Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1382/12.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
ERRO NA FORMA DO PROCESSO.
Sumário:I. Não se verifica erro na forma do processo se a causa de pedir, ainda que não na sua totalidade, é adequada ao pedido.
II. A falta de notificação das liquidações não constitui, isoladamente, fundamento de impugnação judicial.
III. Caso a notificação, para efeitos de exercício do direito de audição, tenha sido devolvida à Administração Tributária, sua remetente, por não ter sido levantada, não obstante o seu destinatário ter sido avisado, o exercício daquele direito não foi preterido.
IV. Se é percetível o itinerário cognoscitivo percorrido pela Administração Tributária não se verifica falta de fundamentação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante FP ou Recorrente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 18.03.2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por F…. (doravante Recorrido ou impugnante), que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), relativas aos segundo e quarto trimestres de 2007, quarto trimestre de 2008 e quarto trimestre de 2009, no valor total de 202.609,02 Eur.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. O imperpetrante apresentou impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA, referentes aos períodos 2007.06T, 2007.12T, 2008.12T e 2009.12T, no montante total de 202.609.02 Euros, resultantes de ações inspetivas aos exercícios de 2007, 2008 e 2009.

II. Alega para o efeito falta de notificação das aludidas liquidações e falta de audiência prévia.

III. A decisão recorrida que julgou procedente a presente impugnação judicial considerou que “(...) Sabendo-se que o impugnante nega o recebimento das liquidações e não beneficiando a ATA de presunção de notificação, estava a AT onerada com o ónus de provar a realização da notificação. Prova que não fez.”

IV. Acrescentando, “(...) Como tal, as liquidações de IVA são ineficazes em relação ao impugnante.”

V. Não podemos deixar de dissentir da decisão proferida, pelas razões que sustentam o presente recurso, sob o prisma do que consideramos ter sido erro de julgamento. assim, contraditando a sentença proferida em 1ª instância.

VI. A sentença recorrida erra quando considera que o impugnante deveria ter sido notificado das liquidações em causa, por meio de carta registada com aviso de receção. nos termos do n.º 1 do art 38.º do CPPT.

VII. O impugnante foi notificado, no âmbito do procedimento inspetivo, para o exercício do direito de audição, nos termos do art. 60.º, quer da LGT, quer do RCPIT.

VIII. A referida notificação foi enviada para o seu domicílio fiscal, por meio de carta registada. Contudo, a mesma veio devolvida com a indicação “objeto não reclamado”.

IX. Pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 43.º do RCPIT considera-se que o mesmo foi validamente notificado.

X. Sendo que a falta do efetivo exercício do direito de audição não pode ser imputável à AT, pois esta agiu sempre de acordo com todas as formalidades legais.

XI. Assim, ao caso em apreciação aplica-se não o disposto no n.º 1 do art. 38.º do CPPT, mas o n.º 3 do mesmo artigo que impõe que as notificações sejam enviadas por meio de carta registada.

XII. Outra interpretação seria extravasar o conteúdo literal da lei.

XIII. A sentença recorrida erra também ao não se pronunciar quanto à forma de processo utilizada pelo impugnante para alcançar o seu intento.

XIV. A falta de notificação invocada corresponde a um vício de acto posterior à liquidação, determinante da sua eficácia e não de um vício interno da liquidação determinante da sua validade.

XV. Pelo que, encontrando-se o processo tributário em fase de execução fiscal, o meio processual adequado seria a oposição à execução e não a impugnação judicial, nos termos do previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

XVI. Entendemos que, enquando ainda não tiver decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação e for instaurada execução, a falta de notificação do acto de liquidação subjacente à dívida exequenda, constituirá fundamento de oposição à execução, por afetar a eficácia do acto (art. 36.°, n.° 1 do CPPT) e, consequentemente, a exigibilidade da obrigação por ele constituída

XVII. Analisada a impugnação, não se infere que a matéria na mesma exposta se dirija às liquidações em si, mas antes, à preterição de formalidades legais no âmbito do procedimento que levou à sua produção, ou seja, os recorridos cingem os seus argumentos a supostas ilegalidades relativas aos actos interlocutórios prévios das liquidações.

XVIII. Assim, salvo melhor entendimento, existirá erro na forma do processo, uma vez que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para apreciar a questão da falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, suscitada pelos impugnantes na petição inicial.

XIX. Contudo, foi exclusivamente apreciado o fundamento de oposição, com base no qual foi proferida sentença em acção de impugnação ferida, a nosso ver, por erro de julgamento.

XX. Acresce ainda referir incongruência na sentença em recurso, relativamente, aos factos dados como provados e não provados.

XXI. Pois, se por um lado, os registos da base de dados da AT são suficientes para fazer prova do envio das notificações no dia 07/12/2010 (vide parágrafo 13 do ponto II dos fundamentos de facto), por outro não são suficientes para fazer prova do seu recebimento no dia 13/12/2010, conforme resulta da análise aos mesmos (fls. 67, 69, 71 e 73 do PA).

XXII. Também não se compreende que o ónus da prova do recebimento das liquidações tenha de reverter a cargo da AT.

XXIII. Na medida em que foram cumpridas as determinações legais, nomeadamente o envio da notificação via postal registada (art. 38.º, n.º 3 do CPPT).

XXIV. Ora, nos termos do n.º 2 do art. 39.º do CPPT, para que a presunção de notificação seja ilidida competia aos notificados, ora recorridos, demonstrar que o facto de a notificação não ter ocorrido na data presumida não lhes é imputável, sendo que os Recorridos, não justificaram a não recepção da referida notificação.

XXV. Assim, tendo sido cumpridas todas as formalidades da notificação que a lei impunha no caso concreto e enviada que foi para o domicílio fiscal dos recorridos, terá de se reconhecer como válida e eficazmente efectuada a notificação, não bastando aos impugnantes, para afastar a presunção do art. 39.º n.º 1 do CPPT, arguir a falta de notificação da liquidação.

XXVI. Não perdendo de vista a prudência que deve nortear o Tribunal Superior no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, reputa-se ter sido ela mal julgada na instância de origem, impondo-se por isso rematar de imediato pela absoluta e total legalidade das liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos de 2007.06T. 2007.12T. 2008.12T e 2009.12T. no valor total de 202.609.02 Euros”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de não ter sido apreciado o erro na forma do processo?

b) Há erro na forma do processo?

c) Há erro de julgamento em virtude de a falta de notificação não contender com a legalidade das liquidações e de as notificações terem sido efetuadas nos termos legalmente prescritos?

Caso se decida em substituição, nos termos do disposto no art.º 665.º, do CPC:

d) Padecem as liquidações em crise de vício por preterição do direito de audição e por falta de fundamentação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. O impugnante e outra foram sujeitos a fiscalização externa referente ao exercício de 2007, IRS, no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 42 cujo conteúdo se dá por reproduzido

2. Inspecção também realizada aos exercícios de 2008 e 2009 culminando com a realização de correcções em sede de IRS e IVA (fls. 48. e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).

3. Com base nas duas inspecções, realizaram-se as seguintes correcções:

a. Em sede de IVA: €118.609,02;

b. Em sede de IRS: € 320.186,00,

4. O fundamento das correcções realizadas ao exercício de 2007 consta do capítulo do relatório, junto a fls. 53 do PA apenso e cujo conteúdo se dá por reproduzido.

5. O fundamento das correcções de IRS efectuadas ao exercício de 2008 consta do capítulo III, n.º 1.2 do relatório junto a fls. 55 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.

6. O fundamento das correcções de IVA efectuadas ao exercício de 2008 consta do capítulo III, n.º 2.2 do relatório junto a fls. 59 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.

7. O fundamento das correcções efectuadas ao exercício de 2009 consta do capítulo III, n.º 1.3 do relatório junto a fls. 56 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.

8. O fundamento das correcções de IVA efectuadas ao exercício de 2009 consta do capítulo III, n.º 2.3 do relatório junto a fls. 59 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido.

9. No dia 2 de Setembro foi remetida notificação ao sujeito passivo para exercício do direito de audição.

10. A notificação foi enviada por carta registada com aviso de recepção, a qual foi devolvida ao SF, com a menção «não atendeu» e «avisado na estação de correios de Coruche» (fls. 64 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

11. Foi remetida carta registada com aviso de recepção em nome do impugnante e outra, para a R. da A….., , (fls. 62 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

12. A carta foi devolvida ao SF em 13/10/2010 a menção «não atendeu» e «avisado na estação de correios de C…..» (fls. 62 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

13. As liquidações impugnadas foram remetidas ao impugnante mediante registo simples, com os n.°s RY938210459PT, RY 9382104459PT, RY938201267PT e RY938196598PT (fls.. 67,69,71 e 73 do PA cujo conteúdo se dá por reproduzido)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de não ter sido apreciado o erro na forma do processo

Entende a Recorrente, na sua conclusão XIII, que ocorreu omissão de pronúncia do Tribunal a quo, uma vez que não se pronunciou sobre o erro na forma do processo.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, o erro na forma do processo nunca foi alegado pelas partes, como resulta da análise dos articulados que antecederam a prolação da sentença.

Por outro lado, o silêncio da sentença em torno da propriedade do meio tem de ser interpretado como consideração do meio como próprio (e tanto assim é que na sentença foi conhecido o fundamento que, no entender da Recorrente, se configura como fundamento impróprio de impugnação – situação que se apreciará infra, mas enquanto erro de julgamento).

Logo, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, nos termos invocados pela Recorrente.

III.B. Do erro na forma do processo

Quanto ao erro na forma do processo, determina o art.º 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), que “… [a] todo o direito corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”, dispondo o seu n.º 3 que “[o]rdenar-se-á a correção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.

Por outro lado, nos termos do art.º 98.º, n.º 4, do CPPT, “[e]m caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada…”.

A impugnação judicial é o meio adequado para reagir contra um ato tributário de liquidação, com fundamento em qualquer ilegalidade, tendo por objetivo a anulação total ou parcial dos atos tributários ou a declaração da sua nulidade ou inexistência.

In casu, os atos impugnados são liquidações de IVA, cuja anulação se pede, ou seja, o que está aqui em causa é a apreciação da legalidade de liquidações. O facto de a impugnante vir invocar a irregularidades nas notificações não põe em causa a idoneidade do meio processual (tanto mais que foram ainda invocados vícios de forma – falta de fundamentação e preterição do direito de audição – passíveis, ao contrário do referido na conclusão XVII das alegações da Recorrente, de, em abstrato, conduzir à anulação das liquidações), ainda que tal fundamento não conduza à pretensão dos impugnantes, o que será ulteriormente apreciado.

Como tal, o meio escolhido é o próprio, não se verificando erro na forma do processo, nos termos invocados pela Recorrente.

III.C. Do erro de julgamento em virtude de a falta de notificação não contender com a legalidade das liquidações

Entende, por outro lado, a Recorrente que houve erro de julgamento, na medida em que não só as notificações foram feitas, em seu entender, de forma regular, mas também porque a falta de notificação das liquidações não põe em causa a sua validade, mas tão-só a sua eficácia.

Desde já se adiante que assiste razão à Recorrente.

Com efeito, refira-se que a falta de notificação do ato contende não com a sua legalidade, mas com a sua exigibilidade (art.º 77.º, n.º 6, da LGT), pelo que, ainda que se verificasse, a mesma não atingiria a validade do ato impugnado, sendo que em sede de impugnação é apenas aferível esta última.

Aliás, em sede de impugnação judicial, a eficácia invalidante da notificação só é relevante quando esteja em causa a apreciação da caducidade do direito à liquidação (1), questão que não é do conhecimento oficioso nem foi suscitada nos presentes autos.

Assim, a alegação singela de ocorrência de falta de notificação das liquidações não se configura como um fundamento de impugnação, mas sim de oposição à execução (2) (cfr. art.º 204.º, n.º 1, al. e) ou i), do CPPT), não tendo, pois, a virtualidade de pôr em causa a validade das liquidações impugnadas, o que é visado pelos impugnantes em sede de impugnação judicial.

Como tal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento nesta parte.

Não sendo pertinente a apreciação da ocorrência ou não de falta de notificação, em sede de impugnação, carece de relevância o alegado pela Recorrente em termos da perfeição das notificações e, consequentemente, a apreciação da regularidade dos termos em que as notificações ocorreram.

Atento o exposto e considerando que o Tribunal a quo não conheceu os vícios de preterição do direito de audição e de falta de fundamentação, alegados na petição inicial, e uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

III.D. Da falta de audiência prévia do impugnante

O direito de audição prévia, ao nível tributário, encontra-se previsto no art.º 60.º, da LGT, consagrando, ao nível ordinário, o desiderato constitucional consubstanciado no direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito, consagrado no art.º 267.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

“A audição prévia do contribuinte visa garantir a defesa dos interesses destes perante o Fisco e a valoração dos factos tributáveis de acordo com o princípio da verdade material. Consequentemente, o seu único pressuposto positivo é a previsão de uma decisão da Administração fiscal desfavorável aos interesses do contribuinte. Perante tal hipótese, quis o legislador que fosse dada ao contribuinte a possibilidade de criticar o entendimento já assumido pela Administração” (Pedro Machete, «A Audição Prévia do Contribuinte», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 322).

Nos termos do art.º 60.º, da LGT:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação”.

Por seu turno, o Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e (RCPIT) também determina a obrigatoriedade de audição prévia, nos termos do seu art.º 60.º. É ainda de considerar o disposto no art.º 43.º, n.º 1, do RCPIT (redação vigente à época), nos termos do qual “[p]resumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, e como resulta da factualidade provada, que não foi impugnada, foi remetido ofício ao impugnante, para efeitos de exercício do direito de audição, no âmbito da ação inspetiva, ofício esse que veio devolvido aos serviços da administração tributária (AT), não obstante ter sido aposta informação, pelos serviços postais, no sentido de o impugnante ter sido avisado. Ou seja, para os efeitos do disposto no art.º 43.º, n.º 1, do RCPIT, a notificação presume-se efetuada.

Logo, o não exercício do direito de audição pelo impugnante não é imputável à Recorrente, mas apenas ao próprio impugnante, que não diligenciou nesse sentido (v., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.03.2013 – Processo: 01394/12; mais recentemente, veja-se o Acórdão, do mesmo Supremo Tribunal, de 23.01.2019 – Processo: 02208/13.0BEPRT).

Face ao exposto, não foi preterido o direito de audição, improcedendo a pretensão do impugnante nesta parte.

III.E. Da falta de fundamentação

O impugnante invocou ainda, na sua petição inicial, falta de fundamentação, em virtude de, na sua perspetiva, desconhecer o itinerário cognoscitivo da AT.

O dever de fundamentação dos atos tributários insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Desde já se adiante que não assiste razão à impugnante.

Com efeito, considerando o relatório de inspeção tributária (RIT), mencionado nos pontos 4. a 8. do probatório, resulta que está evidenciado, de forma suficiente, o itinerário cognoscitivo percorrido pela AT, concretamente, para os três anos em causa, o facto de a mesma ter feito cruzamentos com os Anexos O e P da Declaração Anual, tendo identificado aí compras feitas ao impugnante, cujos elementos foram obtidos junto dos clientes do impugnante, estando identificadas e quantificadas as faturas em causa, bem como quantificado o IVA respetivo que não constava das declarações periódicas atinentes aos períodos em causa.

Face ao exposto, não se verifica qualquer falta de fundamentação.

Assim, improcedem, in totum, os argumentos esgrimidos pelo impugnante.


IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, pelas razões expostas, e julgar, em substituição, improcedente a impugnação judicial, mantendo as liquidações objeto da mesma;

b) Custas em ambas as instâncias pelo Recorrido;

c) Registe e notifique.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2019




(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Lurdes Toscano)

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(1) Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 488 e 489.

(2) Cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.01.2010 (Processo: 0832/08).