Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:161/10.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/12/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I. Considerando as consequências severas para o responsável subsidiário chamado à execução fiscal através do mecanismo da reversão para responder pelas dívidas da sociedade devedora originária, o juízo de dispensa da produção de prova testemunhal indicada pelo Oponente deverá ser rodeado de especial cuidado e ponderação e fundamentação, de molde a que não haja uma restrição excessiva e desnecessária do direito à prova garantido pela lei e pela Constituição;
II. Nestes casos, apenas deve ser dispensada a produção de prova testemunhal indicada pelo Oponente quando aquela se revele manifestamente e inequivocamente desnecessária e/ou inútil;
III. Se o juiz dispensar a produção de prova testemunhal, e a não realização dessa diligência afectar o julgamento da matéria de facto, deve a sentença ser anulada por défice instrutório.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

D..., vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou improcedente a oposição judicial por si deduzida à execução fiscal nº..., contra si revertida, depois de instaurada pelo Serviço de Finanças da ... à devedora originária, sociedade “..., lda”, para cobrança coerciva da dívidas de IVA, dos períodos de 2005 e 2006, no valor global de 21.202,65€.

O Recorrente, D..., apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«1) Por aplicação das disposições conjugadas dos arts.22°, n°4, 23°, n°4 e 70° da LGT, é possível constatar que com vista ã fundamentação da decisão de reversão da execução contra o obrigado subsidiário, deverá a entidade decisora: i) de forma objectiva, e fundamentada demonstrar na própria decisão a qualidade de administrador de facto do oponente, invocando factos que demonstrassem o exercício efectivo do cargo; ii) apurar o grau de insuficiência do património da devedora originária, para satisfação da divida tributária; iii) determinar de forma exacta o montante pelo qual o revertido será responsabilizado em sede de reversão.

2) Da fundamentação da decisão que determinou a reversão contra o Alegante emerge o seguinte (al D) da matéria de facto dada como provada):
«[…]
Demonstrada a Gerência de Direito, através da 1ª Conservatória do Registo Comercial da ... [...] é de presumir a gerência de facto, dado que a ausência desta apenas poderá advir, por um lado de inércia ou falta de vontade do gerente e, por outro, da violação dos seus deveres para com a sociedade.
E, exteriorizando o gerente [...] a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados [...] é lícito que este seja responsabilizado pelo cumprimento das obrigações públicas da sociedade, já que age através daquele.
[…]
A gerência de direito e de facto, compreende o período que corresponde à prática dos actos tributários a que se referem os presentes autos. » - cfr. fls. 123/124 do PEF.

3) A AT, não apurou o grau de insuficiência patrimonial da devedora originária, pois que, não descreve as diligências necessárias à conclusão da inexistência de património societário.

4) Ao contrário de quanto inculca a decisão a quo, não resulta de nenhum excerto da fundamentação do acto de reversão da execução fiscal que o Alegante, no período a que se reportam as dívidas em execução, ou no período em que correu o prazo para pagamento voluntário, exerceu de facto funções de gerente da sociedade devedora originária.

5) Em momento algum a AT, enuncia, e elenca todo um conjunto de factos, que pela sua configuração, demonstrem de forma cabal que o Alegante no prazo legal de pagamento das dívidas em execução, de facto, representava perante terceiros, que dava orientações a entidades subordinadas, ou que se assumia direitos e obrigações em nome da devedora originária.

6) É precisamente neste ponto que a decisão em recurso se encontra ferida de ilegalidade, na medida em que, ao contrário de quanto considerou nos pontos 21) e 23) do acervo probatório, em momento algum são invocados ou descritos factos demonstrativos do exercício efectivo da gerência por parte da aqui alegante, postergando, assim, o dever de prova (cfr.art.74°, nº1 da LGT) a par do dever geral de fundamentação (cfr. arts.23°, n.°4 e 77° da LGT).

7) A fundamentação da decisão tem de ser contemporânea, no sentido de que, deve ser efectuada no momento em que a mesma é comunicada ao sujeito passivo administrado, não podendo a AT em momento anterior ou posterior, no sentido de colmatar um lapso ou erro de procedimento, vir fundamentar uma decisão que já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa, sem que dessa informação lhe tenha dado conhecimento no momento da citação.

8) Uma fundamentação com base numa nota informativa da qual não foi dado conhecimento ao sujeito administrado, não satisfaz os requisitos do dever geral de fundamentação, como é evidente, uma vez que o destinatário do acto não fica a saber que factos concretos determinaram a reversão.

9) As razões que o Tribunal a quo alegou na sua decisão para justificar a improcedência da oposição à execução, não constam da motivação do acto.

10) Formalmente impendia sobre os três sócios da "N..." o poder dever de tomarem deliberações expressivas da vontade societária. Todavia, na realidade, as decisões societárias eram tomadas, apenas pelo sócio gerente C....

11) De facto, nunca os sócios D... e V... foram convocados para qualquer reunião deliberativa, seja de sócios, seja de gerentes, pois que, na prática o órgão deliberativo da "N..." era constituindo por um único sócio-gerente - C..., restri...indo-se as funções do outro sócio-gerente ã execução das tarefas que já despenhava como funcionário assalariado da "C...", com exclusão de qualquer outra função, designadamente de carácter deliberativo.

12) Ao contrário de quanto veio a considerar o Tribunal a quo no dia a dia da sociedade, tudo se passava como se fosse um mero funcionário, sob real e efectivo comando e orientação de C....

13) Todas as manifestações de vontade exteriorizadas pela "N...", foram enunciadas, ponderadas e decididas exclusivamente pelo sócio C..., sem qualquer participação do sócio D..., que não só nunca foi convocado para qualquer Assembleia ou Reunião de sócios ou gerentes, como nunca participou na formação de qualquer deliberação a implementar pela "N...", ainda que fosse a simples aprovação das contas do exercício.

14) A "N..." era controlada e gerida pelo sócio C..., que a representava perante terceiros; a quem manifestava as decisões e posições da devedora originária, e de quem recebia as mais diversas declarações de vontade, ora assumindo posições creditícias, ora assumindo posições debitórias nas mais diversas relações contratuais.

15) Ao contrário de quanto veio a concluir o Tribunal a quo, o gerente D... ci...ia a sua actuação enquanto gerente à simples aposição de assinaturas em diversos documentos, sempre que para o efeito lhe era solicitado, com o único propósito de formalmente vincular a sociedade "N...", mas sem conhecimento efectivo do respectivo teor e conteúdo.

16) Durante o período de laboração da "N..." a direcção financeira, nunca levou ao conhecimento dos dois sócios as contas do exercício, ou lhes prestou informação quanto à verdadeira situação fiscal.

17) O departamento financeiro apenas apresentava as contas do exercício ao sócio C..., salientando que, apesar de solicitada, nunca o sócio D..., teve acesso à informação financeira e contabilística da "N...", ou extracto bancário da empresa. Assim como nunca recebeu pagamentos de bens e serviços, ou obtive um conhecimento detalhado das informações contabilisticamente relevantes.

18) Todas as medidas de cariz financeiro a implementar na "N..." sempre foram decididas na ausência do sócio-gerente D..., em reuniões que apenas contavam com a participação de C..., R... e M..., em especial as decisões relativamente ao pagamento dos impostos que asseguravam ao Alegante estarem devidamente regularizados.

19) Não obstante, legal e estatutariamente lhe assistir o direito de obter informações sobre a lide societária da "N...", quer o sócio C..., quer o departamento financeiro sempre negaram ao sócio D..., a informação solicitada.

20) No caso em apreço não se verificam os pressupostos de cuja verificação depende a reversão da execução fiscal à luz da al. b), do n° 1, do art.24° da LGT.

21) Ou se assim se não entender, deverá o processo baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a fim de ser produzida prova testemunhal quanto á gerência de facto e responsabilidade do Alegante no não pagamento dos débitos fiscais em reversão.

22) O Tribunal a quo a dispensar a produção de prova testemunhal, impediu a demonstração a da factualidade alegada quanto á gerência de factos e ausência de culpa no não pagamento dos débitos em reversão.

23) Salvo o devido respeito foram violados os artigos 268°, n°3 da CRP, arts. 214°, 125° e 123°, n°2 do CPA, arts.22°, nº4, 23°, n°4, 24°, n°1, al. b) e 70° da LGT.

Julgando-se o Recurso procedente, será feita

JUSTIÇA!»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em conhecer dos seguintes fundamentos:
_ Falta de fundamentação do despacho de reversão, porquanto em momento algum são invocados ou demonstrados factos demonstrativos do exercício efectivo da gerência [conclusões 1) a 9)];
_ Ilegitimidade do Recorrente, porquanto não exercia de facto a gerência da sociedade executada originária [conclusões 10) a 19)] e não se verificam os pressupostos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, sendo que o tribunal não deveria ter dispensado a produção de prova testemunhal, o que impediu o Recorrente de demonstrar a factualidade alegada quanto à gerência de facto e ausência de culpa no não pagamento [conclusões 20) a 23)].

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«III – FUNDAMENTAÇÃO
1. De Facto
Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 21.11.2006 foi instaurado no Serviço de Finanças de ..., contra a sociedade “..., LDA.”, o Processo de Execução Fiscal nº... para cobrança coerciva de dívidas de IVA dos períodos de 2005 e 2006, no valor total de € 21.202,65, com datas limite de pagamento voluntário até 20.02.2006, 15.05.2006 e 16.08.2006 – cfr. o processo de execução fiscal apenso (PEF).

B) O órgão de execução fiscal lavrou em auto a diligência efectuada no local correspondente às instalações da “..., LDA.” onde apurou que a mesma havia deixado as instalações para paradeiro desconhecido, fazendo constar o desconhecimento de bens susceptíveis de penhora para pagamento da dívida exequenda – cfr. fls. 61 do PEF.

C) Em 13.10.2008 o ora Oponente exerceu o direito de audição prévia sobre o projecto de reversão, por responsabilidade subsidiária, na execução que antecede, onde refere, além do mais, que “nunca exerceu qualquer acto adstrito aos gerentes, já que os mesmos eram exercidos de facto unicamente pelo sócio C...” e que, só após a saída daquele ele e o sócio V... “tentaram inteirar da situação tributária da empresa” – cfr. fls. 98/99 do PEF.

D) Em 05.12.2008 foi proferido despacho de reversão com os fundamentos constantes de fls.123/124 do PEF, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, dos quais se retira, no que ao caso mais releva, o seguinte:
«[…]
Demonstrada a Gerência de Direito, através da 1.ª Conservatória do Registo Comercial da ... […] é de presumir a gerência de facto, dado que a ausência desta apenas poderá advir, por um lado de inércia ou falta de vontade do gerente e, por outro, da violação dos seus deveres para com a sociedade.
E, exteriorizando o gerente […] a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados […] é lícito que este seja responsabilizado pelo cumprimento das obrigações públicas da sociedade, já que age através daquele.
[…]
A gerência de direito e de facto, compreende o período que corresponde à prática dos actos tributários a que se referem os presentes autos.»
– cfr. fls. 123/124 do PEF.

E) Em 12.12.2008 o Oponente foi citado para a execução identificada em A) – cfr. fls. 126/127 do PEF.

F) Em 12.09.2005, por contrato celebrado entre C..., como 1º outorgante, o ora Oponente, como 2º outorgante, e V..., como 3º outorgante, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi constituída a sociedade “N... –INFORMÁTICA E SERVIÇOS, LDA.”, ficando acordado, no documento complementar da escritura de constituição da sociedade, que a mesma se obriga com a assinatura de dois gerentes – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial.

G) A sociedade “..., LDA.” faz parte de um grupo de sociedades, com a denominação “N...”, encabeçado pela “C..., EQUIPAMENTOS DE TELECOMUNICAÇÕES, LDA.”, que pertence ao único sócio C..., obrigando-se a mesma com a assinatura de dois gerentes – cfr. doc. 3 junto com a a petição inicial.

H) Ao Oponente cabia, na sociedade devedora originária, a função de orientar, programar e dirigir o departamento de formação e suporte – por confissão (cfr. o artigo 128º da petição inicial).

I) O Oponente e o sócio V... assinavam diversos documentos, sempre que tal lhes era solicitado, quer pelo sócio C... quer pelo departamento financeiro – por confissão (cfr. os artigos 138.º, 165.º e 166.º da petição inicial).

J) Por carta datada de 01.09.2006, o sócio C... comunicou ao ora Oponente a decisão de renúncia à gerência da sociedade “..., LDA.”, invocando “quebra da relação de confiança” – cfr. fls. 59 do PEF (doc. junto com o direito de audição).

K) Em carta datada de 28.09.2006, o ora Oponente e V..., assinando em representação da sociedade “N... – INFORMÁTICA E SERVIÇOS, LDA.” uma carta dirigida à “... – Consultoria, Contabilidade e Serviços, Lda”, ao cuidado de M..., onde, reconhecendo a renúncia à gerência de C..., declaram que “perante tal facto passará a ser da [sua] responsabilidade a representação da Sociedade” e reconhecem ainda “o não cumprimento de obrigações fiscais, declarativas e de pagamento”, solicitando a apresentação de todas as declarações em falta até 13.10.2006 – cfr. fls. 55 do PEF (doc. junto com o direito de audição).

L) Por carta datada de 03.10.2006, M... respondeu à carta que antecede nos termos constantes de fls. 56/57 do PEF, que aqui se dão por reproduzidos, onde faz referência, além do mais, que foi informada da falta de liquidez da sociedade para pagamento do IVA e Retenções na Fonte – cfr. fls. 56/57 do PEF (doc. junto com o direito de audição).

M) Em 19.10.2006, o ora Oponente e V..., assinando em representação da sociedade “..., LDA.” uma carta dirigida à “... – Consultoria, Contabilidade e Serviços, Lda”, ao cuidado de M..., declararam aceitar a decisão de interrupção dos serviços por aquela prestados e afirmando [acreditar] que “a renúncia do Sr. C... tenha provocado [aquela] tomada de atitude” e que “já [haviam contactado] o senhor P... (TOC nº […]), com vista a que seja assegurada a continuidade dos serviços./ Todos os elementos contabilísticos da empresa serão levantados no dia 25[…]” – cfr. fls. 58 do PEF (doc. junto com o direito de audição).

N) Por requerimento entrado no Serviço de Finanças de ... em 23.11.2006, apresentado pela sociedade “..., LDA.”, representada pelo ora Oponente e V..., que assinam, é reconhecida a existência de dívidas e proposta a cedência de créditos sobre três das sociedades do grupo identificado em F) – cfr. fls. 53/54 do PEF (doc. junto com o direito de audição).

O) A Oposição foi remetida ao Serviço de Finanças em 20.01.2009 – cfr. fls. 39 dos autos.

Não constam dos autos outros factos, com interesse para a decisão da causa, que importe identificar como provados ou não provados.

Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto assenta nos documentos constantes dos autos, conforme indicado nas respectivas alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, bem como na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, no que respeita aos factos considerados confessados ou não controvertidos, e demais elementos trazidos aos autos»


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Com fundamento na matéria de facto supra enunciada a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou improcedente a oposição.

Passamos a conhecer, em primeiro lugar, o fundamento do recurso relacionado com a ilegitimidade do recorrente, fundamento que a proceder implica que fiquem prejudicados os demais fundamentos do recurso nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.


Portanto, invoca o Recorrente a sua ilegitimidade, porquanto entende que não exercia de facto a gerência da sociedade executada originária [conclusões 10) a 19)] e não se verificam os pressupostos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT. Mais invoca que o tribunal não deveria ter dispensado a produção de prova testemunhal, o que impediu o Recorrente de demonstrar a factualidade alegada quanto à gerência de facto e ausência de culpa no não pagamento [conclusões 20) a 23)].

Apreciando.

Conforme resulta dos autos, toda a matéria de facto dada como provada pela Meritíssima Juíza a quo assentou, exclusivamente, na prova documental e prova por confissão, concluindo que está provada a gerência de facto, sem que tenha produzido a prova testemunhal requerida na p.i. pelo Oponente.

Ora, verificando-se os pressupostos para a reversão da dívida da devedora originária contra o devedor subsidiário, e que o órgão de execução fiscal cumpriu com o ónus da prova que lhe competia, designadamente quanto ao exercício de facto da gerência, cabe ao Oponente fazer a respectiva contraprova de que não exerceu a gerência de facto.

Por essa razão, por bastar a contraprova o juízo que a Meritíssima Juíza a quo fez no qual assentou a conclusão do exercício de facto da gerência poderá estar inquinado de erro de facto, por se fundar apenas em parte dos meios de prova disponíveis, ou seja, por ser um juízo que não tomou em consideração todos os meios de prova necessários e úteis para a decisão sobre a matéria de facto, designadamente a prova testemunhal.

Por conseguinte, não se pode concluir pela improcedência da oposição sem que previamente seja dada ao Oponente a possibilidade de ver produzida a prova indicada, designadamente a prova testemunhal, que poderá ser suficiente para a contraprova, e considerando o que vem concretamente alegado na p.i., designadamente, no art. 119.º da p.i. de que a “a gestão manteve-se concentrada na pessoa de C... numa verdadeira lógica de subordinação típica da relação laboral”, e no art. 124.º “na realidade, as decisões societárias eram tomadas, apenas pelo sócio gerente C...”, factos concretizados nos artigos seguintes. Ou seja, in casu, não se verifica uma a desnecessidade e/ou inutilidade da produção deste meio de prova, considerando as questões a decidir e os factos alegados na p.i.

Mas sobretudo, importa ainda considerar que a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra afirma que “[p]ara afastar a sua responsabilidade enquanto devedor subsidiário, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, cabia ao Oponente a prova da inexistência de culpa demonstrando que, enquanto gerente de facto da sociedade em causa, tentou reequilibrar a actividade da mesma e que, face ao não alcançar de tal desiderato, procurou soluções de protecção dos seus credores, incluindo a Administração Tributária. In casu, nem a alegação trazida aos autos nem a prova produzida incidiram sobre este aspecto, razão pela qual improcede a invocada ilegitimidade para a execução na qualidade de devedor subsidiário.”

Ora, resulta da p.i. que o Oponente alegou, quanto à sua inexistência de culpa na falta de pagamento das prestações tributárias, para além do mais (artigos 89.º e ss, e artigos 168.º e ss), que essa falta de pagamento deveu-se a uma actuação descuidada do sócio-gerente C..., e do departamento financeiro (cfr. art. 202.º da p.i.). Portanto, não podemos concordar com a sentença recorrida que parece entender que não foram alegados factos relevantes.

Também não podemos concordar que se julgue não verificada a ilegitimidade do Oponente, afirmando-se que a prova produzida não versou sobre a culpa, quando a não realização da inquirição de testemunha é uma decisão da Meritíssima Juíza a quo, decisão que impediu o Recorrente de fazer prova de factualidade que alegou, designadamente quanto à inexistência de culpa.

Importa ter presente nesta matéria as consequências severas para o responsável subsidiário chamado à execução fiscal através do mecanismo da reversão para responder pelas dívidas da sociedade devedora originária, e por essa razão, o juízo de dispensa da produção de prova testemunha indicada pelo Oponente deverá ser rodeado de especial cuidado e ponderação, devendo ser bem densificada a sua fundamentação, de forma a não cercear o direito à prova garantido peça lei e pela Constituição, sendo apenas admissível a dispensa da prova testemunhal, nestes casos, quando seja manifestamente desnecessária e/ou inútil. Não deverá ser dispensada a prova testemunhal indicada pelo Oponente quando exista a virtualidade de esta poder influenciar o julgamento da matéria de facto.

A produção de prova testemunhal não se configura como desnecessária ou inútil face às questões em causa nos autos e aos factos alegados, sendo certo que no despacho que sustentou a dispensa dessa prova nada se concretiza acerca da desnecessidade ou inutilidade da produção da prova, havendo apenas uma fundamentação genérica, donde não se poderá extrair as razões concretas desse juízo, e de igual modo, na sentença recorrida, também não se exteriorizou qualquer juízo de desnecessidade e/ou inutilidade da produção da prova testemunhal.

Se o juiz dispensar a produção de prova não estamos perante uma nulidade processual, sem prejuízo de a sentença poder ser anulada por défice instrutório se a não realização dessa diligência de prova afectar o julgamento da matéria de facto (cfr. entre outros, Ac. do STA de 27/11/2013, proc. n.º 01159/09, Ac. do STA de 17/02/2016, proc. n.º 081/16, Ac. do STA de 14/09/2016, proc. n.º 0946/16).

Pelo exposto, e em suma, tendo sido arroladas testemunhas, que não foram ouvidas, e cuja audição não se configura como desnecessária e/ou inútil, face às questões em causa nos autos, e aos factos alegados, verifica-se défice instrutório susceptível de ter afectado o julgamento da matéria de facto, o que conduz à anulação da sentença recorrida para a realização da audiência de inquirição de testemunhas, após devendo os autos seguir a demais tramitação legal, com a prolação da respectiva sentença.

Face ao exposto, o recurso merece provimento, e por conseguinte, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

Sumário


I. Considerando as consequências severas para o responsável subsidiário chamado à execução fiscal através do mecanismo da reversão para responder pelas dívidas da sociedade devedora originária, o juízo de dispensa da produção de prova testemunhal indicada pelo Oponente deverá ser rodeado de especial cuidado e ponderação e fundamentação, de molde a que não haja uma restrição excessiva e desnecessária do direito à prova garantido pela lei e pela Constituição;


II. Nestes casos, apenas deve ser dispensada a produção de prova testemunhal indicada pelo Oponente quando aquela se revele manifestamente e inequivocamente desnecessária e/ou inútil;

III. Se o juiz dispensar a produção de prova testemunhal, e a não realização dessa diligência afectar o julgamento da matéria de facto, deve a sentença ser anulada por défice instrutório.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida por défice instrutório e ordenar a baixa dos autos para a produção da prova testemunhal, devendo os autos, após, seguir os demais trâmites legais.

Sem custas.
D.n.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2017.


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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Joaquim Condesso