STA de 23/01/2019, proc. n.º 0461/17.9BESNT.

In casu, a Oponente deduziu oposição aos processos enunciados nas alíneas A) e B) dos factos provados. Resulta dessa alínea B) os processos de execução aí referidos foram apensos ao processo enunciado na alínea A). Ou seja, decorre dos factos provados que os processos se encontram apensados.

Sucede que o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa não indicou o documento no qual o facto assenta, e por outro lado, não resulta dos documentos juntos, nem da informação junta com a oposição, aquela apensação, pelo menos de forma inequívoca, pelo que aquele facto dado como provado não se poderá manter.

Neste contexto, é de considerar que o Oponente pretende a apensação dos processos de execução fiscal, porque apresentou uma única Oposição contra as várias execuções fiscais enunciadas na alínea A) e B) da matéria de facto. Ora, considerando que a Oposição é apresentada junto do órgão de execução fiscal onde pende a execução (art. 207.º, n.º 1 do CPPT), cabia-lhe, antes da subida da Oposição, proferir decisão sobre a apensação de todos os processos relativamente aos quais foi deduzida a Oposição, e notificar tal decisão com cumprimento do disposto no n.º 2, do art. 36.º do CPPT, indicando os meios de defesa do executado, nomeadamente o direito de reclamar nos termos do art. 276.º do CPPT. Não o tendo feito, importa, então, ser proferido despacho pelo Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa nesse sentido.

Na verdade, devem os autos baixar à 1.º instância para que se dê cumprimento à tramitação processual que a jurisprudência estabeleceu para estes casos. Considerando um caso semelhante ao dos autos em que a apensação resulta do facto do Oponente ter deduzido Oposição a várias execuções fiscais não apensadas, seguiremos o acórdão do STA de 27/02/2019, proc. n.º 0252/18.0BEPNF:

“A questão que se suscita nos autos consistente em saber se na situação dos autos é admissível a dedução de uma única oposição a vários processos de execução não apensados todos entre si já foi tratada por este STA e, numa linha de entendimento diverso do seguido na sentença recorrida.
Por concordarmos com a expressão do acórdão de 11/01/2017 tirado no recurso nº 54/16 passamos a citar o mesmo cuja jurisprudência se aplica ao presente caso ressalvadas naturalmente as especificidade próprias de ambos os processos. Ali, além do mais se expendeu: (…) Porém, no caso concreto há circunstancialismos próprios que impõem que tal doutrina, que este Supremo Tribunal tem vindo a seguir, seja interpretada de forma a que se conforme com os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, de modo a que se atinja, em última ratio, uma decisão equilibrada e justa do ponto de vista material.
É sabido que a apensação dos processos de execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 179º do CPPT, deve seguir uma lógica economicista, isto é, devem ser apenas praticados os atos estritamente necessários para o bom andamento dos processos, devendo, por isso, reunir-se num único todos os processos em que seja previsível que sejam praticados no mesmo espaço temporal os mesmos atos processuais relativamente ao mesmo sujeito, e por outro, uma lógica de eficácia do julgamento, se é previsível que o mesmo sujeito discuta a “legalidade” da própria execução, cfr. artigo 204º do mesmo CPPT, invocando razões que, inerentes a si próprio se estendem e são idênticas nas diversas execuções e sua tramitação, o “bom” julgamento só se obterá se for uno e abranger as diversas execuções, cfr. acórdão datado de 30.11.2016, recurso n.º 01233/16.
Tendo em conta estas razões que impõem a apensação, naturalmente que se trata de um ato a praticar no(s) processo(s) de execução fiscal ex officio pelo órgão de execução fiscal, ou seja, deve ser praticado independentemente de o interessado particular formular um pedido expresso nesse sentido (ou de existir uma ordem expressa nesse sentido por parte do juiz), e terá que existir uma pronúncia sobre tal questão sempre que a mesma seja suscitada no processo, de forma direta ou indireta, o que é imposto pelo disposto no n.º 1 do artigo 179º do CPPT - correndo contra o mesmo executado várias execuções, nos termos deste Código, serão apensadas, oficiosamente ou a requerimento dele, quando se encontrarem na mesma fase.
Permitir-se que o órgão de execução fiscal omita por completo a pronúncia sobre a questão da apensação de execuções fiscais, depois de suscitada pelo interessado directo na mesma, constituiria uma violação grosseira dos princípios da legalidade e da igualdade que enformam todo o direito fiscal, quer substantivo, quer processual, uma vez que a sua intervenção está sempre condicionada por tais princípios, o que afasta, desde logo, qualquer tipo de discricionariedade de actuação, que poderia, em última instância, ser o fundamento para a omissão de tal pronúncia.
Tratando-se, como se trata, o processo de execução fiscal de um processo judicial, cfr. artigos 103º da LGT, 151º e 276º do CPPT, as questões aí colocadas, direta ou indiretamente, devem ser decididas pelo juiz ou pelo órgão de execução fiscal, com possibilidade de o juiz sindicar tal apreciação, não se formando, em qualquer circunstância, um deferimento ou indeferimento tácito a exemplo do que se passa no procedimento administrativo/tributário; ou seja, no âmbito do processo judicial o silêncio do titular do processo, por si ou por intermédio do coadjuvante, não tem valor de ato, não tem valor jurídico, antes constituindo uma falta ou omissão que deve ser suprida logo que seja detetada, tanto mais que a pronúncia expressa sobre as questões suscitadas no processo ou conhecidas oficiosamente adquirem o valor de caso julgado, nos termos do disposto nos artigos 619º e ss. do CPC.
Não se quer com isto dizer que todas as questões de conhecimento oficioso devam ser oficiosamente apreciadas de forma expressa mesmo que se entenda não se verificarem, na verdade apenas devem ser conhecidas por iniciativa do titular do processo quando o mesmo entenda que se verifiquem, porém, logo que suscitadas pela parte, ainda que o titular do processo já tenha interiorizado a sua não verificação, devem ser conhecidas sem mais demora, sob pena de omissão ilegal de um ato processual devido, cfr. artigo 13º do CPPT.
E isto é assim, quer a questão seja suscitada no processo principal, processo de execução fiscal, quer seja suscitada na oposição à execução fiscal que corre por dependência daquela, cfr. artigos 207º e 208º do CPPT; independentemente do processo onde seja suscitada a questão, a mesma é de conhecimento obrigatório uma vez que tem influência direta e imediata na tramitação de ambos os processos.
De todos os modos, a questão da apensação das execuções fiscais, nos termos do disposto no artigo 179º do CPPT, apenas se coloca para o órgão de execução fiscal a partir do momento em que as execuções são instauradas e para o interessado a partir do momento em que é citado para as execuções.
E, portanto, este apenas pode requerer ou introduzir nos autos a questão da apensação de várias execuções após a sua citação, e deve fazê-lo no momento em que deduz a oposição à execução fiscal, uma vez que é nesse momento que tem a primeira intervenção processual, cfr. acórdão proferido no recurso n.º 01233/16, e quanto a si todas as execuções estarão na mesma fase processual.
Vejamos então o caso concreto.
Na concreta situação dos autos o executado/oponente requereu a apensação dos diversos processos de execução fiscal na petição de oposição, ou seja, na primeira intervenção processual legalmente prevista que ocorre após a citação, que dirigiu e entregou nos serviços do órgão de execução fiscal.
Sendo certo que o órgão de execução fiscal nada disse a esse respeito, tendo vindo a Fazenda Pública, na resposta à oposição invocar a não apensação prévia de todas as execuções, para que fosse determinada a absolvição a instância.
Ou seja, a administração fiscal não só não cumpriu a obrigação que sobre si impendia enquanto órgão de execução fiscal, conhecimento da questão da apensação das várias execuções, posto que as questões de conhecimento oficioso podem e devem ser invocadas a todo o tempo pelos interessados, como ainda pretende retirar efeitos processuais negativos para o interessado, enquanto entidade exequente, invocando uma realidade processual que decorre dessa sua omissão ilegal de prática de ato processual.
Mas, no caso concreto, a situação ainda se torna mais gritante, sob o ponto de vista da violação do princípio da proporcionalidade e da justiça, porque se tratam de execuções fiscais, também, de coimas aplicadas em processos de contraordenação, relativamente às quais não foi cumprido o disposto nos artigos 25º e 29º, do Cód. Proc. Penal, cfr. acórdão datado de 04.03.2015, recurso n.º 01396/14, isto é, não foi ordenada a organização de um só procedimento, nem foi ordenada a apensação dos vários procedimentos.
Ou seja, no caso dos autos, a oposição não pode ser julgada, de mérito ou de forma, até que o órgão de execução fiscal decida a questão da apensação das execuções, o que se lhe impõe, como atrás vimos, por dever de ofício. Impondo-se, por conseguinte, que estes autos aguardem a tramitação processual adequada e necessária a tal questão e, só após se ter concluído com decisão transitada em julgado que tal apensação não é possível, nem viável (ou seja, se houver reclamação de eventual decisão de improcedência, apenas após o trânsito em julgado da respetiva decisão), é que poderá ser decidida a questão suscitada pela Fazenda Pública no tocante à não apensação das execuções.
E, no caso de o órgão de execução fiscal não se pronunciar sobre a questão da apensação, por negligência ou por se recusar a fazê-lo, então o juiz deverá certificar-se da verificação dos requisitos previstos nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 179º do CPPT e ordenar o prosseguimento da oposição relativamente a todas as execuções, incumbindo posteriormente ao órgão de execução fiscal adequar a tramitação das diversas execuções entre si.
Assim, e nesta medida, impõe-se a revogação da decisão recorrida. (…)”.
Porque continuamos a concordar com esta jurisprudência entendemos que o recurso é de proceder, sendo também acertado tudo o que consta do parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, cuja fundamentação também para aqui se aporta.
Em consequência impõe-se a revogação da decisão recorrida.”

Pelo exposto, importa anular a decisão recorrida, regressando os autos à 1.ª instância, para que, se a tal nada mais obstar, proferir despacho a ordenar ao Serviço de Finanças que profira decisão sobre a apensação de execuções fiscais, e posteriormente devem os autos seguir a demais tramitação legal.

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. A decisão de apensação de execuções nos termos do art. 179.º do CPPT, e que anteriormente se encontrava prevista em termos similares no art. 263.º do CPT, não é uma faculdade cujo exercício esteja ao livre arbítrio de cada Chefe de Finanças, mas antes um poder-dever, devendo tal questão ser conhecida pelo órgão de execução fiscal oficiosamente, ou logo que tal questão seja suscitada pelo executado no processo de execução fiscal ou num dos seus apensos;

II. Considera-se suscitada a questão da apensação das execuções fiscais, impondo uma decisão a proferir pelo órgão de execução fiscal, quando o Oponente apresenta junto do órgão de execução fiscal uma única Oposição contra várias execuções, pois a Oposição é apresentada junto do órgão de execução fiscal onde pende a execução (art. 207.º, n.º 1 do CPPT);

III. Nesse contexto, não basta uma informação do órgão de execução fiscal sobre o estado de não apensação dos processos, devendo ser proferida decisão nos termos do n.º 1 do art. 179.º do CPPT, que deve ser notificada ao Oponente com respeito pelo n.º 2 do art. 36.º do CPPT, designadamente com a indicação de que dela pode reclamar nos termos do art. 276.º do CPPT.



III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em anular a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para aí ser proferido despacho nos termos supra referidos, e demais tramitação legal.
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Sem custas.
D.n.
Lisboa, 03 de dezembro de 2020.

A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.