Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 287/12.6BELRA-A |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 07/08/2021 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | EXECUÇÃO DE JULGADO. APLICAÇÃO DA REGRA DE IMPUTAÇÃO AOS PAGAMENTOS EFECTUADOS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA |
Sumário: | De acordo com a regra de imputação dos pagamentos efectuados pela Administração Tributária, os montantes pagos são, primeiramente, referidos aos montantes de juros de mora e de juros indemnizatórios em falta e só depois ao montante da dívida tributária a restituir. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acórdão
I- Relatório A............ intentou, por apenso ao processo de Impugnação Judicial n.º 287/12.6BELRA, a correr termos no TAF de Leiria, que havia determinado a procedência de acção e a anulação dos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários impugnados, acção de execução do julgado em referência, no qual formulou o pedido seguinte: «(…) Após o trânsito a AT estava obrigada à reconstituição da situação que existia anteriormente à data das segundas avaliações anuladas por sentença judicial;- A reforma da liquidação do imposto de selo, com o consequente reembolso da diferença, para menos, do imposto devido, bem como dos juros indemnizatórios;- A reforma das liquidações de IMI, com o consequente reembolso do imposto correspondente aos prédios objecto da avaliação anulada, em todos os anos de 2011 a 2016, bem como dos juros indemnizatórios;- A reforma da liquidação adicional de IMI em cobrança em Setembro de 2017;- O pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do excesso indevido.» O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença proferida a fls. 159/162, datada de 23 de Fevereiro de 2018, julgou procedente o pedido de execução de sentença, condenando a Fazenda Pública: // i) na reforma da liquidação de imposto de selo, com o consequente reembolso da diferença; ii) na reforma das liquidações de IMI, com o consequente reembolso do imposto pago relativo aos anos de 2011 a 2017, relativas aos prédios urbanos com os artigos matriciais ....., ....., ....., da freguesia de Leiria (actuais artigos ....., ..... e ....., das freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes). iii) no pagamento dos respectivos juros indemnizatórios desde a data do efectivo pagamento e de juros de mora sobre as quantias efectivamente pagas, os últimos devidos a partir da data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado, que ocorreu em 20/6/2017, até a data da emissão da nota de crédito, à taxa legal equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. Por meio de articulado de 25 de Setembro de 2018, o requerente peticionou o pagamento da quantia de 60.873,71€ pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Através de articulado datado de 2 de Novembro de 2018, a executada informou aos autos de que já havia dado cumprimento aos efeitos anulatórios, determinados no processo principal – Impugnação Judicial nº 287/12.6BELRA – e reembolsado as quantias indevidamente pagas. Tal requerimento foi alvo de contraditório por parte do exequente, pugnando pelo cumprimento do julgado. Em 02 de Dezembro de 2019, foi proferido Despacho no qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria determinou estar o julgado anulatório integralmente cumprido, indeferindo o requerido pelo exequente. O recorrente interpõe recurso jurisdicional contra o despacho em apreço. Alega em síntese nos termos seguintes: «Entendemos que a decisão sob recurso por proferida com 1. Ilegalidade: 2. Erro de julgamento: 12º Como não foram pagos os juros indemnizatórios e os juros moratórios, aquando do reembolso de €43.925,63, nos precisos termos do artigo 785º do Código Civil, a imputação do pagamento terá de ser feita primeiramente aos juros compensatórios de €12.686,30 e aos juros moratórios de € 2.917,34, no total de €15.603,64, ficando a parte correspondente do reembolso, a vencer juros indemnizatórios e moratórios, até à emissão da nova nota de crédito a processar a favor do contribuinte. 13º Mantemos, pois, na íntegra, o pedido de pagamento dos valores devidos, até à data em que foi efetuada a nota de compensação [2019.01.03] e relativamente à parte do capital em dívida, ao vencimento de juros indemnizatórios e moratórios, até integral pagamento.» X A Fazenda Pública não contra-alegou. X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado. X Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. X II- Fundamentação. 2.1. Com vista a resolver a questão solvenda mostram-se provadas as vicissitudes processuais seguintes: «imagem no original»
F) Da demonstração de liquidação de Imposto de Selo resulta o valor a reembolsar de €50.780,84 e valor a pagar €50.854,17 – fls. 206 e verso. G) Em 19.02.2019, a executada informou os autos do seguinte: «imagem no original»
Em 02.03.2019, o requerente afirmou e solicitou o seguinte: «o que foi processado (não significa pago): - a título de restituição do imposto…43.925,43 - a título de juros compensatórios ...€2.832,46 - a título de juros moratórios………..€1.599,58 Soma:………………………….. ….. €48.357,47 // (…) Como não foram pagos os juros compensatórios e os juros moratórios, aquando do reembolso de €43.925,63, nos precisos termos do artigo 785° do Código Civil, a imputação do pagamento terá de ser feita primeiramente aos juros compensatórios de €12.686,30 e aos juros moratórios de € 2.917,34, no total de €15.603,64, ficando a parte correspondente do reembolso, a vencer juros compensatórios e moratórios, até à emissão da nova nota de crédito a processar a favor do contribuinte. Mantemos, pois, na íntegra, o pedido de pagamento dos valores devidos, até à data em que foi efetuada a nota de compensação [2019.01.03] e relativamente à parte do capital em dívida, ao vencimento de juros compensatórios e moratórios, até integral pagamento». I) Em 14.06.2019, a executada informou os autos do seguinte:
X 2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido o despacho impugnado, ao considerar cumprido o julgado exequendo. 2.2.2. Está em causa a execução da sentença referida em A), nos termos definidos pela sentença referida em B). Por outras palavras, está em causa nos autos aquilatar da execução integral da sentença de 23.02.2018, por meio da qual a Fazenda Pública foi condenada na: i) reforma da liquidação do imposto de selo, com o consequente reembolso da diferença e à reforma da liquidação de IMI, com o consequente reembolso do imposto pago relativo aos anos de 2011 a 2017, relativos aos prédios urbanos com os artigos matriciais ....., ....., ....., da freguesia de Leiria (actuais artigos ....., ..... e ....., das freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes). // ii) no pagamento dos respectivos juros indemnizatórios desde a data do efectivo pagamento e de juros de mora sobre as quantias efectivamente pagas, os últimos devidos a partir da data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado, que ocorreu em 20/06/2017, até à data da emissão da nota de crédito, à taxa legal equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. A este propósito estatui o artigo 173.º do CPTA (“Dever de executar”)[1], o seguinte:« (1) Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele acto, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado. // (2) Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ser constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroactiva, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os actos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação». «Como resulta do artigo 173.º, n.º 1, os deveres em que a Administração pode ficar constituída na sequência da procedência do processo impugnatório de um [acto tributário] podem situar-se em três planos: a) reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado; b) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do acto ilegal, porque este acto disso a dispensava; c) eventual substituição do acto ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas»[2]. No caso em exame, o exequente questiona a restituição do valor relativo ao Imposto de selo pago em excesso, bem assim como o pagamento de juros indemnizatórios e de mora. Do probatório resulta que as liquidações de IMI e a liquidação de I. Selo foram reformadas e substituídas por novas liquidações que atendem aos vpt, entretanto, apurados[3]. Dos elementos coligidos nos autos resulta que o montante do I. Selo pago em excesso foi restituído [€43.925,43[4]], bem assim como os juros de mora e os juros indemnizatórios, seja por relação ao IMI, seja por referência ao I. Selo [5]. A presente intenção recursória centra-se sobre o segmento decisório relativo à restituição do I. Selo e juros (V. conclusões e alínea H). Os montantes restituídos estão sujeitos as regras seguintes: i) No que respeita à restituição do imposto pago em excesso[6], «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei»[7]. ii) No que respeita ao pagamento de juros indemnizatórios, «[e]m caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar. // Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo. // Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea. // Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos»[8]. iii) No que respeita ao pagamento de juros de mora, «[n]o período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas»[9]. A sentença proferida em sede de execução de julgado condenou a executada «no pagamento dos respectivos juros indemnizatórios desde a data do efectivo pagamento e de juros de mora sobre as quantias efectivamente pagas, os últimos devidos a partir da data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado, que ocorreu em 20/06/2017, até à data da emissão da nota de crédito, à taxa legal equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas», No presente caso, está em causa a execução da sentença, proferida em 20.02.2017, no P. 287/12.6BELRA, por meio da qual o TAF de Leiria julgou procedente a impugnação deduzida pelo recorrente contra os actos de avaliação dos lotes de terreno para construção, inscritos sob os artigos matriciais n.º ..... (lote 28), ..... (lote 29) e ..... (lote 30), da freguesia de Leiria, Concelho de Leiria, com fundamento em erro na quantificação, transitada em julgado, em 20/06/2017, pelo que o prazo de execução espontânea terminou em 27.10.2017[10]. A data da execução espontânea da sentença referida termina em 27.10.2017; ou seja, são devidos juros indemnizatórios sobre a quantia de I. Selo, reembolsada, de €43.925,43, desde a data de 29.03.2012[11], até 18.01.2019 (data da emissão da nota crédito[12]). No que respeita aos juros de mora, os mesmos são devidos desde a data do termo do prazo da execução espontânea (27.10.2017), até à data da emissão da nota crédito[13], ou seja, 18.01.2019; pelo que são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, desde 27.10.2017 até 18.01.2019, incidentes sobre a quantia de €43.925,43. Salvo no que respeita à restituição do I. Selo pago em excesso, do probatório não resulta comprovado o pagamento das quantias relativas aos juros indemnizatórios e juros de mora, nos termos devidos[14]. Importa ter presente a regra de imputação dos pagamentos efectuados pela executada, prevista no artigo 40.º/4, da LGT. Nos termos do preceito citado, «[e]m caso de o montante a pagar ser inferior ao devido, o pagamento é sucessivamente imputado pela seguinte ordem a: // a) Juros moratórios; // b) Outros encargos legais; // c) Dívida tributária, incluindo juros compensatórios; //d) Coimas». A este propósito, o STA teve ocasião de sublinhar que «[o] regime de imputação de pagamentos previsto no art. 40.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária é aplicável às dívidas da administração tributária para com os contribuintes, pagas em execução de julgado». No caso em apreço, os autos não esclarecem se os montantes pagos a título de juros de mora e de juros indemnizatórios observam as regras enunciadas quanto ao cômputo dos mesmos, pelo que importa apurar, de forma precisa, o quantitativo dos juros de mora e dos juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante de €43.925,43, e proceder ao seu pagamento, de acordo com a regra do artigo 40.º/4, da LGT, citada, ou seja, primeiro, os pagamentos são imputados aos montantes de juros de mora e de juros indemnizatórios em falta e depois são imputados ao montante da dívida tributária a restituir. Nada mais sendo devido pela executada, dado que não são devidos juros sobre juros (artigo 560.º do CC). Motivo porque se impõe julgar parcialmente procedente a presente intenção recursória, com a consequente revogação do despacho impugnado e substituição por decisão que condene a executada no pagamento dos juros de mora e dos juros indemnizatórios devidos, incidentes sobre o montante de €43.925,43, com a observância da regra de imputação do artigo 40.º/4, da LGT. Dispositivo
i) Efectuar o pagamento dos juros indemnizatórios sobre a quantia de I. Selo, a reembolsar, de €43.925,43, desde a data de 29.03.2012, até 18.01.2019 (data da emissão da nota crédito). ii) Efectuar o pagamento dos juros de mora devidos desde a data do termo do prazo da execução espontânea (27.10.2017), até à data da emissão da nota crédito, ou seja, 18.01.2019, calculados nos termos do artigo 43.º/5, da LGT. iii) Efectuar o pagamento da dívida tributária de I. Selo a restituir. Custas pela executada. Registe. Notifique. O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso. (Jorge Cortês - Relator)
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