Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08126/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/19/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO.
ARTº.615, Nº.1, AL.C), DO C.P.CIVIL.
CONCEITO DE CUSTOS EM SEDE DE I.R.C.
PAGAMENTO A ENTIDADES NÃO RESIDENTES E SUJEITAS A UM REGIME FISCAL PRIVILEGIADO.
ARTº.59, DO C.I.R.C.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
2. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. Consagrava o artº.59, do C.I.R.C., o procedimento de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado (cfr.artº.65, do C.I.R.C., actualmente em vigor).
4. Da exegese da norma deve concluir-se que não são dedutíveis fiscalmente as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a entidades residentes num território com um regime fiscal claramente mais favorável a não ser que o contribuinte demonstre que estão cumpridos dois requisitos, que são:
a-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
b-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.
5. Estamos perante norma anti-abuso específica, criada com o objectivo de combater a fraude e evasão fiscal, dada a sua cada vez maior dimensão internacional, resultante da crescente internacionalização das empresas, da maior mobilidade das pessoas e dos capitais e do próprio desenvolvimento das técnicas utilizadas para o efeito, tudo conforme se retira do exame do preâmbulo do citado dec.lei 37/95, de 14/2, para o efeito se invertendo o ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo nos termos do nº.1 do preceito.
6. No seu nº.2, o preceito consagra índices ou pressupostos que à Administração Fiscal cumpre demonstrar querendo accionar a norma (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.): quando o território de residência da pessoa singular ou colectiva constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
7. A introdução da solução da inversão do ónus da prova ora em exame foi adoptada por inspiração do artº.238-A, do Côde Géneral des Impôts francês. Trata-se da aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:
a-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
b-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.
8. Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.271 a 278 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, “..................- ............, S.A.”, tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 2006 e no montante total de € 86.983,51.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.302 a 306 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação dos factos sub judice, o que conduziu a uma errada interpretação do direito aplicável;
2-Por outro lado verifica-se que a douta sentença recorrida se mostra contraditória entre o seu relatório e a parte dispositiva;
3-No âmbito da acção de inspecção efectuada à impugnante relativamente ao exercício de 2005, verificou-se que esta contabilizou custos referentes a serviços prestados por sociedade sediadas em territórios que foram considerados como sujeitos a um regime fiscal privilegiado, no âmbito da Portaria nº 150/2004, de 13 de Fevereiro;
4-Em cumprimento do disposto no citado normativo legal os serviços de inspecção solicitaram à impugnante elementos de prova que demonstrassem que as operações tituladas nas facturas tinham sido efectivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado;
5-Porquanto no caso em apreço, não basta que se demonstre que houve pagamento às referidas entidades, que as mesmas emitiram facturas, que os montantes tenham sido contabilizados e declarados;
6-Atendendo à especificidade dos regimes fiscais nos quais as referidas sociedades se encontram sediadas, requer uma análise mais profunda e mais exigente da efectividade dos serviços prestados, do carácter normal dessa prestação de serviços e de um montante não exagerado;
7-Da análise dos elementos entregues pela impugnante em sede de acção de inspecção e cujas conclusões se encontram no ponto III.1.1.1 do Relatório Final (as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais), não resulta inequivocamente que tais serviços tenham sido prestados;
8-Que os mesmos tenham um carácter normal;
9-E por fim em virtude de não terem sido apresentadas as facturas emitidas pela impugnante aos seus clientes, factor determinante para a compensação de 4% ás sociedades contratadas, não se pode aferir se os montantes pagos foram exagerados ou não;
10- Não foram apresentados os relatórios periódicos que as referidas entidades se comprometeram a elaborar, nos termos dos contratos apresentados;
11-Verificando-se ainda não existir uma normalidade das operações face ao desenrolar das obras a que foram contratualmente afectos, uma vez que os serviços contratados assumem uma descrição direccionada a intermediação e não a consultadoria técnica;
12-Acresce que, na douta sentença recorrida (paragrafo 12 do ponto IV. SEGMENTO FACTICO- JURIDICO) conclui-se que as referidas operações têm um carácter anormal;
13-Face ao exposto, entendemos, salvo o devido respeito, que é muito, que a douta sentença recorrida viola o disposto no artº 59 do CIRC (aplicável à data dos factos);
14-Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser anulada na parte ora impugnada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.320 a 325 dos autos), terminando com as seguintes Conclusões:
1-A presente acção foi deduzida contra o Despacho da Direcção de Finanças de Lisboa - Divisão de Justiça Administrativa de indeferimento relativamente à reclamação graciosa apresentada por referência ao exercício de 2006;
2-A procedência da impugnação é manifesta, conforme resultou evidente da douta sentença recorrida;
3-A redacção do nº.1 do artigo 59 do CIRC à data dos factos estabelecia que "não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado";
4-Os referidos encargos respeitam aos serviços efectivamente prestados pelas empresas de prestação de serviços de consultoria ......................., Ltd e ............................, Ltd.;
5-Não pode a recorrida concordar com os argumentos apresentados, reputando-os de infundados e resultantes de uma análise insuficiente por parte da recorrente;
6-Tais custos correspondem efectivamente a pagamentos efectuados a entidades que prestaram múltiplos serviços à recorrida, os quais se revelaram necessários no âmbito de diversos projectos inerentes à sua actividade;
7-É óbvio que tendo-se revelado necessária a prestação dos mencionados serviços para o desenvolvimento de determinados projectos inerentes à actividade da recorrida, as despesas inerentes aos mesmos foram indubitavelmente indispensáveis para a realização dos proveitos e ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da sua fonte produtora;
8-Pertencendo a um grupo internacional sediado nos Estados Unidos da América, a recorrida - à semelhança de todas as outras empresas do grupo - dedica extrema importância e transparência à selecção e relacionamento com as empresas a que recorre para efeitos de prestação de serviços de consultoria, estando a sua selecção e contratação regulamentadas por ordens de serviço internas que definem e regulamentam todas as regras aplicáveis a esses procedimentos com base em rigorosos critérios éticos comuns a todo o grupo;
9-Todos os contratos celebrados com consultores, incluindo os celebrados com a ................................, Ltd e .................................., Ltd, têm a intervenção da sociedade ............................... SA, entidade especializada que actua como acreditadora dos referidos contratos e certificadora das empresas contratadas;
10-Pelo que dúvidas não subsistem de que estão perfeitamente identificados e justificados, não só a efectividade dos serviços prestados como também a normalidade do recurso a consultores independentes e os critérios que presidem à sua escolha;
11-Não sendo, naturalmente, de relevar um mero lapso de escrita inscrito na douta sentença, como resulta evidenciado de todo o restante teor da mesma;
12-Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., não deverá ser dado provimento ao presente recurso, assim se fazendo a costumada JUSTiÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.334 a 336 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.338 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.272 a 274 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante tem como actividade principal a instalação e fornecimento de equipamentos de telecomunicações, CAE 33200 (cfr.relatório da inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.66 a 123 dos presentes autos);
2-A impugnante foi objecto de um procedimento de inspecção tributária de carácter externo, com referência ao exercício de 2006, em cumprimento da Ordem de Serviço nº............................., no âmbito do qual e de modo a analisar a aceitação fiscal dos encargos suportados pelo sujeito passivo, além do mais, lhe foram solicitados elementos que comprovassem a efectividade das operações, o carácter normal das operações ou o montante não exagerado praticado nas mesmas (cfr.relatório da inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.66 a 123 dos presentes autos);
3-Em resposta ao solicitado, a sociedade impugnante procedeu à entrega dos contratos celebrados com a “...................................., Ltd” e “............................., Ltd”, com referência aos montantes envolvidos e às margens praticadas e ainda cópia das duas facturas emitidas pelas mesmas à impugnante (cfr.documentos juntos a fls.124 a 139 dos presentes autos);
4-Os Serviços de Inspecção Tributária não consideraram os encargos dedutíveis referentes às facturas mencionadas no nº.3 que a impugnante contabilizou a título de serviços de consultadoria referente às obras denominadas “GSM Network to Benguela, Lobito e Cabinda” e “ Polanda - TPSA - Alma Traffic” nos termos do artigo 59 do CIRC, no valor de € 224.010,35, por não ter sido efectuada a prova exigida para a aceitação fiscal (cfr.relatório da inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.66 a 123 dos presentes autos);
5-Em consequência, a impugnante foi notificada, em 8/01/2010, da demonstração de liquidação de IRC n.º..........................., da qual resultava um montante a pagar de € 86.983,51 (cfr.documento junto a fls.63 dos presentes autos);
6-A impugnante foi notificada em 11/01/2010 da demonstração de acerto de contas n.º ........................................., da qual resultava um montante a pagar de € 86.263,09 (cfr. documento junto a fls.64 dos presentes autos);
7-A impugnante deduziu reclamação graciosa contra o segmento da liquidação referente à desconsideração dos encargos suportados, no montante de € 224.010,35, com a prestação de serviços identificada nos nºs.3 e 4 (cfr.documento junto a fls.1 a 8 do processo de reclamação graciosa apenso);
8-No dia 22/12/2010, foi a impugnante notificada, através do ofício n.º 117199 de 21/12/2010, do indeferimento da reclamação graciosa (cfr.documentos juntos a fls.116 a 118 do processo de reclamação graciosa apenso);
9-As entidades “............................, Ltd” e “.................................., Ltd”, com sede, respectivamente, nas Maurícias (Port-Louis-Maurícias) e nas Ilhas Britânicas (Jersey, British Islanda), foram contratadas para a prestação de serviços de consultadoria no âmbito das obras denominadas “GSM Network to Benguela, Lobito e Cabinda” e “Polanda - TPSA - Alma Traffic” (cfr.documentos juntos a fls.126 a 139 dos presentes autos);
10- Em 30/04/2010, o Banco ............, S.A., a pedido da impugnante, prestou a garantia bancária n° .................., no valor de € 112.415,38, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º ..............................., instaurado no 1º. Serviço de Finanças de Cascais (cfr.documentos juntos a fls.153 a 155 dos presentes autos);
11-No dia 31/12/2010, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos (cfr.data de entrada aposta a fls.3 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Dos factos constantes da Impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
Ao abrigo do disposto no artº.614, nº.1, do actual C.P.Civil, rectificou-se a data do ofício identificado no nº.8 do probatório, 21/12/2010, que não 21/10/2010, tudo conforme se retira do exame do documento junto a fls.116 do processo de reclamação graciosa apenso e dado tratar-se de um erro de escrita, modalidade de erro na declaração. O mesmo, relativamente à data de entrada da p.i. constante do nº.11 do probatório, 31/12/2010, que não 3/1/2011, tudo conforme documento junto a fls.3 dos presentes autos (cfr.artº.249, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7308/14).
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
12-Do relatório da Inspecção Tributária identificado no nº.4 supra, como fundamento da correcção no valor de € 224.010,35, derivada da não aceitação de encargos suportados com a prestação de serviços por entidades não residentes e com um regime fiscal privilegiado, tudo ao abrigo do artº.59, do C.I.R.C., consta o seguinte (cfr.relatório da inspecção tributária cuja cópia se encontra junta a fls.66 a 123 dos presentes autos):
"(...)

III.1.1.1- Encargos não dedutíveis nos termos do artigo 59 do CIRC: € 224.010,35

A empresa registou na conta ......... ................, correspondente à conta POC 621- Subcontratos, o montante total de € 224.010,35, referente às seguintes facturas:
(...)
Os pagamentos referentes a estas facturas são considerados devidos a título de serviços de consultoria referentes às obras denominadas "GSM Network to Banguela, Lobito & Cabinda" e "Poland - TPSA - Alma Traffic".
Tendo-se verificado que as entidades que facturaram os serviços, ..............................., Ltd. e
...................................., Ltd., se apresentavam sediadas, respectivamente nas Maurícias (Port Louis
- Mauritius) e nas Ilhas Britânicas (Jersey - British lsles), territórios que foram considerados como sujeitos a regime fiscal privilegiado no âmbito da Portaria nº. 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Assim, foi o sujeito passivo notificado nos termos do artigo 59, nº4 do CIRC, para fazer prova de que as importâncias pagas ou devidas aquelas entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, que estão a afectar negativamente o resultado fiscal, correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou montante exagerado.
Desde logo importa referir que as importâncias pagas ou devidas a entidades não residentes submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável investe o sujeito passivo num
especial cuidado na informação a prestar para justificar tais operações, desde logo, porque não existe troca de informações com as autoridades fiscais dos referidos territórios. Por outro lado, a Administração Fiscal tem a obrigação de notificar o sujeito passivo para provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
Nos termos do artigo 59, nº.4, do CIRC são concedidos 30 dias para o sujeito passivo responder à notificação: esta especificidade no que se refere ao prazo permite ao sujeito passivo arrolar toda a prova considerada pertinente no sentido de comprovar que estas operações foram efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
Neste sentido o sujeito passivo disponibilizou um conjunto de fotocópias de contratos/acordos e protocolos.
Sendo esta a prova considerada pertinente pelo sujeito passivo, importa desde logo referir que
não basta apresentar os contratos/acordos estabelecidos e as respectivas facturas ou documentos equivalentes associados, é necessário demonstrar que existiu uma efectiva prestação de serviços.
(...)
Verifica-se então que, caso não tivesse sido efectuada a retenção na fonte, teriam que ser os serviços de inspecção tributária a proceder ao seu apuramento, para além da análise do correcto enquadramento jurídico - tributário em sede da aceitação fiscal do pagamento e eventual sujeição a tributação autônoma (vide art. 81, nº. 8, do Código do IRC). Em suma, o dever de retenção na fonte não é afectado pela dedutibilidade fiscal dos encargos contabilizados como custos do exercício.
Iremos, de seguida analisar cada uma das entidades.

1 - ............................., Ltd. - € 69.152,35

A ................................., Ltd., que tem sede em Port Louis, nas Maurícias, beneficiou do pagamento da factura nº 714AM/016 no montante de € 69.152,35.
A factura emitida pela ................, Ltd., apenas faz referência a estar de acordo com os serviços prestados no âmbito do Consultancy Agreement 160 K 45001, não especificando, no entanto, a natureza dos serviços prestados.

Em resposta à notificação o sujeito passivo apresentou:
-Cópia, em língua inglesa, do Consultancy Agreement 160 K 45001, que consiste num contrato celebrado entre a ............................ S.A. (Suíça), por conta da ........... Portugal e a ....................., Ltd., cuja finalidade é a de regular, definir e estipular as obrigações e direitos das partes, datado de 10 de Março de 2003;
-Cópia, em língua inglesa, do Progress Report referente a Angola Business Development, emitido pela .............................. Limited à ...................., com diversas recomendações, datado de 31 de Janeiro de 2006;
-Um documento, em língua inglesa intitulado de "Company Profile" com informações gerais, datado de 2005;
-Um documento emitido pela D & B (orderform), em língua inglesa, intitulado Business lnformation Report, com algumas informações acerca da ......................... Limited, nomeadamente que se trata de um "off-shore", datado de 26 de Maio de 2005;
- Cópia do contrato celebrado entre a .................... e a .................. Portugal para o fornecimento e instalação de uma "rede GSM Lobito Benguela Cabinda" datado de 26 de Junho de 2002, em que indicou que o preço para o contrato é no valor de 6.714.400,00 €, sendo os montantes de
€ 4.432.114,00 e de € 2.282.286,00, relativos a Equipamentos e a Serviços, respectivamente.
(...)
Da análise efectuada aos elementos fornecidos pelo sujeito passivo, verificamos o seguinte:
-Não entregou informação sobre os montantes facturados e recebidos do cliente (...........), mas apenas dos montantes contratados, informação que era importante para validar os pagamentos efectuados à ........................................, Ltd., porquanto os valores a receber por esta, nos termos do CA 160 K 45001, dependem dos valores facturados e recebidos pela ................... e não dos valores contratados entre a ................ e a ................;
-Não demonstrou a efectividade dos serviços facturados pelos consultores através da apresentação de cópias dos relatórios periódicos previstos no referido contrato, da indicação dos seus intervenientes e das funções desempenhadas, não indicando a forma como os serviços mencionados nos contratos se concretizavam junto do cliente final e da forma utilizada pela empresa para confirmar a sua realidade para autorizar o pagamento;
-Não identificou os critérios que presidiram à escolha da..............................., Ltd, para a prestação do serviço;
-Não explicitou os serviços prestados pela..........................., Ltd., e não demonstrou a normalidade do custo, tendo em consideração a sua natureza face à actividade desenvolvida pela empresa e não estabeleceu a ligação entre os serviços adquiridos e a sua necessidade para o projecto concreto em causa;
-Não demonstrou a normalidade do preço do serviço adquirido face aos recursos utilizados pelo prestador, nem a natureza do serviço e a sua manutenção no tempo utilizando comparáveis nomeadamente de contratos semelhantes com entidades diferentes.

Assim, considerando que não foi demonstrado:
-A efectividade dos serviços alegadamente prestados, quer pela não apresentação dos relatórios periódicos, quer pela ligação directa entre esses serviços e o efectivo desenrolar da obra;
-A normalidade das operações face ao desenrolar das obras a que foram contratualmente afectos uma vez que os serviços contratados assumem uma descrição direccionada a intermediação e não a consultoria técnica.

Conclui-se que não se encontram demonstrados os requisitos para aceitação como custo fiscal, nos termos do artigo 59 do CIRC, pelo que se acresce .a totalidade do custo, no montante de
€ 69.152,35, ao resultado fiscal.
Estes encargos são tributados à taxa de tributação autónoma de 35%, nos termos do art. 81, n.8, do CIRC.
(...)
2 - ..................................................., Ltd. - € 154.858,00

A ........................................., Ltd., que tem sede em Jersey, nas Ilhas Britânicas, beneficiou do pagamento da factura n. HCB 25/05 no montante de € 154.858,00.
A factura emitida pela ................................, Ltd., refere tratar-se de uma comissão devida nos termos do Consultancy Agreement 223 J 42051, não especificando a natureza desta nem a sua percentagem.

Em resposta à notificação o sujeito passivo apresentou:
-Cópia, em língua inglesa, do Consultancy Agreement 223 J 42051, que consiste num contrato celebrado entre a ................................S.A. (Suiça), por conta da .................. Portugal e a ..............................., Ltd., cuja finalidade é a de regular, definir e estipular as obrigações e direitos das partes, datado de 27 de Fevereiro de 2002;
-Um documento, em língua inglesa intitulado de "Company Profile" com informações gerais, datado de 2004;
-Um documento emitido pela DB (Dun & Bradstreet), em língua inglesa, intitulado Business
lnformation Report, com algumas informações relativas à empresa ................................, Ltd., datado de 18 de Abril de 2001;
-Cópia da 2ª. parte da proposta comercial nº. 6040 - 0059 (edição 9ª), efectuada pela .............................., S.A., à .........................................., S.A., referente a preços e termos e condições de pagamentos, relativamente ao "Alcatel Traffic Management Solution For TPSA", datado de 20 de Fevereiro de 2003, em que indica vários preços;
-Cópia de duas notas de "Confirmação de encomenda" emitidas pela .............................., S.A., relativas ao cliente ..............................., S.A.;
-Cópia de uma mensagem - fax, emitida pela ............................, S.A., e dirigida à .........................., a confirmar a aceitação da encomenda relativa à proposta comercial PO /6040-0059 (edição 6ª) /11002452;
-Cópia de uma mensagem, datada de 20/12/2002 da ............................, S.A., para a ...................... Portugal a cancelar a Ordem de Compra n. 111 /2002/TPSA (ALMA TRAFFIC TPSA) datada de 21/08/2002 no valor de € 8.788.407,00;
-Cópia de uma mensagem, datada de 11/03/2003 da ..............................., S.A., para a .............................., S.A. com a Ordem de Compra n. 063/03/10433 (ALMA TRAFFIC SECOND YEAR WARRANTY), no valor de € 977.723,08;
-Cópia dos seguintes documentos:

Factura n. ................. de 19/03/2003 no valor de € 2.597.269,38
Factura n. .................. de 26/08/2003 no valor de €3.708.714,32
Factura n. ...................de 10/12/2003 no valor de € 2.828.923,18
Factura n. ................... de 17/06/2004 no valor de € 977.723,08
(...)

Da análise efectuada aos elementos fornecidos pelo sujeito passivo, verificamos o seguinte:
-Apesar de ter entregue informação sobre alguns dos montantes facturados e recebidos do cliente (..............................), não demonstrou qualquer relação entre estes e os pagamentos efectuados à ..............................., Ltd.;
-Não demonstrou a efectividade dos serviços facturados pelos consultores através da apresentação de cópias dos relatórios periódicos previstos no referido contrato, da indicação dos seus intervenientes e das funções desempenhadas, não indicando a forma como os serviços mencionados nos contratos se concretizavam junto do cliente final e da forma utilizada pela empresa para confirmar a sua realidade para autorizar o pagamento;
-Não identificou os critérios que presidiram à escolha da ..............................., Ltd., para a prestação do serviço;
-Não explicitou os serviços prestados pela ..........................., Ltd., e não demonstrou a normalidade do custo, tendo em consideração a sua natureza face à actividade desenvolvida pela empresa e não estabeleceu a ligação entre os serviços adquiridos e a sua necessidade para o projecto concreto em causa;
-Não demonstrou a normalidade do preço do serviço adquirido face aos recursos utilizados pelo prestador, nem a natureza do serviço e a sua manutenção no tempo utilizando comparáveis nomeadamente de contratos semelhantes com entidades diferentes.

Assim, considerando que não foi demonstrado:
-A efectividade dos serviços alegadamente prestados, quer pela não apresentação dos relatórios periódicos, quer pela ligação directa entre esses serviços e o efectivo desenrolar da obra;
-A normalidade das operações face ao desenrolar das obras a que foram contratualmente afectos uma vez que os serviços contratados assumem uma descrição direccionada a intermediação e não a consultoria técnica.

Conclui-se que não se encontram demonstrados os requisitos para aceitação como custo fiscal, nos termos do artigo 59 do CIRC, pelo que se acresce .a totalidade do custo, no montante de
€ 154.858,00, ao resultado fiscal.
Estes encargos são tributados à taxa de tributação autónoma de 35%, nos termos do art. 81, n.8, do CIRC.
(...).

X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, assim anulando a liquidação de I.R.C. objecto dos presentes autos (cfr.nº.5 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se menciona, que a decisão recorrida, no enquadramento jurídico, conclui que as operações em causa têm um carácter anormal. Pelo que, se deve concluir que a sentença do Tribunal "a quo" se mostra contraditória entre o seu relatório e a parte dispositiva (cfr.conclusões 2 e 12 do recurso), assacar à decisão recorrida o vício de nulidade devido a contradição entre os fundamentos e a decisão.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário. Mais se dirá que não ocorre esta nulidade quando a alegada contradição for entre os fundamentos de facto da decisão ou, por outras palavras, quando se tenham dado como assentes factos incompatíveis entre si, como parece querer defender o recorrente (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7435/14).
No caso “sub judice”, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça da nulidade em análise. Concretizando, a decisão recorrida não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela procedência da impugnação deduzida, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido, chegando o Tribunal “a quo” à conclusão de que a sociedade impugnante terá efectuado prova dos requisitos previstos no artº.59, do C.I.R.C., que tornam possível a dedutibilidade dos custos declarados pela mesma, em consequência do que se anulou o acto tributário impugnado.
Não obvia a tal conclusão, o erro material existente na fundamentação jurídica da mesma peça processual, a fls.276 dos autos, onde depois de toda a argumentação aduzida, se escreve que as operações em causa têm carácter "anormal", quando se queria dizer "normal", conclusão que se retira da divergência entre o que foi escrito e aquilo que se queria escrever, a qual decorre do que demais consta da decisão judicial em termos do respectivo contexto (cfr.artº.614, nº.1, do C.P.Civil; ac.S.T.J., 12/2/2009, proc.08A2680; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7308/14; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.49 e seg.; J. O. Cardona Ferreira; Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2010, pág.68 e seg.).
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico (obscuridade; contradição) na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Mais aduz o recorrente, em síntese, que a decisão recorrida viola o regime previsto no artº.59, do C.I.R.C. aplicável à data dos factos (cfr.conclusões 1, 3 a 11 e 13 do recurso), com base em tais alegações pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, defende, em resumo, a Fazenda Pública que os encargos referentes às facturas mencionadas no nº.3 do probatório que a impugnante/recorrida contabilizou a título de serviços de consultadoria não são passíveis de enquadramento no âmbito do artº.59, do C.I.R.C.
Por seu lado, a decisão recorrida concluiu que os encargos em causa se enquadram no artº.59, do C.I.R.C., e, nessa medida, a sua não aceitação como custo fiscal enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos.
Vejamos quem tem razão.
Dir-se-á, antes de mais, que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.11, da L.G. Tributária; artº.9, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Consagrava o artº.59, do C.I.R.C., o procedimento de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado (cfr.artº.65, do C.I.R.C., actualmente em vigor).
O citado artº.59, do C.I.R.C., na redacção derivada da Lei 30-G/2000, de 29/2 (redacção aplicável ao caso “sub judice” - artº.12, do C.Civil), estatuía:
Artº.59
(Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado)

1 - Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
2 - Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
(…)
Da exegese da norma deve concluir-se que não são dedutíveis fiscalmente as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a entidades residentes num território com um regime fiscal claramente mais favorável a não ser que o contribuinte demonstre que estão cumpridos dois requisitos, que são:
1-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
2-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.
Estamos perante norma anti-abuso específica, criada com o objectivo de combater a fraude e evasão fiscal, dada a sua cada vez maior dimensão internacional, resultante da crescente internacionalização das empresas, da maior mobilidade das pessoas e dos capitais e do próprio desenvolvimento das técnicas utilizadas para o efeito, tudo conforme se retira do exame do preâmbulo do dec.lei 37/95, de 14/2, diploma que introduziu este normativo no ordenamento jurídico português, para o efeito se invertendo o ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo nos termos do nº.1 do preceito (cfr.artº.344, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O controlo e combate às práticas tributárias nocivas, C.T.F. nº.409/410, pág.119 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.202 e seg.).
No seu nº.2, o preceito consagra índices ou pressupostos que à Administração Fiscal cumpre demonstrar querendo accionar a norma (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.): quando o território de residência da pessoa singular ou colectiva constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/3/2006, rec. 1078/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2008, rec.188/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/4/2009, proc.2892/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12).
Revertendo ao caso dos autos, fez a Fazenda Pública prova dos pressupostos para accionar a norma sob exegese, visto que os pagamentos em causa foram efectuados, durante o ano de 2006, pela impugnante a entidades com sede em países com um regime de tributação privilegiado conforme a Portaria 150/2004, de 13/2 (em concreto, as Ilhas Maurícias constam sob o nº.46 da lista de países constantes da mencionada portaria e as Ilhas Britânicas sob o nº.81 da mesma lista), diploma este que veio estabelecer quais os países ou territórios que devem ser qualificados como “paraísos fiscais” ou sujeitos a regimes de tributação privilegiados, como se pode colher do seu preâmbulo.
Aqui chegados, haverá que saber se a sociedade impugnante/recorrida cumpriu com o ónus da prova que lhe incumbia nos termos do nº.1, do preceito.
A introdução da solução da inversão do ónus da prova ora em exame foi adoptada por inspiração do artº.238-A, do Côde Géneral des Impôts francês. Trata-se da aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:
1-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
2-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.
Desde logo, se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil).
No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado (cfr.Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O controlo e combate às práticas tributárias nocivas, C.T.F. nº.409/410, pág.125 e 126; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.92 e 93).
"In casu", manifestamente, a sociedade impugnante/recorrida não cumpriu com o ónus da prova consagrado no preceito acabado de examinar (cfr.nº.12 do probatório), pelo que, não se encontram demonstrados os requisitos para aceitação como custo fiscal, nos termos do artº.59, do C.I.R.C., assim acrescendo a totalidade dos encargos em causa, no montante de € 224.010,35, ao resultado fiscal. Estes encargos são tributados à taxa de tributação autónoma de 35%, nos termos do artº.81, nº.8, do C.I.R.C.
Arrematando, julga-se procedente o examinado recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do artº.59, do C.I.R.C. (versão em vigor em 2006), ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, mais se julgando totalmente improcedente a impugnação deduzida.
X
Condena-se o recorrido em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)