Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:167/08.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RETENÇÃO NA FONTE/ IRC
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO
REVISÃO OFICIOSA
INDEFERIMENTO TÁCITO
Sumário:I – No caso concreto, não se discute que a anulação da liquidação tem por fundamento uma ilegalidade substantiva inerente à relação jurídica tributária, pelo que se verifica a existência de erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no transcrito nº 1 do art. 43º da LGT, não obstante estarmos em face de um acto de retenção na fonte.

II - Tendo a impugnante suscitado, junto da AT, a revisão oficiosa dos actos de retenção na fonte de IRC de 2003 e 2004, e tendo impugnado judicialmente – com procedência da impugnação - os actos, no seguimento do indeferimento tácito daquele pedido, apresentado em 27/04/07, tem direito a juros indemnizatórios.

III - Atenta a redacção da lei à data dos factos, concretamente do artigo 57º, nº1, do LGT, o procedimento tributário (revisão oficiosa) devia ter sido concluído no prazo de seis meses. Assim, apresentado o pedido de revisão em 27/04/07, volvidos seis meses sem decisão, há que fixar aí a data do indeferimento tácito de tal pedido (ou seja, 27/10/07).

IV – Na situação em análise, os juros são devidos apenas a partir da data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e não, como decidido, desde a data de cada uma das retenções indevidas até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO


“A... B.V.”, sociedade constituída segundo as leis holandesas, e, com sede em N... BW Amsterdão, Países Baixos, deduziu impugnação judicial contra as liquidações de IRC ocorridas em 2 de Maio de 2003 e 30 de Abril de 2004, por retenção na fonte, aquando da colocação à disposição dos dividendos que auferiu da sua participação na sociedade P... S.G.P.S.

O Tribunal no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em sentença datada de 16/07/2020, decidiu:

“Declara-se verificada a Inutilidade Superveniente da Lide quanto ao reembolso da quantia de € 21.318,00, que já foi reembolsada à Impugnante em 10.02.2017;

No mais, julga-se procedente a presente Impugnação, determinando-se a anulação das liquidações impugnadas, na sua totalidade e a devolução da quantia remanescente à Impugnante, condenando-se a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios…” calculados “ desde a data de cada uma das retenções indevidas até à data da emissão da respetiva nota de crédito”.


Inconformada, a Fazenda Pública recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul, delimitando o recurso ao segmento da sentença que a condenou ao pagamento de juros indemnizatórios, tendo, nas alegações apresentadas, formulado as seguintes conclusões:


«A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença, que julgou procedente a impugnação judicial à margem identificada, deduzida pela sociedade de direito holandês, A... B. V", NIPC 7..., contra as liquidações de IRC, ocorridas nos anos de 2003 e 2004, por Retenção na Fonte, respetivamente nos montantes de €106.590,00 e €117.249,00, no valor global de €223.839,00, aquando da colocação à disposição dos dividendos que auferiu da sua participação na sociedade comercial portuguesa "P..., SGPS, S.A.", pessoa coletiva n°5..., restringindo-se o âmbito do mesmo ao segmento decisório que condenou a Fazenda Pública, ora Recorrente, no pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor das retenções na fonte impugnadas, "...desde a data de cada uma das retenções indevidas até à data da emissão da respetiva nota de crédito (citado artigo 43°, n°1 da LGT e artigo 61°, n°3 do CPPT."

B) A questão que importa dirimir e que constitui o objeto do presente recurso consiste em aferir o momento a partir do qual (dies a quo) devem ser contabilizados, nos termos do disposto nos art°s 43° e 100°, ambos da LGT, os juros indemnizatórios devidos a favor da Recorrida, resultantes de liquidação e pagamento de imposto, operada substituto tributário, através do mecanismo de retenção na fonte, julgada ilegal em sede de impugnação judicial, apresentada na sequência do indeferimento (tácito) do pedido de revisão oficiosa dos mesmos atos tributários.

C) A sentença recorrida ao condenar a AT, no pagamento à Recorrida, de juros indemnizatórios, sobre o valor das retenções na fonte de IRC impugnadas, "... desde a data de cada uma das retenções indevidas até à data da emissão da respetiva nota de crédito (citado artigo 43°, n°1 da LGT e artigo 61°, n°3 do CPPT.", enferma de erro de julgamento de direito, por violação do disposto na alínea c), do n° 3, do art°43° e do art°100°, ambos da LGT.

D) Constituem, nos termos do n°1, do art°43° da LGT, requisitos da condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios: i) a existência de erro em ato de liquidação de tributo; ii) que esse erro seja imputável aos serviços; iii) que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial; e iv) que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido.

E) No caso sub judicie, se é certo que os atos de liquidação de tributo (retenções na fonte de IRC), foram anulados por sentença judicial, não pode, contudo, falar-se em erro imputável aos serviços da AT, aquando da sua prática, porquanto os mesmos foram levados a cabo não pelos serviços da Fazenda Pública, mas pelo próprio contribuinte ou por substituto, ainda que, de acordo com instruções genéricas emanadas por aquela, mas com violação do princípio da livre circulação de capitais previsto nos art.°s 18° e 63° do TFUE.

F) O n°3, do citado art°43° da LGT, enuncia exceções à regra invocada no n°1 do mesmo preceito normativo, importando reter, no que ao caso dos autos respeita, a exceção ínsita na alínea c), do aludido n°3, do art°43° da LGT; a qual determina serem devidos juros indemnizatórios "Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária".

G) O normativo ora citado é aplicável aos casos em que o contribuinte tenha procedido ao pagamento do imposto e, posteriormente, obtenha a anulação do ato tributário resultante da resolução de pedido de revisão em prazo superior a um ano e este atraso seja imputável à administração tributária.

H) Assim, quando a anulação da liquidação do tributo ocorra por via de um pedido de revisão oficiosa desencadeado pelo contribuinte, o legislador só lhe reconhece o direito a juros indemnizatórios quando, independentemente do tempo que decorreu desde o pagamento do tributo, a anulação do ato ocorre mais de um ano depois do momento em que o pedido foi efetuado. Isto é, os juros indemnizatórios, a serem devidos, deverão ser contabilizados a partir de um ano após o pedido de revisão efetuado pelo contribuinte. (Neste sentido, vide entre muitos outros, o Acórdão do STA, de 02/06/2013, proc. n°0839/11).

I) Como defende JORGE LOPES DE SOUSA, "nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte [...], bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos".

J) Por conseguinte, estando em causa no caso sub judicie, atos de retenção na fonte de IRC e encontrando-se afastado, desde logo, o erro imputável aos serviços da AT, conforme supra referimos, é nosso entendimento, tal como propugnado nos que a condenação da Fazenda Pública, propugnada pela sentença recorrida, no pagamento de juros indemnizatórios, não poderá ser feita, nos termos e por aplicação do disposto no n°1, do art°43° da LGT.

K) E uma vez que a ora Recorrida não reclamou graciosamente contra as liquidações, por retenção na fonte, que considerou ilegais, nem as impugnou judicialmente nos termos e prazos previstos no CPPT, pedindo apenas, posteriormente, a revisão oficiosa daqueles atos nos termos da 2ª parte, do n°1 do art°78° da LGT, (vide ponto 9) do probatório da sentença ora recorrida) e se os atos em questão foram anulados em sede de impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento (tácito) desse pedido de revisão, os juros indemnizatórios serão apenas devidos e computados nos termos estatuídos na citada alínea c), do n°3, do art°43° da LGT, ou seja, depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte em sede de revisão oficiosa, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada.

L) À luz da alínea c), do n°3, do art°43° da LGT, os juros indemnizatórios que a Fazenda Pública tem de pagar à Recorrida, só deverão ser contabilizados a partir do dia seguinte ao do termo do prazo legal de um ano após a apresentação pelo sujeito passivo do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários que vêm impugnados, e não como decidiu a sentença recorrida, "... desde a data de cada uma das retenções indevidas..."

M) Tendo a ora Recorrida, apresentado um pedido de revisão oficiosa dos atos de retenção na fonte que vinham impugnados, em 2007/04/27, conforme decorre do ponto 9) do probatório da sentença ora recorrida, os juros indemnizatórios a pagar pela Fazenda Pública, só deverão ser contabilizados desde o dia 28 de Abril de 2008, até à data do processamento da nota de crédito.

N) Ao condenar a Fazenda Pública a pagar à Impugnante, ora Recorrida, juros indemnizatórios sobre as quantias indevidamente retidas na fonte, "... desde a data de cada uma das retenções indevidas até à data da emissão da respetiva nota de crédito (citado artigo 43°, n.°1 da LGT e artigo 61°, n°3 do CPPT.", a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por violação do disposto na alínea c), do n°3, do art°43° e do art°100°, ambos da LGT, impondo-se, consequentemente, neste segmento, a sua anulação.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, no segmento decisório aqui sob recurso, e substituída por outra que naquela parte declare serem devidos juros indemnizatórios à Impugnante, ora Recorrida, sobre os atos retenção na fonte de IRC impugnados, contabilizados apenas, a partir do dia seguinte ao do termo do prazo legal de um ano após a apresentação, pela Recorrida, do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários impugnados, até ã data do processamento da nota de crédito.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!»


*

A sociedade recorrida apresentou as suas contra-alegações, com o seguinte quadro conclusivo:

«A) A questão decidenda na origem das presentes alegações consiste em determinar o dies a quo dos juros indemnizatórios devidos à ora Recorrida por força da ilegalidade das liquidações de imposto, no montante global de EUR 223.839,00, efectuadas por retenção na fonte aquando da distribuição de dividendos operada a 2 de Maio de 2003 e 30 de Abril de 2004 derivada de participação detida na P..., SGPS;

B) Da posição perfilhada pela Recorrente em sede de alegações resulta ter o meio procedimental escolhido pela ora Recorrida para contestar a legalidade dos actos tributários praticados - pedido de revisão oficiosa - espartilhado o direito à percepção de juros indemnizatórios, cujo exercício alegadamente só pode ter lugar ao abrigo do artigo 43°, n°3, alínea c), da LGT;

C) Em conformidade, entende a Recorrente não serem devidos à ora Recorrida juros indemnizatórios no montante de EUR 40.041,63, resultantes da desconsideração do seu cômputo entre os dias 2 de Maio de 2003 e 30 de Abril de 2004 (data das retenções na fonte ilegais) e 27 de Abril de 2008 (data em que se completou um ano da apresentação do pedido de revisão oficiosa);

D) Discorda a ora Recorrida de semelhante posição, entendendo ter direito à percepção de juros indemnizatórios em consonância com o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida;

E) Não tendo a Administração Tributária proferido qualquer decisão no âmbito do procedimento de revisão, a aplicação do artigo 43°, n°3, alínea c), da LGT tem necessariamente de claudicar, uma vez que os actos tributários contestados não foram revistos pelos seus serviços;

F) Ademais, o facto de a ora Recorrida ter escolhido o pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78°, n°1, última parte, da LGT - ao invés da reclamação graciosa prevista no artigo 132° do CPPT -, como meio procedimental de reacção contra os actos tributários sindicados, não é de modo algum susceptível de legitimar a posição assumida pela Recorrente em sede de alegações, na medida em que à conduta da ora Recorrida não pode ser assacado qualquer juízo de censura;

G) Perante a verificação no presente caso de uma situação de erro imputável aos serviços da Administração Tributária determinada em sede de impugnação judicial- a tal não obstando a natureza e autoria dos actos tributários sindicados -, dúvidas não podem subsistir quanto à aplicação do regime previsto no artigo 43°, n°1, da LGT, tendo a ora Recorrida direito à percepção de juros indemnizatórios em conformidade;

H) O artigo 61°, n° 3, do CPPT (actual artigo 61°, n° 5, do CPPT) não prevê a restrição do direito à percepção de juros indemnizatórios em função do encurtamento do período durante o qual deverão ser contabilizados;

I) Tal restrição revela-se inadmissível face ao regime ínsito nos artigos 18°, n°2, e 22° da CRP, representando um cerceamento, sem base legal e justificação plausível, do princípio da responsabilidade civil dos poderes públicos;

J) No cenário de se admitir a propositura de acção de responsabilidade civil autónoma, nos termos do artigo 4°, n°1, alínea i), do ETAF, com vista ao ressarcimento dos danos causados durante aquele período, dificultar-se-ia o direito do contribuinte à tutela ressarcitória dos seus danos, onerando-o com o impulso processual dessa acção, com a demonstração dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas e, bem assim, com os custos inerentes à sua apresentação;

K) Os danos em questão acabariam por ser ressarcidos pelo Estado (solidariamente responsável com o substituto tributário) de forma, no entanto, mais onerosa e morosa para o contribuinte, o que se mostra inadmissível face ao regime ínsito no artigo 22° da CRP e, bem assim, no artigo 268°, n°4, da CRP;

L) Não tendo a Administração Tributária proferido qualquer decisão no âmbito do procedimento de revisão, entende a Recorrida que não há lugar à aplicação do disposto no artigo 43°, n°3, alínea c), da LGT, mas sim do n°1 do mesmo normativo uma vez que não houve lugar a qualquer revisão dos actos tributários em referência mas sim a uma anulação judicial com reconhecimento da existência de erro imputável aos Serviços na prática das liquidações em causa – integrando para este efeito o Douto Tribunal a quo o substituto tributário nos Serviços da Administração Tributária;

M) Constituindo a substituição tributária o regime-regra de tributação em sede de IRC das entidades não residentes e sem estabelecimento estável em território nacional, estes contribuintes, no plano ressarcitório, encontrar-se-iam numa posição de desvantagem injustificada em relação aos contribuintes residentes, sujeitos a um regime-regra de autoliquidação (em sede de IRC, nos termos do artigo 89°, alínea a), do CIRC) ou de liquidação por parte da Administração Tributária (em sede de IRS, nos termos do artigo 75° do CIRS);

N) A posição defendida pela Recorrente, ao restringir de modo injustificado e desigualitário a tutela ressarcitória, sob a forma de juros indemnizatórios, de entidades não residentes, põe igualmente em causa os princípios da livre circulação de capitais previsto no artigo 56° do TCE (actual artigo 63° do TFUE), e da efectividade, e, consequentemente, o primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno ordinário previsto no artigo 8°, n°4, da CRP, cuja salvaguarda se visou prima facie nos presentes autos;

O) Subsistindo, no entanto, na esfera do Douto Tribunal ad quem dúvidas sobre a compatibilidade do regime ínsito nos artigos 43°, n° 1, e 100° da LGT, quando interpretado na esteira da posição sustentada pelo Douto Tribunal a quo, com os princípios da livre circulação de capitais previsto no artigo 56° do TCE (actual artigo 63° do TFUE) e da efectividade, deverá diligenciar pelo reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267° do TFUE;

P) Por tudo quanto ficou exposto, uma correcta aplicação do direito, maxime do regime ínsito nos artigos 43°, n° l, e 100° da LGT, 18°, n°2, e 22° da CRP, 56° do TCE, 8°, n°4, da CRP, e, bem assim, do princípio comunitário da efectividade, determina que o cômputo inicial do direito à percepção de juros indemnizatórios tenha lugar no momento da retenção na fonte de imposto ilegal, nos termos do artigo 61°, n°3, do CPPT (actual n°5 da mesma disposição legal), impondo-se por isso a esse Douto Tribunal que mantenha a decisão recorrida, julgando improcedente o recurso interposto pela Recorrente, tudo com as demais consequências legais.

Q) Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal considere não serem devidos juros indemnizatórios desde a data de cada uma das retenções na fonte (no que não se concede), sempre se dirá que a Recorrida tem direito a juros indemnizatórios desde o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si efectuado.

R) Com efeito, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa não deixa de se reconduzir a um erro imputável aos serviços determinante do pagamento dos juros ao abrigo do artigo 43°, n°1l, da LGT, sobretudo quando se constata que a Administração Tributária sempre considerou legais os actos de retenção na fonte sub judice;

S) De facto, como resulta dos presentes autos, a Recorrente não só não reviu os actos tributários em crise no âmbito do procedimento de revisão, como também sempre se pronunciou (nomeadamente em sede de contestação e alegações escritas) pela manutenção dos referidos actos, defendendo a sua legalidade, tendo ainda sido notificada pelo Douto Tribunal a quo para informar se, nos termos do artigo 10°, nºs 1 e 2, alínea b), do Decreto-Lei n°81/2018, de 15 de Outubro, pretendia rever os actos tributários impugnados atendendo à jurisprudência reiterada sobre a questão decidenda, o que não fez;

T) Ou seja, a Recorrente desde o procedimento de revisão e em todo o processo de impugnação judicial (em que decorreram cerca de 11 anos) sustentou sempre a legalidade das liquidações em crise nos presentes autos e, bem assim, do indeferimento (ainda que tácito) do pedido de revisão oficiosa, não tendo por isso o mínimo cabimento que, perante uma pronúncia jurisdicional que declara ilegais tais liquidações e tal indeferimento, a Recorrente pretenda abusivamente escudar-se no artigo 43°, n°3, da LGT, para se eximir ao pagamento de juros indemnizatórios desde as retenções na fonte ilegais ou, no mínimo, desde o referido indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, não pode a pretensão da Recorrente deixar de ser desatendida, negando-se provimento ao recurso, o que se requer, tudo com as demais consequências legais.

Havendo dúvidas sobre a compatibilidade do regime ínsito nos artigos 43°, n°1, e 100° da LGT com os princípios da livre circulação de capitais previsto no artigo 56° do TCE (actual artigo 63° do TFUE) e da efectividade, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que diligencie pelo reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia em conformidade com o disposto no artigo 267° do TFUE.

Requer-se ainda a esse Douto Tribunal ad quem, na exacta medida da improcedência do recurso, a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas de parte, nos termos do artigo 26° do RCP, tudo com as demais consequências legais.»


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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1) A Impugnante é uma sociedade comercial de Direito Holandês denominada “besloten vennootschap” com sede na Holanda, sem direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional - declaração emitida pela Administração Fiscal de Amesterdão e respetiva tradução certificada juntas como docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a douta petição inicial (p.i.), cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

2) Em 13 de Fevereiro de 2007 foi certificado pela Administração Fiscal de Roterdão que a ora impugnante “(…) é residente nos Países Baixos para fins fiscais e de acordo com uma convenção de dupla tributação celebrada com Estado terceiro não é considerada para fins fiscais como sendo residente fora da Comunidade Europa. É sujeita a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nos Países Baixos, sem possibilidade de opção ou isenção”, nos anos de 2003 2004, 2005 e 2006” - citada declaração emitida pela AF de Roterdão e citada tradução.

3) A partir de 14 de Outubro de 1997, a Impugnante tornou-se acionista da sociedade comercial anónima P... SGPS SA., sociedade com sede em Portugal, tendo adquirido, na referida data, 950.000 ações no valor global de €35.397.192,77, as quais manteve até 14.07.1999, data em que adquiriu 95.000 novas ações pelo valor de € 3.562.500,00, passando a deter 1.045.000 ações - docs. n.ºs 3 e 4 juntos com a douta p.i., cujo conteúdo aqui se á por reproduzido para todos os efeitos legais.

4) A 14 de Outubro de 1998, a Impugnante completou um ano de detenção ininterrupta de uma participação na sociedade comercial anónima P... SGPS SA, com valor de aquisição não inferior a € 20.000.000,00 tendo-a mantido ininterruptamente na sua esfera até 27 de Maio de 2005 e 19 de Maio de 2006 - cf. docs. 3 e 4 juntos com a douta p.i., cujo conteúdo aqui se á por reproduzido para todos os efeitos legais.

5) A ora Impugnante detinha uma participação na sociedade comercial anónima P... SGPS S.A., correspondente a 0,47% do respetivo capital social, face às 5.329.500 ações que então detinha - cf. docs. 3 e 4 juntos com a douta p.i., cujo conteúdo aqui se á por reproduzido para todos os efeitos legais.

6) Em 2 de Maio de 2003 e 30 de Abril de 2004, a ora Impugnante auferiu dividendos da sua participação social na P... SGPS, S.A., respetivamente nos montantes de €852.720,00 e €1.172.490,00 - cf. docs. 5 e 6 juntos com a douta p.i., cujo conteúdo aqui se á por reproduzido para todos os efeitos legais.

7) Os dividendos distribuídos em 2003 foram sujeitos a tributação em território nacional, tendo uma importância correspondente a 12,5% dos mesmos, no montante de €106.590,00, sido objeto de retenção na fonte a título de IRC - cf. doc.5, junto com a douta p.i., cujo conteúdo aqui se á por reproduzido para todos os efeitos legais.

8) Os dividendos distribuídos em 2004 foram igualmente sujeitos a tributação em território nacional, tendo uma importância correspondente a 10% dos mesmos, no montante de €117.249,00, sido objeto de retenção na fonte a título de IRC, em resultado da aplicação conjunta dos artigos 80º, nº2, alínea c), do CIRC e 10º, nº2, alínea b), da CEDT Portugal/Países Baixos - cf. doc.6, junto com a douta p.i., cujo conteúdo aqui se á por reproduzido para todos os efeitos legais.

9) No dia 27 de Abril de 2007, a ora Impugnante apresentou perante a AT pedido de revisão oficiosa das mesmas, em sede da qual requereu o reembolso do montante retido na fonte pelo B..., S.A. – EUR 223.839,00 - cf. doc.6, junto com a douta p.i., cujo conteúdo aqui se á por reproduzido para todos os efeitos legais.

10) Até à apresentação da presente ação, a ora Impugnante não foi notificada de qualquer decisão em sede do referido em 9) procedimento tributário.


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FACTOS NÃO PROVADOS:

Inexistem, com relevância para as questões a decidir.


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CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

Alicerçou-se a convicção do Tribunal, na consideração dos factos provados, na análise dos documentos juntos aos autos e ao PAT, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.»


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- De direito

Como bem se percebe do teor das conclusões formuladas pela Recorrente, o recurso interposto pela Fazenda Pública cinge-se à questão dos juros indemnizatórios cujo direito foi reconhecido, em concreto ao momento a partir do qual os mesmos devem ser calculados. Em resumo, a pretensão pode sintetizar-se na conclusão B) das alegações, na qual se lê: “A questão que importa dirimir e que constitui o objeto do presente recurso consiste em aferir o momento a partir do qual (dies a quo) devem ser contabilizados, nos termos do disposto nos art°s 43° e 100°, ambos da LGT, os juros indemnizatórios devidos a favor da Recorrida, resultantes de liquidação e pagamento de imposto, operada substituto tributário, através do mecanismo de retenção na fonte, julgada ilegal em sede de impugnação judicial, apresentada na sequência do indeferimento (tácito) do pedido de revisão oficiosa dos mesmos atos tributários”.

A sentença recorrida apreciou a questão dos juros indemnizatórios pedidos pela impugnante, ora Recorrida, sobre o montante indevidamente retido e concluiu o seguinte:

“Este tribunal concluiu que, as liquidações de imposto impugnadas padecem de vício de violação de Lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais, pelo que as liquidações terão que ser anuladas e a Administração Tributária terá que devolver o imposto indevidamente retido, nos termos do disposto no artigo 100.º da Lei Geral Tributária (LGT).

De tudo o que se disse, resulta, que, as liquidações são imputáveis a erro, por parte da Administração Tributária, do qual resultou o pagamento de dívida tributaria em montante superior ao legalmente devido (artigo 43.º, n.º1 da LGT), pelo que, são devidos juros indemnizatórios à Impugnante.

Devendo os mesmos ser contabilizados desde a data de cada uma das retenções indevidas até à data da emissão da respetiva nota de crédito (citado artigo 43.º, n.º1 da LGT e artigo 61.º, n.º3 do CPPT”.

Repete-se, é apenas quanto ao assim decidido, em matéria de juros indemnizatórios, que a Fazenda Pública interpõe o presente recurso, alegando, como se viu, que:

- se é certo que os actos de liquidação de tributo (retenções na fonte de IRC) foram anulados por sentença judicial, não pode, contudo, falar-se em erro imputável aos serviços da AT, aquando da sua prática, porquanto os mesmos foram levados a cabo não pelos serviços da Fazenda Pública, mas pelo próprio contribuinte ou por substituto, ainda que, de acordo com instruções genéricas emanadas por aquela, mas com violação do princípio da livre circulação de capitais previsto nos artigos 18° e 63° do TFUE;

- se a anulação da liquidação do tributo ocorra por via de um pedido de revisão oficiosa desencadeado pelo contribuinte, o legislador só lhe reconhece o direito a juros indemnizatórios quando, independentemente do tempo que decorreu desde o pagamento do tributo, a anulação do acto ocorre mais de um ano depois do momento em que o pedido foi efetuado;

- uma vez que a ora Recorrida não reclamou graciosamente contra as liquidações por retenção na fonte, que considerou ilegais, nem as impugnou judicialmente nos termos e prazos previstos no CPPT, pedindo apenas, posteriormente, a revisão oficiosa daqueles actos, nos termos da 2ª parte, do n°1 do artigo 78° da LGT, e se os actos em questão foram anulados em sede de impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento (tácito) desse pedido de revisão, os juros indemnizatórios serão apenas devidos e computados nos termos estatuídos na citada alínea c), do n°3, do art°43° da LGT, ou seja, depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte em sede de revisão oficiosa, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada.

Vejamos.

Sob a epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária», nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 43º da LGT dispõe-se o seguinte:

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”. (aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

Por seu turno, o artigo 100º da LGT, com a epígrafe Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo, impõe à ATA a obrigação, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, da imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

A questão aqui colocada não é nova e os Tribunais Superiores já se têm vindo a debruçar sobre ela. É o caso do acórdão do STA, de 18/01/17, proferido no processo nº 0890/16, no qual se lê, em circunstancialismo em tudo idêntico ao presente, o seguinte:

“(…)

Não se discutindo que, no caso, a anulação da liquidação tem por fundamento uma ilegalidade substantiva (e não meramente procedimental) inerente à relação jurídica tributária, também se verifica, conforme se diz na sentença recorrida, a existência de erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no transcrito nº 1 do art. 43º da LGT, não obstante estarmos em face de um acto de retenção na fonte.

Na verdade, como sublinha o Cons. Jorge Lopes de Sousa, «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou de facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou. À prática de acto expresso deverá ser equiparado, para este efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art. 57.°, n.º 5, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido.» (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª ed., vol. I, anotação 6)a)2 ao art. 61º, p. 537.)

Ora, no caso vertente releva o indeferimento tácito do pedido inerente ao procedimento de revisão oficiosa do acto de liquidação, desencadeado pela impugnante, não relevando, assim, a argumentação da recorrente no sentido da não aplicação do disposto no art. 43º da LGT, mesmo apelando ao invocado aresto do STA.

Por outro lado, como bem aponta o MP, o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, também não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a AT «não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito comunitário do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e, mais do que isso, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE.»

Em suma, tendo a impugnante suscitado, junto da AT, a revisão oficiosa do acto de retenção na fonte (dentro do prazo - 4 anos - em que esta a podia operar oficiosamente e por sua iniciativa), e tendo impugnado judicialmente – com procedência da impugnação - o acto, no seguimento do indeferimento tácito daquele pedido, tem direito a juros indemnizatórios, contados nos termos do nº 3 do art. 61º do CPPT dado que «a Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços.» (ac. do STA, de 29/10/2014, proc. nº 01502/12).

4.3. Resta apreciar a questão relativa ao termo inicial dos juros indemnizatórios.

Socorrendo-se da jurisprudência constante do ac. do STA, de 12/3/2012, proc. nº 01007/11, a recorrente sustenta que, não sendo indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos [pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (nº 1 do art. 43º da LGT e nº 5 do art. 61º, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação, quando não é feita por iniciativa do contribuinte no prazo de reclamação administrativa apenas haverá direito a juros indemnizatórios nos termos do nº 3 do art. 43º da LGT], então, no caso, a entender-se que são devidos juros indemnizatórios, só seriam devidos a partir do momento em que a lei considera que a AT entrou em incumprimento do dever de decidir o pedido.

Em igual sentido parece pronunciar-se o MP junto deste STA.

E, na verdade, assim é.

Sendo anulada a liquidação, ainda que por força da procedência de impugnação judicial, a AT deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (art. 100º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no supra transcrito art. 43º da LGT, norma que, não alterando o direito de indemnização, permite ao contribuinte lesado um meio processual de obter mais facilmente (embora, eventualmente, não completamente), o seu direito à indemnização (a especificação e previsão, nestes normativos, bem como no art. 61º do CPPT e noutras normas dos diversos Códigos Tributários) dos casos em que há direito a juros indemnizatórios «terá de ser entendida não como uma designação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da Administração Tributária nem como uma limitação do dever indemnizatório da Administração, mas como uma indicação de situações em é que de presumir a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade daquela Administração pela ocorrência do mesmo.» Por isso, este art. 43° apenas estabelece «um meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida, traduzida em juros indemnizatórios nos casos incluídos na previsão». (Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., anotações 3 e 12 ao art. 61º, pp. 527/528 e 556.)

Mas da conjugação entre o disposto nos nºs. 1 a 3 deste artigo, também resulta diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios (não serão devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços), diferença que, conforme realça o Cons. Lopes de Sousa, parece assentar em entendimento legislativo no sentido de que «há culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, dos meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor».(Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais - Notas Práticas”, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 71.)

Daí que, no caso, a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só haja de ser reconhecida a partir do momento em que se forma o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, ou seja, a partir do momento em que, pela primeira vez, a AT se teve de pronunciar “sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos” e omitiu esse dever, deixando que se formasse indeferimento tácito. (Ibidem, p. 52. Cfr. também a jurisprudência aí referenciada.)

Em concordância com tal interpretação e dado que, no caso, a impugnante só em 27/4/2007 requereu a revisão oficiosa do acto de liquidação (ocorrido no ano de 2003), havemos de concluir que a respectiva tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só deverá ser reconhecida a partir da data em que se formou o indeferimento tácito daquele pedido (6 meses após 27/4/2007 – cfr. art. 57º da LGT na redacção à data, anterior à introduzida pela Lei nº 64-B/2011).

E, assim, a sentença recorrida, que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios desde 29/4/2003 e até efectivo pagamento da quantia de 1.367.476,55 Euros, não pode, nesta parte, manter-se, pois que os mesmos são devidos apenas a partir daquela data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa”.

É este precisamente o caso dos autos, em que estamos perante actos de retenção de IRC de 2003 e 2004, anulados em sede de impugnação judicial, a qual foi precedida de pedido de revisão oficiosa, apresentado em 27/04/07, pedido este que, volvido o prazo de seis meses sobre a data da apresentação, não havia sido decidido.

É verdade, e o Tribunal não desconsidera, que a regra geral, em matéria de pagamento dos juros indemnizatórios, é a de que os mesmos sejam contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.

Mas como evidencia outro acórdão do STA, num caso que não sendo igual ao presente (pois tratava-se de reclamação graciosa apresentada contra as retenções na fonte e não de pedido de revisão, como aqui), ainda assim tem pontos comuns que importa considerar, “Sendo esta última a regra, geral, para definir, identificar, os dias a quo e ad quem, é necessário ter em atenção que são várias as situações (Ou, as diversas formas de pagamento indevido de tributos.), casuisticamente, determinantes da obrigação do pagamento, pela autoridade tributária e aduaneira (AT), desta modalidade de juros, pelo que, desde logo, importa não olvidar os casos em que, por força de, específica, previsão legal, esses dias possam ser outros. Assim, com grande acutilância, é incontornável, quando se labora nesta matéria, considerar e retirar todas as consequências do estatuído nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 43.º da LGT, no sentido de que estas positivam exceções, concretas, nominadas, à supra mencionada regra geral do art. 61.º n.º 5 do CPPT, bem como, dão ao operador judiciário (e/ou administrativo) algum sentido de orientação, para as situações, hipóteses, atípicas, no sentido de não expressamente delimitadas pela lei.

Por outras palavras, queremos significar que a regra do cômputo desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, além da limitação decorrente das aludidas exceções (e outras detentoras dessa qualidade), tem de ser temperada, calibrada, quando o resultado a que conduz pode ser penalizador, sem justificação, para a AT.

Deste modo e com tal objetivo, o STA tem entendido (Entre outros, acórdão de 6 de dezembro de 2017 (0926/17).), com persistência, que no “caso de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, embora esteja, em princípio, afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços (na medida em que tanto a determinação da matéria coletável como a liquidação do imposto são levadas a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços), o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”. Ora, neste enquadramento, afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando-se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária” – acórdão do STA, de 07/04/21, processo nº 0360/11.8BELRS.

No mesmo sentido, ainda, o STA, no acórdão de 03/06/20, proferido no processo 018/10.5BELRS 095/18, afirmou que “(…) do disposto nos nºs. 1 a 3 do art. 43º da LGT resulta que, em caso de revisão, a diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios (não serão devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços) decorre do entendimento legislativo no sentido da culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor”.

Portanto, dúvidas não restam que a sentença que decidiu a contagem dos juros indemnizatórios “desde a data de cada uma das retenções indevidas até à data da emissão da respetiva nota de crédito”, não se pode manter nesta parte, já que tais juros são devidos apenas a partir daquela data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

No caso concerto, e considerando a redacção da lei à data dos factos, concretamente do artigo 57º, nº1, do LGT, o procedimento tributário devia ter ser concluído no prazo de seis meses. Assim, apresentado o pedido de revisão em 27/04/07, volvidos seis meses sem decisão, há que fixar aí a data do indeferimento tácito de tal pedido (ou seja, 27/10/07).

Por último, e não desconsiderando o que vem pedido pelo Recorrido em sede de contra-alegações, em particular na conclusão O), na qual se sugere a intervenção do TJUE, por via do reenvio prejudicial – “Subsistindo, no entanto, na esfera do Douto Tribunal ad quem dúvidas sobre a compatibilidade do regime ínsito nos artigos 43°, n° 1, e 100° da LGT, quando interpretado na esteira da posição sustentada pelo Douto Tribunal a quo, com os princípios da livre circulação de capitais previsto no artigo 56° do TCE (actual artigo 63° do TFUE) e da efectividade, deverá diligenciar pelo reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267° do TFUE - dir-se-á o que nenhuma utilidade se vê no pretendido.

No entendimento aqui por nós adoptado, não é de considerar pertinente a questão suscitada em termos de justificar o reenvio prejudicial, tal como a Recorrida a coloca, pois – repete-se - a diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios, como no caso acontece, decorre do entendimento legislativo no sentido da culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor.

E isto é assim sem que seja convocada sequer a aplicação das normas comunitárias por si apontadas, apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno, às quais fomos fazendo expresso apelo.


*

III – DECISÃO

Nestes termos acorda-se em, dando parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento em que condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios desde o momento da retenção do imposto, julgando-se agora que os mesmos são devidos apenas a partir da data do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formulado em 27/04/07 pela impugnante, até integral pagamento das quantias indevidamente retidas (que, no caso, já ocorreu), apenas nessa medida se condenando a Fazenda Pública.

Custas pela Recorrente e pela Recorrida (que contra-alegou), na proporção do respectivo decaimento.

Registe e notifique.

Lisboa, 08/07/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]

Catarina Almeida e Sousa