Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05079/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/24/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IMPOSTO DO SELO. ZONA FRANCA DA MADEIRA. ISENÇÃO. SIGILO BANCÁRIO. ÓNUS DA PROVA.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Em 1991, 1992 e 1993, encontravam-se isentas do imposto do selo, diversas operações realizadas na zona franca da Madeira, por entidades aí licenciadas, desde que os intervenientes ou destinatários não fosse residentes em território nacional;
2. O poder para fiscalizar os pressupostos da isenção do imposto atribuídos à então DGCI na norma do art.º 6.º do EBF, tinha de ser concatenado com outras normas existentes, como a que impunha o dever de segredo bancário às instituições de crédito e similares, sendo legítima a recusa pelo contribuinte do fornecimento à mesma dos elementos que teve conhecimento por via da sua relação com os seus clientes, relativas aos seus nomes, às suas contas bancárias e residência, entre outros, quando estes para tal não concedam a respectiva autorização;
3. Mesmo em data anterior à da entrada em vigor da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de um direito à isenção do tributo ou de um outro direito pretendido exercer perante a AT, radicava-se no sujeito passivo do imposto que não nesta, tendo a causa de ser julgada contra a parte onerada com tal ónus quando a realidade dos factos, por outra via, também se não logra obter.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.ª Unidade Orgânica – na parte que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Banco A...(Portugal), S.A., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1) De acordo com a redacção dada pelo Dec.-Lei nº 293/91, de 13/8, estabelecia o nº 7 (posteriormente nº 11 do mesmo artigo, na redacção dada pelo Dec.-Lei nº 84/93, de 18/3) do art. 41º do Estatuto dos Benefícios Fiscais: São isentos de selo os documentos, livros, papéis, contratos, operações, actos e produtos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo respeitantes a entidades licenciadas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, salvo quando tenham por intervenientes ou destinatários entidades residentes em território nacional.
2) Por sua vez, dispondo o nº 6 do mesmo Estatuto, com força vinculativa, que todas as pessoas a quem sejam concedidos benefícios fiscais ficam sujeitas a fiscalização da DGCI para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos, é patente que a impossibilidade de proceder a tal controlo, designadamente por invocação do direito de segredo perante a administração tributária, determina necessariamente que tais benefícios fiquem sem efeito, dando lugar à reposição automática das regras gerais de tributação, por aplicação do disposto no nº 1 do art. 12º do mesmo Estatuto.
3) No caso dos autos, pretendendo a inspecção tributária proceder ao controlo da existência dos pressupostos da isenção prevista inicialmente no nº 7 do art. 41º do EBF que justificaram a não liquidação de imposto do selo nas operações de financiamento efectuadas pela entidade bancária em causa (nºs 2 e 3 dos factos provados), considerou a decisão recorrida que aquela entidade podia, adequadamente, invocar o sigilo bancário (art. 78º do Dec.-Lei nº 298/92, de 31/12) para recusar o fornecimento de tais elementos à inspecção tributária.
4) Ora, considerando que a não liquidação do imposto do selo nas referidas operações teria que resultar da demonstração, perante a administração tributária, de que se verificavam relativamente a tais operações os pressupostos da isenção em causa, o fornecimento da informação solicitada pela inspecção tributária constituía, desde logo, uma obrigação da própria entidade bancária, sobre a qual impendia um verdadeiro ónus de colaboração com a mesma administração, uma vez que lhe competia proceder à verificação dos requisitos previstos no nº 7 do art. 41º do EBF, assistindo por sua vez à inspecção tributária o direito de efectuar o controlo dos elementos que fundamentaram a concessão da questionada isenção de selo.
5) Tendo procedido à aplicação da questionada isenção, a entidade bancária em questão não poderia invocar o sigilo bancário para impedir o acesso da administração tributária aos elementos nos quais baseou o seu procedimento, sendo que tal resulta desde logo do facto de estar em causa a eventual lesão do interesse público decorrente da não arrecadação dos valores que deixaram de ser liquidados, bem como da aplicação das regras gerais do ónus da prova previstas no art. 342º do Código Civil, sendo certo que mesmo a não comprovada recusa dos clientes bancários seria insusceptível de assumir qualquer relevância para os efeitos em causa.
6) Também por incompatibilidade manifesta com o regime consagrado no art. 6º do EBF, o sigilo bancário não podia ter sido invocado nos termos em que o foi, ou seja, simplesmente como uma forma de dificultar o acesso à informação relevante que fundamentou precisamente a atribuição da isenção em causa, quando era claro que o controlo da verificação das condições subjacentes a tal procedimento da responsabilidade da entidade bancária cabia, nos termos legais, à administração tributária.
7) Tal possibilidade de controlo por parte da administração tributária, constante, em termos inequívocos, do sobredito art. 6º do EBF, impondo aos titulares dos benefícios fiscais a sujeição a fiscalização para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios concedidos, viria a ser reforçada pelo estabelecido no nº 4 do art. 14º da Lei Geral Tributária, com força igualmente vinculativa, obstando claramente a que os titulares de qualquer direito de segredo juridicamente regulado o possam invocar perante a administração tributária para recusar a revelação dos pressupostos de qualquer benefício fiscal a que pretendam ter acesso.
8) Por outro lado, tendo em vista o disposto no nº 2 do art. 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec.-Lei nº 298/92, de 31/12, constata-se que o facto relativo à residência dos clientes, não constituindo informação bancária propriamente dita, não figura sequer entre os elementos que estão submetidos ao dever de segredo profissional constante do sobredito preceito legal, o qual visa impedir o aproveitamento e o uso abusivo e censurável, em violação de direitos ou interesses atendíveis, de informações relativas aos clientes bancários, situação que manifestamente não poderia ocorrer no caso em apreço, atendendo, desde logo, ao efeito a que se destinava a informação solicitada e considerando, também, que a própria administração fiscal tem um dever de reserva relativamente aos dados de que dispõe.
9) Assim, ao invés do sustentado na decisão recorrida e tendo em vista as razões invocadas nas presentes conclusões, deverá considerar-se que cabia à administração tributária, concretizando a possibilidade legalmente instituída de controlo público das situações relativas à concessão de benefícios fiscais, aceder directamente à informação solicitada à entidade bancária, a qual invocou inadequadamente o segredo bancário relativamente a um facto subjacente à aplicação de uma isenção fiscal que, inclusivamente, por não constituir informação de natureza estritamente bancária, não integra os factos abrangidos pelo aludido dever de segredo, razões pelas quais, por violar os preceitos legais invocados nas presentes conclusões, deverá a sentença ser revogada, com as legais consequências.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


A. As alegações da Recorrente são destituídas de suporte fáctico, pelo que não logra a Fazenda Pública provar, como alega - nem o podia fazer porque não é verdade - que a Liquidação relativa ao Imposto do Selo dos anos de 1991/1992/1993, está em conformidade com o disposto no artigo 41.º (actual 31.º) do EBF, 78.º, 79.º e 84.º do RGICSF, e do art. 34.º do DL n.º 363/78, de 28/11.
B. As alegações da Fazenda Pública são, ainda, contrariadas pela prova documental junta aos autos, prova testemunhal produzida em audiência e pelos factos dados como assentes pelo Tribunal a quo e não contestados pela Fazenda Pública (n.º 12 a fls. 6).
C. A Fazenda Pública não toma em consideração o princípio "lex tempus regit actum", ou seja, da lei aplicável à data dos factos (imposto relativo aos anos de 1991 a 1993 e inspecção tributária realizada em 1996);
D. À data dos factos, o art. 41.º n.º 7 do EBF aprovado pelo DL n.º 215/89, de 1/7, na redacção introduzida pelo DL n.º 293/91, de 13/08 e, posteriormente, n.º 11 na redacção do DL n.º 84/93, de 18/03, e art. 6.º impunha que "Todas as pessoas (...), a quem sejam concedidos benefícios automáticos (...), ficam sujeitas a fiscalização da DGCI (...)", do DL n.º 298/92, de 31/12 (RGICSF) e do art. 34.º do DL n.º 363/78, de 28/11.
E. A Recorrente tomou a iniciativa de pedir autorização aos seus clientes, nos termos do n.º l do art. 79.º, para prestar as informações solicitadas pela Inspecção, mas, confrontada com a resposta negativa dos clientes [n.º 12 do probatório, fls. 6 da Sentença], teve de exercer o direito de reserva imposto pelas regras atinentes ao "sigilo bancário".
F. O dever de colaboração [art. 59.º da LGT] com a Administração tem limites Constitucional e Legalmente consagrados, (e.g. o Sigilo Profissional, Bancário), e cominações legais distintas da perda de benefício fiscal.
G. Não tem acolhimento legal o entendimento segundo o qual a informação relativa à identificação dos clientes do banco não está prevista no n.º 2 do art. 78.º do RGICSF - ainda que reconduzida à relativa à residência dos clientes - porquanto, esta norma compreende, designadamente, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos.
H. A Recorrida estava vinculada ao dever de sigilo bancário e, como tal, tinha o dever de recusar a identificação, incluindo o local da residência dos seus clientes sob pena de incorrer em responsabilidade civil.
I. Perante a invocação desse direito, a Administração Fiscal devia lançar mão dos meios previstos no n.º 3 do art. 34.º do DL n.º 363/78, 28/11 e, dessa forma, ultrapassar o obstáculo legal que impediam ambas as entidades (Administração Fiscal/B...) de obter/disponibilizar essa informação.
J. Só alterações legislativas posteriores introduzidas em sede de Sigilo Bancário - vide o n.º 4 do art. 14.º da LGT, n.º 5 do art. 65.º do CPPT e n.º 18 do art. 33.º do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 30-F/2000, de 29/12, e as alterações subsequentes, contrariamente à redacção vigente à data dos factos, passaram a prever, especificamente, a possibilidade de presumir, na ausência de prova de não residente, serem as operações localizadas na Zona Franca consideradas como realizadas por residentes para efeitos de tributação.
L. Acompanha a Recorrida, na totalidade, o Parecer n.º 153/2002, da Procuradoria-Geral da República, in DR. II série, n.º 140, de 20 de Junho de 2003 onde se refere, ipsis verbis "No regime jurídico anterior à reforma fiscal de 2001, corporizada na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, os elementos identificativos dos intervenientes em operações bancárias ou financeiras levadas a efeito por aquelas entidades encontravam-se abrangidas pelo dever de sigilo bancário previsto no art. 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.2 298/92, de 31 de Dezembro";
M. E prossegue: "Caso os órgãos de fiscalização pretendam obter, por sua iniciativa, os elementos de informação bancária necessários à comprovação das operações contratadas de acordo com o regime anterior à reforma fiscal de 2001, as instituições de crédito poderão, legitimamente, recusar a apresentação desses elementos, com fundamento no sigilo bancário".
N. Face ao exposto e tendo decidido em conformidade, nenhuma censura merece a sentença do Tribunal "a quo", motivo pelo qual esta decisão deverá manter-se, com todas as devidas e legais consequências.
O. Sem prescindir, e caso assim se não entenda - o que apenas por necessidade de raciocínio se admite - devem os autos baixar à primeira instância para apreciação dos restantes vícios imputados pela, ora, Recorrida, em sede de Impugnação Judicial e que não foram apreciados pelo Tribunal a quo devido ao facto do seu conhecimento se encontrar prejudicado pela total procedência do primeiro dos imputados vícios.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO AO CASO APLICÁVEIS QUE V. EXAS, VENERANDOS DESEMBARGADORES DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO CONFIRMANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA RECORRIDA.
Só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu o seguinte parecer, de fls. 176/177:
“(…)
1.- A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da douta sentença proferida a fls. 130 a 154, e na parte em que a impugnação foi julgada procedente, por com ela se não conformar. Alega nos termos conclusivos que constam a fls. 151 a 154, pedindo a revogação da decisão, na parte em que a impugnante/recorrida obteve provimento.
2 - A recorrida BANCO A...(Portugal), SA, contra-alegou, pugnando, em conclusão, pela manutenção do julgado a fls. 156 a 167.
3 - Parece-nos não assistir razão à recorrente e isto porque:
O exposto na douta sentença se nos mostra correcto na medida em que decidiu ter julgado procedente a impugnação, já que à data dos factos, dada a legislação a eles aplicável, a A.T. não se ter munido dos mecanismos legais ao seu alcance que lhe permitissem obter a derrogação do sigilo bancário e, assim, obter o desiderato pretendido e a eventual liquidação que adviesse não estar eivada de ilegalidade. A douta sentença encontra-se bem e abundantemente fundamentada de facto e de direito. Entendemos ter feito uma correcta e suficiente análise da matéria de facto e correcta foi a sua subsunção jurídica.
Na verdade a A. T. ao não proceder em conformidade com os mecanismos legais vigentes à data dos factos feriu de ilegalidade a liquidação em controvérsia.
Pois que, não houve derrogação do sigilo bancário ordenada pelo tribunal competente para que a A. T. exercesse as suas funções de fiscalização contra a vontade do contribuinte(s).
A A.T. deveria ter-se socorrido dos meios legais necessários para obter a derrogação do sigilo bancário. Assim, ao fazer tábua rasa do sigilo bancário que estava subjacente e ao decidir tributar, liquidando, desaplicando a isenção prevista no art.º 41º, n.º 7 do E.B.F., aplicável à data dos factos, há violação da lei.
Por se mostrar pertinente ao caso em concreto e a doutrina expandida no Parecer n° 153/2002, da PGR, in DR II série, n° 140, de 20.06.2003, aqui ter aplicação, acompanhamos o aí exarado no que concerne ao sigilo bancário previsto no art.° 78° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL n° 298/92, de 31.12).
4 - Nestes termos, o recurso deve improceder, por não se mostrarem verificados quaisquer vícios à sentença recorrida, devendo manter-se o julgado.
(…)


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se o ónus da prova sobre os pressupostos de que depende o direito à isenção do imposto do selo quanto às operações realizadas por entidades licenciadas na zona franca da Madeira, designadamente no que concerne à não residência em território nacional dos intervenientes ou destinatários dessas operações, cabe às mesmas; E respondendo-se afirmativamente, e revogando-se a sentença recorrida que em contrário decidiu, se os autos não contém os necessários elementos para conhecer dos demais fundamentos articulados pela ora recorrida na sua petição inicial de impugnação judicial.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1 – Em Julho de 1996, foi concluída a segunda fase de uma acção inspectiva dirigida ao B...Portugal SA, a qual visou a análise do Imposto do Selo dos anos de 1991 a 1993 – cfr. relatório de fls. 57 e ss dos autos e PAT;
2 – De acordo com a justificação dos objectivos constante do relatório de inspecção, a AT pretendia saber se o B...procedia correctamente quanto às operações mais relevantes sobre as quais incide o imposto do selo, designadamente nas aberturas de crédito, confissões de dívida, juros e comissões de financiamentos, previstos nos artigos 1º, 54º e 120º-A da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) - cfr. relatório de inspecção a fls. 57 e ss dos autos e PAT;
3 – Como metodologia de acção, optaram os serviços inspectivos por solicitar ao contribuinte listagens das operações por si realizadas, nos três exercícios em causa, de modo a serem retiradas amostras com o objectivo de apurar da correcção do tratamento dado às operações realizadas, tendo sido constatado que havia sido liquidado Imposto do Selo nas aberturas de crédito, não tendo sido liquidado imposto nas operações de financiamento designadas como Feares, CLP Export, Filims/Felim e financiamentos externos/internos à importação - cfr. relatório de inspecção a fls. 57 e ss dos autos e PAT;
4 – De acordo com o relatório de inspecção, o contribuinte justificou o seu procedimento com base na circunstância de as operações em causa terem sido canalizadas para a sucursal financeira exterior (SFE) na Madeira e, assim, estarem isentas de Imposto do Selo - cfr. relatório de inspecção a fls. 57 e ss dos autos e PAT;
5 – De acordo com o teor do relatório inspectivo, em virtude da problemática do sigilo bancário (artº 78º do Dec. Lei nº 298/92, de 31/12), em concreto face à recusa do sujeito passivo em facultar a documentação necessária, foi, na perspectiva dos Serviços de Inspecção, impossível indagar da possibilidade de alguns intervenientes nas operações em apreço estarem incluídos na isenção ou se ao invés estariam abrangidos pela excepção à mesma - cfr. relatório de inspecção a fls. 57 e ss dos autos e PAT;
6 – Em consequência, fundamentando-se num despacho do SEAF, de 22/7/95, que sancionou os entendimentos vertidos em dois pareceres do Centro de Estudos Fiscais, a AT entendeu que, não tendo o contribuinte feito a prova que lhe competia de que existem condições para aplicação da isenção a cada operação realizada no off-shore, era de considerar todas as operações sujeitas a Imposto do Selo (com base em listagens fornecidas pelo contribuinte) e, nessa medida, foi liquidado o respectivo imposto - cfr. relatório de inspecção a fls. 57 e ss dos autos e PAT;
7 – Pode ler-se no relatório de inspecção que (cfr. fls. 57 e ss dos autos e PAT):
“(…)
No que se refere às aberturas de crédito (…) concluímos que foi correctamente liquidado e retido o imposto do selo previsto no Artº 1º da TGIS (…).
Relativamente aos FEARS, FELIMS e juros, (…), não houve liquidação do imposto estipulado nos Artºs 1º, 54º e 120º-A da TGS, respectivamente.
Em face desta constatação e após nos ter sido confirmado pelos responsáveis pela contabilidade do banco da inexistência de tributação nas operações de financiamento (…) tributou-se exaustivamente todas as operações constantes nas listagens que nos foram fornecidas, (…), com a óbvia excepção das aberturas de crédito”.
8 – Em consequência, para os anos inspeccionados, foi elaborado um mapa resumo do Imposto do Selo em falta, com respeito a FIARES/CLP Export, FEARS, CLP Export, FELIM/ FILIM, Financiamentos Externos à Importação (I), Financiamentos Externos à Importação (II), Financiamentos Externos à Importação (III), sobre Juros e Financiamentos Externos, tendo sido apurados os seguintes valores anuais em falta - cfr. relatório de inspecção a fls. 57 e ss dos autos e PAT:
1991 – 315.699.895$00
1992 – 523.665.937$00
1993 – 223.214.599$00, num total global de 1.062.580.431$00
9 – Conforme resulta do depoimento das testemunhas e, bem assim, dos documentos juntos a fls. 70, 97 e 98 dos autos, o valor a considerar relativo à operação 20007 (financiamento à exportação), de 22 de Maio de 1992, é de FRF 246.037,96 e não de 246.603.037,96, como foi considerado pela AT;
10 – Ainda com respeito à aludida operação 20007, conforme se retira do documento de fls. 70 dos autos, o valor do financiamento considerado foi de PTE 5.755.984,60, correspondente ao contravalor em escudos de FRF 246.037,96, e não de PTE 6.407.801,33, como considerou a AT no relatório;
11 – A diferença dos valores justifica-se pelo diferente câmbio utilizado (taxa de câmbio oficial de selagem e câmbio da data da operação) e pelas comissões bancárias sobre a operação, sendo que o menor dos valores - 5.755.984,60 - representa um valor líquido da operação deduzidas as comissões – cfr. depoimento das testemunhas, fls. 70 dos autos;
12 – A impugnante não obteve autorização dos seus clientes para revelar os dados solicitados – cfr. ponto 70 da p.i, não contraditado;
13 - Por ofício de 2/9/96, do 2º Bairro de Lisboa, foi a impugnante, então B...Portugal, notificada para, no prazo de 30 dias, efectuar o pagamento do montante total de 1.062.580.431$00, correspondente ao somatório das parcelas anuais referidas em 8 supra – cfr. fls. 48 do PAT/ processo de reclamação;
14 - Por não se conformar com a liquidação adicional emitida, em 31/12/96 a ora impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual veio a ser parcialmente deferida - cfr. fls. 48 do PAT/processo de reclamação;
15 - Em concreto, a AT revogou o acto de liquidação pelo valor de 191.426.156$00 (equivalente a € 954.829,64), o que corresponde ao somatório dos montantes anuais de 66.105.971$00 (1991), 34.830.842$00 (1992) e de 90.489.343$00 (1993) - cfr. fls. 48 do PAT/ processo de reclamação;
16 - Não se conformando com a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, foi deduzida a presente impugnação;
17 - Na pendência da impugnação judicial, foi determinada a anulação parcial da liquidação impugnada, em concreto o valor de € 73.572,77 (14.750.016$00), respeitante a Imposto do Selo do mês de Junho de 92 – operação rollover nº 638 – cfr. fls. 43 a 52 do PAT/ processo de impugnação;
18 – Pode ler-se, como fundamentação da revogação efectuada, o seguinte (cfr. fls. 43 a 52 do PAT/ processo de impugnação, em concreto os pontos 35 a 36):
“(…)
Face aos elementos carreados à impugnação judicial como doc.3, observa-se que a operação identificada com o nº 638 corresponde a financiamento tomado de uma única vez em Março/ 1992 em que o seu reembolso ocorreu em Setembro /1992, tendo os juros sido apurados por dois períodos de tempo (31/03/92 a 30/06/92 e 30/06/92 a 30/09/92).
Nestes termos, deve o imposto do selo no valor de 14.750.016$00, respeitante à operação nº 638, e corrigido em Junho /1992 (artº 54º), ser anulado”
19 – O valor do imposto impugnado foi pago, ao abrigo do DL 248-A/2002, em 27/12/02 – cfr. fls. 138 do PAT/ impugnação.
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
*
A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos (incluindo o PAT), não impugnados, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório e, bem assim, quanto à matéria constante dos pontos 252º a 254º e 257º e 258º da p.i, de acordo com o depoimento prestado pelas duas testemunhas ouvidas. Tais testemunhas mostraram total conhecimento dos factos a que foram ouvidas, sendo considerado credível e idóneo o seu depoimento, atento o conhecimento decorrente das funções exercidas na entidade inspeccionada.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida e na parte em que o foi e sobre que versa o presente recurso interposto pela Fazenda Pública, fundamentou a M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida nos termos cujos excertos mais relevantes abaixo se reproduzem:
(...)
Ora, retomando o relatório de inspecção temos que, no caso, a actuação da AT partiu da circunstância de, para efeitos da verificação de operações sujeitas a Imposto do Selo, o contribuinte, a coberto do sigilo bancário, se ter recusado a fornecer aos serviços de inspecção a identificação dos clientes a que respeitavam certas operações realizadas pelo Credit Lyonnais, em concreto através da sucursal financeira exterior da Madeira.
Pretendia a AT, partindo de listagens previamente fornecidas pelo contribuinte inspeccionado, analisar inúmeras operações - aberturas de crédito, confissões de dívida, juros e comissões de financiamentos – sujeitas a Imposto do Selo, com vista a verificar se estavam, ou não, reunidas as condições de isenção a que se reportava o (então) artigo 41º, nº7 (posteriormente, nº11) do EBF.
O contribuinte, apoiando-se no sigilo bancário e na falta de autorização dos seus clientes para divulgação de dados, não forneceu os dados pretendidos à AT, tendo esta optado por tributar (em Imposto do Selo) exaustivamente todas as operações constantes das listagens fornecidas, pois, do ponto de vista da AT, cabia ao sujeito passivo fazer a prova da existência de condições de isenção para cada operação realizada no off-shore.
Sendo esta, em síntese, a situação que deu origem às correcções e liquidação de imposto aqui sindicadas, importa ao Tribunal analisar e decidir sobre a (i)legalidade desta actuação da AT, averiguando, por um lado, se o contribuinte, no caso, podia, a coberto do sigilo bancário, recusar-se a prestar as informações solicitadas e se a AT, nesse caso, podia presumir a sujeição a imposto de todas as operações, tributando-as exaustivamente.
A questão que se coloca é da aparente antinomia entre o sigilo bancário invocado pela impugnante e os poderes da inspecção tributária em controlar a verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais, sendo certo que, no caso, a AT veio a entender, apoiada num despacho proferido pelo SEAF, de 22/7/95, que cabe ao sujeito passivo fazer a prova de que existem condições de isenção para cada operação realizada no off-shore.
Vejamos, então, o quadro legal aplicável respeitante à isenção de Imposto do Selo, no que toca à Zona Franca da Madeira, tendo presente que o imposto em causa respeita aos anos de 1991 a 1993 e que a inspecção tributária em apreço teve lugar durante o ano de 1996.
À data dos factos, dispunha o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), no seu artigo 41º (actual artigo 33º do EBF), nº7, que “São isentos de selo os documentos, livros, papéis, contratos, operações, actos e produtos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo respeitantes a entidades licenciadas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, salvo quando tenham por intervenientes ou destinatários entidades residentes em território nacional”. Esta norma do EBF, aprovado pelo DL 215/89, de 1/7, foi introduzida pelo DL 293/91, de 13/8.
Posteriormente, o citado nº7 passou a nº 11 do artigo 41º do EBF (redacção dada pelo DL 84/93, de 18/3), passando a prever que “São isentos de imposto do selo os documentos, livros, papéis, contratos, operações, actos e produtos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo respeitantes a entidades licenciadas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, salvo quando tenham por intervenientes ou destinatários entidades residentes no território nacional, exceptuadas as zonas francas, ou estabelecimentos estáveis de entidades não residentes que naquele se situem”.
Com o DL 37/94, de 8/2, a redacção do nº 11 do artigo 41º, passou a ser a seguinte: “São isentos de imposto do selo os documentos, livros, papéis, contratos, operações, actos e produtos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo respeitantes a entidades licenciadas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, bem como às empresas concessionárias da exploração das mesmas zonas francas, salvo quando tenham por intervenientes ou destinatárias entidades residentes no território nacional, exceptuadas as zonas francas, ou estabelecimentos estáveis de entidades não residentes que naquele se situem”.
De relembrar aqui que, logo na sua redacção inicial, o artigo 6º do EBF previa que “Todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios”.
Foi, pois, para verificação dos pressupostos da isenção do artigo 41º nº 7 (e, posteriormente, nº11) do EBF que a AT lançou mão dos seus poderes fiscalizadores, esbarrando com a invocação do sigilo bancário.
Entende a impugnante que a sua actuação, enquanto instituição de crédito, deve ser apreciada à luz do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL 298/92, de 31/12 - aplicável à data dos factos - cujos artigos 78º a 84º fixam a disciplina jurídica do segredo bancário.
De entre estes preceitos merecem destaque os artigos 78º, 79º e 84º, nos termos do quais se pode ler que:
“Artigo 78º
Dever de segredo
1 – Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, cometidos ou outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 – O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.º
“Artigo 79º
Excepções ao dever de segredo
1 – Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 – Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, no âmbito das suas atribuições;
d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal;
e) Quando existia outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.
“Artigo 84º
Violação do dever de segredo
Sem prejuízo das outras sanções aplicáveis, a violação do dever de segredo é punível nos termos do Código Penal.º
Dos artigos transpostos pode retirar-se, pois, com segurança que:
- a impugnante estava impedida de revelar informações sobre factos ou elementos respeitantes às suas relações com os seus clientes cujo conhecimento lhe adveio exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços;
- em concreto, a impugnante estava impedida de fornecer os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias;
- este impedimento da impugnante não cessou com o termo das funções ou serviços;
- o dever de sigilo admitia excepções, sendo a primeira delas a prestação de informações mediante autorização do cliente, transmitida à instituição; ora, no caso, a impugnante não obteve a necessária autorização para o efeito por parte dos seus clientes;
- não são aqui aplicáveis as hipóteses de excepções previstas nas als. a) a c) do nº2 do artigo 79º citado, pois a informação pretendida não foi solicitada pelo Banco de Portugal, ou pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ou pelo Fundo de Garantia de Depósitos;
- tão pouco estava em causa, no caso em apreço, qualquer derrogação à regra do sigilo nos termos previstos na lei penal e de processo penal, nem foi invocada outra disposição legal que expressamente limitasse o dever de segredo.
Neste quadro legal, é, pois, claro, que sobre a impugnante impendia um dever de segredo, o sigilo bancário, que a impedia de fornecer as informações solicitadas pela AT, a saber, a identificação dos clientes intervenientes nas operações analisadas e a sua qualidade de residentes/não residentes.
Assente que sobre a impugnante recaía este dever de sigilo bancário, a questão que se coloca é a de saber, afinal, se estava a AT impedida de obter os elementos recusados e, consequentemente, de proceder ao adequado controlo da verificação dos pressupostos da isenção do artigo 41º, nº7 do EBF.
A esta pergunta a impugnante responde negativamente, ou seja, a AT não estava impossibilitada de obter os elementos e realizar a inspecção com base nos dados obtidos. Contrariamente, a AT entendeu que sobre a impugnante recaía o ónus da prova dos pressupostos da isenção e, na sua falta, era permitido à Administração desaplicar a isenção e, consequentemente, tributar de acordo com o regime geral.
Vejamos, relembrando que os factos remontam a 1991 a 1993 e que a inspecção se desenrolou em 1996.
À data dos factos, vigorava o DL 363/78, de 28/11, diploma que, tendo procedido à reestruturação orgânica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, dispunha no seu artigo 34º(1), sob a epígrafe Funcionários afectos aos serviços de fiscalização tributária, o seguinte, com especial destaque para o disposto no nº3:
1 - Para assegurar a realização das atribuições da Direcção-Geral em matéria de fiscalização tributária, poderão os respectivos funcionários:
a) Ter livre acesso a todas as instalações ou locais onde existam elementos relacionados com a actividade dos contribuintes ou obrigados fiscais;
b) Examinar os livros e quaisquer documentos relacionados com a actividade dos contribuintes ou obrigados fiscais, bem como verificar todos os elementos susceptíveis de revelar a sua situação real;
c) Visar, quando conveniente, os livros e demais documentos;
d) Apreender e/ou fotocopiar os elementos de escrituração ou quaisquer outros testemunhos, quando tal se mostre indispensável para garantir a completa averiguação da conduta do contribuinte ou servir como prova das infracções cometidas;
e) Proceder à selagem de quaisquer instalações, sempre que tal se mostre necessário para assegurar a plena eficácia da acção fiscalizadora e o combate à fraude fiscal, de harmonia com as regras a definir;
f) Proceder ao arrombamento de dependências, cofres ou móveis onde se encontrem documentos ou outros elementos necessários ao desenvolvimento da acção fiscalizadora, de harmonia com as regras a definir;
g) Examinar os elementos em poder de quaisquer entidades públicas e privadas para a completa verificação da situação tributária dos contribuintes ou obrigados fiscais ou para a obtenção e recolha de dados que interessem à fiscalização tributária;
h) Pedir a todas as entidades públicas e privadas, para a realização das diligências a seu cargo, as informações que entenderem necessárias à sua boa execução;
i) Promover a punição, como crime de desobediência qualificada, da recusa de quaisquer elementos de escrituração ou de prestação de esclarecimentos necessários à realização das diligências, bem como de manifesta obstrução à acção fiscalizadora;
j) Utilizar as instalações dos contribuintes ou obrigados fiscais, quando as tenham, em condições que possibilitem o cabal desempenho das suas funções, considerando-se a recusa como manifesta obstrução à acção fiscalizadora.
2 - Aqueles que por qualquer forma dificultarem ou se opuserem ao exercício da acção fiscalizadora dos funcionários da Direcção-Geral incorrem no crime de desobediência qualificada previsto no Código Penal.
3 - O exercício das funções previstas no n.º 1 contra a vontade do contribuinte só pode ser realizado quando ordenado pela autoridade judicial competente em pedido fundamentado pelo respectivo funcionário da fiscalização tributária (o sublinhado é nosso).
Ora, como defende a impugnante, com inteira concordância deste Tribunal, à luz do apontado nº3 do artigo 34º, a AT, em caso de invocação de sigilo bancário, podia requerer ao Tribunal autorização para os exames e diligências necessárias à acção de fiscalização.
Neste sentido, pode ver-se o parecer do Conselho Consultivo da PGR, de 5/4/84, cujo relator foi António Caeiro, do qual se realçam as seguintes conclusões:
“(…) O dever do sigilo bancário não sofreu derrogação imediata por força dos poderes gerais de fiscalização e exame conferidos na lei a administração fiscal (Decretos-Leis n 363/78, de 28 de Novembro, para a DGCI e n 513-Z/79, de 27 de Dezembro, para a IGF);
5 - A lei concede ao órgão de direcção da instituição de credito a faculdade de dispersar o dever de segredo, relativamente a factos ou elementos da vida da instituição (artigo 2, n 1, do Decreto-Lei n 2/78), bem como aos respectivos clientes, no tocante a factos ou elementos das suas relações com a instituição (artigo 2, n 2, do mesmo diploma), pelo que e ao mencionado órgão ou ao cliente, consoante os casos, que cabe conceder ou denegar a referida dispensa;
6 - No caso de a dispensa do dever de segredo ser negada pelo órgão ou pessoa legalmente competente, pode a DGCI socorrer-se da providencia prevista no artigo 34, n 3, do Decreto-Lei n 363/78, requerendo ao tribunal competente, em pedido fundamentado, que autorize os exames ou diligências que entenda necessários e que caibam na previsão do n 1 do mesmo artigo”.
A este propósito, veja-se, ainda, a alusão feita, no parecer do Conselho Consultivo da PGR de 27/3/03, com o nº P001532002, ao parecer do mesmo Conselho Consultivo, com o nº 138/83, nos termos do qual:
“(…)
Na vigência do Decreto-Lei n.º 2/78, e perante uma norma paralela à do artigo 63º da LGT – o artigo 34º do Decreto-Lei n.º 363/78, de 28 de Novembro, que reorganizou a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos -, o Conselho Consultivo havia já considerado que o “dever de sigilo não sofre derrogação imediata por força dos poderes gerais de fiscalização e exame conferidos pela lei à Administração Fiscal ([33]).º
Para assim concluir, o Conselho invocou o disposto no n.º 3 do artigo 34º citado, que estipula que o exercício de funções de fiscalização “contra a vontade do contribuinte só pode ser realizado quando ordenado pela autoridade judicial competente”, e chamou à colação a razão simples, mas decisiva, de que “consagrando a lei formalmente o dever de sigilo bancário, a sua dispensa ou derrogação tem de resultar também, de modo não menos claro, de disposição legal que a contemple expressamente ou que consagre, sem ambiguidade, um dever de informação.
Ora, daquilo que vem dito pode já responder-se com segurança às questões que aqui vinham colocadas e que, como se percebe, solucionam o caso em análise.
No caso em concreto, atenta a data em que os factos ocorreram e o enquadramento legal aplicável, temos por certo que, por um lado a impugnante estava obrigada ao dever de sigilo bancário e, como tal podia, como fez, recusar-se a fornecer a identificação dos seus clientes intervenientes nas operações analisadas e que, por outro lado, perante tal recusa, a AT tinha ao seu dispor, para efeitos de acção inspectiva, o mecanismo previsto no artigo 34º, nº3 do DL 363/78, o qual lhe permitia obter autorização judicial para aceder aos elementos bancários em causa.
Portanto, perante a recusa do contribuinte em fornecer os elementos e podendo a AT obtê-los nos termos expostos, era dessa possibilidade que a AT deveria ter lançado mão antes de decidir como decidiu, no sentido de não aplicar a isenção prevista no nº7 do artigo 41º e, consequentemente, sujeitando a Imposto do Selo todas as operações constantes das listagens fornecidas pelo sujeito passivo.
Dito de outro modo, a AT, no caso, não estava impedida de obter os elementos em falta; porém, não utilizou os meios legais disponíveis para obter tais elementos para efeitos de fiscalização.
Ao actuar como actuou e ao decidir tributar de acordo com o regime geral (desaplicando a isenção do artigo 41º, nº7), a AT fê-lo, no caso, em clara violação da lei, nos termos das disposições legais supra referenciadas. Significa isto, naturalmente, que são ilegais as correcções efectuadas e, consequentemente, a liquidação do Imposto do Selo daí decorrente.
É importante ter presente que a solução legal de resposta à necessidade de compatibilizar o segredo bancário com os deveres inspectivos da AT foi evoluindo ao longo dos tempos, de tal modo que o regime legal actual conhece contornos muito diversos daquele que apontámos como aplicável à data da verificação dos factos em análise.
Temos hoje (em vigor desde Janeiro de 1999) o artigo 14º, nº4 da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual expressamente se consigna a obrigação, por parte dos titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza, de revelar ou autorizar a revelação à AT dos pressupostos da sua concessão, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito. Uma norma equivalente a esta não existia à data dos factos aqui analisados.
Em estreita conexão com o citado artigo 14º, nº4 da LGT, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), veio estabelecer, no seu artigo 65º, nº5 (anterior nº4) que a manutenção dos efeitos de reconhecimento do benefício dependem de o contribuinte facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos de que esta não disponha. Também esta regra não tinha equivalente no Código de Processo Tributário (CPT), diploma então vigente.
De realçar, também, para efeitos do artigo 33º do EBF, que a possibilidade de presumir, na falta de apresentação das provas de não residente, que as operações efectuadas pelas entidades instaladas nas zonas francas foram realizadas com entidades residentes em território português, para efeitos de tributação, não se encontrava prevista no EBF, à data a que os factos em análise se reportam (vide, actualmente, o disposto no artigo 33º, nº18 do EBF).
Acresce que, em matéria de acesso à informação protegida pelo sigilo bancário, a legislação sofreu significativa evolução, como resulta dos artigos 63º a 63º- C da LGT.
Aliás, a este propósito e considerando a clareza do mesmo, passamos a transcrever as conclusões do parecer do Conselho Consultivo da PGR já citado, de 27/03/03, nos termos do qual se pode ler que:
“1.ª O artigo 33º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, correspondente ao artigo 41º, na versão originária desse diploma, estabelece como condição para a concessão de isenção de IRC relativamente à actividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras instaladas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, a não realização de operações com residentes em território português;
2.ª No regime jurídico anterior à reforma fiscal de 2001, corporizada na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, os elementos identificativos dos intervenientes em operações bancárias ou financeiras levadas a efeito por aquelas entidades encontravam-se abrangidos pelo dever de sigilo bancário previsto no artigo 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro;
3.ª No entanto, nos termos das disposições conjugadas dos artigo 41º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 307/95, de 20 de Novembro, 74º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), e 65º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), era às entidades beneficiárias da isenção de imposto que competia efectuar a prova dos requisitos do reconhecimento do benefício fiscal, incluindo o referente à aludida qualidade de não residente;
4.ª Em face do que dispõem os artigos 14º, n.º 4, da LGT e 65º, n.º 4, do CPPT, o não cumprimento do ónus da prova dos pressupostos da concessão dos benefícios fiscais, ainda que por recusa de consentimento, por parte dos terceiros a quem respeitam as operações, na divulgação dos elementos de informação bancária, implica a perda dos referidos benefícios;
5.ª Segundo a actual redacção do citado artigo 33º do EBF, resultante da Lei n.º 30-F/2000, de 29 de Dezembro, com as alterações entretanto introduzidas pelas Leis n.ºs 109-B/2001, de 27 de Dezembro, e 32-B/2002, de 29 Dezembro, incumbe às entidades beneficiárias o ónus da prova da qualidade de não residente dos intervenientes nas operações bancárias, para efeito da concessão do benefício fiscal (n.º 16), presumindo-se que as operações em causa foram realizadas com entidades residentes em território português, quando não seja efectuada essa prova (n.º 19, alínea c));
6.ª Do mesmo passo, a Lei n.º 30-G/2000, da mesma data, mediante a alteração do artigo 63º da LGT e o aditamento do artigo 63º-B à mesma Lei, instituiu um regime de derrogação do dever de segredo bancário, que permite o acesso directo da administração tributária aos documentos bancários em caso de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, nomeadamente para efeitos de controlo dos pressupostos da atribuição dos benefícios fiscais;
7.ª Em conformidade com as antecedentes conclusões, a administração tributária não carece de adoptar qualquer acção de fiscalização, para confirmar a qualidade de não residente dos intervenientes em operações bancárias, para os efeitos previstos no artigo 33º, nº 1, alínea c), do EBF, bastando-lhe constatar o incumprimento do ónus da prova, por parte da entidade visada, para poder declarar sem efeito o benefício fiscal concedido, com a consequente sujeição da entidade em causa ao regime-regra de tributação;
8.ª Caso os órgãos de fiscalização pretendam obter, por sua iniciativa, os elementos de informação bancária necessários à comprovação daquele requisito, em relação às operações já contratadas de acordo como regime anterior à reforma fiscal de 2001, as instituições de crédito poderão legitimamente recusar a apresentação desses elementos, com fundamento no sigilo bancário;
9.ª Na hipótese considerada na anterior conclusão, a recusa de exibição ou de autorização para consulta dos documentos bancários, por parte das instituições de crédito, ainda que se mostre justificada pelo não consentimento de terceiros, não impede a aplicação da cominação constante dos artigos 14º, n.º 4, da LGT e 65º, n.º 4, do CPPT, por incumprimento do ónus de prova relativo aos requisitos da atribuição do benefício fiscal;
10ª Em relação à actividade desenvolvida posteriormente à entrada em vigor da reforma fiscal de 2001, e no tocante à mesma espécie de informações, as mesmas entidades estão sujeitas ao regime derrogatório do dever de sigilo bancário previsto nas disposições conjugadas dos artigos 63º, n.º 2, in fine, e 63º-B, n.º 1, alínea b), da LGT”.
Aqui chegados e tendo em conta tido aquilo que ficou dito, dúvidas não restam quanto à actuação ilegal da AT no caso concreto, a qual não lançou mão do mecanismo previsto no artigo 34º, nº3 do DL 363/78 (com vista a ultrapassar o invocado sigilo bancário), para assim poder exercer os seus poderes fiscalizadores e tributar as operações em causa, se tal se justificasse.
Procedem, pois, os argumentos da impugnante que sustentava, desde logo, o erro quanto à impossibilidade de acesso à documentação necessária à acção de fiscalização realizada e quanto à conclusão retirada de optar pela tributação exaustiva e pela totalidade das operações sujeitas a Imposto do Selo.
...

Para a recorrente FP, é contra a essencialidade desta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes à reapreciação da sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação, pugnando que o n.º6 do mesmo EBF (de cujo artigo logo não menciona – cfr. matéria da sua conclusão 2. - mas que tudo indica que deva ser o seu art.º 6.º, atenta a redacção transcrita, que mais à frente, expressamente, já o veio a invocar – cfr. matéria das suas conclusões 6. e 7.), impõe uma fiscalização sobre os pressupostos da atribuição desses benefícios sob pena de os mesmos ficarem sem efeito, desta forma não podendo a mesma vir a invocar a existência de um dever de sigilo bancário para não fornecer à AT esses pressupostos da isenção do tributo, bem como resultar tal obrigação do dever geral de ónus da prova que sobre si impendia, que veio a ser reforçado pela norma do n.º4 do art.º 14.º da LGT, com a irrelevância de tal dever de segredo, não constituindo por outro lado, a residência dos clientes, um elemento que se encontre ao abrigo desse dever de sigilo na norma do citado art.º 78.º do RGICSF.

Vejamos então.
Como nem as partes nem a M. Juiz do Tribunal “a quo” dissentem nos argumentos sobre que sustentam as respectivas conclusões, a norma do n.º7 do art.º 41.º do EBF, na redacção introduzida pelo Dec-Lei n.º 293/91, de 13 de Agosto, bem a sua alteração pelo Dec-Lei n.º 84/93, de 18 de Março, que com ligeiras alterações passou a ser o seu n.º 11 do mesmo artigo, então vigentes ao tempo em que ocorreram os factos tributários sindicados (1991, 1992 e 1993), dispunham, que estas entidades com estabelecimento da zona franca da Madeira se encontravam isentas de imposto de selo nos actos que descrevem em tal norma, desde que tais operações tivessem por intervenientes ou destinatários entidades não residentes em território nacional, ainda que a técnica adoptada pelo legislador tenha sido a inversa, excepcionando da excepção do imposto, ao dispor que tais actos se encontravam isentos do imposto, salvo quando tenham por intervenientes ou destinatários entidades residentes em território nacional.

E também que, a norma do art.º 6.º do mesmo EBF, expressamente atribuía à então DGCI(2) os poderes de fiscalização, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios, mas cuja aplicação já não logra a mesma uniformidade, sendo que a recorrente a interpreta como uma norma que não permite a possibilidade de ser afastada pelo regime do dever de sigilo bancário que sobre a ora recorrida impendia – cfr. matéria das suas conclusões 2. a 5. – ao passo que a sentença recorrida, bem como a impugnante, pugnam pela prevalência desta norma do dever de sigilo, que tornava legítima que a contribuinte não tivesse prestado à AT a colaboração em ordem a conhecer da residência fora do território nacional dos intervenientes ou destinatários nas operações em causa.

Tal norma do citado art.º 6.º do EBF, tal como a norma do art.º 34.º do Dec-Lei n.º 363/78, de 28 de Novembro, então vigentes, que acometia à então DGCI os poderes de fiscalização e exame, com semelhante redacção à que hoje se encontra contemplada na norma do n.º1 do art.º 63.º da LGT, não implica que tais poderes possam ser exercidos por outra forma que não seja a prevista na lei (em outras leis), como a recorrente parece pretender, mas sim que a mesma tem de ser concatenada e aplicada em concorrência e com o respeito por outras normas legais que conferem direitos ou outras prerrogativas aos sujeitos passivos do imposto, como acontece no caso da matéria abrangida pelo dever de sigilo bancário, em que é legítima essa não colaboração por banda da ora entidade a ela sujeita, no caso, a ora recorrida.

Na verdade, a norma do art.º 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF), aprovado pelo art.º 5.º do Dec-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, impõe sobre estas entidades financeiras um dever de sigilo ou de segredo, quanto aos factos a que tiveram conhecimento por virtude do exercício da suas funções, contendo no seu n.º2 um elenco aberto ou exemplificativo de quais são os actos acobertados por tal dever de segredo, que a sentença recorrida entendeu nele caber a residência dos intervenientes ou destinatários dessas operações, ao contrário do que a recorrente entende na matéria da sua conclusão 8.

Ora, tal elenco constante no citado art.º 78.º, n.º 2, é, desde logo face à sua letra, meramente exemplificativo, pelo que quaisquer outros elementos ali não expressamente identificados mas com igual valia aos referidos devem também ali ser subsumidos, como acima se disse, sendo que a residência de um pessoa singular ou a sede para um ente colectivo, não deixam de ter relevo (fiscal), sendo mesmo que para as pessoas singulares, o seu domicílio versus residência habitual, encontra regulamentação no Título II, Subtítulo I, Capítulo I do Código Civil, ao lado da Personalidade e capacidade jurídica (Secção I), Direitos de personalidade (Secção II) e Domicílio (secção III), a que, por força do disposto no art.º 17.º da CRP é aplicável o regime dos direitos liberdades e garantias, sendo inviolável nos termos do disposto no art.º 34.º da mesma CRP, desta forma se justificando que a mesma se encontre abrangida por tal dever de segredo ou de sigilo, como bem se fundamentou na sentença recorrida e em contrário do invocado pela recorrente.

Neste mesmo sentido se pronunciou o citado parecer (na sentença recorrida), da PGR de 27-5-2003, exactamente sobre esta mesma problemática da prova da residência dos intervenientes ou destinatários das operações ao nele se escrever:
(...)
as instituições de crédito não poderão fornecer aos serviços de fiscalização tributária os elementos pessoais de terceiros com quem contratem as operações financeiras, sem o prévio consentimento destes, visto que essa informação se encontra coberta pelo sigilo bancário.
...
tendo, em consequência, vindo a formular a seguinte conclusão:
...
2.ª No regime jurídico anterior à reforma fiscal de 2001, corporizada na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, os elementos identificativos dos intervenientes em operações bancárias ou financeiras levadas a efeito por aquelas entidades encontravam-se abrangidas pelo dever de sigilo bancário previsto no artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras...
...

Em suma, sendo legítima por banda da ora recorrida em não ter fornecido à AT os dados relativos à residência de tais intervenientes ou destinatários dessas operações efectuadas e sobre que operou a aludida isenção do imposto (justificadamente, como se disse, já que os respectivos titulares a isso não deram a respectiva autorização – cfr. matéria do ponto 12. do probatório fixado), a sua consequência imediata é que por tal falta lhe não possam ser aplicadas quaisquer sanções, designadamente de ordem contra-ordenacional fiscal, nos termos do disposto no art.º 84.º do mesmo RJICSF, mas será que também, por força do exercício de tal dever de segredo, pode a mesma beneficiar da citada isenção de imposto, sem que se mostrem comprovados os respectivos pressupostos dessa isenção, como entendeu a sentença recorrida e pugna a ora recorrida e ao contrário do pretendido pela ora recorrente?

A nossa resposta, ao contrário da sentença recorrida, é negativa, por a liquidação dos tributos ou a sua isenção, esta como a vertente negativa de certo facto tributário, se encontrarem despidos de qualquer carga ética, ao ponto de a actual legislação prever a tributação dos rendimentos mesmo quando obtidos ilicitamente, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos das normas de incidência, como expressamente hoje se dispõe na norma do art.º 10.º da LGT, mas que era entendido já anteriormente vigorar.

Assim não se acompanha a fundamentação da sentença recorrida que, face a tal legítima recusa da ora recorrida em fornecer os elementos para comprovar a legalidade da isenção utilizada no que à residência dos intervenientes ou destinatários de tais operações tange, se deva inverter o ónus probatório, passando da esfera jurídica da contribuinte para a da AT (que foi o que a que na sentença recorrida se acabou por fazer), já que não é a AT que pretende provar os pressupostos da sua actuação enquanto entidade a quem legalmente lhe cabe proceder à respectiva liquidação oficiosa do imposto, mas sim ao contribuinte que pretende exercer um direito legalmente previsto na lei, no caso, na citada isenção do tributo prevista no então n.º7 do art.º 41.º do EBF, pelo que, naturalmente, deverá ser ele a comprovar os pressupostos desse direito, dentro do princípio geral do ónus da prova contido no art.º 342.º, n.º1 do Código Civil.

Esta repartição das regras do ónus da prova no âmbito tributário em que nos encontramos, vieram a ter expressa consagração legal nas normas do art.º 74.º da LGT, secundando a regra geral de tal regra do Código Civil, desta forma, já então, a mesma tinha um idêntico campo de aplicação, como constitui jurisprudência corrente(3).

Neste caso, como em casos similares em que o contribuinte pretende exercer um direito contra a AT, não é a esta que lhe cabe o ónus probatório negativo de que se não encontram preenchidos os pressupostos do direito à isenção do imposto, por força da qualidade de não residentes no estrangeiro dos intervenientes ou destinatários de tais operações efectuadas com a ora recorrida, mas sim a esta, que os mesmos têm residência fora do território nacional ou a não têm neste, em ordem a preencher esse pressuposto de que depende o direito à isenção do imposto, como nos casos semelhantes do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, nos termos do n.º2 do art.º 19.º, do CIVA, como igualmente constitui jurisprudência corrente(4).

Esta mesma conclusão foi alcançada na conclusão 3.ª de tal Parecer de 27-5-2003, ao nele se escrever:
...
era às entidades beneficiárias da isenção de imposto que competia efectuar a prova dos requisitos do reconhecimento do benefício fiscal, incluindo o referente à aludida qualidade de não residente;
...

Ainda que no âmbito do direito fiscal em que nos encontramos, tal ónus probatório não tenha uma dimensão subjectiva mas sim objectiva, no sentido de que o que interessa para a decisão do mérito da causa, quer no processo administrativo quer no processo judicial, é o que relevar da verdade dos factos alcançados, independentemente da parte que tinha o ónus de tal prova, atenta a predominância do princípio do inquisitório então constante no art.º 40.º do CPT e hoje nos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT, quando, a final, tal prova se não logrou obter, e na impossibilidade de o tribunal ficar por um non liquet – cfr. art.º 8.º, n.º1 do Código Civil – então a causa tem de ser decidida contra parte onerada com esse ónus probatório e que a não conseguiu satisfazer, que no caso era a ora recorrida.

Aliás, esta mesma conclusão foi igualmente sufragada, quer no texto do referido Parecer de 27-5-2003, quer na sua conclusão 4.ª, ao nele se escrever:
...
Caso não tenham tomado qualquer iniciativa nesse sentido ou não tenham obtido o necessário consentimento dos interessados, as entidades beneficiárias ficam impedidas de efectuar a prova de que depende a concessão da isenção fiscal, tudo se passando, para efeitos fiscais, como se tais operações se tivessem realizado com residentes em território português.
...
o não cumprimento do ónus da prova dos pressupostos da concessão dos benefícios fiscais, ainda que por recusa de consentimento, por parte dos terceiros a quem respeitam as operações, na divulgação dos elementos de informação bancária, implica a perda dos referidos benefícios;.

E nem se argumente que o ponto de chegada antes alcançado, com a interpretação das regras legais então vigentes, logra uma solução de desproporção ou de injustiça para a ora recorrida, como a mesma veio a invocar na matéria do art.º 107.º da sua petição inicial de impugnação judicial, já que também foi essa a solução que o legislador, volvidos poucos anos, expressamente, veio a consagrar nos n.ºs 15. e 16. do art.º 41.º do mesmo EBF, na redacção introduzida pelo art.º 1.º da Lei n.º 30-F/2000, de 29 de Dezembro, onde cominou com a caducidade da isenção do benefício por tal falta de prova da qualidade de não residente dos intervenientes em tais operações e bem assim, ao estabelecer a presunção de que tais operações se consideravam realizadas com entidades residentes em território português, normas que até ao presente, ao que se saiba, jamais foram declaradas inconstitucionais pelos nossos tribunais.


Assim, não tendo a ora recorrida logrado provar os pressupostos em que fundava a sua isenção ao imposto sobre as operações em causa, quanto à residência fora do território português, dos intervenientes ou destinatários das mesmas (independentemente das razões que levaram a tal não prova), a sentença recorrida que assim não entendeu tem de ser revogada, com o consequente provimento do recurso interposto pela Fazenda Pública.


5. Revogada a sentença recorrida pelo único fundamento da impugnação nela conhecido, caberia a este Tribunal, em substituição, ao abrigo do disposto no art.º 715.º, n.º2 do Código de Processo Civil, conhecer dos restantes fundamentos da impugnação judicial que por aquela decisão favorável haviam ficado prejudicados no seu conhecimento, se para tanto os autos fornecessem os necessários elementos

Mas não fornecem. É que entre a multiplicidade de fundamentos por que a impugnante peticiona a anulação total ou parcial do imposto liquidado (num total de doze), figura o contido nos art.ºs 38.º a 123.º da mesma petição de impugnação, por não haver sido respeitado o despacho do Sr. Ministro das Finanças de 14-10-1999 – despacho 386/99-XII - que teria suspendido todos os procedimentos em que estivessem em causa esta questão da prova da residência dos intervenientes para estas entidades estabelecidas na Zona Franca da Madeira em ordem a definir um procedimento que viesse a ultrapassar os obstáculos surgidos, sendo que de tal despacho consta uma sua cópia a fls 67 dos autos de reclamação graciosa, mas não o que ao seu abrigo terá sido delineado com a Associação Portuguesa de Bancos, em ordem a evitar violar o princípio da igualdade, que era o que, também, com a suspensão desses procedimentos se visava evitar, como nele próprio constitui pressuposto, sendo que tal matéria se encontrava contida no âmbito da questão colocada pela Associação Portuguesa de Bancos ao Sr. Ministro das Finanças, como de fls 63 a 65 dos mesmos autos de reclamação se pode colher, logo de possível aplicação ao caso destes autos, ainda que tal procedimento de liquidação se encontrasse já encerrado quando aquele despacho foi prolatado, pelo menos por força do princípio da igualdade, a que a AT deve obediência, desde logo nos termos constitucionais do art.º 266.º da CRP, pelo que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT, devem os autos ser instruídos em ordem a obter a prova desse procedimento consequencial de tal despacho, para que depois se possa aplicar o direito devido no que a este fundamento da impugnação tange.


É assim de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida e de ordenar a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que, após a devida aquisição processual, conheça dos restantes fundamentos da impugnação judicial, se entretanto, outras circunstâncias não ocorram, que a tal obstem.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida e em ordenar a baixa dos autos para que, após a devida aquisição processual, conheça dos restantes fundamentos da impugnação.


Custas pela recorrida, já que contra-alegou e decaiu, fixando-se a taxa de justiça em sete UCs.


Lisboa, 24/01/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO


1- O referido artigo 34º do DL 363/78, de 28/11 só foi revogado pelo artigo 5.º da Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto
2- Hoje substituída nas suas atribuições pela autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nos termos do disposto nos art.ºs 1.º e 12.º do Dec-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro.
3- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 24-3-2004 e de 14-1-2004, recursos n.ºs 23/04 e 1480/03, respectivamente.
4- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 15-4-2009, recurso n.º 951/08-30.