Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1670/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
OMISSÃO DE PRONUNCIA
ERRADA VALORAÇÃO DA PROVA
INSTITUTO DA REVERSÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
FUNÇÕES DE GESTOR E RESPONSABILIDADE DESTE POR DIVIDAS TRIBUTÁRIAS
Sumário:I) A nulidade a que se refere o artigo 125º, nº 1, do CPPT e 615º, nº 1, al. d), do CPC encontra-se diretamente relacionada com o dever imposto ao juiz, pelo artigo 608º nº 2 do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
II) O julgamento da matéria de facto, constitui uma tarefa norteada por critérios de probabilidade lógica, prevalecendo na análise os contributos que se mostrem corroborados por outro tipo de provas, ou pelo menos, os que melhor se conjuguem entre si e/ou com as regras de experiência comum. Tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, que enuncia que o tribunal, timonado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indireta.
III) São, copiosos e de diversa ordem, os atos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante de pessoas coletivas ou entes fiscalmente equiparados, sendo certo que a lei fiscal elegeu, no âmbito da responsabilidade subsidiária dos gerentes/administradores, já desde o antigo Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI) e até hoje um regime baseado na responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional, ligado, por conseguinte, ao efetivo exercício do cargo ou de funções de gerência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

J..., melhor identificado nos autos, veio, na qualidade de responsável subsidiário, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º 158920…, instaurado no SF de Torres Vedras, para cobrança de dívida de IVA de 2009, da sociedade “A..., Lda.”.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida em 06 de junho de 2018, julgou procedente a oposição.

Inconformada, a FAZENDA PUBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I - Os autos à margem identificados visam reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção da execução fiscal revertida contra o Oponente e, a respectiva condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas,

II - Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão ora recorrida, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a mesma incorreu em erro de julgamento, quer quanto ao excesso de pronúncia quer quanto à matéria de facto, uma vez que os factos justificadores para afastar a responsabilidade do ora Recorrido, radicam, tão somente, no facto da AT,

III - Defende o tribunal “a quo” que a AT não alegou sequer o exercício efectivo de funções de gerente por parte do ora Recorrido, em sede de Despacho de reversão, ora, O direito à fundamentação do Recorrido e o correspectivo dever que se impõe à AT, apenas diz respeito às decisões em matéria tributável que afectem os direitos, ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes. Como é bom de ver, uma certidão de dívida não é nenhuma decisão, pelo que, estando cumpridos todos os requisitos prescritos no artigo 163.° do CPPT, nada mais era exigido à AT.

IV - No caso em apreço, e quanto à razão de ciência das testemunhas arroladas pelo Recorrido, aquelas não tiveram conhecimento directo dos factos, ao invés foi um depoimento de ouvir dizer ao Recorrido, já que eram seus amigos, tendo, mesmo L..., trabalhado como motorista das duas empresa até 1992 ou 1993.

V - Pelo que sendo a dívida de 2009, há data, não só não era colega, como muita coisa tinha mudado, concluindo-se que, as testemunhas não tiveram conhecimento directo dos factos, aquelas falaram do que ouviram dizer ao ora Recorrido.

VI - Quanto à legitimidade para a reversão, foi carreado para os autos prova suficiente da sua gerência quer de direito quer de facto.

VII - Pelo que os gerentes ou administradores ao figurarem no contrato de sociedade e respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial (artigo 11.° do CRC) vinculam-se perante terceiros, criando legítimas expectativas no fisco, nos fornecedores, clientes, credores, trabalhadores e na sociedade civil em geral (artigo 64.° do CSC), pelo que os gestores ao serem nomeados, ou seja, designados formalmente, consideram-se investidos em deveres ou poderes funcionais.

VIII -O estatuto de gerente advém-lhe da sua relação negocial com a devedora originária, inicia-se com a sua nomeação (deliberação) para o exercício do cargo de a consequente aceitação do mesmo, assumindo, assim, uma situação de garante das dívidas.

IX - Quanto à gerência de facto assinou, emitiu cheques em nome e por conta da devedora originária, assim como, foi a única pessoa que a representou junto do Serviço de Finanças, decidindo, mesmo quer quanto à venda do imobilizado da mesma quer quanto ao pagamento coercivo das dívidas, face aos processos de execução fiscal que lhe foram instauradas, chegando, também, junto do Chefe do referido SF a requerer o pagamento das preditas dívidas em prestações.

X - Ora um funcionário que, apenas, presta serviço administrativo numa empresa, não tem poder para participar e, muito menos decidir da vida societária da empresa.

XI - Prova do que se acaba de alegar é o facto de ser o próprio Recorrido que afirma nas alegações do artigo 120.° (ponto 15), que «Janeiro de 2010 foi o último mês de trabalho do ora Oponente, que saiu da empresa com “uma mão à frente e outra a trás", uma vez que nem teve direito a subsídio de desemprego por ter sido sócio gerente de tal sociedade».

XII - Ora se foi o próprio Recorrido que reconhece ter sido sócio e gerente da devedora originária e, por esse facto não pôde ter direito ao subsídio de desemprego, só nos resta concluir, como supra se referiu, desde a sua constituição até ao fim, ele foi o responsável de direito e de facto, já que a outra sócia e gerente, fez sempre serviço administrativo.

XIII - Pelo que, tendo sido revertido pela alínea b) do n.° 1 do art.° 24.° da LGT, diferentemente do que acontece na alínea a), onera o responsável subsidiário com a prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento, uma vez que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente/administrador, prova, que até ao momento não logrou provar.

XIV - Por último e quando ao defendido pelo tribunal "a quo”, a AT não alegou sequer o exercício efectivo de funções de gerente por parte do ora Recorrido, em sede de Despacho de reversão”, ora a Fazenda Pública não compreende esta afirmação, porquanto a mesma não foi suscitada pelo ora Recorrido na sua petição de oposição, como se pode constar nos presentes autos, pelo que, afigura-se-nos, estarmos perante excesso de pronúncia, o que desde já se requer.

XV - Esta existe, quando o juiz se pronuncia sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, que “ipsis verbis” se reproduzem:

«1. O Recorrido louva-se na bem fundamentada decisão recorrida.

2. A Recorrente, nas alegações apresentadas, considera que a decisão recorrida “incorreu em erro de julgamento quer por excesso de pronúncia quer quanto à matéria de facto” (...), e ainda que “da prova testemunhal produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.”.

3. Todavia, segundo o disposto no art. 640.°, n.° 1, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 2.°, e), do C.P.P.T., a Recorrente deveria ter obrigatoriamente especificado, sob pena de rejeição na respectiva parte, “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, “os concretos meios probatórios (...) que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” e “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. ”.

4. Sucede, porém, que a Recorrente não cumpriu o ónus de impugnação previsto em tal normal legal.

5. Acresce ainda o facto de a Recorrente não ter indicado com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, não tendo procedido à transcrição dos excertos que considera relevantes, o que deve determinar a imediata rejeição do recurso na respectiva parte - cfr. art. 640.°, n.° 2, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 2.°, e), do C.P.P.T..

6. Afirma a Recorrente que “quanto à razão de ciência das testemunhas arroladas pelo Oponente, aquelas não tiveram conhecimento directo dos factos, ao invés foi um depoimento de ouvir dizer ao Recorrido, já que eram seus amigos

7. Ora, tal afirmação não tem correspondência com a verdade, como desde logo se retira pela acta de inquirição de testemunhas de 03/12/2015 : L...trabalhou com o Oponente na empresa C...; J... trabalhou com o Oponente na empresa A...; e A... trabalhou com o Oponente na empresa C... e na empresa A....

8. Como pode assim afirmar e reafirmar a Recorrente que “As testemunhas não tiveram conhecimento directo dos factos, aquelas falaram pela boca do ora Oponente”?

9. Acresce que é à Fazenda Pública que cabe o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, a qual só existe se à designação correspondeu o efectivo exercício da função (cfr., por todos, Ac. do Pleno de Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. 0113206).

10. Ora, a Fazenda Pública, ora Recorrente, nem sequer alegou tal exercício efectivo de funções no despacho que ordenou a reversão, com base na qual foi instaurada a execução que foi objecto da oposição em curso, o que desde logo inviabiliza que se considerem preenchidos os requisitos legais para que a execução possa prosseguir.

11. Acresce que a Recorrente não logrou demonstrar tal exercício efectivo de funções, sendo certo que, além do mais, ficou demonstrado - como resulta da matéria de facto assente - que o Recorrido funcionava em relação à sociedade devedora como mero “testa-de-ferro”, sem qualquer poder de decisão.

12. De qualquer forma, sempre se dirá que caberia à Recorrente, em sede deste recurso, referir quais são os documentos em concreto donde extrai a sua tese e porquê.

13. Vejamos.

A Recorrente refere os seguintes documentos constantes dos autos na sua peça recursória:

• Mandados de citação assinados pelo Oponente, ora Recorrido, nos PEF’s n.°s 3905…, 1589…, 39052…, 3905200….

posição e a favor do Oponente, 14. Entendemos que, ainda assim, a alegação de recurso não permite sequer identificar adequadamente o seu fundamento, carecendo assim o recurso da identificação do fundamento específico da recorribilidade, como exige o art. 637.°, n.° 2, do C.P.C..

15. Contudo, até se concorda com a Recorrente quando diz que, de tais citações, se extrai que o ora Recorrido foi, desde a sua constituição, sócio e gerente [de direito] da devedora originária, facto que foi explicado pelo mesmo quando lhe foram tomadas declarações - no âmbito do proc. n.° 1669/10.3BELRS -, uma vez que foi sócio e gerente para fazer um favor ao dono efectivo da devedora originária e seu patrão, o Sr. J....

16. Deixa-se ainda assinalado que não é a mera aposição da sua assinatura em documentos da sociedade que, por si só, tem a virtualidade de demonstrar esse exercício efectivo de funções, para mais quando o Recorrido agia como mero funcionário, cabendo o poder de decisão ao seu dono efectivo (J...).

17. Aliás, qualquer documento onde esteja aposta a assinatura do Oponente, ora Recorrido, é irrelevante para os efeitos de determinar quem era efectivamente o gerente da sociedade, uma vez que a aposição de tais assinaturas obedeceu sempre, como decorre do depoimento das testemunhas, bem como das declarações de parte prestadas, às instruções recebidas do Sr. F... ou da filha, não tendo o Recorrido nenhuma intervenção sobre as matérias a que diziam respeito os documentos por ele assinados.

18. Não pode, pois, por isso ser responsabilizado pelo pagamento da dívida em causa nestes autos, uma vez que o ora Recorrido nunca foi efectivamente gerente da sociedade, tendo apenas aceitado tal nomeação como um acto de favor, obedecendo sempre às instruções daqueles que efectivamente exerciam de facto a gerência da sociedade.

19. A Recorrida vem ainda alegar excesso de pronúncia porque “em momento algum o ora Recorrido invoca na petição de oposição que a AT não alegou sequer o exercício efectivo de funções de gerente por parte do ora Recorrido, em sede de Despacho de reversão’’.

20. Ora, tal não é verdade.

21. Na petição de oposição, o ora Recorrido logo alegou que era parte ilegítima no presente processo, uma vez que nunca tinha exercido funções de gerente de facto, nunca tendo tido responsabilidade na gestão da empresa, nem na opção de pagar ou não qualquer imposto - cfr. arts. 1.°, 2.°, 4.° e 5.° da petição de oposição.

22. Acresce que, como já se disse, era sobre a AT que recaía o ónus da prova quanto ao exercício efectivo de funções.

23. Assim, improcede tal arguição de excesso de pronúncia.

24. Ademais, foi o próprio Recorrido que logrou demonstrar que agia como mero empregado de escritório da sociedade, sendo o poder de decisão exercido por aquele que era o seu efectivo dono (J...), não passando o ora Recorrido de um mero gerente de “conveniência’.

25. A Recorrente mantém com o Recorrido um inusitado conflito em várias frentes sem qualquer fundamento e mau grado uma jurisprudência que se vem firmando contra a sua ora Recorrido, como decorre do seguinte:

a) Da sentença proferida no proc. 1669/10.3BELRS, confirmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo - cfr. docs. 1 e 2 que ora se juntam por facilidade de leitura ;

b) Da sentença proferida no proc. n.° 1672/10.3BELRS, de que se junta cópia - cfr. doc. 3 que ora se junta por facilidade de leitura -, que está pendente de recurso;

c) Da sentença proferida no proc. n.° 2217/10.0BELRS, de que se junta cópia - cfr. doc. 4 que ora se junta por facilidade de leitura -, que está pendente de recurso.

26. Resta salientar que, como muito bem refere a sentença recorrida, não há, de acordo com o art. 24.° da L.G.T., qualquer presunção de gerência de facto com base na gerência de direito.

27. A única presunção consagrada por tal preceito legal é a presunção de culpa do gerente pela insuficiência do património societário, desde que o fundamento se subsuma à situação da sua alínea b).

28. Porém, não podemos olvidar as formas como se constituíam os pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes:

• O exercício efectivo do cargo de gerente (o qual, in casu, não se verifica, nem a AT logrou demonstrar);

• Que a dívida se reportasse ao período da gerência de quem é accionado;

• Actuação culposa quanto à insuficiência do património social (o que, in casu, também não se verifica, nem a AT logrou demonstrar).

29. Pelo exposto, deve ser confirmada a decisão recorrida.»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso, por considerar que a decisão não padece dos vícios que lhe vem imputados.

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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que nos vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões suscitadas pela recorrente (FP) consistem em saber se a sentença padece de erro de julgamento:

I Quer quanto ao excesso de pronuncia quer quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos ausência da análise critica das provas produzidas.

II Na apreciação da ilegitimidade do recorrido para a reversão.


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3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«A) O Oponente, durante período não concretamente determinado, trabalhou na sociedade “C...”, sendo dono da referida sociedade J...;

B) A sociedade mencionada em A), em data não concretamente determinada, mas aproximadamente em 1993, deixou de laborar;

C) Após o momento mencionado em B), actividade idêntica começou a ser levada a cabo pela sociedade “A..., Lda.”;

D) O Oponente exercia actividade de empregado de escritório quer da sociedade mencionada em A) quer da mencionada em C), fazendo, no que respeita à segunda, todo o trabalho administrativo, quer no escritório da mencionada sociedade quer designadamente junto de repartições públicas;

E) Todas as decisões relativas a pessoal, designadamente aumentos de remunerações ou ordens de trabalho, da sociedade mencionada em C), eram tomadas ou por J... ou pela filha deste;

F) Todas as decisões relativas a clientes e fornecedores da sociedade mencionada em C) eram tomadas por J....

G) A entrega de produtos aos clientes era ordenada aos motoristas da sociedade mencionada em C) por J...;

H) J... era encarado por quem o conhecia quer como dono da sociedade mencionada em A) quer como dono da sociedade mencionada em C);

I) Em 18/06/2009, foi instaurado no Serviço de Finanças de Torres Vedras o Processo de Execução Fiscal n.° 1589200… em nome da sociedade “A... Industria e Comércio Lda.” - cfr. fls. 19 dos Autos;

J) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Torres Vedras, a nomeação do Oponente enquanto gerente da sociedade “A... Industria e Comércio Lda.” desde 1994, ao lado de uma outra sócia - cfr. Insc. 1 - Ap. 64/199…, constante na certidão do registo comercial de fls. 24 a 25 dos Autos;

K) Em 6/05/2010, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Torres Vedras o despacho constante a fls. 30 dos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, no qual consta o seguinte: «Face às diligências de fls. 5 e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra J... contribuinte n.° 1..., com domicilio em T… - Assenta - 2560-191 São Pedro da Cadeira, na qualidade de responsável civil subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.

Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação dos executados nos termos do art. 160° do CPPT, para pagar nos 30 (trinta) dias a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n. ° 5 do art. 23° da LGT)

(...)

Fundamentos da Reversão:

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento / entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.24°/n.°1/b) LGT].(...)»;

N.°de Processo Principal 1589…

(...)

Total (Eur): 3.800,52EUR (...)»;

L) A p.i. foi apresentada em 15/06/2010 junto do SF de Torres Vedras - cfr. fls. 2 dos Autos.


*

Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Para além disso, o Tribunal valorou os depoimentos das testemunhas arroladas.

Com efeito, quanto aos factos A) a C) e H), a convicção do Tribunal fundou-se, desde logo, no depoimento da testemunha L..., motorista e empresário, que conhece o oponente por ter sido seu colega de trabalho até 1992/1993 e que exerceu funções na sociedade C... e que, de forma convincente e coerente, revelando conhecimento directo dos factos, explicou que trabalhou para a mencionada sociedade, de que era dono J..., referindo que essa mesma sociedade acabou por fechar, tendo “mudado de nome” para A..., sociedade para a qual a testemunha chegou a prestar serviços de transporte depois de 2002 e da qual era dono o mesmo J....

No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha A..., agricultor, que foi motorista quer na sociedade C... quer na sociedade A..., que confirmou a sequência de uma sociedade a seguir à outra, referindo que “armaram uma falência” da sociedade C... e criaram a A…, para fazer a mesma coisa, referindo que J... “punha e dispunha” nesta sociedade.

Estes depoimentos encontram-se em consonância com os esclarecimentos prestados pela parte, que referiu que J..., com a falência da sociedade C..., pensou noutra empresa, mas que tinha que ter sócios outras pessoas, concretamente o oponente e a filha de J..., sendo no entanto o mencionado J... quem mandava na sociedade.

No tocante ao facto mencionado em D), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas L... e A..., com a razão de ciência já referida, tendo ambos confirmado que nas duas sociedades o oponente tinha funções de escriturário, bem como no depoimento de J..., que todos os anos comprava aparas à sociedade A..., revelando-se coerente e convincente, com conhecimento directo dos factos, e que confirmou que o oponente apenas era administrativo, sendo que tudo o que se relacionasse com encomendas era tratado com J....

Refira-se ainda que a testemunha A..., que conhece o oponente há cerca de 30 anos e que dava boleia ao oponente todas as semanas até Torres Vedras, em sede de esclarecimentos ao Tribunal, confirmou que o oponente era empregado de escritório da sociedade devedora originária.

No tocante aos factos E) a G), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas L..., A..., J... e A..., com a razão de ciência já referida. Todos eles se revelaram coerentes entre si, demonstrando-se convincentes, tendo contactos com a sociedade devedora originária por via diferentes (como trabalhadores, fornecedores ou clientes, ou meramente como habitantes da terra), todos eles afirmando de forma peremptória e inequívoca que o dono da sociedade devedora originária era J..., que tomava todas as decisões relativas à mesma, algumas sendo também tomadas pela sua filha, sendo o oponente um mero empregado de escritório.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»


Por iniciativa do tribunal e ao abrigo do n.º 1 do artigo 662. do Código de Processo Civil (CPC) adita-se ao probatório o seguinte facto:

M) O processo de execução fiscal n.º 15892…, a que se referem os pontos I) e K) foi instaurado para cobrança de dividas de IVA do ano de 2009-01-01 2009-03-31, no montante de € 3.800,25 – cfr. fls. 34 e 35 dos autos - Doc. 3 junto à p.i.

N) Está aposta a assinatura do oponente em documentos intitulados "certidão de citação", no âmbito dos PEF n.°s 15892… e 39052…, instaurados contra a sociedade mencionada em C), documentos esses datados de 7/08/2008 e constando dos mesmos que o oponente foi citado na qualidade de sócio gerente – cfr. fls. 48 a 51 dos autos - Doc. 8 e 9 junto à p.i.

O) Foi ainda aposta a assinatura do oponente em documentos intitulados "certidão de citação", no âmbito dos PEF n.°s 390520… e apensos e 39052…, instaurados contra a sociedade mencionada em C), documentos esses datados de 08/01/2007 – cfr. fls. 57 a 60 dos autos - Doc. 12 e 13 junto à p.i.

P) Foi aposta a assinatura do oponente em cheque da sociedade mencionada em C), no qual foi aposta a data 4/03/2008, e em procuração forense da sociedade mencionada em C), na qual foi aposta a data 14/07/2008 – cfr. fls. 47 e 54 dos autos - Doc. 7 e 10 junto à p.i..

De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente oposição deduzida e o oponente parte ilegítima na execução por considerar que a AT não só não alegou no momento de que dispunha para o efeito que o oponente era gestor de facto, como era seu ónus, como ainda resultou provado que o oponente nunca foi gestor de facto da devedora originária.

Como supra deixámos elencado, as questões e erros que se mostram arguidos à sentença recorrida são em primeiro lugar excesso de pronuncia quer quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e ausência da análise critica das provas produzidas.

Vejamos antes de mais o que, nesta parte, se nos oferece dizer:

- Excesso de pronuncia
Decorre do disposto no artigo 125º, nº 1, do CPPT, em consonância, aliás, com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC, que a sentença é nula quando nela se verifique “… a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”.

Esta nulidade está diretamente relacionada com o dever imposto ao juiz, pelo artigo 608º nº 2 do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Donde resulta que, face à norma citada fica vedada ao juiz a possibilidade de pronuncia relativamente às questões que não lhe sejam suscitadas pelas partes, nos termos definidos no artigo 5º do CPC, e, bem assim, daquelas que sejam do conhecimento oficioso.

No caso vertente, não se verifica excesso de pronuncia dado que os contornos do litígio, expostos nos únicos cinco pontos da petição inicial, prendem-se, todos eles, com a arguição da ilegitimidade subjetiva do oponente face ao facto, ali alegado, de nunca ter exercido a funções de gerente na devedora originária.

Termo em que é, para nós, óbvio que não se verifica, in casu, qualquer excesso de prenuncia e que, bem andou o decisor quanto ao caminho percorrido no texto decisório.

- Errada valoração dos elementos constantes dos autos e ausência da análise critica das provas produzidas

No salvatério o apelante vem dizer que fez prova de que que o revertido exerceu as funções de gerente participando na vida societária da empresa da sociedade, invocando o “… facto de ser o próprio Recorrido que afirma nas alegações do artigo 120. ° (ponto 15), que «Janeiro de 2010 foi o último mês de trabalho do ora Oponente, que saiu da empresa com “uma mão à frente e outra a trás", uma vez que nem teve direito a subsídio de desemprego por ter sido sócio gerente de tal sociedade». – concl. X e XI

Antes de mais importa recordar que, como vem sido largamente assumido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o erro de julgamento de facto ocorre nas situações em que verifique que o juiz decidiu mal ou contra os factos apurados, ou seja trata-se de um erro que consiste num desvio da realidade factual (vide a titulo de exemplo e neste sentido o acórdão proferido por este tribunal em 25 de junho último no processo n.º 372/10.9BELRS).

Assim, e como em geral sucede, o julgamento da matéria de facto, constitui uma tarefa norteada por critérios de probabilidade lógica, prevalecendo na análise os contributos que se mostrem corroborados por outro tipo de provas, ou pelo menos, os que melhor se conjuguem entre si e/ou com as regras de experiência comum.

Tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, que enuncia que o tribunal, timonado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indireta.

Porém, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto em 1ª. Instância, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa.

Com efeito, a lei processual impõe ao apelante o dever de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão, diferente da adotada na decisão recorrida, coisa que o recorrente não faz.

Na verdade não se extrai do alegado que o revertido admita que tenha exercida as funções de gerente, o que ali se diz é que ao cessar funções não “ … teve direito a subsídio de desemprego por ter sido sócio gerente de tal sociedade”, o que não quer dizer que tenha, de facto, assumindo o controlo dos destinos da empresa, já que o direito ao subsídio de desemprego ou outras prestações de natureza social são, como sabemos, normalmente aferidas em função de prova documental extraídas dos registos oficiais, situação que aqui não releva.

Improcedem assim, sem mais as conclusões que vimos de analisar.

Quanto à legitimidade do recorrido e da responsabilidade deste, pelo pagamento da divida exequenda, como requisito determinante da reversão da divida exequenda, autonomizado no ponto II da delimitação do objeto do recurso.

Da apreciação da questão enunciada resultou, como já dissemos que, a ilegitimidade do oponente, enquanto responsável subsidiário da sociedade devedora originária, por não ter sido cumprido par parte da AT o ónus da prova de que o mesmo foi gerente de facto da devedora originária, conforme lhe competia, reforçado pela circunstância de, à contrario, ter sido feita a prova, de que o oponente nunca foi gestor de facto da sociedade devedora originária

Rebatendo, em sede do presente recurso, a recorrente vem dizer que foi carreado para os autos prova suficiente da gerência, quer de direito quer de facto, invocando como tal que “ … os gerentes ou administradores ao figurarem no contrato de sociedade e respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial (artigo 11.° do CRC) vinculam-se perante terceiros, criando legítimas expectativas no fisco, nos fornecedores, clientes, credores, trabalhadores e na sociedade civil em geral (artigo 64.° do CSC), pelo que os gestores ao serem nomeados, ou seja, designados formalmente, consideram-se investidos em deveres ou poderes funcionais.” – concl.VII

Refere-se ainda ao estatuto do gerente, dizendo que este lhe advém“… da sua relação negocial com a devedora originária, inicia-se com a sua nomeação (deliberação) para o exercício do cargo de a consequente aceitação do mesmo, assumindo, assim, uma situação de garante das dívidas.” – concl.VIII

Conclui alicerçando a gerência de facto na assinatura e na emissão de cheques pelo oponente, em nome e por conta da sociedade devedora originária e a representação desta junto do SF. – concl IX

Antes de prosseguir para anáiise do conflito recordemos os pressupostos da responsabilidade subsidiária à luz do artigo 24.º da LGT, aqui aplicável, que consideramos poder enumerar da seguinte forma:
1- A devedora originária não dispõe de bens suficientes para solver as dívidas tributárias;
2- O gestor exerce funções efetivas de gerência, e;
3- O gestor é culposamente responsável pela insuficiência do património social.

Donde se extrai que a atribuição da responsabilidade pelas dívidas tributárias, aos administradores ou gerentes das pessoas coletivas ou entes fiscalmente equiparados, não basta a mera designação ou registo, ou da prática de um ou outro ato em representação da sociedade antes carece do exercício efetivo, ou seja, é necessário que o gerente exerça funções de facto na condução dos destinos da empresa.

Recorde-se que a lei fala em “funções de administração ou gestão”.

Significa isto que a lei não se contenta com a emposse formal no cargo, destituída de conteúdo, substância e poder, pelo contrário exige como indispensável o exercício real e efetivo do mesmo, revelado como forma de controlar, ou influenciar decisivamente, as opções económicas e fiscais da sociedade, incluindo o pagamento, ou não, das dívidas tributárias.

Estamos, por conseguinte, no âmbito da responsabilidade subjetiva.

Assim sendo é à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução contra o responsável subsidiário, que cumpre fazer prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária, situação que nos autos não se verificou.

Neste sentido acolhemos o que se disse no acórdão deste tribunal proferido no processo n.º 1953/11.9BELRS em 21/05/2020, cujo coletivo integramos e que, por facilidade, transcrevemos.

Diz-se ali:
“(…)
Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.
A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:
“(…)
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.” - fim de citação.

Dito isto, regressemos ao texto decisório e dando conta que não consta do despacho de reversão qualquer alusão que em concreto seja suscetível de evidenciar o exercício, de facto, das funções de gestão por parte do revertido.

Sendo certo que os argumentos trazidos à lide por parte da recorrente também logram evidenciar uma realidade diferente no que respeita ao concreto exercício da gestão.

Com efeito o que vem invocado como prova de tal exercício é, repete-se, o facto de o oponente se apresentar como gerente no registo da Conservatória do Registo Comercial. invoca o artigo 64. ° do CSC, as funções do gerente ali previstas e bem assim, o estatuto de gerente e alicerça a gerência de facto na assinatura e na emissão de cheques pelo oponente, em nome e por conta da sociedade devedora originária e a representação desta junto do SF, mas nunca refere, em concreto quais os atos que, in casu, essas funções se mostram concretizadas.

Acompanhamos o que a este respeito, se deixou dito no acórdão deste tribunal proferido no processo n.º 1669/10.3BELRS em 13/02/2017, relativamente a matéria idêntica à que, aqui vem versada e por isso, com a devida vénia, citamos:
“(…)
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos art°s.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2a.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2a. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6a. edição, 2011, páçj.465 e seg.).
É no art°.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.art°s.260, n°.1, e 409, n°.i, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27eseg.).” – fim de citação. O negrito é nosso.

São, como vimos, de diversa ordem e copiosos, os atos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, sendo certo que a lei fiscal elegeu, no âmbito da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dividas das sociedade geridas, já desde o antigo Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI) e até hoje um regime baseado na responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, ligado, por conseguinte, ao exercício do cargo ou funções de gerência.

Aqui chegados regressemos ao caso em apreço e face à materialidade dada por provada, nomeadamente nos factos dados por provados nos pontos D) a H), não impugnados, torna-se, para nós, óbvio, a falta de prova do exercício da gerência de facto da sociedade executada, por parte do revertido.

Sendo certo que, como remata o acórdão de 13/02/2017, que acompanhamos “… para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma actividade continuada. Por outro lado, no mesmo sentido vai a prova testemunhal produzida, a qual se apresenta coerente e de atender no sentido de que o opoente/recorrido apenas figurou como “testa de ferro”, dos verdadeiros sócios e gerentes da sociedade executada originária (cfr.ac.T.CASul-2a.Secção, 2/12/2008, proc.1954/07; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 21/05/2015, proc.5665/12).”

Nestes termos, rematamos, como o faz a acórdão que vimos acompanhado, no sentido de que in casu: “… a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do oponente J..., ao abrigo do art°.24, n°.1, al.b), da L.G.T., devido a falta de prova da gerência de facto do mesmo face à empresa executada originária, …”

Tanto basta, para concluir pela improcedência do presente recurso e pela manutenção, in totum, da sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão, ficando, assim, prejudicado o conhecimento da questão enunciada no ponto III da delimitação do objeto do recurso.


4 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes desta 1.ª subsecção em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que assim se mantém na ordem jurídica.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de abril de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]


Hélia Gameiro Silva

(Assinado digitalmente)