Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04712/09
Secção:
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR
CONHECIMENTO DO MÉRITO NO DESPACHO-SANEADOR
NULIDADE PROCESSUAL
ESTATUTO DO PESSOAL CIVIL DOS ESTABELECIMENTOS FABRIS DAS FORÇAS ARMADAS (EFFA)
INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME CONSTANTE DO DECRETO –LEI Nº 41892, DE 3 DE OUTUBRO DE 1958 E DO DECRETO –LEI Nº 252/72, DE 27 DE JULHO
Sumário:I – Por não ter sido realizada audiência preliminar, a sentença recorrida não padece de nulidade processual prevista no artigo 201º nº 1 do CPC então em vigor, uma vez que a lei admite a dispensa de tal formalidade (vide artigo 508º-B do CPC então em vigor).

II – Do mesmo modo, ao ter decidido conhecer das excepções dilatórias suscitadas pelas partes, bem como do mérito da causa, logo após os articulados, a sentença recorrida não padece da nulidade processual prevista no artigo 201º nº 1 do CPC então em vigor, na medida em que tal hipótese estava prevista no artigo 510º do mesmo diploma então em vigor.

III – De acordo com a legislação aplicável aos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas (EFFA), entre os quais se inclui a Manutenção Militar (MM), a saber, Lei nº 2020, de 19 de Março de 1947, Decreto – Lei nº 41892, de 3 de Outubro de 1958 e Decreto – Lei nº 252/72, de 27 de Julho, tais estabelecimentos têm personalidade jurídica e gozam de autonomia administrativa e financeira, regulando-se pelos princípios e normas que regem a actividade privada.
Trata-se de “empresas públicas imperfeitas” que se regem, como é regra nas empresas públicas, no plano da questão do pessoal civil pelo regime jurídico geral do trabalho e não pelo regime laboral do direito público.

IV – Não sendo aplicável ao pessoal civil dos EFFA o estatuto dos funcionários e agentes da administração central, não pode o Recorrente exigir a aplicação do sistema remuneratório, nem a progressão na carreira previstos para a função pública.

V – O regime constante do Decreto – Lei nº 41892 e do Decreto – Lei nº 252/72, não viola o nº 5 do artigo 112º da CRP nem qualquer outra norma constitucional maxime o artigo 165º nº 1 al. b) da CRP.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

José …………., com sinais nos autos, inconformado com o saneador- sentença proferido pelo TAF de Leiria, em 18 de Setembro de 2008, que julgou improcedente a acção por si intentada tendente ao reconhecimento de que era titular de uma relação jurídica de emprego público bem como a condenação da R. Manutenção Militar a assegurar-lhe os direitos reconhecidos aos funcionários e agentes em matéria de progressão e promoção na carreira, e consequentemente absolveu a R. – Manutenção Militar - dos pedidos formulados, dele recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

“ 1ª Por força do disposto nos artºs 37º e 42º do CPTA, as acções administrativas comuns seguem os termos do processo civil de declaração, pelo que a tramitação de tais acções é a prevista no CPC e não nos artºs 78º e segs do CPTA (v., neste sentido, AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO CADILHA, Comentário ao CPTA, 2ª ed., pág. 455).

2ª No caso sub judice estava-se perante uma acção comum com processo ordinário, tendo o Tribunal a quo entendido, findos os articulados, conhecer de imediato do mérito do pedido.
Porém,

A realização da audiência preliminar é obrigatória sempre que o juiz pretenda, findo os articulados, conhecer de imediato do pedido (v., aliás, neste sentido, o próprio artºs 508º-A e 509-A do CPC).
Consequentemente,

4ª Ao conhecer do mérito da acção sem previamente marcar e realizar a audiência preliminar para permitir às partes discutir o aspecto fáctico e jurídico da causa, o aresto em recurso omitiu um acto e uma formalidade prevista na lei e que influencia a boa decisão da causa, tanto mais que representa uma nítida violação do princípio fundamental do contraditório, pelo que é nulo todo o processado posterior à apresentação ad contestação (v. artº 201º do CPC).
Acresce que,

5ª A nulidade de todo o processado posterior aos articulados decorre ainda do facto de o Tribunal a quo não ter elaborado, após debate entre as partes na audiência preliminar, a base instrutória com os factos tidos que eram controvertidos – e que passavam por se saber se a categoria de Técnico especialista era a categoria imediatamente seguinte à de Técnico bacharel e se um outro funcionário da manutenção militar fora justamente promovido de uma para outra, tal como alegado nos artºs 59 e 26º da p.i. ”, o que representa a omissão de um acto e de uma formalidade prevista na lei, com importantes reflexos para a boa decisão da causa, uma vez que impediu uma das partes de demonstrar a veracidade de factos por si alegados e que eram essenciais para a procedência da sua pretensão.
Para além disso,

6ª O aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados na presente acção e ao não reconhecer os direitos peticionados pelo ora recorrente.
Na verdade,

7ªOs diplomas reguladores da Manutenção Militar comprovam facilmente que o regime do seu pessoal é um regime completamente distinto do contrato individual de trabalho, antes submetendo tal regime e a relação jurídica de emprego ao estatuto do funcionalismo público.

8ª Neste mesmo sentido também se pronunciam os Exmºs Professores Doutores Mário Esteves de Oliveira e Marcelo Rebelo de Sousa, para quem a natureza da entidade pública em causa, bem como o regime jurídico que regula o estatuto do pessoal civil dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, implica a sua classificação como verdadeiras profissionais da função pública, sendo-lhe naturalmente aplicável o respectivo regime geral – v. pareceres juntos aos autos.

9ª Também a nossa mais autorizada jurisprudência já teve oportunidade de concluir neste sentido – ainda que relativamente a outro Estabelecimento Fabril do Exército-, entendendo que “ No caso, nem a lei nem o contrato (…) estabelecem a exclusão da aplicação do regime da função pública o qual na realidade foi obviamente aplicado, (…) sujeito a descontos para a CGA e, com todas as características das notas de abonos pessoal da função pública.” (v. Ac. Do Tribunal de Conflitos n.º 347, de 06.04.2000; v. ainda o Ac. Do TCA Sul de 15/5/2008, proc. nº 00575/97, www.dgsi.pt – os sublinhados são nossos).

10ª Consequentemente, é inquestionável que o recorrente assume a qualidade de funcionário ou, pelo menos, de agente administrativo e que a relação jurídica de emprego estabelecida com a Manutenção Militar obedece ao regime jurídico do funcionalismo público, sendo-lhe aplicado o estatuto do funcionalismo público e todos os benefícios que tal estatuto consagra.
Ora,

11ª Um dos direitos e regalias concedidas aos funcionários públicos é justamente o direito à promoção na carreira, impondo o DL nº 121/96, de 9 de Agosto, a obrigatoriedade de se proceder à abertura de concurso sempre que os funcionários e agentes estejam posicionados no último escalão da sua categoria e nela permaneçam há mais de seis anos.

12ª Tendo o recorrente a qualidade de funcionário ou agente administrativo ou, pelo menos, beneficiando dos mesmos direitos ou regalias que a estes são concedidos pela lei, é por demais manifesto que tinha direito a que fosse aberto concurso para promoção à categoria de Técnico especialista do quadro de pessoal da Manutenção Militar, uma vez que desde 1911 estava posicionado no último e mais elevado escalão da sua categoria de técnico bacharel.

13ª Contra o exposto não procede o argumento dado pelo aresto em recurso – o de que se está perante carreiras diferentes e, como tal, não podia haver promoção -, pois uma simples leitura da Portaria nº 642-F/78, de 26/10 permite seguramente concluir que em causa estão apenas duas categorias da mesma carreira – Técnica - , não havendo, como tal, qualquer impedimento à promoção, pelo que seguramente o aresto em recurso enferma de erro de julgamento quando julga improcedente o pedido de condenação à abertura de concurso com o argumento de que a categoria de Técnico especialista não está integrada na mesma carreira da categoria de Técnico Bacharel e não é a categoria imediatamente seguinte a esta.
Por fim,

14ª Enferma ainda o aresto em recurso ao não julgar procedente o pedido subsidiário, uma vez que, caso se entendesse que a relação de emprego estabelecida entre o ora recorrente a manutenção militar obedecia ao regime jurídico do funcionalismo público, então o regime constante do Decreto nº 41892 e do Decreto nº 252/77 seriam materialmente inconstitucionais por violação do principio da proibição da deslegalização em matérias sob reserva de lei.”

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A entidade recorrida contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmado o saneador - sentença recorrido.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante do saneador – sentença recorrido, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º nº 6 do actual Código de Processo Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto do saneador- sentença proferido pelo TAF de Leiria que julgou improcedente a acção intentada pelo ora Recorrente tendente ao reconhecimento de que era titular de uma relação jurídica de emprego público bem como a condenação da R. Manutenção Militar a assegurar-lhe os direitos reconhecidos aos funcionários e agentes em matéria de progressão e promoção na carreira e consequentemente absolveu a R. – Manutenção Militar - dos pedidos formulados.

Quanto ao fundo da questão, a decisão em crise entendeu, ao invés do que o ora Recorrente sustenta, que os trabalhadores da Manutenção Militar (doravante designada MM) não beneficiam do estatuto de funcionários públicos, sendo-lhes, no entanto, aplicáveis algumas das regalias previstas para estes.
Mais entendeu que o pedido formulado pelo aqui Recorrente, de reconhecimento de que a MM estava legalmente vinculada à abertura de concursos de promoção à categoria de técnico especialista desde a data da entrada em vigor do Decreto – Lei nº 121/96, de 9 de Agosto, estava à partida condenado ao insucesso, uma vez que resulta da Portaria nº 642-F/78 , de 26 de Outubro, que as categorias de técnico bacharel e de técnico licenciado pertencem a carreiras distintas em termos de habilitações académicas, pelo que nunca poderia o Autor, enquanto técnico bacharel, ser promovido a técnico especialista.
Por ultimo, a decisão a quo pronunciou-se pela inexistência de inconstitucionalidade formal na definição do estatuto do pessoal da MM, por via dos artigos 29º e 31º a 41º do Decreto nº 41982, de 3 de Outubro de 1958, e dos artigos 2º e 3º do Decreto – Lei nº 252/72, de 27 de Julho não só porque tais diplomas foram publicados ao abrigo da Constituição de 1933, como porque não pode considerar-se incluída na exclusiva competência da Assembleia da República, maxime na al. b) do nº 1 do artigo 165º da actual Constituição, a definição do estatuto do pessoal das empresas públicas.
Inconformado com tal decisão o Autor veio recorrer alegando em síntese o seguinte:
a)As acções administrativas comuns seguem os termos do processo civil de declaração pelo que a realização da audiência preliminar é obrigatória sempre que o juiz pretenda, findos os articulados, conhecer de imediato do pedido;
b) Ao conhecer do mérito da acção sem previamente agendar e realizar a audiência prévia para permitir às partes discutir o aspecto fáctico e jurídico da causa, a sentença em crise omitiu um acto e uma formalidade prevista na lei, pelo que viola o princípio do contraditório e influencia a boa decisão da causa, sendo deste modo nulo todo o processado posterior à apresentação da contestação;
c) A nulidade de todo o processado posterior aos articulados decorre ainda do facto de o Tribunal a quo não ter elaborado, após debate entre as partes na audiência preliminar, a base instrutória com os factos controvertidos, o que impediu uma das partes de demonstrar a veracidade de factos por si alegados e que eram essenciais para a procedência da sua pretensão;
d) O aresto em crise incorreu em flagrante erro de julgamento por não ter reconhecido que o pessoal da MM beneficia do estatuto do funcionalismo público;
e) Tendo o Autor a qualidade de funcionário, tinha direito a que fosse aberto concurso para a promoção à categoria de técnico especialista do quadro da MM tanto mais que, desde 1991, estava posicionado no último e mais elevado escalão da sua categoria de técnico bacharel;
f) O Tribunal a quo errou igualmente ao não considerar que os regimes constantes do Decreto nº 41892 e do Decreto – Lei nº 252/72 seriam materialmente inconstitucionais por violação do principio da deslegalização em matérias sob reserva de lei (cfr. conclusão 14 da alegação do Recorrente).

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Analisemos então em separado as três questões essenciais suscitadas pelo aqui Recorrente que se prendem com a alegada nulidade processual, o alegado erro de julgamento atinente ao não reconhecimento ao Autor do direito a ser provido na categoria de técnico especialista e, finalmente, o alegado erro de julgamento quanto à inconstitucionalidade do regime constante do Decreto nº 41892 e do Decreto – Lei nº 252/72.

I – DA ALEGADA NULIDADE PROCESSUAL

Como vimos, o ora Recorrente alega existir nulidade do processado a partir dos articulados, por entender que, face ao disposto nos artigos 508º-A e 511º do CPC, então em vigor, a realização da audiência preliminar era obrigatória e forçosamente deveria ter sido elaborada a base instrutória.
Analisemos a questão.
As acções administrativas comuns seguem os termos do processo de declaração do CPC (vide artigo 42º do CPTA) e, na verdade, o CPC então em vigor admitia a dispensa de audiência preliminar nos casos previstos no artigo 508-B, designadamente quando a simplicidade da causa o justificasse.
Conforme se expendeu no Acórdão do STJ de 21/09/2006 , in Rec. nº 06B20772: “ Expressa a lei, no que concerne ao processo ordinário, que, concluídas as diligências respeitantes ao suprimento de excepções dilatórias e ou ao convite ao aperfeiçoamento dos articulados, se tiverem ocorrido, é convocada uma audiência preliminar ( artigo 508-A nº 1).
Entre os fins justificativos da sua designação, em tanto quanto releva no caso vertente, contam-se, por um lado, o facultar ás partes a discussão da matéria de facto e de direito nos casos em que tencione conhecer imediatamente no todo ou em parte do mérito da causa (artigo 508º-A nº 1 al. b)).
E, por outro lado, a discussão das posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litigio e a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam (artigo 508º-A nº 1 al. b)).
Acresce que o juiz pode dispensar a audiência preliminar, além do mais que aqui não releva, quando o seu fim for a discussão do mérito da causa e a apreciação se revista de manifesta simplicidade ( artigo 508º-B nº 1 al. b)).
O juízo da manifesta simplicidade da apreciação há-de resultar, como é natural, da natureza das questões objecto do processo, do sentido dos factos assentes disponíveis e das normas jurídicas aplicáveis. É uma solução legal que constitui corolário dos princípios da celeridade e da economia processual e da ilicitude da prática de actos inúteis. Nesse caso, desde que o estado do processo o permita, sem necessidade de mais provas, o juiz, logo que terminem os articulados, profere despacho – saneador e nele conhece do mérito da causa ( artigo 510º nº 1 al. B) do CPC).”
No tocante à questão da nulidade processual o artigo 201º nº 1 do CPC, vigente à data (no mesmo sentido cfr. actual artigo 195º nº 1 do CPC em tudo idêntico), a prática de um acto que a lei não admita e a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir na decisão ou exame da causa.
No caso, o Tribunal a quo, pese embora não o tenha referido expressamente, conheceu do mérito da causa no saneador, daí resultando, tacitamente, que considerou, da factualidade articulada pelas partes, a manifesta inviabilidade da pretensão formulada pelo aqui Recorrente, do que decorria a simplicidade da apreciação do respectivo mérito ( artigos 508º-B e 510º do CPC à data em vigor).
Afirma contudo o Recorrente, quanto à elaboração da base instrutória, que a falta da mesma representa a “ omissão de acto e formalidade prevista na lei, com importantes reflexos para a boa decisão da causa, uma vez que impediu uma das partes de demonstrar a veracidade de factos por si alegados e que eram essenciais para a procedência da sua pretensão”, aludindo aos factos alegados nos artigos 9º (por lapso refere 59º) e 26 da petição inicial , o que, em seu entender, configura a nulidade processual do artigo 201º do CPC.
Vejamos se assim é de entender.
Relativamente ao facto articulado no artigo 9º da petição inicial o que se diz na sentença em crise é que “ O A. não se propôs provar, porque nem sequer alega, que a categoria de “técnico especialista” integra a mesma carreira de “técnico bacharel” (…)
A R. Manutenção Militar, pelo documento junto à contestação, e não impugnado, comprova a inclusão de tal categoria na distinta carreira de “técnico licenciado” (…)” e que “ Resulta da Portaria nº 642-F/78 que as categorias de “técnico bacharel” e “técnico licenciado” pertencem a carreiras distintas em termos de habilitações académicas, evoluindo cada uma desde a categoria de estagiário até ao 5º escalão.”
De igual modo, quanto ao facto articulado no artigo 26º da petição inicial o que se diz na sentença em crise é que “ o A. não prova nem se propõe provar, por falta de alegação da alegada factualidade, a violação do principio da igualdade pela omissão da abertura do concurso que impetra, relativamente à promoção do técnico bacharel que identifica, à categoria de técnico especialista.”
Na verdade, nos referidos articulados da petição inicial o aqui Recorrente apenas invoca o facto da “ Manutenção Militar nunca ter procedido à abertura de qualquer concurso para a categoria imediatamente seguinte - técnico especialista” , nada invocando sobre as categorias em questão integrarem a mesma carreira ou antes serem distintas.
Do mesmo modo, quanto à promoção à categoria de técnico especialista pelo técnico bacharel que identifica não invoca quaisquer factos que pudessem vir a ser demonstrados, em termos de se estar perante situações idênticas, razão pela qual tal factualidade não podia ser levada à base instrutória e questionário a elaborar.
Destarte, resultando a improcedência da acção, decorrente da consideração que os factos alegados e o direito aplicável não permitiam o efeito pretendido pelo Recorrente, bem pelo contrário, decorrendo perante esse quadro, a inviabilidade da pretensão formulada, a simplicidade da apreciação do respectivo mérito que o Mmo. Juiz a quo, ao não ter realizado a audiência preliminar, nem elaborado a base instrutória, tenha cumprido o disposto no artigo 508º-B e 510º do CPC então em vigor.
Assim, não tem qualquer fundamente a alegação do Recorrente no sentido da verificação da nulidade a que alude o artigo 201º nº 1 do CPC então em vigor. Independentemente disso, por se tratar de nulidade prevista no artigo 210º nº 1 do CPC, como o Recorrente omitiu a invocação da não realização dos mencionados actos processuais perante o Tribunal a quo no decêndio posterior à notificação do saneador-sentença, tal nulidade sempre se encontraria sanada.
Concluímos do exposto pela inexistência de qualquer nulidade processual da sentença recorrida, pelo que improcedem as conclusões da alegação do Recorrente a ela atinentes .

II – DO ALEGADO ERRO DE JULGAMENTO ATINENTE AO NÃO RECONHECIMENTO QUE O PESSOAL DA MANUTENÇÃO MILITAR BENEFICIA DO ESTATUTO DO FUNCIONALISMO PÚBLICO E AO NÃO RECONHECIMENTO AO AUTOR DO DIREITO A SER PROVIDO NA CATEGORIA DE TÉCNICO ESPECIALISTA

Como adiantamos supra, o Recorrente entende que a sentença em crise incorre em erro de julgamento por não ter reconhecido que o pessoal da Manutenção Militar beneficia do estatuto do funcionalismo público.
Analisemos a questão.
De acordo com a legislação aplicável aos estabelecimentos Fabris das Forças Armadas (EFFA), entre os quais se inclui a Manutenção Militar (MM), tais estabelecimentos têm personalidade jurídica e gozam de autonomia administrativa e financeira, regulando-se pelos princípios e normas que regem a actividade privada (cfr. Base VII da Lei nº 2020, de 19 de Março de 1947, artigo 14º do Decreto – Lei nº 41892, de 3 de Outubro de 1958 e artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei nº 252/72, de 27 de Julho).
No tocante ao estatuto do pessoal civil destes estabelecimentos, os referidos diplomas legais traçam dois regimes inteiramente distintos: um que diz respeito a vencimentos e outro referente a “regalias”, entendendo-se por tal a matéria inerente a “licenças, aposentação e reforma e de previdência”.
Quanto aos vencimentos, estatui a Base VII da Lei nº 2020 que “os honorários do pessoal civil e da administração constarão de tabelas aprovadas pelos Ministros das Finanças e da Guerra. Os salários e férias devidos pela mão-de-obra constarão de tabelas aprovadas pelo Ministro da Guerra e pelo Subsecretário de Estado das Corporações”.
Por sua vez o parágrafo único do artigo 39º do Decreto – Lei nº 41892 estipula que “os vencimentos e salários do pessoal fabril dos estabelecimentos fabris constam da tabela aprovada pelos Ministros da Defesa Nacional, das Finanças, do Exército e das Corporações e Previdência Social.”
Na mesma esteira, o artigo 2º do Decreto – Lei nº 252/72 veio determinar que, enquanto não estiver aprovado o estatuto dos estabelecimentos fabris, “as remunerações e condições de trabalho do pessoal civil” serão fixadas por “despacho conjunto dos Ministros do Exército, das Finanças e das Corporações e Previdência Social”.
Refira-se que o estatuto previsto no diploma de 1972 viria a ser aprovado pelo Decreto – Lei nº 33/80, de 13 de Março, prevendo o seu artigo 113º que “a fixação e a revisão das remunerações do pessoal civil será efectuada por despacho conjunto do CEMGFA, e dos CEMs, dos três ramos das forças armadas e dos Ministros das Finanças e do Trabalho”.
Tal estatuto seria ulteriormente revogado pelo Decreto-Lei nº 381/82 , de 15 de Setembro, que aprovou um novo estatuto cujo artigo 116º previa que “a fixação e a revisão das remunerações do pessoal civil será efectuada por despacho conjunto do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, dos Chefes de Estado Maior dos três ramos das Forças Armadas e dos Ministros de Estado e das Finanças e do Plano e do Ministro do Trabalho”.
Nestes dois estatutos previa-se que tais remunerações fossem fixadas tendo em consideração as vigentes para os sectores de referência da indústria privada (cfr. artigos 110º e 112º do Estatuto de 1980 e disposições equivalentes do Estatuto de 1982).
Porém, os aludidos diplomas vieram a ser declarados inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 31/84, de 27 de Março e 15/88, de 14 de Janeiro, tendo sido repristinada a legislação que haviam revogado, maxime, as citadas normas relativas ao pessoal contidas na Lei 2020, Decreto-Lei nº 41982 e Decreto – Lei nº 252/72.
Num caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, o Acórdão do STA de 29/10/2003 in Rec. Nº 40668, publicado in www.dgsi.pt decidiu, no tocante à questão da vinculação do pessoal civil à Manutenção Militar por um contrato que se rege pelo regime jurídico geral do trabalho e não pelo regime laboral de direito público.
Passamos a citar na parte que interessa:
A Manutenção Militar, onde os recorrentes prestam serviço, é um dos estabelecimentos “fabris militares dependentes do Ministério do Exército” destinado a “ prover às necessidades da defesa nacional que não possam ser satisfeitas por intermédio de empresas privadas”, nomeadamente no âmbito do abastecimento de géneros alimentares, constituição de reservas necessárias para a mobilização militar, fornecimento de rancho às tropas, fornecimento a preços módicos às forças armadas de produtos da sua produção bem como o fornecimento de combustíveis líquidos e lubrificantes (artº 1º nº 6 e artº 7º e 11º do decreto – lei nº 41892, de 3 de Outubro de 1958).
Trata-se, como melhor resulta do DL de 252/72, de 27 de Julho, de “organizações industriais a cuja actividade se aplicam os princípios e normas que regulam a actividade das empresas privadas …”. E, “como organismos do Ministério de Exército, os estabelecimentos fabris têm personalidade jurídica e gozam de autonomia administrativa e financeira” (artº 1º nºs 1 e 2).
Nos termos do artº 2º nºs 1 e 2 do DL 252/72, a aprovação do “estatuto do pessoal em serviço nos estabelecimentos fabris” é da competência da Administração.
Trata-se, como se escreveu no AC. STA de 18.10.94 de “empresas públicas imperfeitas” que se regem “como é de regra nas empresas públicas, no plano da questão do pessoal civil, pelo regime jurídico geral do trabalho e não pelo regime laboral de direito público”.
Resulta, assim, que o estatuto remuneratório do pessoal civil da MM nunca foi o da função pública, pelo que não merece censura o entendimento do Tribunal a quo que negou provimento ao pedido do Autor de lhe ser reconhecido tal estatuto.
E, se dúvidas existissem quanto a esta matéria, foram as mesmas dissipadas com a entrada em vigor do Decreto – Lei nº 264/89, de 18 de Agosto, que, depois de, no nº 1 do seu artigo 1º , determinar que aos funcionários e agentes civis dos serviços departamentais das forças armadas é aplicável o regime respeitante aos funcionários e agentes civis da administração central, esclarece , no seu artigo 2º que “ os serviços departamentais das forças armadas são as unidades, os organismos e os serviços das forças armadas, com ou sem personalidade jurídica, que não sejam estabelecimentos fabris “(sublinhado nosso).
Por conseguinte, não tendo o ora Recorrente, enquanto trabalhador da MM a qualidade de funcionário público ou sequer de agente administrativo, não pode pretender que lhe seja reconhecido o direito à promoção dentro da carreira, nos termos do Decreto – Lei nº 121/96, de 9 de Agosto, uma vez que este diploma apenas se aplica a funcionários e agentes.
Por outro, como igualmente foi decidido pelo Tribunal a quo, nunca poderia ser reconhecido ao aqui Recorrente o direito a ser promovido à categoria de técnico especialista uma vez que, para tanto, são exigidas habilitações académicas que o mesmo não possui.
Com efeito, ao invés do que o Recorrente alega, a Portaria nº 642-F/78, de 26 de Outubro, passou a distinguir a carreira de técnico licenciado da carreira de técnico bacharel pelo que, não possuindo o Recorrente o grau de licenciatura, nunca poderia ascender a uma categoria da carreira de técnico licenciado.
Por último, cabe adiantar, como o próprio Recorrente reconhece no artigo 9º da sua petição, que não há mais nenhum escalão da sua categoria, pelo que não seria possível promovê-lo a uma categoria superior.
Concluímos do exposto que a sentença em crise não enferma de erro de julgamento ao não ter reconhecido ao Autor o direito a ser provido na categoria de técnico especialista uma vez que não possuía as habilitações académicas exigidas.

III – DO ALEGADO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME CONSTANTE DO DECRETO –LEI Nº 41892 e DO DECRETO –LEI Nº 252/72

Como referimos supra, o Recorrente sustenta que a sentença em crise incorreu em erro de julgamento quando julgou não existir qualquer inconstitucionalidade material do regime constante dos artigos 29º , 31º a 41º do Decreto – Lei nº 41892 e dos artigos 2º e 3º do Decreto – Lei nº 252/72, por violação da proibição de deslegalização consagrada no nº 5 do artigo 112º da CRP.
Vejamos se assim é de entender.
O nº 5 do artigo 112º da CRP estatui que “nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.
Sucede porém que as disposições citadas pelo Autor, ora Recorrente, na petição inicial em nada contendem com esta norma constitucional.
Com efeito, os artigos 29º e 31º a 41º do Decreto – Lei nº 41892 contêm disposições relativas à contratação e ao estatuto do pessoal civil dos EEFA, não conferindo “a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.
Por sua vez, os artigos 2º e 3º do Decreto – Lei nº 252/72 dispõem que o estatuto do pessoal em serviço nos estabelecimentos fabris será definido por despacho conjunto dos Ministros do Exército, das Finanças e das Corporações e Previdência Social e que tal regulamentação será feita sem prejuízo dos direitos adquiridos.
Também nesta situação não existe qualquer deslegalização uma vez que não existe norma que imponha que o estatuto do pessoal dos EEFA deva ser estabelecido por Decreto – Lei.
Acresce que o estatuto do pessoal dos EFFA não foi definido por despacho, mas antes através de um decreto-lei – o Decreto – Lei nº 381/82, de 15 de Setembro –, que o Tribunal Constitucional veio a julgar inconstitucional com força obrigatória geral, o que determinou, nos termos do nº 1 do artigo 282º da CRP, a repristinação das normas do Decreto – Lei nº 41892.
Conclui-se do exposto, tal como foi igualmente entendido na sentença recorrida, que as aludidas disposições legais não violam o nº 5 do artigo 112º da CRP, nem qualquer outra norma constitucional, maxime artigo 165º nº 1 al. b) da CRP, igualmente invocado pelo Autor na sua petição inicial, não padecendo do vicio de inconstitucionalidade que lhes vem assacado pelo Recorrente.
Por último, afigura-se-nos que bem andou o Mmo. Juiz a quo ao indeferir o último pedido do Autor de condenação dos Réus a aplicar ao Autor, por analogia, o regime remuneratório e de carreiras estabelecido para o Arsenal do Alfeite pelo Decreto – Lei nº 25/75 e demais legislação complementar.
Desde logo, porque não há qualquer lacuna na lei quanto ao pessoal da MM o que inviabilizaria o recurso à analogia.
Por outro, porque não é evidente que “procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei “(cfr. artigo 10º nº 2 do Código Civil), ou seja, que o regime de pessoal previsto para o Arsenal do Alfeite deva ser o mesmo da Manutenção Militar.

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Em conformidade com o exposto, improcedem todas as conclusões da alegação do Recorrente, sendo de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na integra o saneador-sentença recorrido.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar o saneador-sentença recorrido.

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Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2015
António Vasconcelos
Carlos Araújo
Conceição Silvestre