Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:944/07.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DIREITO AO RECURSO/ RENÚNCIA E DESISTÊNCIA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
EFICÁCIA DO ATAQUE À DECISÃO
ARTIGOS PARA OFERTA
Sumário:I - O direito ao recurso concretiza-se na faculdade de submeter as decisões judiciais a uma reapreciação por um tribunal superior mas o seu âmbito não se esgota no acto de interposição de recurso e de apresentação de alegações e conclusões. Estende-se à possibilidade de abdicar da pretensão de reapreciação judicial, seja por renúncia ou por desistência.
II – Perante uma decisão judicial em que ambas as partes sejam vencidas, a cada uma delas é legítimo recorrer, na parte que lhe seja desfavorável, verificados que sejam os requisitos formais, entre os quais ressalta o atinente ao valor da sucumbência, em conjugação com o valor da alçada do Tribunal a quo.
III – Se a Recorrente se afasta por completo daquilo que acabou por ser considerado na sentença, com vista à aceitação do diferimento dos proveitos, isso torna o discurso fundamentador adoptado no recurso absolutamente inapto a colocar em causa a decisão (na parte) sob escrutínio.
IV - Para que se fale, com propriedade, em liberalidades é necessário que à disposição gratuita esteja inerente o designado animus liberandi, o que nos leva a concluir que não são todas as disposições patrimoniais gratuitas que podem ser consideradas liberalidades
V - É enquanto donativos conformes aos usos sociais que é habitual encarar as ofertas comerciais, admitidas como uma prática generalizada e comum, socialmente aceite e reconhecida sem carácter de liberalidade para efeitos de IRC
VI - A consideração como custo dos encargos suportados com ofertas comerciais, em ordem a concorrerem (negativamente) para o cômputo do lucro tributável dos sujeitos passivos que as praticam, implica que estes cumpram os requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A... - Empreendimentos Industriais e Turísticos, S.A, veio deduzir impugnação judicial do acto de liquidação adicional de IRC do exercício de 2002.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou parcialmente procedente a impugnação.

Inconformadas, a A... - Empreendimentos Industriais e Turísticos, S.A e a Fazenda Pública, vieram recorrer da sentença.

A recorrente A... - Empreendimentos Industriais e Turísticos, S.A apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso vem interposto da sentença de fls...., na parte em que nega provimento à impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios referentes ao exercício de 2002.

B) A sentença recorrida foi emitida pelo Tribunal a quo em cumprimento do douto acórdão desse Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, com data de 13 de Março de 2012, proferido no âmbito do recurso n.º 05252 /11, interposto pela ora recorrente em face de uma primeira decisão emitida nestes mesmos autos.

C) O referido acórdão confirmou o entendimento pugnado pela ora recorrente, de que a decisão inicial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 14/09/2011, estava eivada de um flagrante vício de fundamentação que ditava a sua nulidade.

D) Reconhecendo aquele vício acordaram "...os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em, concedendo provimento, declarar a nulidade da decisão ora recorrida, por falta de fundamentação, na vertente da total ausência de apreciação crítica da prova testemunhal produzida, nessa medida se determinando a sua eliminação da ordem jurídica.".

E) Posto isto, em cumprimento do referido aresto, procedeu o Tribunal a quo "...à elaboração de nova decisão relativa à fundamentação da matéria de facto. ".

F) Ora, não obstante esta nova decisão ter sido emitida em cumprimento daquele douto acórdão é um facto que a mesma manteve inalterada a sua posição sobre a apreciação da prova, reiterando assim que "A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório...".

G) O Tribunal acrescentou apenas que decidiu "... sustentado nos suportes contabilísticos e documentais que fundamentam as correcções efectuadas pela Adm Fiscal e reflectidas no relatório da I.T., constantes dos “Mapas de Trabalho" n°1 a 21 e nos documentos de suporte como "Anexos nº I a XIII': os quais reflectem cabalmente as operações efectuadas pela Adm. Fiscal face aos elementos por si coligidos junto do sujeito passivo, sendo que a questão controvertida diz integralmente respeito ao cometo balanceamento dos resultados plurianuais e respectivo apuramento fiscal em razão da não aceitação da reavaliação das existências efectuadas pelo impte- matéria esta admitida pelas partes, sendo que os documentos trazidos aos autos pelo impte se traduzem num parecer técnico elaborado por um Revisor Oficial ao serviço da empresa que não vincula o Tribunal...".

H) Quer isto dizer que, a apreciação da prova documental feita pelo Tribunal a quo mais não é do que a mera adesão acrítica e em bloco à tese da Administração fiscal, o que faz, aliás, por remissão expressa para as conclusões vertidas no Relatório de Inspecção Tributária (isto é, a fundamentação do acto) e respectivos Anexos.

I) Quanto à apreciação crítica da prova testemunhal produzida nos autos - que era justamente o que se lhe impunha - o Tribunal a quo limitou-se a acrescer que a mesma "... não permite aferir da justeza daquela verificação técnica contabilístico/fiscal...", concluindo que os depoimentos das testemunhas arroladas nos autos "... se traduzem em meros juízos conclusivos dos factos apurados e, como tal, insusceptíveis de constituírem elemento de prova juridicamente relevante a uma decisão de mérito.".

J) Resulta daquele acórdão que "... no caso vertente e designadamente, apesar de produzida prova testemunhal, a decisão recorrida [ou seja, a primeira sentença), embora dando conta de tal facto - ifr o 2.º §, a fls. 489, dos autos - nenhuma referência, posterior, lhe faz, seja na matéria de facto, em si mesma, seja no âmbito da respectiva fundamentação...", pelo que, "...fica sem se saber porque é que o Mm.º juiz recorrido considerou os referidos depoimentos como imprestáveis à demonstração de qualquer das circunstâncias de facto a que foram inquiridas, implicando, por isso mesmo, quer a impossibilidade de aferição da ponderação feita pelo decisor, quer a impossibilidade da recorrente reagir contra esse mesmo entendimento do Mm.º juiz recorrido ...", sendo assim, "... forçoso se julga ter de concluir que a decisão recorrida carece, efectivamente, de fundamentação o que acarreta a respectiva nulidade, que importa declarar e implicante da sua eliminação da ordem jurídica, com o insuperável prejuízo de apreciação das restantes questões decidendas.

K) Em resposta a esta exigência de fundamentação, o Tribunal a quo limitou-se a acrescentar à sua decisão anterior que a prova testemunhal produzida nos autos "...não permite aferir da justeza daquela verificação técnica contabilístico/fiscal..." e que os depoimentos das testemunhas arroladas "...se traduzem em meros juízos conclusivos dos factos apurados e, como tal, insusceptíveis de constituírem elemento de prova juridicamente relevante a uma decisão de mérito.".

L) Em face disto, cumpre desde logo notar que o que está em causa nos autos não é uma questão de apreciação da justiça da correcção mas, apenas, uma questão de apreciação da respectiva legalidade, designadamente, da legalidade das correcções concretamente efectuadas mormente quanto à sua mensuração e quantificação.

M) O depoimento das testemunhas não pode servir, em caso algum, para aferir da justeza de qualquer verificação técnica contabilístico/fiscal mas apenas para atestar ou infirmar a base factual que dita a aplicação das normas legais que enformam a quantificação das correcções e, consequentemente, do imposto - admitir isso seria permitir que as testemunhas se substituíssem à função judicial do tribunal.

N) É evidente que este emendo aposto sobre a sentença inicial não é o bastante para garantir a apreciação critica da prova testemunhal produzida nos autos e, por conseguinte, não logra suprir o clamoroso vício de fundamentação de que padece a sentença.

O) Tal como sucedeu com a primeira sentença recorrida, em face desta nova decisão do Tribunal a quo os respectivos destinatários ficam sem saber "...porque é que o Mm.º juiz recorrido considerou os referidos depoimentos como imprestáveis à demonstração de qualquer das circunstâncias de facto a que foram inquiridas, implicando, por isso mesmo, quer a impossibilidade de aferição da ponderação feita pelo decisor, quer a impossibilidade da recorrente reagir contia esse mesmo entendimento do Mm.º juiz recorrido...".

P) Cabia ao Tribunal apreciar a legalidade das seguintes correcções efectuadas pela Administração fiscal à matéria colectável da A..., naquele exercício de 2002: a desconsideração de certas reavaliações de existências afectas a obras executadas pela empresa naquele exercício; a desconsideração dos custos com IVA suportado nos pagamentos efectuados em benefício da CMC no âmbito do Protocolo Driving; a desconsideração de custos suportados com artigos para oferta; correcções ao nível dos proveitos diferidos por referência a determinadas obras executadas pela empresa e as correcções da variação da produção por alteração do resultado das ditas obras.

Q) O Tribunal aceitou praticamente todas as correcções efectuadas, com excepção - conforme parece resultar da sentença -, das correcções aos custos suportados com artigos para oferta e, parcialmente, das correcções aos proveitos diferidos.

R) Contudo, a recorrente não se conforma com o sentido da sentença proferida.

S) Desde logo, a sentença recorrida é nula POR NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO DA DECISÃO, nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT e da al. b) do nº 1 do artigo 668º do CPC.

T) A sentença não segue uma linha argumentativa lógica e perceptível, pelo que, não permite conhecer dos seus motivos ou razões, quer no que diz respeito ao juízo crítico sobre a matéria de facto, quer no que diz respeito à aplicação do direito.

U) Da matéria de facto objecto de inquirição testemunhal, na óptica do Tribunal a quo, não resulta provado qualquer facto com relevo para a decisão da causa;

V) Incompreensivelmente, o Tribunal a quo enumera como factos provados, uma breve sequência dos principais momentos do procedimento tributário de correcção.

W) Portanto, a decisão ínsita na sentença não está suportada por uma base factual idónea nos termos legalmente impostos, o que implica a sua nulidade.

X) A sentença recorrida é nula POR NÃO ESPECIFICAR OS FUNDAMENTOS DE DIREITO DA DECISÃO, nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT e da al. b) do nº 1 do artigo 668º do CPC: o tribunal não especifica as normas legais em que se baseia para decidir como decide, nem se reporta tão pouco aos princípios jurídicos ou à doutrina jurídica pelos quais se norteia na decisão.

Y) Em relação ao vício de ANULABILIDADE POR AUSÊNCIA TOTAL DE EXAME CRÍTICO DAS PROVAS QUE SERVIRAM DE BASE PARA FORMAR A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL, dir-se-á que a sentença recorrida se apresenta em claro desvio dos ditames essenciais de fundamentação, por se limitar, vagamente, a remeter para parcos meios de prova da Fazenda Pública, obnubilando os demais.

Z) O Tribunal a quo rejeitou a prova produzida pela impugnante, não fornecendo aos destinatários, ainda que de forma sintética, os motivos de facto que levaram o tribunal recorrido a decidir no sentido em que o fez, não explicitando a respectiva base factual, evidenciando, assim, que a decisão, não deriva de um processo lógico­ racional de valoração das provas, resulta antes de um processo arbitrário e injusto.

AA) O Tribunal desconsidera-a em absoluta e sem mais toda a prova testemunhal produzida - fica, assim, claro e evidente o erro na apreciação da matéria de facto.

BB) No que se refere à prova documental produzida pela impugnante, o Tribunal não a considera, não fazendo qualquer referência aos documentos juntos aos autos - mormente, o parecer elaborado pelo Dr. L..., Revisor Oficial da empresa, que traduz em termos periciais os vícios apontados aos actos tributários em crise.

CC) A sentença limita-se a remeter para a citação literal do teor de alguns excertos do relatório de inspecção, numa opção claramente enviesada e parcial, prejudicial à impugnante e violadora dos mais elementares princípios de igualdade e justiça.

DD) Em suma, sobre a falta de fundamentação, dir-se-á que faltam índices racionais de credibilidade de tais provas, condições legitimantes de uma fundamentação sobeja.

EE) Não é, enfim, possível, pelos dados disponíveis na sentença recorrida, conhecer os motivos de facto que levaram o tribunal a decidir no sentido em que o fez, explicitando as razões pelas quais credenciou os meios de prova que mencionou, não relevando, para efeitos probatórios, os depoimentos das testemunhas inquiridas.

FF) A argumentação explanada na sentença não é idónea para evidenciar o iter cogniscitivo que encaminhou o Tribunal para esta decisão, em detrimento de outra.

GG) Não se fundamentando a sentença, em matéria de facto, na sua apreciação crítica, deforma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro, é a mesma anulável, por deficiente fundamentação da decisão, equiparada à sua falta por inviabilizar o objectivo legal, nos termos do nº 2 do artigo 123º do CPPT, nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC, consequência que prejudica a apreciação das demais questões.

HH) Releva ainda a ANULABILIDADE POR OMISSÃO ABSOLUTA DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, POR A REFERÊNCIA À MATÉRIA DE FACTO DISCRIMINADA NA SENTENÇA RECORRIDA O SER POR SIMPLES REMISSÃO PARA DOCUMENTO DOS AUTOS.

II) Assim, a sentença recorrida ao limita-se a dar por reproduzido, no que se refere aos "Factos Provado”, algumas referências inócuas ao procedimento tributário e uma mera remissão em bloco para os fundamentos constantes do relatório de inspecção, incorre no vício de omissão absoluta de julgamento sobre a matéria de facto, em violação do nº 2 do artigo 123º do CPPT e dos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPPT..

JJ) A sentença é anulável POR ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO (cfr. o nº 1 do artigo 123º do CPPT e o nº 2 do artigo 659º do CPPT).

KK) Sobre a referida base probatória, manifestamente escassa e omissa nos pontos essenciais, o Tribunal a quo assenta uma errada aplicação do direito, mormente dos artigos 17.º, 19.º e 23.º do CIRC, da directriz contabilística n.º 3/90, de 19 de Dezembro, da Circular n.º 5/90, de 17 de Janeiro e, bem assim, do princípio da especialização dos exercícios e do princípio da tributação pelo lucro real.

LL) O julgamento da matéria de direito, implicava necessariamente que o Tribunal tivesse considerado toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos, e que tivesse, analisado de forma critica e descomplexada o parecer junto aos autos.

MM) Porém, o Tribunal a quo prescindiu deliberadamente de conhecer tais factos.

NN) A sentença recorrida reflecte um desinteresse perturbador pela fundamentação legal e aritmética invocada pela impugnante, culminando, assim, na decisão recorrida.

OO) Apesar de assistir razão à Administração fiscal em matéria de não aceitação do resultado fiscal da reavaliação das existências, a correcção efectuada está, ferida de ilegalidade, na medida em que viola de forma clamorosa as regras de determinação de resultados das obras plurianuais plasmadas no artigo 19º do Código do IRC.

PP) O problema fiscal das obras plurianuais não releva tanto da mensuração, para fins de IRC, dos respectivos resultados, mas sim da periodização desse resultado.

QQ) A correcção preconizada pela Administração fiscal assenta num método de apuramento dos custos diverso do prescrito no artigo 19º do Código do IRC.

RR) Na contabilização dos custos e proveitos inerentes às obras aqui em apreço nos autos, foi utilizado o método da percentagem de acabamento - os custos e os proveitos da obra foram, assim, reconhecidos fiscalmente na cadência do grau de acabamento e da percentagem de facturação, consoante o menor.

SS) Tendo em conta que, aos custos da obra em causa, a impugnante havia acrescido o montante da reavaliação - como reconhece e no que concede -, o grau de acabamento da obra encontrava-se inflacionado por duas vias: a do orçamento dos custos totais estimados e a dos custos efectivos incorridos no exercício.

TT) A correcção de tais inexactidões imporia à Administração fiscal que atendesse ao contexto contabilístico dos valores a corrigir e que, observando o disposto no artigo 19º do CIRC e na Circular 5/90, recalculasse o grau de acabamento da obra uma vez expurgado o efeito da reavaliação, com a percentagem de facturação.

UU) Uma vez efectuados estes cálculos para toda a obra a partir do primeiro ano em que a começou a gerar custos, devem os mesmos ser mantidos e aplicados até à sua conclusão, ou seja, até que a mesma deixe de gerar custos e custos e proveitos.

VV) Por conseguinte, neste caso, deveria a Administração fiscal ter elaborado um mapa de cálculo para os custos das obras em apreço do seu início até ao seu termo, incorporando as correcções resultantes da desconsideração dos valores de excesso de reavaliação atrás quantificados, correcções essas que revestiriam impacto ao nível de (i) custos de aquisição dos terrenos afectos às obras e (ii) dos custos estimados para essas mesmas obras, com influência, neste último caso, nas percentagens de acabamento computadas para cada um dos exercícios em questão.

WW) A inobservância desta metodologia no apuramento dos resultados das obras plurianuais conduz, fatalmente, a uma inconsistência de resultados e à sua distorção nos vários anos em apreço, pelo que, a aplicação parcelar do método da percentagem de acabamento não é uma opção, à luz do artigo 19º do CIRC, sendo, assim, ilegal.

XX) Ao decidir de modo a corroborar a utilização deste critério ilegal de correcção, a sentença recorrida incorre num erro de julgamento da matéria de direito, quer na questão da reavaliação das existências, quer ainda, por consequência, na parte em que aceita as consequentes correcções dos proveitos diferidos e da variação da produção.

YY) Quanto às correcções por não aceitação do custo referente ao IVA suportado, o Tribunal conclui apenas, de forma liminar, que a dita correcção «...diz respeito ao IVA dedutível e por conseguinte não constituindo custo do exercício ...».

ZZ) O tribunal não invoca qualquer norma, não subsume os factos na lei e não se pronuncia de forma circunstanciada sobre a questão, apenas conclui, sem mais, que não se trata de um custo do exercício - pelo que, também aqui a sentença é anulável por vício de erro de julgamento na apreciação e aplicação do art. 23.º do CIRC e, assim, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do nº 1 do artigo 123º do CPPT e do nº 2 do artigo 659º do CPC, ex vi alínea e) do art. 2.º do CPPT.

TERMO EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»


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A Fazenda Pública, Recorrente, apresentou alegações e formulou as conclusões seguintes:
«a. Do elenco factual acima descrito, e tendo em conta a matéria controvertida nos autos, subjaz que a Impugnante vem deduzir impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2002, efectuada na sequência de acção inspectiva.
b. Pretende, a Impugnante, que a presente impugnação judicial seja julgada procedente e, consequentemente, seja anulado o acto tributário de liquidação adicional de IRC e JC, referente ao exercício de 2002, no valor total de € 1.952.339,22.
e. Na sequência da acção de inspecção efectuada, detectaram, os SIT, diversas irregularidades, das quais se destacam as parcialmente recorridas neste processo.
d. Os SIT respeitaram o princípio da especialização dos exercícios - consagrado no POC e no art.º 18.º do CIRC -, tendo utilizado a área das fracções vendidas para fazer a imputação de um custo indirecto ao exercício em apreço.
e. Face à correcção dos custos ocorridos no exercício de 2002, suportados e não aceite fiscalmente, por aplicação do disposto no artigo 19.º do CIRC, foi necessário proceder ao novo apuramento do resultado da obra para o exercício de 2002.
f. In casu, o grau de acabamento é inferior à percentagem de facturação, pelo que apenas é considerado como proveito do exercício a parte da facturação efectuada que, deduzida da já levada a proveitos em exercícios anteriores, seja igual ao grau de acabamento atingido pela obra, sendo considerados como custos do exercício a totalidade dos já incorridos que ainda não tenham sido tidos em conta em exercícios anteriores.
g. Em resultado de tais cálculos, verificou-se que o montante de proveitos a diferir era inferior aos efectivamente diferidos pela sociedade, pelo que corrigiram, os SIT, a diferença, a favor do Estado, nos montantes de € 157.709,57 e € 1.169.584,04, respectivamente para a Urb. B. do M... e Urb. J...
h. Assim, a correcção efectuada pelos SIT cumpre o disposto no artigo 19.º do CIRC, já que só foi feita pelo excesso, sendo coerente com as correcções efectuadas aos custos.
i. Os SIT respeitaram, escrupulosamente, o princípio da especialização dos exercícios, consagrado no POC e no art.º 18.º do CIRC.
j. Quanto à não-aceitação como custo para efeitos fiscais de artigos de oferta, importa salientar o seguinte:
k. Face ao valor unitário das ofertas, e por forma a comprovar a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos, os SIT solicitaram à Impugnante a indicação dos destinatários das ofertas, pois, só assim, poderiam estabelecer uma relação entre a causa e o proveito.
1. Não tendo a Impugnante comprovado a indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos - nos termos do artigo 23.º do CIRC -, não foram, os mesmos, naturalmente, aceites como custo fiscal.
m. Uma vez que não foram apresentados quaisquer elementos que pudessem comprovar a indispensabilidade dos custos relacionados com as ofertas, aqui em crise, para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, o custo com as ofertas não poderá, de forma alguma, ser fiscalmente dedutível nos termos do art.º 23.º do CIRC.
n. Ainda neste sentido o Douto Acórdão do TCA de 1998.04.21, Proc.0 80/97.
o. Pelo que, atento o supra exposto e toda a prova documental produzida, terá de se concluir pela legalidade da totalidade das correcções efectuadas pelos SIT, nomeadamente as aqui recorridas, devendo manter-se o acto impugnado.
Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a Douta Sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.»
*
A “A... - Empreendimentos Industriais e Turísticos, S.A.” veio, de seguida, oferecer as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença de fls...., proferida nos autos melhor identificados em epígrafe, na parte em que aquela concedeu provimento à impugnação deduzida pela ora recorrida contra as liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios emitidas sobre o exercício de 2002.
B. A sentença recorrida foi emitida pelo Tribunal a quo em cumprimento do douto acórdão desse Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, com data de 13 de Março de 2012, proferido no âmbito do recurso n.º 05252/11, interposto pela ora recorrente em face de uma primeira decisão emitida nestes mesmos autos.
C. O referido acórdão confirmou o entendimento pugnado pela recorrida, de que a decisão inicial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 14/09/2011, estava eivada de um flagrante vício de fundamentação que ditava a sua nulidade.
D. Reconhecendo aquele vício acordaram "...os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul em, concedendo provimento, declarar a nulidade da decisão ora recorrida, por falta de fundamentação, na vertente da total ausência de apreciação crítica da prova testemunhal produzida, nessa medida se determinando a sua eliminação da ordem jurídica.".
E. Posto isto, em cumprimento do referido aresto, procedeu o Tribunal a quo "...à elaboração de nova decisão relativa à fundamentação da matéria de facto.".
F. O acto de liquidação em crise pressupunha um acréscimo à matéria colectável de 2002, tendo por base, entre outras: a desconsideração de custos suportados pela recorrida com artigos para oferta e correcções ao nível dos proveitos diferidos referentes às obras "J..." e "Urbanização Bairro do M...".
G. O Tribunal concedeu provimento parcial à impugnação, anulando as correcções referentes aos custos suportados com artigos para oferta e, parcialmente, das correcções ao nível dos proveitos diferidos, relativos à obra "J...".
H. A RFP interpôs recurso invocando, naquela parte, um alegado erro de julgamento, pondo em causa, designadamente, a aplicação dos artigos 19.º e 23.º do CIRC.
I. Contudo, entende a ora recorrida que, pelo menos nesta parte, bem andou o Tribunal a quo pronunciando-se e decidindo pela ilegalidade das ditas correcções.
J. A correcção efectuada pela Administração fiscal ao nível dos proveitos diferidos assenta, como peticiona a recorrida, numa outra correcção igualmente ilegal.
K. Tendo por base a aplicação de um método de contabilização dos proveitos e custos de obras plurianuais ilegal, à luz do art.19.º do CIRC, a Administração fiscal corrige a matéria colectável, desta feita, ao nível dos proveitos diferidos.
L. Ora, ao assentar na correcção ilegal das existências integradas na obra, também à presente correcção deve ser considerada ilegal - como decide, aliás, o Tribunal.
M. Entende o Tribunal que a correcção aos custos incorridos com uma obra de carácter anual é devida (no que concerne à reavaliação das existências), e que, essa correcção, importa a consequente correcção ao nível da variação de produção (resultado da obra) e, cumulativamente, dos proveitos diferidos.
N. O Tribunal incorre aqui num flagrante erro na aplicação das regras e conceitos contabilísticos e fiscais, quer a montante, quer a jusante: assume, à revelia da lei, um método de reavaliação das existências totalmente inadequado e, sobre a sua aplicação, retira consequências ilegais ao nível dos proveitos deferidos.
O. O Tribunal a quo decidiu correctamente quando aplicou correctamente o critério do grau de acabamento para a valorimetria das existências aplicadas em obra e dali retirou as ilações correctas no que concerne à variação da produção admitindo, sem mais, o diferimento de proveitos efectuado pela ora recorrida.
P. Pelo contrário, na medida em que desvirtua a aplicação daquele método, agregando-lhe um suposto método da "área vendida" e dali retira, não só o ajustamento ao nível da variação da produção mas também a correcção dos proveitos diferidos pela ora recorrida, não pode a sentença proceder - tal como oportunamente já se sustentou no recurso interposto nos autos pela A....
Q. Os custos desconsiderados pela Administração fiscal que motivaram esta correcção apenas relevam na contabilização dos resultados da própria obra.
R. Qualquer correcção que porventura houvesse a realizar neste ponto, apenas poderia ser feita ao nível do resultado da obra, i.e., ao nível da variação da produção.
S. Acresce que, o resultado da obra foi rectificado por recurso a valores reportados de exercícios anteriores (1999, 2000 e 2001), também estes submetidos à análise judicial, havendo a relevar, por consequência, valores revistos e/ou não assentes.
T. São ainda tidos em consideração, para efeitos da correcção do resultado da obra, pressupostos manifestamente errados ou incoerentes - melhor expostos na PI de impugnação -, cujo efeito se repercute irremediavelmente ao nível do cálculo do grau de acabamento da obra e, consequentemente, dos respectivos resultados.
U. Nada há a obstar à decisão recorrida, na parte em que anula a dita correcção
V. No que concerne à anulação da correcção referente aos custos suportados pela recorrida com artigos para oferta, nada há, também, a opor à decisão recorrida.
W. Alegada a recorrida que a recorrente não terá comprovado a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos seus proveitos, nos termos do art. 23º do CIRC.
X. Como bem conclui o Tribunal a quo, à luz da correcta interpretação do art. 23.º do CIRC, essa indispensabilidade não se afere pela identificação dos destinatários das ofertas (critério ilegal e sem fundamento), mas sim, e apenas, «… pela sua adequabilidade com os fins da empresa...» - o que, in casu, bem se demonstra.
Y. Por conseguinte, é evidente a ilegalidade da presente correcção, nada havendo a opor à sua anulação, por violação do art. 23º do CIRC, nos termos da sentença.
Z. Não procede, assim, o alegado erro de julgamento que vem invocado pela RFP.
TERMOS EM QUE

O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) emitiu parecer no sentido do provimento do recurso apresentado pela Fazenda Pública e no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pela impugnante.

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A fls. 882, com data de 27/06/19, foi junto pela Recorrente A... um requerimento com o seguinte teor:


“A... Empreendimentos Industriais e Turísticos S.A.., impugnante nos autos à margem identificados, considerando factos posteriores à apresentação da presente ação, vem, nos termos e para os efeitos do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 81/2018 que veio instituir determinadas medidas destinadas "à recuperação de pendências nos tribunais administrativos e fiscais", designadamente a isenção de custas processuais -, requerer a desistência do presente pedido, beneficiando assim da aludida dispensa do pagamento de quaisquer custas judiciais”.



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A parte contrária foi notificada de tal requerimento. Nada disse.



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A EMMP pronunciou-se dizendo nada ter a acrescentar ao parecer inicialmente emitido.



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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A liquidação de IRC e de juros compensatórios efectuada em 07.08.06 ao impugnante, relativo ao exercício de 2002, com o nº 8..., teve por base as correcções técnicas da matéria colectável efectuada pela Adm. Fiscal. - cfr “print informático” de fls 67 a 69, dos autos.

B) O acto tributário mencionado supra, sustentou-se no Despacho do D.F. da D.F. de Lisboa, de 29.07.06 aposto sobre os Pereceres e Relatório elaborado pela I.T. cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, do qual consta, designadamente, o seguinte:

" Exercício de 2002...

Correcções à matéria tributável...

Valor de reavaliação que onera o custo de aquisição das existências na obra 21030 a corrigir na proporção das vendas ocorridas no exercício, no montante de € 14.064,60;

Valor de reavaliação que onera o custo de aquisição das existências na obra 21053 a corrigir na proporção das vendas ocorridas, no montante de € 114.125,20;

Valor de reavaliação que onera o custo de aquisição das existências nas obras 31005 e 31019 a corrigir na proporção das vendas ocorridas no exercício, no montante de € 547.225,71;

Valor contabilizado na conta de Subcontratos, correspondente ao IVA suportado relativamente às obras efectuadas para o Município de Cascais, no âmbito do protocolo do “Driving" que por poder ser dedutível, não é de aceitar como custos, no montante de € 103.000,85;

Artigos para oferta, relativamente aos quais não existe prova da sua indispensabilidade desconhecendo-se os seus destinatários; Proveitos indevidamente diferidos relativamente às obras 11026 e 21030, no valor de € 157.709,57 e 1.169.584,04, respectivamente; Correcções à variação da produção nos centros de custos 11026, 21053, 31005 e 31019, respectivamente, no montante de €3.062.721,84

A) Correcções Técnicas a favor do Estado

3.1.1.- Reavaliação que onera o custo de aquisição de existências

3.1.1.1 Obra (C.C 21030)

... O custo de aquisição destes terrenos está onerado da reavaliação efectuada e não sendo este aceite fiscalmente como custo de aquisição dos terrenos, apurando-se o valor de reavaliação que onerou os custos das obras de acordo com a proporção das vendas realizadas no exercício... no montante de € 14.064,60

3.1.6 Apuramento dos resultados da obra 21030

Em resultado das correcções dos subpontos 3.1.1.1 e 3.1.2, associado aos valores apurados em resultado da determinação das respectivas percentagens de facturação e grau de acabamento das obras plurianuais, considerando-se como proveito do exercício a parte da facturação efectuada (excluída dos proveitos considerados nos exercícios anteriores), passando o remanescente como receita antecipada, sendo que o valor correspondente à diferença do apurado pela impugnante será corrigido em função do deferimento indevido de proveitos... no valor de € 1 169.584,04.

3.1.1.2 Obra (C.C. 21053)- mesmos critérios de correcção do valor de reavaliação efectuada na obra 21030 ...no montante de € 114.125,20 ...

3.1.7 Apuramento dos resultados da obra:

Em resultado da correcção do custo de aquisição e dos custos orçamentados da obra... onerados do valor de reavaliação ... face ao grau de acabamento e a percentagem de facturação, o valor a transitar para obras em curso é inferior ao apurado pela sociedade...tal repercutirá numa alteração à variação da produção favorável ao s.p. no montante de ... € 141.830,47.

3.1.1.3 Obras “G... – C…" (C Custos 31019 e 31005)

Igualmente onerados com um valor de reavaliação pelos dois centros de custos... não sendo a totalidade do terreno propriedade da A...... calculado o valor de reavaliação que onera o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas... face às fracções vendidas em cada um dos centros de custos apurou-se a área de construção vendida em cada um dos centros de custos... procede-se à sua correcção no montante de € 547.225,72...

3.1.8 e 3.1.9 ... apuramento dos resultados das obras... atento a que o grau de acabamento supera a percentagem de facturação ... o valor a transitar em obras em curso é superior ao apurado, o qual se repercutirá numa alteração à variação da produção ...

3.1.10 Apuramento dos Resultados da obra 11026- "Urbanização Bairro do M...”...

Da análise ao mapa de apuramento de obras para o exercício anterior, para o cálculo do resultado da obra utilizava um orçamento de vendas de valor inferior ao orçamento de custos e ao próprio valor das vendas acumuladas até 31.12.2001, tendo diferido as vendas das fracções que, face a um grau de acabamento total igual a percentagem de facturação integral da obra, procede-se á correcção da facturação indevidamente diferida, corrigindo-se as existências finais das obras em curso e correspondente alteração da variação da produção ..

3.1.1.11 Apuramento do valor da variação da produção face aos valores que transitaram do exercício anterior após correcções e em resultado das correcções mencionadas nos pontos 3.1.1.2; 3.1.1.3; 3.1.7.; 3.1.8.; 3.1.9. e 3.1.10 ...

Considerando como existências iniciais as existências finais apuradas no exercício de 2001, resulta uma correcção à variação de produção declarada desfavorável ao sujeito passivo, no montante de € 3 062.721,84...

3.1.2 Subcontratos

Correcção correspondente ao valor do IVA suportado relativamente ao valor das obras realizadas para o Município, em virtude de o IVA ser dedutível, embora contabilizado como custo do exercício...

3.1.3 Artigos para ofertas

Os valores de artigos para ofertas ultrapassa o razoável para esses tipos de bens, não sendo identificados os seus beneficiários e dado a sua confidencialidade foram consideradas como despesas confidenciais e desconsideradas como custos e tributadas autonomamente no montante de € 16.501,23.- cfr Relatório da I.T. de fls 381 a 592, do P.A. apenso.

C) Em resultado da acção inspectiva referida supra foi elaborado o relatório final, o qual foi notificado ao contribuinte, em 01.08.06. - cfr “Certidão de Notificação", de fls 593, Oficio de fls 595, D.C.U., de fls 597 a 604, do P.A. apenso.

D) A impugnante apresentou, em 22.12.06, reclamação graciosa do acto tributário referido em A), tendo sido deduzido impugnação judicial em 17.09.07, em resultado do indeferimento tácito daquela impugnação administrativa.- cfr P.A. Gracioso apenso.


X


Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.


X


Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sustentado nos suportes contabilísticos e documentais que fundamentam as correcções efectuadas pela Adm Fiscal e reflectidas no relatório da I.T., constantes dos “Mapas de Trabalho" nº 1 a 21 e nos documentos de suporte como “Anexos nº I a XIII", os quais reflectem cabalmente as operações efectuadas pela Adm. Fiscal face aos elementos por si coligidos junto do sujeito passivo, sendo que a questão controvertida diz integralmente respeito ao correcto balanceamento dos resultados plurianuais e respectivo apuramento fiscal em razão da não aceitação da reavaliação das existências efectuada pelo impte- matéria esta admitida pelas partes, sendo que os documentos trazidos aos autos pelo impte se traduzem num parecer técnico elaborado por um Revisor Oficial ao serviço da empresa que não vincula o Tribunal, e da prova testemunhal realizada não permite aferir da justeza daquela verificação técnica contabilístico / fiscal, considerando este Tribunal que tais depoimentos das testemunhas arroladas nos autos se traduzem em meros juízos conclusivos dos factos apurados e, como tal, insusceptíveis de constituírem elemento de prova juridicamente relevante a uma decisão de mérito.»


*

- De Direito

O primeiro aspecto que há que enfrentar prende-se com o requerimento apresentado pela Recorrente A..., ao abrigo do DL nº 81/18, de 15 de Outubro, diploma através do qual foram implementadas diversas medidas acessórias de carácter extraordinário para a recuperação de pendências nos tribunais administrativos e fiscais, entre as quais se prevê a desistência do pedido com isenção de custas – artigo 9º.

Dispõe tal preceito que “Em caso de desistência do pedido, até 31 de dezembro de 2019, nos processos administrativos e tributários pendentes de decisão final nos tribunais administrativos e fiscais, incluindo nos tribunais superiores, há dispensa de pagamento de custas processuais”.

No caso, o requerimento de desistência foi apresentado em Junho de 2019, ou seja, dentro do prazo previsto no preceito transcrito.

Vejamos, então.

O direito ao recurso concretiza-se na faculdade de submeter as decisões judiciais a uma reapreciação por um tribunal superior mas o seu âmbito não se esgota no acto de interposição de recurso e de apresentação de alegações e conclusões. Estende-se ainda à possibilidade de, em determinado momento, abdicar da pretensão de reapreciação judicial, seja por renúncia ou por desistência. É sobretudo o critério temporal que distingue a renúncia da desistência: a primeira acontece em momento anterior ao da interposição do recurso, ou seja, em momento em que o recurso propriamente dito ainda não foi interposto; a segunda ocorre em momento subsequente ao do acto de contestação da decisão judicial, isto é, uma vez iniciada a instância de recurso e antes da prolação de acórdão pelo tribunal superior.

A desistência do recurso tem como consequência a consolidação da decisão recorrida, ou seja, o seu trânsito em julgado, equivalendo à aceitação da decisão proferida, com a única diferença quanto ao momento da prática do acto pela parte que, no caso de aceitação, tem lugar antes da interposição do recurso e, na hipótese de desistência, depois dela.

Como é evidente, no caso, a desistência do recurso importa a consolidação da sentença unicamente na parte em que a mesma havia sido desfavorável à A... e objecto de recurso jurisdicional por si apresentado.

Não aproveitando o recurso interposto por uma parte à parte contrária, a desistência do mesmo não está sujeita a limitações, pois não depende do assentimento do recorrido.

Há, pois, que julgar válida a desistência do presente recurso jurisdicional, o que seguidamente, na parte dispositiva do presente acórdão, se determinará.

Diga-se, ainda, quanto às custas pela desistência, que logra inteira aplicação o disposto no artigo 9.º do DL nº 81/2018, que, em caso de desistência do pedido, até 31 de dezembro de 2019, prevê a dispensa de pagamento de custas processuais.


*

Prosseguindo na análise, avancemos para o recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública.

Como resulta da síntese constante da conclusão g), conjugada com o demais exposto no recurso, decorre que a Recorrente se insurge contra o decidido pelo TAF de Sintra no que toca às correcções aos proveitos diferidos, nos montantes de € 157.709,57 e de € 1.169.584,04, valores estes respeitantes às obras “Urbanização Bº do M...” e “Urbanização J...”, respectivamente.

Uma delimitação se impõe desde já. É que, lendo e relendo a sentença recorrida, e apesar da sua formulação menos fácil, a verdade é que não se descortina que o juiz do TAF de Sintra tenha reconhecido razão à Impugnante, A..., quanto à correcção respeitante aos proveitos diferidos da “Urbanização J...”. Dito de outro modo, não resulta da sentença que tal correcção tenha sido considerada ilegal e anulada.

Vejamos, então, a correcção a que corresponde o montante de € 1.169.584,04, relativa a proveitos indevidamente diferidos “face à rectificação dos cálculos, por aplicação do Artº 19º do CIRC, relativamente à obra de caracter plurianual: Urbanização J...”, infringindo assim o disposto nos Artºs 19º e 20º do CIRC”, correcção esta a que corresponde o ponto 3.1.6 do RIT, Obra 21030.

Ora, a este propósito lê-se na sentença o seguinte:

“(…)

Quanto à aplicação do artº 19° do CIRC complementada com a referida Circular nº 5/90, relativo á previsão normativa para efeitos fiscais de valorimetria das existências no apuramento de resultados nas actividades de carácter plurianual e no caso, de acordo com o método da percentagem de acabamento nos termos do qual os proveitos são reconhecidos à medida que a obra progride (por isso com base na produção) - cfr D.C. nº 3 aprovado pelo C.G. da C.N.C. em 19.12.91, constata-se que a diferença do valor dos proveitos a diferir inferior ao apurado pela sociedade, resultou da consideração da relação dada entre a percentagem de facturação (que é obtida pela relação entre os montantes facturados e o preço inicialmente estabelecido para o total da obra) e o grau de acabamento da obra (obtida entre o total dos custos incorporados na obra e o total dos custos estimados para a sua execução), sendo que no 1° caso, face ao reconhecimento de uma percentagem de facturação superior ao grau de acabamento e que a diferença assim obtida entre os proveitos do exercício de acordo com a percentagem de acabamento atingido pela obra e o facturado e objecto de contabilização como proveitos diferidos em valor inferior ao apurado pelo s.p. foi correctamente corrigido pela Adm Fiscal, conforme resulta do ponto 3.1.6. do relatório (sublinhado nosso).

Ora, o ponto 3.1.6 do RIT é relativo ao “Apuramento dos Resultados da Obra: 21030 – Urbanização J..., por aplicação do Artigo 19º, após as correcções propostas nos subpontos 3.1.1.1 e 3.1.2”.

Neste ponto do RIT concluiu-se, no que para aqui importa, o seguinte: “Face ao exposto, por comparação com os valores obtidos pela sociedade, concluímos que o valor dos proveitos a diferir – de € 3.174.412,01 – é inferior ao inicialmente apurado pela sociedade – de € 4.343.996,05 – como tal o valor correspondente à diferença – de € 1.169.584,04 – será corrigido a favor do estado, nos termos do disposto nos Artºs 19º do CIRC, devido ao deferimento (sic) indevido de proveitos”.

Portanto, tanto quanto resulta da análise e interpretação que fazemos da sentença recorrida, esta correcção contestada pela A... não foi anulada, considerando o TAF, tal como transcrito, o valor “correctamente corrigido pela Adm Fiscal, conforme resulta do ponto 3.1.6. do relatório”.

Ora, de acordo com os princípios vigentes em matéria processual civil, no âmbito dos recursos, perante uma decisão judicial em que ambas as partes sejam vencidas, como aqui ocorreu, a cada uma delas é legítimo recorrer, na parte que lhe seja desfavorável, verificados que sejam os requisitos formais, entre os quais ressalta o atinente ao valor da sucumbência, em conjugação com o valor da alçada do Tribunal a quo – cfr. artigos 633º, nº 1, 631º, nº1 e 629º, nº 1, ambos do CPC.

No caso, a impugnação foi julgada parcialmente procedente, pelo que ambas as partes ficaram vencidas e, nessa medida, cada uma delas pôde recorrer na parte que lhe foi desfavorável.

Pelas razões expostas, a Fazenda Pública não poderia recorrer, por falta de legitimidade para tal, da correcção a que corresponde o ponto 3.1.6 do RIT já que a decisão da mesma não lhe foi desfavorável.

Nesta parte, face à ilegitimidade da Recorrente, o Tribunal não conhecerá do objecto do recurso.


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Vejamos, agora, o que dizer quanto à correcção no valor de € 157.709,57 respeitante a proveitos indevidamente diferidos “face à rectificação dos cálculos, por aplicação do Artº 19º do CIRC, relativamente à obra de caracter plurianual: Urbanização Bº do M...”, infringindo assim o disposto nos Artºs 19º e 20º do CIRC”, correcção esta a que corresponde o ponto 3.1.10 do RIT, Obra 11026.

Ora, o ponto 3.1.10 do RIT é relativo ao “Apuramento dos Resultados da Obra: 11026 – Urbanização Bairro do M..., por retificação ao cálculo da mesma, efectuado nos termos do Artº 19º do CIRC”.

Neste ponto do RIT evidenciou-se que “… após rectificação dos cálculos (…), resulta uma % de facturação e grau de acabamento da obra, na ordem dos 100%, que face à informação prestada pelos representantes da sociedade é a mais real”. Concluiu-se, nestes termos, e no que para aqui importa, o seguinte: “Assim sendo, à imagem do procedimento adoptado no exercício anterior, corrige-se, no exercício em análise, a facturação indevidamente diferida pela sociedade no montante de € 157.709,57…”.

Ora, a este propósito lê-se na sentença o seguinte:

“(…)

Quanto à obra 11026, face às alterações concretizadas no exercício anterior quanto ao orçamento de custos e ao valor das vendas acumuladas até 31.12.2001, e respectiva rectificação sendo considerado o ano de conclusão da obra anterior ao exercício em análise, conclui-se que foi efectuado um diferimento indevido de proveitos neste último ano que foi correctamente corrigido, notando-se neste caso que o montante apurado transitado em obras em curso foi corrigido pela diferença do custo orçamentado considerado em 2001, com o valor dos custos acumulados apurados no exercício, mas se assim é ,se foram apurados resultados quanto a obras em que não tenham sido suportados os custos totais necessários para o seu acabamento, ao valor das obras em curso objecto de correcção dever-se-á aceitar o deferimento da parte dos proveitos correspondentes aos custos incorridos o que não foi feito pela Adm. Fiscal, devendo ser corrigido nessa parte (cfr nº5, do artº 19º do CIRC)”. (sublinhado nosso)

Contra o decidido, a Fazenda Pública, neste recurso jurisdicional, sem distinguir os diferentes casos das obras 21030 e 11026 (que analisa simultaneamente e de igual forma) limita-se a sustentar que: os SIT respeitaram o princípio da especialização dos exercícios - consagrado no POC e no art.º 18.º do CIRC -, tendo utilizado a área das fracções vendidas para fazer a imputação de um custo indirecto ao exercício em apreço; face à correcção dos custos ocorridos no exercício de 2002, suportados e não aceite fiscalmente, por aplicação do disposto no artigo 19.º do CIRC, foi necessário proceder ao novo apuramento do resultado da obra para o exercício de 2002; in casu, o grau de acabamento é inferior à percentagem de facturação, pelo que apenas é considerado como proveito do exercício a parte da facturação efectuada que, deduzida da já levada a proveitos em exercícios anteriores, seja igual ao grau de acabamento atingido pela obra, sendo considerados como custos do exercício a totalidade dos já incorridos que ainda não tenham sido tidos em conta em exercícios anteriores; em resultado de tais cálculos, verificou-se que o montante de proveitos a diferir era inferior aos efectivamente diferidos pela sociedade, pelo que corrigiram, os SIT, a diferença, a favor do Estado, nos montantes de € 157.709,57 (…) para a Urb. B. do M...”.

Se atentarmos no teor das conclusões transcritas, o que se constata é que a Recorrente se afasta, por completo, daquilo que acabou por ser considerado na sentença, com vista à aceitação do diferimento dos proveitos, importando lembrar que a sentença não deixou de evidenciar que “sendo considerado o ano de conclusão da obra anterior ao exercício em análise, conclui-se que foi efectuado um diferimento indevido de proveitos neste último ano que foi correctamente corrigido”.

Concretamente, a Fazenda Pública não ataca o decidido quanto à invocação e aplicação, no caso, do nº 5 do artigo 19º do CIRC (determinante para a solução alcançada) – “(…), se foram apurados resultados quanto a obras em que não tenham sido suportados os custos totais necessários para o seu acabamento, ao valor das obras em curso objecto de correcção dever-se-á aceitar o deferimento da parte dos proveitos correspondentes aos custos incorridos o que não foi feito pela Adm. Fiscal, devendo ser corrigido nessa parte (cfr nº5, do artº 19º do CIRC)” – o que torna o discurso fundamentador adoptado no recurso em análise absolutamente inapto a colocar em causa a decisão (na parte) sob escrutínio.

Consequentemente, o recurso da Fazenda Pública, em relação a esta segunda questão, está condenado ao insucesso.

Nesta parte, conclui-se pela improcedência das conclusões de recurso em análise, mantendo-se a sentença recorrida no segmento correspondente.


*

Passemos à correcção respeitante aos artigos para ofertas, no montante de € 33.002,45.

Relativamente a este valor corrigido, o TAF de Sintra veio a reconhecer razão à A... no juízo de ilegalidade que esta sustentava na impugnação judicial e, como tal, determinou a sua anulação.

Com efeito, nos artigos 267º e seguintes da p.i, defendeu a Impugnante a ilegalidade da correcção no valor de € 33.002,45, por violação do artigo 23º do CIRC, sustentando que a relevância fiscal de um custo não depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou sequer da produção do resultado, por estarmos perante um espaço de liberdade empresarial irrestrita. Para a Impugnante “ninguém duvidará certamente que seja normalíssimo que à medida que o volume de negócios da empresa aumente, aumente também o valor dos bens ofertados”, mais se realçando que as ofertas traduzem “a disponibilidade da empresa em demonstrar o seu agradecimento a todos aqueles com que se relaciona, sejam clientes, sejam fornecedores”. Para mais, nas palavras da Impugnante, ora Recorrida, “não seria (…) razoável que, encontrando-se a decisão de incorrer em custos na esfera irrestrita da autonomia de gestão privada, a atribuição de ofertas se encontrasse condicionada à indicação do seu destinatário”, até porque “pela natureza comercial e escopo lucrativo das empresas, o anonimato é fundamental para muitas das suas relações e competitividade comerciais”.

Considerou o TAF de Sintra que a falta da indicação dos beneficiários das ofertas não podia fundamentar a correcção efectuada, “já que tais ofertas dever-se-ão aferir pela sua adequabilidade com os fins da empresa e não com aquela identificação dos beneficiários daqueles bens, pelo que a simples invocação de um pretenso valor elevado sem esclarecer o que se entende por esse conceito indeterminado e não contemplado por lei, determina a correcção dos custos correspondentes que deverão ser considerados”.

A Fazenda Pública insurge-se contra o assim decidido, defendendo, conforme decorre das conclusões transcritas, que “face ao valor unitário das ofertas, e por forma a comprovar a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos, os SIT solicitaram à Impugnante a indicação dos destinatários das ofertas, pois, só assim, poderiam estabelecer uma relação entre a causa e o proveito. Tal identificação não foi feita e, nessa medida, a Recorrente defende que a Impugnante não comprovou “a indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos - nos termos do artigo 23.º do CIRC” e, por isso, “não foram, os mesmos, naturalmente, aceites como custo fiscal”.

Conforme resulta do RIT, a AT questionou a indispensabilidade dos custos com a aquisição de artigos para ofertas, evidenciando que não foi possível identificar os beneficiários das mesmas e, nessa medida, a “sua participação nos proveitos da empresa” - artigo 23º do CIRC.

Consta do RIT, sem que tal seja posto em causa pela Impugnante, que os artigos destinados a ofertas correspondem a peças da Atlantis, no montante total de € 33.002,45, com valores unitários cifrados em € 287,90, € 195,00, € 610,50 e em € 451,50 (vide o Mapa 13 junto ao RIT, a fls. 119 dos autos).

Vejamos, então.

As sociedades comerciais, sujeitos passivos de IRC, são, em regra, e pela sua natureza intrínseca, entidades cuja actividade visa o lucro, o que mal se coaduna com disposições patrimoniais gratuitas.

Neste pressuposto, aliás, se entende o disposto no artigo 24º, nº1, alínea a) do CIRC, nos termos do qual não concorrem para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas que consistam em liberalidades.

Para que se fale, com propriedade, em liberalidades é necessário que à disposição gratuita esteja inerente o designado animus liberandi, o que nos leva a concluir que não são todas as disposições patrimoniais gratuitas que podem ser consideradas liberalidades. Neste particular, importa ter em atenção o disposto no artigo 940º do C.C, nos termos do qual “Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente” (nº1), esclarecendo o nº 2, além do mais, que “Não há doação (…) nos donativos conformes aos usos sociais”.

Ora, é enquanto donativos conformes aos usos sociais que é habitual encarar as ofertas comerciais, admitidas como uma prática generalizada e comum, socialmente aceite e reconhecida sem carácter de liberalidade para efeitos de IRC [cfr. artigo 24º, nº1, alínea a) do CIRC].

Como, com acerto, aponta o acórdão arbitral nº 410/2018-T, de 06/04/19, “a consideração como custo dos encargos suportados com ofertas comerciais, em ordem a concorrerem (negativamente) para o cômputo do lucro tributável dos sujeitos passivos que as praticam, implica que estes cumpram os requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos.

Relativamente ao ónus da prova nesta matéria, tem sido entendido pela jurisprudência nacional que:

“1. Só não são indispensáveis “os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”, isto é, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se “como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte”.

2. É seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus probatório da indispensabilidade dos seus custos.

3. Contudo, se a administração tributária/at, atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da at.” .

No caso, como decorre do RIT, a AT suscitou fundadamente a dúvida sobre a relação justificada entre os gastos e a actividade, o que surge através da absoluta falta de identificação dos beneficiários das ofertas.

Retomando tal acórdão citado, e o apelo que aí se faz à jurisprudência nacional, deve dizer-se que “…haverá que considerar que “necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da at”

A Requerente, embora prestando os esclarecimentos de que o RIT dá conta, não apresentou, como igualmente o RIT refere, qualquer documento, ainda que interno, ou outro elemento de prova, que indiciasse a identidade dos beneficiários das ofertas em causa, ou as concretas circunstâncias em que aquelas se deram.

Relativamente a esta matéria, note-se, antes de mais, que o universo da prática de ofertas no âmbito da actividade comercial, compreender realidades que podem ir desde pequenos brindes (porta-chaves, esferográficas), até à oferta de bens de valor mais substancial (como ocorre no caso; por exemplo, garrafas de vinho no valor de €198,00 cada).

E, naturalmente, que as circunstâncias próprias da realização de cada oferta poderão variar grandemente, em termos de não ser possível – e provavelmente por isso, não existirem – a formulação de regras específicas relativas à documentação, pelos sujeitos passivos, de tais práticas.

Sendo que, de resto, pela própria natureza inerente aos “usos sociais”, incluindo comerciais, que legitimam as ofertas, não será, de modo algum, exigível que por cada oferta, ou por determinado tipo de oferta, ainda que de valor mais significativo, o sujeito passivo ofertante exija ao ofertado a emissão de recibo, ou qualquer outro tipo de declaração atestando a recepção da oferta.

Sem prejuízo do referido, crê-se que do exposto não poderá decorrer a dispensa de um dever de os sujeitos passivos, relativamente aos encargos em que incorram com a realização de ofertas comerciais, se munirem de um mínimo de documentação, ainda que internamente elaborada, que releve, senão os beneficiários individuais, pelos menos as circunstâncias gerais e o contexto em que os artigos ofertados o foram , de modo a não esvaziar, completamente, a possibilidade de controlo da AT, dos pressupostos correspondentes à dedutibilidade dos respectivos gastos .

Ora, no caso, é isso que se passa.

A Requerente, embora prestando um esclarecimento genérico, segundo o qual as ofertas em questão se destinaram a clientes e/ou fornecedores, não foi capaz de concretizar, minimamente, e ainda que não nominalmente, quais os clientes e fornecedores alegadamente beneficiários das ofertas, de indicar as circunstâncias concretas em que as ofertas foram praticadas, nem de fornecer qualquer outro elemento, ainda que testemunhal, que proporcionasse alguma base para o controle da AT sobre a matéria.

Daí que, não tendo sido devidamente preenchido o ónus probatório que assistia à Requerente, não se poderá, julga-se, dar por assente, para lá de qualquer dúvida razoável, que as “ofertas” em causa foram efectivamente destinadas a clientes e/ou fornecedores daquela.

Estamos aqui, portanto, perante um caso análogo ao que foi objecto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 25-09-2008, proferido no processo 00350/04.7BEBRG, “sabendo-se a origem, natureza e finalidade dos pagamentos, desconhecendo-se apenas a identidade do destinatário.

Aqui, como ali, julga-se, haverá que concluir, nesta situação, pela “não aceitação do custo, (...) por via do não preenchimento do requisito da indispensabilidade das despesas efectuadas (...) para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23º do CIRC.”, que foi o que fez a AT”.

Ora, também aqui, como consta do RIT, o administrador da Impugnante, ouvido em auto de declarações, foi incapaz de identificar as pessoas e/ou entidades beneficiárias das ofertas, “sob a alegação que face ao tempo decorrido não se recordar a quem foram feitas as referidas ofertas”. Também aqui, da prova produzida, nada resulta demonstrado quanto ao circunstancialismo de facto que envolveu os artigos para oferta, limitando-se a Impugnante a produzir alegações genéricas a este propósito, como decorre da síntese acima feita sobre o invocado na p.i.

Na mesma linha de entendimento, o acórdão deste TCA Sul, de 18/10/05, no processo nº 695/05, no qual se pode ler que “A lei exige que a empresa prove, não só que adquiriu os bens que contabilizou como "ofertas", mas que os ofereceu e que essas ofertas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da força produtora ( não havendo qualquer indispensabilidade " ex lege", isto ainda que se considerem tais custos enquadráveis na alínea b) do nº l do artigo 23 do CIRC, já que a enumeração exemplificativa dos encargos referidos nas diversas alíneas deste preceito legal, tal como já acontecia dantes com as diversas alíneas do artigo 26 do CCI, não dispensa a prova da indispensabilidade desses encargos, exigida no corpo dos citados preceitos legais), e, (...), tal só é possível, se a empresa provar quem foram os beneficiários de tais bens e a relação essas ofertas e a actividade desta, e nenhuma prova foi feita nesse sentido. A ser assim, estaria aberta a porta para empresários, como menos escrúpulos, em seu próprio proveito ou de terceiros, bens de elevado valor, como ofertas e deduzindo-os como custos, sem qualquer interesse para empresa e em prejuízo da FAZENDA PÚBLICA, sem qualquer possibilidade de controle pela ADMINISTRAÇÃO FISCAL.

(…)

E não se diga, que para a empresa seria impossível ( …), identificar os beneficiários de tais ofertas, por alegadas razões de decoro social ou discrição, pois tal explicação surge incompreensível, podendo até levantar suspeitas de eventualmente passíveis de censura penal. Na verdade, não há razão para esconder aquilo que a lei permite, e a lei permite ofertas a clientes, fornecedores e trabalhadores, quando comprovada a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos e manutenção da força produtora, a não que sejam outros os objectivos....”

No caso, contrariamente ao decidido pelo TAF de Sintra, não ficando provada a indispensabilidade dos custos em causa, pelas razões antes referidas, como competia à Impugnante, e não podendo, na determinação para efeitos fiscais de um lucro real efectivo, ser tido em conta um encargo não devidamente comprovado como indispensável, como decorre do nº l do artigo 23º do CIRC e da alínea g) do nº l do artigo 41 do CIRC, não podia o montante de € 33.002,45 ser aceite pela AT, como não foi.

E nem se diga que esta conclusão propicia a interferência da AT na gestão da empresa, pois não se trata de validar se uma determinada oferta a determinada pessoa propiciou a obtenção de ganhos tributáveis em IRC mas antes – isso sim – se a saída do património da empresa de determinados artigos e/ou valores, sem que se conheça o beneficiário ou as concretas circunstâncias em que se deu, permite considerar, ainda, tal saída como apta ou conforme a obter ganhos tributáveis em IRC.

Entende-se, assim, que tem razão a Fazenda Pública, ora Recorrente, quando defende que não vem minimamente sustentada a indispensabilidade das ofertas para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da impugnante. Consequentemente, deveria a impugnação ter sido julgada improcedente nesta parte.

A procedência das conclusões ora analisadas, levam-nos a revogar a sentença na parte correspondente, o que significa que o decidido quanto aos custos com ofertas não se pode manter. Contrariamente, e nessa parte, a impugnação judicial será julgada improcedente, mantendo-se o correspondente valor corrigido.


*

A finalizar, importa que o Tribunal se pronuncie relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes, a complexidade do processo e atendendo a que as questões em análise não exigiram do Tribunal especiais conhecimentos técnicos e jurídicos, considera-se ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:


- Julgar válida a desistência do recurso interposto pela A..., isentando-a de custas, nos termos previstos no artigo 9.º do DL nº 81/2018;


- Quanto ao recurso interposto pela Fazenda Publica: (i) não conhecer do objecto do mesmo na parte relativa à correcção aos proveitos diferidos da Urbanização J...; (ii) negar provimento ao recurso e confirmar a sentença quanto à correcção no valor de € 157.709,57, relativa a proveitos diferidos da obra Urbanização Bº do M...; (iii) conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente, na parte relativa aos custos com artigos para ofertas.


Custas por ambas as partes na proporção do decaimento, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

R.N

Lisboa, 25/06/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Benjamim Barbosa)