Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07459/14
Secção:CT
Data do Acordão:09/28/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:PRESCRIÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:I. Faltando o mesmo tempo para o prazo de prescrição se completar, à data da entrada em vigor da Lei Geral Tributária, quer no regime do anterior Código de Processo Tributário, quer no da nova lei, é aplicável, nesse caso, o prazo da Lei Geral Tributária, contando-se o prazo de prescrição a partir da data da entrada em vigor desta Lei, ou seja, 1 de Janeiro de 1999;
II. As causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 12.º do CC;
III. Verificando-se sucessivas causas de interrupção antes da alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, devem todas elas ser consideradas desde que ocorram após a cessação do efeito interruptivo das anteriores;
IV. Na vigência do art. 49.º da LGT na redacção anterior à Lei 53-A/2006, verificando-se duas causas de interrupção, a impugnação e a citação, não releva para o cômputo do prazo de prescrição esta segunda causa, uma vez que, in casu, ainda não havia cessado o efeito interruptivo da primeira.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I.          RELATÓRIO

G... vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, que julgou improcedente a impugnação da liquidação de IRS do ano de 1997, 1998 e 1999.

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

1- A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação sobre as liquidações de IRS dos anos de 1997,1998,1999, tendo concluído, no que respeita ao prazo prescricional invocado pelo impugnante, que não estão prescritos os impostos sub iudice.

2- A douta sentença incorreu em erro de julgamento, porque, em face da factualidade assente e provada, deveria ter julgado verificada prescrição dos impostos impugnados, pelo menos parcialmente.

3- Resultou provada a seguinte matéria de facto:

15- O processo de impugnação foi apresentado em 6/08/2002;

16. Esteve parado por facto não imputável ao sujeito passivo desde 23/6/2003 até 4/12/2009 (fls. 115 e 119 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

17. A execução foi instaurada em 9/10/2002

18. O impugnante foi atado para a execução em 25/11/2002;

19. Foi prestada garantia para suspensão da execução em 23/9/2008 e o despacho que ordenou a suspensão da execução foi proferido em 8/10/2008 (tudo como consta da informação de fls. 264 cujo conteúdo dá por integralmente reproduzido).

4- Está assente que é aplicável, quanto a esta matéria da prescrição a Lei Geral Tributária, e, ainda no que respeita a aplicação de leis no tempo, não é aplicável ao caso vertente, a revogação do n.° 2 do artigo 49.° trazida pela Lei n.°53-A/2006 de 29/12, por força do disposto no artigo 91.° desta lei (LOE 2007).

5- Dispõe o artigo 48.° n.° 1 da LGT que as dívidas tributárias prescrevem, salvo disposto em lei especial, no PRAZO DE 8 ANOS contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou facto tributário.

6- As liquidações impugnadas referem-se a IRS dos anos de 1997, 1998 e 1999 cuja contagem do prazo prescricional se iniciou, respectivamente nos dias 1 de Janeiro de 1998,1999 e 2000.

7- Nos termos do disposto no n.°1 artigo 49.° da LGT, a impugnação instaurada em 6/08/2002 fez INTERROMPER o prazo da prescrição, iniciando-se, a partir daqui, um novo prazo prescricional.

8- Sucede que o processo esteve parado por facto não imputável ao sujeito passivo desde 23/6/2003 até 4/12/2009, isto é, durante mais de um ano, circunstância que fez cessar o efeito interruptivo da impugnação.

9- Dispõe, ainda, o n.° 2 do aludido artigo 49.° da LGT que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

10-  Assim, da aplicação conjunta dos artigos 48.° e 49.° n.° 1 e 2 da LGT, verifica-se que o IRS do ano de 1997 já prescreveu em 20/10/2007, não tendo ocorrido, quanto a este qualquer outro facto que tivesse interrompido o prazo prescricional.

11-  Em face do exposto, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento no que respeita à aplicação do direito aos factos, e violou o disposto nos artigos 48.° e 49.° n.° 1 e 2 ambos da LGT, pelo que deveria ter declarado verificada a prescrição.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, por consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra decisão que declare verificada a prescrição do IRS do ano de 1997.

Assim se fará a Costumada Justiça!


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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que a dívida não se encontra prescrita, devendo o recurso ser julgado improcedente.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao não ter declarado prescrita a dívida de IRS do ano de 1997.

II.         FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


«II OS FACTOS.

1. O impugnante foi sujeito a uma acção de fiscalização com incidência sobre os exercícios de 1997, 1998, e 199 no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 11 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.

2. Foram propostas correcções aritméticas e por métodos indirectos. As correcções aritméticas basearam-se no seguinte:

3. Em sede de IRS, categoria A, em 1997:

a. Não declarou os rendimentos pagos em 1997 pelo EMFA, sendo 1.200.071$ de rendimento do trabalho dependente e 61.440$ de retenção na fonte

b. Declarou rendimento do trabalho dependente no montante de 8.400.000$, pagos pela "M. ..., Lda" e retenção na fonte de 4.358.070$

4. Estes valores não foram aceites «dado que existem indícios de que estes
foram declarados (...) para assim obter um reembolso de IRS superior ao
devido, sendo a declaração (anexo 3) possivelmente forjada para documentar esses valores...»
(fls. 13 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido)

a. A empresa M. ... recusou apresentar a escrita, pelo
que não foi possível comprovar esses valores;

b. Na fiscalização efectuada à empresa ... - II, concluiu-se que a
mesma se encontra inativa, tendo o sócio A...
declarado por escrito que a firma se encontra inativa desde 1997

c. Só entregou modelo 22 em 1996;

d. A empresa declarou cessação de actividade em 30/6/1998.

e. Não entregou no Estado as alegadas retenções, nem os mod. 10 de
1997 e 1998;

f. Nos serviços de Segurança Social o impugnante não consta como
empregado da sociedade, a qual também se encontra inactiva na
Segurança Social desde 1996;

g. O contribuinte não comprovou o recebimento destes rendimentos;

h. A retenção corresponde a 51,88%, muito superior à taxa limite de 40%

5.   Em sede de IRS, categoria A, em 1998:

a. Não declarou os rendimentos de 1997, pagos em 1998, pelo EMFA,
sendo 611.802$ de rendimento do trabalho dependente e 84.710$ de
retenção na fonte

b. Não declarou os rendimentos pagos em 1998 pelo EMFA, sendo
1.740.421$ de rendimento do trabalho dependente e 87.000$ de
retenção na fonte;

c. Declarou na categoria A 41.400$ pagos pelo Tribunal de Círculo de
Santarém, os quais a AF imputou na categoria B

d. Declarou rendimento do trabalho dependente no montante de
9.799.980$$, pagos pela "M. ..., Lda" e retenção na
fonte de 3.920.000$

e. Também estes valores não foram aceites «dado que existem indícios
de que estes foram declarados (...) para assim obter um reembolso
de IRS superior ao devido, sendo a declaração (anexo 6) possivel­mente forjada para documentar esses valores...»
(fls. 20 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido)

6.   Em sede de IRS, categoria A, em 1999, «como o contribuinte não apresen­tou os comprovativos dos rendimentos recebidos em 1999 e das respectivas
retenções na fonte (IRS), efectuadas pelas entidades pagadoras, nomeadamente as comunicações previstas no art. 119° n.° 1, b) do CIRS, apesar de
notificado para o efeito em 21/8/2001, apuraram-se os seguintes valores
baseados nas consultas efectuadas às entidades pagadoras e nos modelos
10»
(segue-se a relação das entidades e dos valores postos à disposição do
impugnante).

7. «No confronto entre os valores corrigidos e os valores declarados, verificou-se que o contribuinte declarou em excesso os seguintes valores que não comprovou (seguindo-se a indicação dos montantes declarados)

8. Estes valores não «....constam de qualquer declaração entregue ao Estado pelas entidades pagadoras, (..) não se aceitam esses valores não documen­tados/comprovados dado que existem indícios que estes foram declarados(..) para obter uma reembolso de IRS superior ao devido».

9. Em sede de categoria B também foram efectuadas correcções aritméticas nos termos que constam de fls. 12 do relatório cujo conteúdo se dá por reprodu­zido.

10.  No que respeita aos motivos justificativos da avaliação indirecta, a AF elencou os seguintes:

a. Não declarou de todos os rendimentos da categoria B pagos pelo
C... -SA e pelo tribunal de Santarém;

b. Consta como técnico de contas na modelo 22 da seguintes empresas:

i. S...;

ii. M...;

iii. H..., Lda;

iv. E...;

v. B...;

vi. C...;

vii. B...;

viii. S...

c. Declarou prestar serviços gratuitos como TOC em a estas empresas;

d. Em 2000 adquiriu um livro de recibos verdes (tudo como consta e fls.
13 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

11.       Perante estes factos, a AT considerou estar verificada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exata dos elementos indispensáveis à
determinação do rendimento da categoria B nos anos de 1997, 1998 e 1999, procedendo assim à sua determinação com recurso à avaliação indireta (fls. 14 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido)

12. O relatório foi notificado ao impugnante através do ofício n.° 6499, no qual
foi aposta a data de 23/11/2001 (apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

a. O qual foi recebido pelo impugnante em data que não foi possível apurar.

13. Foi apresentado pedido de revisão da matéria tributável em 27/12/2001, com os fundamentos constantes de fls. 1 e 23 do apenso cujo conteúdo se dá por
reproduzido.

a. O pedido foi indeferido por extemporaneidade, por despacho de
30/1/2002 (fls. 20 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

b. Mas depois de audição do contribuinte, foi o mesmo admitido por
despacho de 20/2/2002 (fls. 30 do apenso cujo conteúdo se dá por
reproduzido).

14.  Reunidos os peritos em 12/3/2002, não se alcançou acordo, apresentando-se os respetivos laudos, tendo o impugnante dito «...manter todos os fundamen­tos apresentados na minha reclamação de 27/11/2001, não chegando a qualquer acordo» (fls. 34 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

15.  O processo de impugnação foi apresentado em 6/8/2002.

16.  Esteve parado por facto não imputável ao sujeito passivo desde 23/6/2003 até 4/12/2009 (fls. 115 e 119 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

17.  A execução foi instaurada em 9/10/2002

18.  O impugnante foi citado para a execução em 25/11/2002;

19.  Foi prestada garantia para suspensão da execução em 23/9/2008 e o despa­cho que ordenou a suspensão da execução foi proferido em 8/10/2008 (tudo
como consta da informação de fls. 264 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

FACTOS NÃO PROVADOS.

Com interesse para a decisão da causa, não se provou que o impugnante tenha recebido ao serviço da "M. ..." as quantias descriminadas nos recibos junto aos autos a fls. 40 e segs.

Tentar-se-á explicar porquê.

Nesses recibos está mencionado o pagamento de 600.000$ de remuneração base e 312.000$ de IRS) em relação ao a 1997, e 700.000$ de remuneração base e 280.000$ a título de retenção na fonte em relação a 1998.

As retenções de IRS equivalem a uma taxa de 59,253%.

Ora, não é possível aceitar-se uma taxa de retenção superior ao dobro da que era devida na altura - 29,5%.

Em nome de quê era feita «tamanha» retenção?

O impugnante sabia bem que essa não podia ser a taxa de retenção.

Mas ela foi feita e o impugnante não alega qualquer justificação razoável.

Por outro lado, a sociedade "M. ..." não mencionou na declaração mod. 22 as remunerações pagas ao impugnante.

É certo que não sendo o impugnante o TOC desta sociedade - e nada autoriza dizer que era - tal omissão não lhe pode ser imputada.

Mas no contexto em que os factos ocorrem, é inegável que tal omissão é relevan­te.

Assim como relevante é o facto de o impugnante não constar nas folhas de remuneração entregues na Segurança Social, não obstante tal omissão não lhe ser, em princípio, imputável.

Tão pouco merece credibilidade a alegação de ter recebido, mediante saque de letras, os ordenados que lhe eram devidos. É que tendo havido desconto da letra em 5/3/1998 conforme declaração da ... (fls. 22 dos autos) os valores sacados não podem constituir vencimentos, porque esta empresa se encontra inativa desde 1997.

MOTIVAÇÃO.

A convicção do tribunal baseou-se nos seguintes meios de prova:

PROVA DOCUMENTAL. Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referidos no «probatório» com remissão para as fls. do pro­cesso onde se encontram.

PROVA TESTEMUNHAL. Foi também produzida prova testemunhal no âmbito da qual foi ouvido o Sr. M.... Mas o depoimento desta tes­temunha nada adiantou de relevante, limitando-se a referir a prática de que são os gabi­netes de contabilidade que pagam aos TOCs, mas no caso concreto nada sabia. Referiu também ter precisado de resolver «uns problemas» com M. ... Lda. e foi preciso a presença de um TOC, tendo surgido o impugnante que trabalhava para um gabinete de contabilidade. Lembra-se de ter visto o impugnante nas instalações da M. ... Lda, cerca de duas vezes, em data que não pode precisar, mas que sabia ser depois de 1995. O depoimento foi vago e impreciso, sem conhecimento real dos factos em discussão, pelo que não contribuiu para a prova de qualquer facto.»


****

           

            Com base na factualidade supra transcrita o Meritíssimo Juiz do TAF de Leiria julgou não prescrita a dívida de IRS dos anos de 1997, 1998 e 1999.

           

            A Recorrente não se conforma com parte dessa decisão, designadamente, no que diz respeito ao IRS do ano de 1997, cuja prescrição entende que ocorreu em 29/19/2007 (cfr. conclusão 10), e por conseguinte peticiona que a sentença deve ser revogada, “substituindo-a por uma outra decisão que declare verificada a prescrição de IRS do ano de 1997”.

           

            Apreciando.

            Para a apreciação da prescrição cumpre, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, aditar o seguinte facto à matéria de facto dada como provada:

            20. Na sequência da acção de inspecção referida no ponto 1 e da decisão referida no ponto 14 foram emitidas as liquidações de IRS do ano de 1997, 1998 e 1998, com os n.ºs 5330078925, 5320079324, 5320080118, nos montantes de 16.153,57€, 10.088,51€, 4.209,26€, respectivamente (cfr. certidão de dívida de fls. 2 a 4 do PEF em apenso).

            Estabilizada a matéria de facto, vejamos então da prescrição invocada quanto ao IRS de 1997.

Está em causa no presente recurso a dívida de IRS de 1997, n.º 5330078925, no montante de 16.153,57€. (cfr. ponto 20 dos factos provados).

Portanto, em 1997 estava em vigor, o Código de Processo Tributário (CPT), cujo art. 34.º, n.º 1 estabelecia o prazo de prescrição de dez anos.

Posteriormente, em 1 de Janeiro de 1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária (LGT) [cfr. art. 6.º do DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro que aprovou a LGT] que estabeleceu um novo prazo de prescrição de oito anos (art. 48.º da LGT).

Ao novo prazo de prescrição aplica-se o disposto no artigo 297.º do Código Civil (cfr. art. 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT) que dispõe “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.

Cumpre, então, antes do mais, saber qual o prazo de prescrição aplicável à dívida de 1997, se o do CPT, ou se o da LGT.

Atento ao disposto no art. 297.º do Código Civil, in casu, há que averiguar se à data em que entrou em vigor a LGT (lei que encurtou o prazo de prescrição), faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga (CPT), porque só se tal se verificar é que se aplicará o prazo do CPT (nesse sentido, vide Ac. do STA de 21/08/2013, proc. n.º 01316).

Jorge Lopes de Sousa explicita como proceder à contagem: “[n]este momento da entrada em vigor da lei nova, à face dela falta todo o tempo que ela prevê, naturalmente. Por isso, apenas é necessário calcular o tempo que, nesse momento, falta para a prescrição à face da lei antiga. Se faltar menos tempo do que o previsto no novo prazo, é de aplicar a lei antiga.

Esta contagem do prazo que falta faz-se considerando tudo o que consta da lei antiga (início, causas de suspensão e de interrupção) como se depreende do texto da parte final do n.º 1 do art. 297.º do CPPT, ao referir que o novo prazo aplica-se «a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar»; «segundo a lei antiga» significa calcular o prazo de prescrição que decorreu até à data da entrada em vigor da lei nova nos termos que a lei antiga prevê a respectiva contagem” (Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, p.87).

Assim, in casu, o prazo de prescrição de dez anos previsto no CPT conta-se a partir de 1 de Janeiro de 1998 (cfr. art. 34.º, n.º 2, do CPT), e nos termos do art. 297.º do Código Civil aplica-se o prazo de 8 anos da LGT, pois não faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga considerando que à data da entrada em vigor da LGT não tinha ocorrido qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição [Acórdão do STA de 27/06/2007, proc. n.º 0433/07: “[f]altando o mesmo tempo para a prescrição se completar, à data da entrada em vigor da Lei Geral Tributária, quer no regime do anterior Código de Processo Tributário, quer no da nova lei, é aplicável ao caso o prazo da Lei Geral Tributária.”]

Em suma, in casu, o prazo de prescrição da dívida de IRS de 1997 é o de oito anos previsto na LGT, e conta-se da data da entrada em vigor desta Lei, ou seja, 1 de Janeiro de 1999 (cfr. art. 297.º do Código Civil, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, e art. 6.º deste último diploma).

Portanto, face ao regime supra exposto, e ao contrário do que entende a Recorrente, o início do prazo não é o dia 1 de Janeiro de 1998 (conclusões 5 e 6), mas o dia 1 de Janeiro de 1999.

Deste modo, se não ocorressem quaisquer causas de suspensão ou interrupção previstas no art. 49.º da LGT o prazo de prescrição se completaria a 31/12/2006.

Importa ter em consideração que não releva enquanto causa de interrupção a instauração da execução em 09/10/2002 (ponto 17 da matéria de facto provada), na medida em que como vimos, não se aplica o regime do CPT que previa que a instauração da execução constituía facto efeito interruptivo do prazo de prescrição (art. 34.º, n.º 3 do CPT), sendo certo que a LGT, diploma aplicável ao caso dos autos, não lhe confere qualquer efeito interruptivo (cfr. nesse sentido acórdão do STA de 12/10/2016, proc. n.º 041/16).

Por outro lado, importa ainda ter em consideração que nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 1 da LGT a impugnação e a citação interrompem a prescrição, ou seja, ambas constituem causas interruptivas do prazo de prescrição, portanto, in casu, verifica-se uma primeira causa interruptiva com a impugnação judicial apresentada em 06/08/2002 (cfr. ponto 15 da matéria de facto provada) e uma outra com a citação da executada em 25/11/2002 (cfr. ponto 15 e 18 da matéria de facto provada), sendo que, ambas produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência, devendo ser considerado, in casu, a redacção do art. 49.º na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

Com efeito, é pacífico na jurisprudência de que as causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 12.º do CC (nesse sentido, e por todos, vide Acórdão do STA de 07/01/2016, proc. n.º 01564/15 e jurisprudência ali citada).

Por outro lado, sintetizando o entendimento da jurisprudência do STA (entre outros, os acórdãos do Pleno da Secção do STA de 24/10/2007, no proc. n.º 0244/07 e de 28/05/2008, no proc. n.º 0840/07, e os acórdãos de 12/08/2009, no proc. nº 0748/09, e de 13/01/2010, no proc. nº 01148/09) sobre a verificação de sucessivas causas de interrupção antes da alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, vide acórdão do STA de 09/09/2015, proc. n.º 01024/15, cujo sumário é o seguinte:

“I.         Antes da alteração introduzida no art. 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29.12, foi longamente discutida a questão de saber se existindo várias causas de interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária exequenda, podiam ou não relevar todas elas, tendo-se firmado jurisprudência no sentido afirmativo, isto é, de que ocorrendo várias e sucessivas causas de interrupção, deviam todas elas ser consideradas desde que ocorressem após a cessação do efeito interruptivo das anteriores.

II - Só após o início de vigência da Lei nº 53-A/2006, em 1 de Janeiro de 2007, a interrupção do prazo de prescrição passou a operar uma única vez, tendo em conta que o aludido nº 3 do art. 49º passou a ter a seguinte redacção: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.

III - Todavia, essa nova redacção da norma aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência da Lei 53-A/2006, em conformidade com a regra geral da sucessão de leis no tempo contida no art. 12º da LGT e no art. 12º do C.Civil.

IV - Pelo que, ocorrendo várias causas de interrupção da prescrição antes da entrada em vigor da nova redacção do nº 3 do art. 49º da LGT, devem todas elas ser consideradas, e não pode deixar de ter relevância interruptiva a citação do responsável subsidiário em 2009 uma vez que ela constitui o primeiro acto interruptivo da prescrição após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma.”

As causas interruptivas têm dois efeitos sobre a prescrição, um efeito instantâneo que se consubstancia na eliminação do tempo decorrido anteriormente, e um efeito duradouro, consistindo em obviar ao início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo que provoca o efeito interruptivo (nesse sentido cfr. Acórdão do STA de 07/01/2016, proc. n.º 01564/15).

Portanto, in casu, considerando que ambas as causas de interrupção da prescrição (impugnação e a citação) ocorreram antes da entrada em vigor da alteração ao art. 49.º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006,de 29 de Dezembro, as causas interruptivas produzem os efeitos que vigorava à época, sendo a seguinte a redacção aplicável:

“1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.

2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação. (…)”

Importa, então, considerar que, in casu, o processo de impugnação judicial sofreu uma paragem por período superior a um ano, por facto não imputável ao contribuinte (cfr. ponto 16 da matéria de facto provada), e nesse caso, na terminologia do STA, o efeito interruptivo degrada-se em suspensivo “somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação” (art. 49.º, n.º 2 na redacção anterior à Lei 53-A/2006).

Antes de proceder ao cálculo importa sublinhar que, pese embora se verifique uma outra causa de interrupção, a citação (sublinhe-se art. 49.º, n.º 2 na redacção anterior à Lei 53-A/2006), esta ocorre quando já o prazo prescricional está interrompido (cfr. ponto 15 e 18 da matéria de facto provada), e portanto, pese embora a citação constitua facto interruptivo da prescrição, não releva no caso dos autos devido a existência daquele efeito duradouro que se verifica com a interrupção do prazo de prescrição devido à impugnação (cfr. nesse sentido acórdão do STA de 13/07/2015, proc. n.º 0780/15). Na verdade, como bem se esclarece no acórdão do STA de 09/09/2015, proc. n.º 01024/15, supra citado, “ (…) ocorrendo várias e sucessivas causas de interrupção, deviam todas elas ser consideradas desde que ocorressem após a cessação do efeito interruptivo das anteriores.”

Ou seja, por outras palavras, no caso dos autos, verifica-se a excepção enunciada naquele acórdão, pois, a segunda causa interruptiva (citação em 25/11/2002) não poderá ser considerada uma vez que ocorre antes da cessação do efeito interruptivo da impugnação (“paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo”) que apenas se verifica em 07/08/2003 (art. 49.º, n.º 2 na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12, cfr. pontos 15 e 16 da matéria de facto).

Portanto, considerando apenas a impugnação enquanto causa interruptiva, desde o início do prazo de prescrição (01/01/1999) até à data da autuação (06/08/2002) decorreram 3 anos, 7 meses, 6 dias (pelo que faltam 4 anos, 4 meses, e 24 dias para que o prazo de prescrição de 8 anos se complete), considerando que se deve somar o tempo que decorreu após 24/06/2004 (pois o processo esteve parado por mais de um ano a partir de 23/06/2003, aplicando-se o n.º 2 do art. 49.º da LGT na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 - cfr. ponto 16 da matéria de facto dada como provada) verifica-se que o prazo de prescrição se completaria em 18/11/2008.

No entanto, antes do decurso completo do prazo de prescrição verifica-se uma causa de suspensão [cfr. ponto 19 da matéria de facto provada], pois nos termos do n.º 4 do art. 49.º da LGT na redacção vigente à época (2008) “4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”

Com efeito, antes de completo o prazo de prescrição em 18/11/2008, foi prestada garantia para a suspensão da execução fiscal em 23/09/2008, tendo sido proferido despacho que ordenou a suspensão da execução fiscal em 08/10/2008, e nessa medida, verifica-se uma causa de suspensão do prazo, antes que o prazo de prescrição se completasse, causa suspensiva que se manterá enquanto não estiver decidida a presente impugnação, com trânsito em julgado, pelo que a dívida não se encontra prescrita.

Em suma, não se verifica a prescrição da dívida de IRS do ano de 1997, e nessa medida o recurso não merece provimento.

Sumário

I. Faltando o mesmo tempo para o prazo de prescrição se completar, à data da entrada em vigor da Lei Geral Tributária, quer no regime do anterior Código de Processo Tributário, quer no da nova lei, é aplicável, nesse caso, o prazo da Lei Geral Tributária, contando-se o prazo de prescrição a partir da data da entrada em vigor desta Lei, ou seja, 1 de Janeiro de 1999;

II. As causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 12.º do CC;

III. Verificando-se sucessivas causas de interrupção antes da alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, devem todas elas ser consideradas desde que ocorram após a cessação do efeito interruptivo das anteriores;

IV. Na vigência do art. 49.º da LGT na redacção anterior à Lei 53-A/2006, verificando-se duas causas de interrupção, a impugnação e a citação, não releva para o cômputo do prazo de prescrição esta segunda causa, uma vez que, in casu, ainda não havia cessado o efeito interruptivo da primeira.

III.        DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


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Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 28 de Setembro de 2017.


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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Joaquim Condesso