Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03206/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2009
Relator:José Correia
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO. NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA E POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE INSUPRÍVEL POR FALTA DE INDICAÇÃO DOS ELEMENTOS DA INFRACÇÃO (ART. 63°, Nº L, AL. D), COM REFERÊNCIA AO ART. 79°, AMBOS DO RGIT).
Sumário:I) -Não há omissão de pronúncia quando o Mº Juiz «a quo» se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todas as causas de pedir invocadas pela arguida, ainda que não aluda a sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos por aquela pois o que importa é que o tribunal decida, como decidiu, as questões postas, não lhe incumbe apreciar todas as razões ou argumentos em que eles se apoiam para sustentar a pretensão.
II) -A pronúncia judicial exigida pelo nº 2 do artº 660º do CPC sobre todas as questões suscitadas pelas partes, não tem de ser expressa, podendo ser implícita ou genérica, desde que seja possível reconstituir o pensamento do juiz sobre determinada questão, através dos motivos da sentença e, designadamente, pode nem existir, se ficar prejudicada pela solução dada a outra questão, como expressamente se prevê no citado preceito legal.
III) -Muito embora «...a não especificação dos fundamentos de facto...da decisão...» constitua causa de nulidade da sentença prevista na al. b)- do nº 1 do artº 668º do CPT que é de conhecimento oficioso por força do nº 2 do artº 712º do CPC, há que distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada pois o que a lei considera só gera nulidade a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
IV) – A descrição sumária dos factos prevista no artigo 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT como requisito da decisão administrativa da aplicação da coima visa assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, no pressuposto de um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados.
V) – O facto tipificado como contra-ordenação no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT reporta-se á tipificação constante do n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, sendo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue.
VI) – Neste sentido, a falta de entrega da prestação tributária de IVA não preenche o tipo legal de contra-ordenação acima referido, uma vez que no IVA a prestação a entregar não é a prestação tributária deduzida, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo:

1. - RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO e a arguida W ...-Construção Civil e Gestão Imobiliária, Ldª, inconformados com a decisão proferida pelo M. Juiz do TAF de Almada que julgou improcedente o recurso da decisão de aplicação de coima recorrida aplicada à arguida, vêm da mesma recorrer para este Tribunal, formulando, para tanto, nas suas alegações, as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:
O MINISTÉRIO PÚBLICO:
a) Nos casos em que a moldura abstracta da coima a aplicar assenta no valor da prestação tributária em falta, o montante da coima a aplicar tem como limites mínimos e máximos os previstos nos nº 1 e 3 do artigo 26º do Regime Geral das Infracções Tributárias;
b) No caso concreto e porque tanto o valor mínimo como o máximo calculados nesses termos ultrapassam o valor máximo previsto na alínea b) do n° 1 do citado preceito legal, a coima a considerar é de €30.000 euros;
c) Na decisão de aplicação da coima deve atender-se a todos os factos agravantes ou atenuantes da conduta da arguida, designadamente a regularização da situação tributária subjacente à infracção;
d) Atento que no caso concreto a arguida efectuou o pagamento do imposto em falta no prazo de 90 dias e não são conhecidas circunstâncias agravantes da sua conduta, para além das que fazem parte do tipo, mostram-se reunidos os pressupostos para a atenuação especial da coima, nos termos do n°2 do artigo 32º do Regime Geral das Infracções Tributárias;
e) Atenta a conclusão da alínea b) e o disposto no n° 3 do art. 18° do Regime Geral das Contra -Ordenações, aprovado pelo Dec. -Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicável "ex vi" do art. 3°, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, a coima a aplicar deve ser fixada em €15.000,00 euros;
f) Ao aplicar a coima de €31.110,00, a Mma. Juiz "a quo" violou o disposto na alínea b) do nº l do artigo 26º do Regime Geral das Infracções Tributárias e não atendeu às circunstâncias atenuantes da conduta da arguida, designadamente ao disposto no n°2 do artigo 32° do R.G.I.T., o que configura erro de julgamento e constitui fundamento para a sua revogação e substituição por outra, que determine a aplicação à arguida da coima de €15.000 euros.
A ARGUIDA:
A) A W ...procedeu à entrega da declaração periódica de IVA referente ao 3a Trimestre de 2005 dentro do prazo legal para o cumprimento dessa obrigação tributária, não obstante ter efectuado o pagamento correspondente ao IVA aí apurado 91 dias depois.
B) Não procedeu a esse pagamento tempestivamente, do que se penaliza, por dificuldades económicas decorrentes da conjuntura económica Portuguesa e, bem assim, das dificuldades sentidas na área de actividade relacionada com o sector das obras públicas, que é a única área de actividade da Recorrente, ao que acrescem dificuldades de cobrança aos seus clientes, tendo inclusivamente a que proceder ao despedimento de uma parte muitíssimo significativa dos seus trabalhadores e colaboradores.
C) Sem prejuízo do que se acaba de expor, através de um esforço financeiro assinalável a Recorrente tem vindo a proceder ao pagamento da dívida fiscal desde 18 de Outubro de 2004, tendo pago até à data um montante significativo, facto demonstrativo da vontade da W ...no cabal cumprimento das suas obrigações fiscais.
D) Na sequência da infracção supra descrita, a W ...foi notificada pela AT do Despacho de decisão de aplicação de coima ora em crise (Cfr. Cit. Doc.1), reputando essa decisão de ilegal, porquanto colide com o exercício dos seus direitos e garantias, motivo pelo qual apresentou, em 06.06.2006, Petição Inicial de Recurso Judicial da decisão de aplicação de coima (cfr. cit. Doc.2), tendo tal Recurso sido admitido por Despacho de 20.10.2006 do TAFA, vindo a ser julgado improcedente por Sentença de 31.10.2008 proferida pelo TAFA (cfr. cit. Doc.3), cuja solução preconizada a Recorrente reputa de ilegal.
E) Primus, de referir a nulidade da Sentença por omissão de pronúncia, visto que a Sentença sob recurso não se pronunciou sob questões que foram levadas à sua apreciação como era seu dever, referindo de incisivamente que "[...] a descrição sumária dos factos, em termos que não se limitam a afirmar conclusões vagas, consta do despacho: "1. Valor da prestação tributária exigível: €178.767,41; 2. Valor da prestação tributária entregue: €0.00; 3. Valor da prestação tributária em falta: €178.767,41; 4. Data de cumprimento da obrigação: 10/11/2005; 5. Período a que respeita a infracção: 2005/09T; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 18/11/2005; os quais se dão como provados. De uma forma esquemática - ou telegráfica - a descrição sumária foi efectuada, sem remissão para o auto de notícia, de modo perceptível, acessível a qualquer destinatário. E assim improcede a arguida nulidade [...]".
F) Ora, desde logo, em sede da Petição Inicial apresentada, designadamente, nos artigos 28º a 42º do seu articulado, a Recorrente alegou e identificou factos falsos constante da Decisão de aplicação de coima, que são invalidantes desta, bem como a omissão de um requisito legal cuja sanção é a nulidade do procedimento contra-ordenacional (aqui transcritos no artigo 20º deste Recurso).
G) Em vão, pois a Sentença recorrida (em desrespeito do principio contido no brocardo latino do JURA NOVIT CÚRIA) optou por não se pronunciar sobre estas alegações, tendo-se limitado no trecho supra citado a qualificar (mal) os elementos que contribuíram para a fixação da coima como sendo a descrição sumária dos factos exigida pelo artigo 79º, alínea b) do RGIT (e não a c), essa sim que impõe a menção aos sobreditos elementos), o que, como se vem de alegar, não corresponde à verdade, abdicando de se pronunciar de fundo sobre as questões que se lhe impunha dirimir, não se pronunciando sobre a aludida matéria fáctica, tendo inclusive prescindido da audição de uma testemunha arrolada nos termos legais e que se reputa essencial para a boa decisão da causa.
H) Destarte, deve a Sentença ora posta em crise ser julgada nula nos termos do artº 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 2º alínea e) do CPPT, por omissão de pronúncia.
I) Adicionalmente, refira-se que a Recorrente suscitou a constitucionalidade de várias normas, designadamente, as normas dos n.º 2 do artigo 114º e do no artigo 26° n.º 1, alínea b) do RGIT devem considerar-se inconstitucionais por violação dos artigos 18º, 62º, 103º e 266° da CRP e ilegais por violação do nº 2 do artigo 70º do Código Penal, quando delas resulte a aplicação de uma coima mínima e máxima de €30.000 pelo atraso de 91 num pagamento ao Estado, num contexto em que este atrasa pagamentos por períodos muito superiores (com efeitos nefastos em toda a economia), sendo o acto (de aplicação de coimas) inválido por aplicação de lei inconstitucional ou ilegal.
J) Sucede porém que também estas questões não tiveram resposta por parte da Sentença recorrida, não sendo de admitir o entendimento de que essa resposta está contida na última frase da fundamentação de direito da douta Sentença: "[…] sendo também clara a falta de razão da recorrente quanto à invocação de desproporcionalidade da medida da coima que lhe foi fixada. [...]", pois ao reconhecer a questão em toda a sua dimensão, certamente que a resposta não poderia ser a aqui citada...
K) Assim, também por este motivo, deve a Sentença ora posta em crise ser julgada nula nos termos do artigo 668º, Nº1, alínea d) do CPC, ex vido artigo 2º alínea e) do CPPT, por omissão de pronúncia.
L) Secundus, há que invocar a nulidade da Sentença por falta de fundamentação, na medida em que não pode deixar de valorar-se negativamente a confusão terminológica que a Sentença ora em crise faz, classificando num primeiro momento, como descrição sumária dos factos (primeiro parágrafo da pág. 4 da douta Sentença) aquilo que viria a chamar de descrição sumária dos elementos (último parágrafo da referida pág. 4),
M) atingindo as confusões e erros patentes na douta Sentença o seu auge quando esta se refere a um Despacho que, a existir não será certamente aquele que foi notificado à Recorrente: "[...] Mas não é o caso do despacho recorrido. Neste mencionam-se a inexistência de actos de ocultação, de benefício económico, bem como da obrigação de não cometer a infracção. A negligência foi considerada simples [...] e a situação económica desconhecida. [...]"
N) De facto, referindo-se a um caso que não o dos presentes autos, sem ter coligido fundamentação bastante que esclarecesse a Recorrente de qual o percurso cognoscitivo que a mesma prosseguiu, e a razão de ter considerado estes elementos na decisão que tomou, deve a Sentença ora posta em crise ser julgada nula nos termos do artigo 668º, nº1, alínea b) e c) do CPC, ex vido artigo 2º, alínea e) do CPPT, por omissão de pronúncia.
O) Adicionalmente, não entende a Recorrente como pode a Sentença omitir, sem mais, a produção da prova testemunhal arrolada, para mais estando em causa um processo contra-ordenacional de cariz consabidamente penal, o que constitui violação do direito fundamental de Audiência e Defesa consagrado na CRP (artigo 32º, nº10).
P) Adicionalmente, sem conceder, mas que por dever de patrocínio se concebe, alega-se ainda Erro de Julgamento, devendo em consequência ser declarada a nulidade insuprível do processo, por falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima (artigo 63º, nº 1, alínea d) do RGIT e artigo 79º, nº 1, alíneas b) e c) do RGIT)
Q) A ora Recorrente apresentou Recurso Judicial da coima aplicada no processo de contra ordenação n5 2224200606011560 referente ao 39 trimestre de IVA de 2005, peticionando a final no sentido de o seu Recurso ser "julgado procedente e provado e a coima subjúdice ser anulada ou declarada nula.
R) No entanto, a Sentença ora recorrida discordando, decidiu quanto às nulidades invocadas: "[...] assim improcede a arguida nulidade por violação do disposto no artº 79º, nº 1, b) do RGIT [...] julgando [...] improcedente o recurso e em consequência mantenho a coima aplicada. [...]".
S) A Recorrente mantém todavia, na íntegra, o sufragado no Recurso: o Despacho em crise (cfr. cit. Doc.1) fixou coima superior ao mínimo legal sem que para isso tenham convocado factos suficientes para a graduação da coima, não sendo pois possível à Recorrente percorrer o caminho cognoscitivo trilhado pelo órgão decisor para a fixação da coima.
T) Com efeito, essa graduação é imposta pelo artigo 27º do RGIT e constitui requisito imprescindível para a decisão de aplicação de coima, como estatui o artigo 79º, nº 1, alínea c) do mesmo diploma, devendo ser perceptível à Arguida, ora Recorrente, saber quais as concretas razões que conduziram àquela decisão específica e não a outra.
U) A este respeito, todavia, o Despacho limita-se a mencionar como "elementos que contribuíram para a fixação da coima" (ao mesmo tempo remetendo para uma "Inf. 130"): a) a data do termo de prazo para cumprimento da obrigação; b) a data desse efectivo cumprimento; c) o período tributário a que respeita a infracção; d) o montante de imposto exigível; e) o valor da prestação tributária entregue; f) o valor da prestação tributária em falta; g) a reincidência do agente; h) a culpa do agente (negligência); i) o tempo decorrido desde a infracção.
V) Poder-se-á deduzir que os elementos em falta constariam da sobredita "Inf. 130", a qual não foi no entanto remetida à Recorrente, conforme alegado e não contraditado pela AT.
W) É aliás pacificamente aceite pela mais douta jurisprudência que essa remissão não constitui uma "indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação" nem uma "descrição sumária dos factos", como se exige no citado artigo 79º, nº 1, alínea c) do RGIT - vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18-01-2006 (Processo nº 0449/05), bem como o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.02.2006 (Processo nº 0834/05).
X) Destarte, é indubitável que o carácter remissivo do Despacho em crise e a insuficiência na descrição de factos integradores dos elementos que contribuíram para a graduação da coima, exigidos pelo artigo 21º do RGIT, ferem o processo de contra-ordenação subjacente a estes autos de nulidade insuprível, nos termos do artigo 63º, nº 1, alínea d) e nº 3 do RGIT, que deverá ser conjugado com o artigo 79º, nº 1, alíneas b) e c) do mesmo diploma legal.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a Sentença recorrida ser anulada, proferindo-se outra que, em sua substituição, considere procedente o Recurso oportunamente apresentado, com o que se fará a devida e costumeira, JUSTIÇA!
Requerimento de efeito suspensivo:
- A ora Recorrente não tem meios económicos para fazer face à prestação da garantia legalmente exigida para atribuição de efeito suspensivo ao presente Recurso - conforme documentação contabilística aqui junta como Doc. 4.
Pelo que, nos termos do artigo 84º do RGIT, se requer que seja, para este efeito, averiguada a situação financeira da Recorrente no sentido de ser verificada e declarada a insuficiência de meios económicos com a consequente atribuição de efeito suspensivo neste processo.
Não houve contra-alegações.
O Mº juiz pronunciou-se no sentido da não verificação das nulidades assacadas à sentença termos a que adiante se aludirá.
O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), teve vista dos autos.
Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.
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2.FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DOS FACTOS:
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal "a quo" fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
“Atenta a prova junta aos autos, dão-se como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:
A) No dia 31 de Março de 2006, foi elaborado o Auto de Notícia de fls. 3 que se dá por integralmente reproduzida onde, entre o mais, consta o seguinte:
«QUADRO 02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO
1. Valor da prestação tributária exigível: 178.767,41 Eur; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00 Eur; 3. Valor da prestação tributária em falta: 178.767,41 Eur;4. Data de cumprimento da obrigação: 10/11/2005; 5. Período a que respeita a infracção:2005/09T;6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 18/11/2005; 7. Normas infringidas: Art° 26°, n°l e 40°, n° l b) CIVA - Apresentação dentro do prazo D. P., s/pagamento ou c/pagamento insufle. (T) 8.Normas punitivas: 114 n°2 e 26 n°4 do RGIT- Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo (T).
(...)
Verifiquei, pessoalmente, na data e local referidos no quadro 3, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou nos cofres do Estado simultaneamente com a declaração periódica que apresentou fora do respectivo prazo legal, na data e para o período referido, respectivamente, em 4 e 5 do quadro 02, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, fazendo-o somente pelo valor referido em 2, também do quadro 02, o que constitui infracção às normas previstas em 7, punível pelas disposições referidas em 8, do mesmo quadro.
(...)»
B) Por despacho de fls. 5 a 6, que se dá por integralmente reproduzido, de 13.04.2006, foi a recorrente condenada, pela prática de uma contra-ordenação fiscal, por infracção ao disposto no Art° 26°, n°l e 40°, n° l b) CIVA, punida pelos arts. 114.°, n.° 2 e 26.°, n.° 4 do RGIT, na coima de 31.110,00 €.
C) Na determinação da medida da coima, por apelo ao art° 27° do RGIT, consignou-se que não se conheciam actos de ocultação; que o benefício económico era nulo, que a frequência da prática da infracção era acidental; que a negligência foi simples; que a situação económica da arguida era desconhecida e que o tempo decorrido desde a prática da infracção era de entre 3 a 6 meses.
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A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes.
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2.2. - DO DIREITO
Atentas as conclusões do recurso delimitadoras do seu objecto e a factualidade fixada as questões a decidir são as de saber:
a) – Quanto ao recurso da arguida, se ocorre (i) a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e falta de fundamentação -conclusões E) a N)- (ii) a violação, na sentença, do direito de audiência por não ter sido produzida prova testemunhal (conclusão O) e (iii) a nulidade insuprível por falta de indicação dos elementos da infracção (art. 63°, nº l, al. d), com referência ao art. 79°, ambos do RGIT)- (demais conclusões).
b) - Quanto ao recurso do Ministério Público, se a sentença incorre em erro de julgamento por violação do disposto na al. b) do artº 26º do RGIT e não consideração das circunstâncias atenuantes p. no artº 32º nº 2 do mesmo Regime.

Assim:

I) - DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA:
Do requerimento de recurso judicial flui que a arguida o fundamenta na violação do art° 79°, n° l, alínea b) do RGIT por o despacho de decisão de aplicação de coima não respeitar as exigências elencadas naquele normativo ao não fazer a “descrição sumária dos factos” (vd. artºs. 15º a 42º), inadequação da graduação da coima (artºs 43º a 67º) e inconstitucionalidade das normas do nº 2 do artº 114º e do artº 26º, nº1, al. b) do RGIT, por violação dos artºs. 18º, 62º, 103º e 266º da CRP e ilegais por violação do nº 2 do artº 70º do Código Penal (artºs. 68º a 7º)
Da análise da sentença vê-se que a fundamentação analisou as questões da nulidade da decisão que lhe aplicou a coima por da mesma não constarem elementos essenciais e da graduação da coima, da inadequação da graduação da coima, bem como da desproporcionalidade.
Poderá afirmar-se que a mesma deixou de conhecer da questão da inconstitucionalidade das normas do nº 2 do artº 114º e do artº 26º, nº1, al. b) do RGIT, por violação dos artºs. 18º, 62º, 103º e 266º da CRP e ilegais por violação do nº 2 do artº 70º do Código Penal?
Note-se que a arguida assaca à decisão a nulidade por não ter conhecido da inconstitucionalidade de várias normas, designadamente, as normas dos n.º 2 do artigo 114º e do no artigo 26° n.º 1, alínea b) do RGIT que, segundo a recorrente, devem considerar-se inconstitucionais por violação dos artigos 18º, 62º, 103º e 266° da CRP e ilegais por violação do nº 2 do artigo 70º do Código Penal, quando delas resulte a aplicação de uma coima mínima e máxima de €30.000 pelo atraso de 91 num pagamento ao Estado, num contexto em que este atrasa pagamentos por períodos muito superiores (com efeitos nefastos em toda a economia), sendo o acto (de aplicação de coimas) inválido por aplicação de lei inconstitucional ou ilegal.
Todavia, ao expender que “…não excedendo a coima aplicada o limite mínimo, (…) deixa(ndo) de ter relevância invalidante a eventual falta dos elementos subjectivos de aplicação da coima, sendo também clara a falta de razão da recorrente quanto à invocação de desproporcionalidade da medida da coima que lhe foi fixada” a Mª Juíza revela que a questão não lhe passou despercebida e que entendeu que era “a desproporcionalidade da medida da coima que…foi fixada” (e a nosso ver bem) que motivava a inconstitucionalidade arguida a qual, por aquelas razões, implicitamente, não se verificava.
Por esse prisma, tem de entender-se que a sentença recorrida conheceu de todas as questões suscitadas pela Recorrente.
E a eventual desconsideração no texto da sentença de outros factos e poderia determinar um eventual erro de julgamento por se relacionar com a validade substancial da decisão e nunca com a validade formal da mesma, o que arredaria desde logo a pretendida nulidade.
Destarte, a sentença não enferma da invocada nulidade na medida em que se pronuncia sobre questões que foram invocadas, ainda que de modo implícito quanto à suscitada inconstitucionalidade.
Na verdade, a nulidade da sentença geralmente designada por omissão de pronúncia, (1) segundo o disposto no artº 668º, nº 1, al. d)-2ª parte do CPC, existe quando o juiz não toma conhecimento de questão de que devia conhecer e está em correlação com a proibição estabelecida na 2ª parte do artigo 660º do mesmo Código que prescreve não poder o juiz ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, de modo que não se verifica essa nulidade quando, para apreciar uma dessas questões, o tribunal se socorre de factos relevantes para a decisão, podendo então haver erro de julgamento mas nunca omissão de pronúncia.
De sorte que a expressão «questões» não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, por ser o juiz livre na qualificação jurídica dos factos (artº 664º do CPC), mas reporta-se apenas às pretensões formuladas ou aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir (cfr. ainda Rodrigues Bastos, Notas..., pág. 228 e A, Varela in RLJ, 122º-112).
Assim, na sentença recorrida havia apenas obrigação de conhecer das questões suscitadas pelo oponente e pelo recorrente e que acabaram de enunciar-se e já não de escalpelizar todos os argumentos aduzidos em favor da tese por eles expendida, nem conhecer de todos os factos alegados e que a as partes reputem relevantes.
Mas sempre haverá que ter em conta que, em relação às questões suscitadas pelas partes, só há obrigação de conhecer daquelas cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC).
Com efeito, aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 660º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido . A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J.A.Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido de anulação do acto impugnado.
Da análise da sentença recorrida e por tudo quanto acima se disse sobre as questões suscitas no recurso, resulta que o Tribunal «a quo» se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todas as causas de pedir invocadas pela recorrente e pela recorrida, ainda que não aluda a sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos por aquela pois, como ainda ensina o ilustre Prof., Anotado, 1981, V, pág. 143, «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
A sentença é uma decisão dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade.
Integra a primeira a situação em que não se imputa à sentença qualquer violação das regras da sua elaboração e estruturação ou vício que atente contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada; mas alegando a recorrente que em relação aos factos admitidos na sentença houve uma inadequada interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios de direito aplicáveis no caso em apreço (erro de direito), tal constitui matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal.
Assim, a sentença não está não está afectado na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Em suma: da sentença recorrida consta a pronúncia sobre os fundamentos de facto e de direito o que tudo revela que a decisão recorrida se ocupou de questões que lhe foram postas e que tinha obrigação de decidir, servindo-se de factos que estavam articulados.
Neste contexto, tendo a sentença decidido as questões que lhe foram postas, não cometeu erro de actividade jurisdicional, sem prejuízo de, em relação aos factos admitidos na sentença, haver uma inadequada interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios de direito aplicáveis no caso em apreço (erro de direito), que adiante se apreciará.
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II) -DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO:

A recorrente faz radicar esta nulidade na confusão terminológica que a Sentença ora em crise faz, classificando num primeiro momento, como descrição sumária dos factos (primeiro parágrafo da pág. 4 da douta Sentença) aquilo que viria a chamar de descrição sumária dos elementos (último parágrafo da referida pág. 4), e, ainda, no facto de se referir a um caso que não o dos presentes autos, sem ter coligido fundamentação bastante que esclarecesse a Recorrente de qual o percurso cognoscitivo que a mesma prosseguiu, e a razão de ter considerado estes elementos na decisão que tomou.
No seu despacho de sustentação a Mª Juíza «a quo» demonstra, em termos que merecem a nossa concordância, que o argumento invocado é, salvo o devido respeito, destituído de qualquer sentido, sendo possível a qualquer destinatário médio compreender que a sentença se referia em ambos os casos aos elementos de facto que foram ponderados na fixação da coima.
E, quanto à alegação de que a sentença padece de falta de fundamentação por se ter referido "a um caso que não é o dos presentes autos", também concordamos com a Mª Juíza quando afirma que é absolutamente incorrecto pois, na alínea A) do probatório deu-se por reproduzido o teor do auto de notícia de fls. 3, o qual integra a informação de fls. 4 que menciona justamente a inexistência de actos de ocultação e de benefício económico, bem como a qualificação da culpa do agente como negligência simples e a menção de que a situação económica do infractor era desconhecida, factores que foram tidos em conta na graduação da pena no caso concreto dos autos.
Afigura-se-nos, outrossim, que a sentença está fundamentada pois, se é certo que «...a não especificação dos fundamentos de facto...da decisão...» constitui causa de nulidade da sentença prevista no nº 1 do artº 125º do CPPT que é de conhecimento oficioso por força do nº 2 do artº 712º do CPC, há no entanto que distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. É o que se considera nos Acórdãos da Rel. De Lisboa de 17/1/91 publicado na CJ, XVI, tomo 1º, pág. 122 em que se expende que «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade». No mesmo sentido veja-se o Acórdão deste Tribunal de 1 de Outubro de 1997, tirado no recurso nº 64201.
Assim, em nosso entender não se verifica a nulidade da sentença nos termos do face à conclusão em que se afirma não estar a sentença ora em recurso devidamente fundamentada.
A alegada falta de fundamentação da sentença violará, na tese da recorrente, o artº 668º nº 1 al. B) do CPC que impõe ao juiz que fundamente as suas decisões, pelo que é nula.
De acordo com a citada disposição a sentença é nula «Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Os actos dos magistrados estão subordinados ao dever geral de fundamentar a decisão consagrado no artº 158º do CPC face ao qual a omissão de fundamentação acarreta a nulidade mesmo do simples despacho nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 158º, 659º, 668º, nº 1, al. b), aplicáveis «ex-vi» da al. e) do artº 2º do CPPT (vd. Acórdão do STA de 22/9/1974, in BMJ 239º-242).
Mas a nulidade da al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, irrelevando a deficiente, errada ou incompleta fundamentação.
Nesse sentido e como já se referiu, expende-se no Acórdão da RL de 7/1/91, CJ, XVI, Tomo 1º, pág. 122 que há que distinguir cuidadosamente «a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade».
Ora, a sentença recorrida contém fundamentação fáctica e jurídica, pelo que improcede a conclusão sob análise.
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III) -Da violação do direito de audiência por não ter sido produzida prova testemunhal
Funda-a a recorrente (Vd. conclusão O) em que não entende como pode a Sentença omitir, sem mais, a produção da prova testemunhal arrolada, para mais estando em causa um processo contra -ordenacional de cariz consabidamente penal, o que constitui violação do direito fundamental de Audiência e Defesa consagrado na CRP (artigo 32º, nº10).
A Recorrente alega ainda que a sentença "omitiu, sem mais, a produção de prova testemunhal".
Todavia, o artº 64º nº 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) prevê que se se entender que não há lugar a diligências de prova, o processo pode ser decidido por simples despacho.
E o certo é que a dispensa de realização de diligência de inquirição de testemunhas não resultou da sentença recorrida mas antes do despacho de fls. 59, o qual foi notificado às partes por ofícios datados de 20.10.2006, não tendo sido objecto de recurso.
Dai que improceda a conclusão de recurso sob análise.
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IV) -Da nulidade insuprível por falta de indicação dos elementos da infracção (art. 63°, nº 1, al. d), com referência ao art. 79°, ambos do RGIT).
O despacho decisório recorrido, para julgar procedente o recurso interposto do despacho administrativo que aplicou à ora recorrida a coima considerou verificados os requisitos legais previstos nas alínea b) e c) do artigo 79.º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima).

Insurgindo-se contra essa decisão, vem agora a arguida e recorrente na sua alegação de recurso sustentar que esse despacho punitivo enferma de nulidade insuprível, uma vez que não contém, de forma suficiente, as indicações e referências concretas e individualizáveis aos elementos de facto legalmente exigidos, assim como a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima aplicada.

No ponto seguimos a jurisprudência pacífica fixada no STA e condensada no recente acórdão proferido em 16.09.2009, no Recurso nº 540/09-30, publicado em http://www.dgsi.pt cuja fundamentação, data vénia, iremos seguir de perto para a resolução do caso concreto.

Assim:

“A primeira das questões acima enunciadas relativa ao requisito da “descrição sumária dos factos” (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT” foi objecto de conhecimento neste Supremo Tribunal por acórdão de 29/04/09, no recurso n.º 241/09, subscrito pelo presente relator, numa situação em tudo idêntica e cuja douta fundamentação nos limitaremos a acompanhar tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8º, nº 3 do CC).

Escreveu-se no citado aresto:

“O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.° 1 do artigo 79.° do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada.

No caso dos autos, a contra-ordenação fiscal imputada à arguida é a do artigo 114°, n° 2 do RGIT (cfr. a decisão de fixação da coima a fls. 3, 5 e 7 dos autos), ou seja, a de “falta de entrega da prestação tributária” cometida a título de negligência.

Ora, a conduta tipificada como contra-ordenação sancionada pelo n° 2 do artigo 114° é a descrita no n° 1 do mesmo preceito legal (para o qual o n° 2 remete, através da menção “se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência...”), ou seja, “a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (...) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei (...)“ (sublinhados nossos).

Assim, em face do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida, os factos a descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima têm de ser subsumíveis no tipo legal em apreço, sob pena de atipicidade do facto e consequentemente de não poder haver lugar à aplicação de qualquer coima (cfr. o conceito de infracção tributária constante nº 1 do artigo 2° do RGIT).

Se em causa estivesse uma contra-ordenação “omissiva pura”- como a do nº 1 do artigo 116° do RGIT (“Falta ou atraso de declarações”), em que o facto tipicamente ilícito consistisse apenas em “não fazer algo a que se estava legalmente obrigado a fazer dentro de determinado prazo” -, poder-se-ia entender estar cumprido o requisito legal da decisão de aplicação da coima “descrição sumária dos factos” (artigos 63°, nº 1, alínea d), primeira parte e 79°, nº 1, alínea b) do RGIT) se nesta fosse indicado correctamente qual o dever omitido e qual o momento (o termo do prazo) em que tal dever devia ter sido cumprido.

Acontece que, no caso, a infracção imputada à arguida não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei”.

Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.

Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (a fls. 6 e 7 dos autos), nenhuma referência, directa ou indirecta, expressa ou por remissão [sendo certo que a mera remissão para o que sobre os factos constitutivos da infracção se diga no auto de notícia não basta — cfr. JORGE LOPES DE SOUSA/MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2008, pp. 528/530, nota 2 ao art. 79.° do RGIT e a jurisprudência deste Tribunal (a título de exemplo, cfr. o recente Acórdão de 18/02/2009, rec. n.° 1120/08)], se encontra em relação a esse facto e era essencial que ele fosse descrito para que a decisão administrativa da coima não se encontrasse ferida de nulidade.

Acresce que, em face das normas legais tidas como violadas na decisão de aplicação da coima — os artigos 26°, nº 1 e 40°, nº 1 b) do CIVA, não seria sequer possível entender estar preenchido o tipo legal de contra-ordenação dos números 1 e 2 do artigo 114° do RGIT, pois, como tem afirmado a jurisprudência deste Tribunal [cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STA de 28 de Maio de 2008 (rec. 279/08), de 18 de Setembro de 2008 (rec. 483/08), de 15 de Outubro de 2008 (rec. 481/08) e de 11 de Fevereiro de 2009 (rec. 578/08)], no âmbito do IVA os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram (...), mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram (cfr. o primeiro dos Acórdãos citados), apenas se encontrando no tipo legal do artigo 114° do RGJT referência compatível com o IVA no seu nº 3 e desde que o imposto tenha sido recebido (cfr. a jurisprudência deste STA supra citada), sendo que este nº 3 não foi tido nem achado na decisão de aplicação da coima que está na origem dos presentes autos”-cfr, no mesmo sentido, acórdão de 8/07/09, no processo nº 361/09.”

Voltando à situação em causa nos autos, importa concluir que o despacho de aplicação da coima, contrariamente ao que se decidiu na decisão recorrida não satisfaz o requisito da descrição sumária dos factos a que se alude na alínea b) do nº 1 do artigo 79º do RGIT, assim enfermando da nulidade insuprível prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 63º do mesmo diploma legal.

Sendo assim, prejudicado fica o conhecimento da questão de saber se estaria cumprido o requisito definido na parte final da alínea c) do nº 1 do artigo 79º do RGIT (Artigo 660, n.º 2 do CPC).

Termos procede este fundamento de recurso, devendo revogar-se o despacho recorrido.


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E o acabado de decidir prejudica o conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público em que se questiona a graduação da pena por ter sido aplicada a coima de €31.110,00 com violação do disposto na alínea b) do nº l do artigo 26º do Regime Geral das Infracções Tributárias e por não ter atendido às circunstâncias atenuantes da conduta da arguida, designadamente ao disposto no n°2 do artigo 32° do R.G.I.T., o que, para o Ministério Público recorrente, configura erro de julgamento e constitui fundamento para a sua revogação e substituição por outra, que determine a aplicação à arguida da coima de €15.000 euros.
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3. - DECISÃO:
Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, em consequência, anular o despacho que aplicou a coima à arguida.
Custas pela recorrida, fixando-se a taxa de justiça em três UCs (art.ºs 92.º n.º1 do RGCO e 87.º n.º1 b) do CCJ).
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Lisboa, 20/10/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Rogério Martins)

(1) A invocada nulidade por omissão de pronúncia está também prevista, nos mesmos termos, no art. 379.°, n.° 1 alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi dos arts. 2.°, alínea e), do CPT 52.° do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei (DL) n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, e do art. 41.°, n.° 1, do DL n.° 433/82, que dispõe que é nula a sentença, «Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».