Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08955/15
Secção:CT
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PROVA/IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DESPESAS DE ESTACIONAMENTO E PORTAGENS
TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO CONSOLIDADO
PROVISÕES
JUROS DE MORA/LETRAS/NOVAÇÃO/DAÇÃO PRO SOLVENDO/DUPLICAÇÃO DE CUSTOS
Sumário:I– Em matéria de IRC, desde que a Lei não imponha um especial meio probatório, são admissíveis todos os meios de prova admitidos em direito para o sujeito passivo demonstrar a realização de operações que legitimem inferir qualitativamente a natureza dos prejuízos ou benefícios delas decorrentes. Por isso, não é vedada essa comprovação por meio de prova diferente da prova documental, designadamente por prova testemunhal.

II– Em recurso jurisdicional, para que haja alteração da matéria de facto assente na livre convicção do julgador objectivamente exteriorizada, não é suficiente a invocação de uma divergência em relação ao que ficou decidido nesses termos, antes sendo indispensável alegar e demonstrar, pela prova efectivamente produzida, que houve erro manifesto na apreciação do seu valor probatório.

III– Nos casos em que os factos dados como apurados têm como principal fonte probatória a prova testemunhal, a sua alteração só deve realizar-se quando os elementos fornecidos pela análise do processo (incluindo os concernentes à prova testemunhal gravada) imponham, de forma clara, forçosamente essa alteração, e não quando a análise dessa prova apenas permita sugerir/possibilitar uma decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.

IV– O regime jurídico estabelecido no artigo 41.º, n.º 4 do CIRC (na redacção introduzida pela Lei n.º 39-B/94, de 27-12 – Lei do Orçamento de Estado para o ano de 1995), não se aplica às despesas realizadas no exercício da actividade do sujeito passivo com portagens e estacionamentos, quer porque o legislador aí as não identificou expressamente, quer porque os critérios de interpretação consagrados no artigo 9.º do Código Civil obstam a que se faça essa inclusão por via da expressão “designadamente” constante do mesmo preceito.

V– O regime de consolidação fiscal parte sempre do pressuposto de que são eliminados todos os resultados decorrentes das operações efectuadas entre sociedades do mesmo grupo, sejam os resultados imediatos, sejam todos os circunstancialismos que permitam considerar, para efeitos fiscais, o objecto de tais operações desligado de uma operação intragrupo (princípio da neutralidade).

VI– Tanto o regime consagrado no DL n.º 414/87, de 31-12, como o regime consagrado no artigo 59.º do CIRC provieram da mesma fonte, sendo que o regime do primeiro destes diplomas (Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado) foi incorporado no CIRC sem alterações relevantes, nomeadamente no que respeita ao princípio da neutralidade fiscal.

VII– São fiscalmente dedutíveis as provisões que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

VIII– Os juros de mora resultantes de créditos decorrentes da actividade comercial do sujeito passivo são também créditos resultantes da actividade normal da empresa e, consequentemente, constituem provisões fiscalmente dedutíveis.

IX– Se, por acordo entre credor e devedor, o crédito emergente de uma factura passa posteriormente a ser titulado por uma letra, para que esta opere a novação da obrigação fundamental, é indispensável que as partes tenham expressamente manifestado a vontade de contraírem a nova obrigação. Não o fazendo, presume-se que houve uma dação pro solvendo.

X– Não resultando dos factos apurados que existiu essa vontade expressa de novar, tem de se concluir que o acordo entre a Impugnante e o devedor (no sentido de que o preço constante das facturas seria pago através de letras sacadas pela primeira e aceites pelo segundo) consubstanciou uma “datio pro solvendo”, com a consequente modificação das obrigações primitivas que, todavia, subsistiram.

XI– Nesta situação (criação do título cartular), em virtude das consequências da datio pro solvendo, o devedor apenas se constitui em mora – com o consequente nascimento, para o credor, do direito aos respectivos juros – a partir da data de vencimento de cada uma das letras sacadas pela Impugnante e aceites pelos respectivos devedores, o que significa que só a partir dessa data é legítimo provisionar a sua incobrabilidade.

XII– A desconsideração - como custos fiscalmente dedutíveis, com fundamento em “duplicação de custos” - de despesas provadamente suportadas por uma empresa, no exercício da sua actividade comercial, com uma viatura utilizada por um seu trabalhador, só é legalmente admissível se a Administração Fiscal fizer prova de que essas despesas estão, sob o mesmo título, inscritas na contabilidade de mais do que uma empresa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I - Relatório

A C..., SGPS, e a Fazenda Pública, inconformadas com sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa - que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por aquela primeira deduzida contra o acto de liquidação adicional do IRC, relativa ao exercício fiscal de 1996, incluindo a derrama e os juros compensatórios-, vêm dela, na parte em que para cada um deles a mesma foi desfavorável, interpor recurso jurisdicional para este Tribunal.

As alegações dos recursos mostram-se rematadas, respectivamente, nos seguintes quadros conclusivos:

Quanto ao recurso da Impugnante (renumeradas a partir da conclusão 86ª, inclusive, por manifesto lapso na repetição da conclusão 85ª):

«1.ª - O recurso em apreço é interposto da douta sentença que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida nos autos contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1996.

2.ª - Com efeito, o Tribunal recorrido:

a). decretou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto às correcções indicadas a fls. 7/8 da sentença (nºs 18 e 19 do probatório) em virtude de a Administração Tributária (AT) as ter revogado, já em sede de impugnação;

b).julgou procedente a impugnação quanto às correcções referentes a: 1). Provisão para créditos de clientes em mora, no valor de Esc. 3.897.601$40; 2). Provisão para créditos de cobrança duvidosa, no valor de Esc. 40.223.085$00; 3). Não consideração como custo do exercício do montante das despesas com reembolso dos encargos relativos à utilização de viaturas ao serviço da sociedade G..., S.A., no valor de Esc. 2.118.801$00.

3.ª - Em consequência, constituem objecto do presente recurso as correcções efectuadas pela AT, mantidas na decisão recorrida, seguidamente indicadas:

a). Percentagem de 20%, a acrescer, referente a despesas de portagens e estacionamento de viaturas ligeiras de passageiros, no valor de Esc. 1.171.774$00;

b). ajustamento, para efeitos do apuramento do lucro tributável consolidado, do aumento das amortizações do exercício decorrentes da reavaliação do activo imobilizado, no valor de Esc. 5.808.045.844$00.

4.ª - A douta decisão sob recurso considerou que as despesas indicadas na al. a) da conclusão anterior foram realizadas no âmbito da actividade da empresa (ponto 24 do probatório, a fls. 9).

5.ª - Mas acolhe integralmente a tese da AT, segundo a qual não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, 20% dessas despesas por entender que os encargos com portagens e estacionamentos são, nos termos do disposto no art.41º,n.º4 do CIRC (na redacção em vigor à data dos factos), assimiláveis a "encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros".

6.ª - Concluiu o Tribunal recorrido que a expressão "designadamente" constante daquela norma permite incluir na respectiva previsão - a par de encargos com reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível - as despesas com portagens e estacionamento.

7.ª - A Recorrente discorda, em absoluto, daquele entendimento porque as referidas despesas estão objectivamente relacionadas com a actividade da empresa, conforme, aliás, se reconhece no probatório.

8.ª - Acresce que a natureza dessas despesas não é, em caso algum, assimilável aos encargos elencados no n.º4 do art.41º do CIRC, na redacção ao tempo em vigor, nem a expressão "designadamente" constante da norma em referência, permite alargar o respectivo âmbito às despesas controvertidas.

9.ª- Aquela expressão há-de permitir apenas a consideração de encargos de natureza semelhante aos ali indicados: por exemplo, "peças", "acessórios", etc., adquiridos para reparação ou manutenção da viatura.

10.ª- A previsão constante do nº4 do art.41º do CIRC compreende apenas encargos directa e subjectivamente relacionados com as viaturas ligeiras de passageiros.

11.ª- Diversamente, as despesas com portagens e estacionamentos constituem encargos inerentes à actividade empresarial, sendo, para esse efeito, indiferente a qualificação da viatura utilizada (moto, motociclo, viatura ligeira de passageiros, mista, etc.).

12.ª - A interpretação feita pela AT, mantida pelo Tribunal recorrido, conduziria ao absurdo de se aceitar, sem qualquer limitação de 20%, tais encargos, sempre que os mesmos fossem realizados por intermédio de qualquer outro meio de locomoção terrestre, nomeadamente, moto, motociclo ou viatura mista.

13.ª - As despesas em apreço, referentes a portagens e estacionamentos, podem, pois, ser integralmente deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável, sem o invocado limite de 20%, pois inexiste nelas qualquer nexo de ligação à viatura utilizada.

14.ª - Em consequência, é ilegal a correcção operada pela AT, mantida na douta decisão sob recurso, por violação a contrario do disposto no art.41º, n.º4 do CIRC.

15.ª - Quanto à correcção indicada na al. b) da conclusão 3.ª, o Tribunal recorrido considerou dever manter-se o acréscimo de 40% do aumento de reintegrações resultante da reavaliação efectuada em 1996.

16.ª - Se bem entendemos, a decisão em apreço baseia-se na inexistência de diferenças entre o regime consagrado no DL 414/87, de 31 de Dezembro e o previsto no art 16.º do DL 442-B/88, de 30/11, por um lado, e o que resulta dos arts.59.º e ss. do CIRC, por outro lado (a fls. 21) pois, como refere expressamente, existe uma "... obrigação de continuidade relacionada com o regime de reintegrações e amortizações" (a fls.21).

17.ª - Indica o Tribunal recorrido (a fls. 21/22) que no Decreto-Lei 414/87 os grupos de sociedades constituídos por domínio total devem ser tratados como uma unidade económica para efeitos de tributação nos impostos sobre o rendimento, o que não se alterou com o disposto no art.º16º do Decreto-Lei n.º442-8/88 pois, como refere: "O próprio art.16º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11 vem consagrar, para efeitos de IRC, a continuação da validade da autorização concedida na vigência dos Códigos da Contribuição Industrial, Imposto Complementar, do Imposto de Capitais e do Imposto de Mais-valias".

18.ª - A douta sentença reproduz, no essencial, o Relatório emitido pelos Serviços de Inspecção Tributária, daí resultando que, independentemente das operações subjacentes serem determinantes de solução oposta, o Tribunal a quo mantenha esta correcção.

19.ª - Considerando que se mantinha "... a filosofia anterior" e dado que "... nenhuma das empresas do grupo foi tributada pelos 40% de reavaliação..." o Tribunal a quo considerou que "... a impugnante deveria ter acrescido na linha 20 do Q. 17 da Declaração Mod. 22, os 40% do aumento de reintegrações resultante da reavaliação efectuada em 1996".

20.ª - Importa recordar os factos relevantes:

a). A ora Recorrente, anteriormente denominada "C..., SA", foi objecto de privatização;

b). Na Lei Quadro das Privatizações (n.º1 do artigo 5.º da Lei n.º11/90, de 5 de Abril) estabelecia-se que o processo de reprivatização de bens nacionalizados "será sempre precedido de uma avaliação" (sublinhado nosso);

c). Para sustentar os valores de avaliação, foi requerida ao Ministro das Finanças, em 27.09.1996, a faculdade de reavaliar o imobilizado corpóreo utilizado na actividade operacional da mesma, ao abrigo do disposto nos Decretos-Lei nºs 22/92, de 14/02 e 264/92, de 24/11;

d). Em conformidade com o respectivo despacho ministerial, a Recorrente efectuou, nos seus registos contabilísticos, a reavaliação autorizada, que resultou num acréscimo dos activos imobilizados corpóreos líquidos, sendo criada a respectiva reserva de reavaliação sem qualquer reflexo nos resultados relativos ao exercício de 1996;

e). Em 31.12.1996, e na sequência de um processo de reorganização aprovado em assembleia-geral pelos accionistas, na qual participava o Estado Português enquanto accionista maioritário, a ora Recorrente foi transformada em sociedade gestora de participações sociais (SGPS), isto é, holding pura;

f). Em virtude dessa transformação, a Recorrente foi obrigada a alienar à sociedade "C..., SA", nessa data de 31.12.1996, todos os seus activos fixos já reavaliados;

g). A "C..., SA" registou o imobilizado corpóreo, assim adquirido, pelo valor líquido contabilístico dos bens que esteve na base da aquisição;

h). A reavaliação operada foi realizada ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º22/92, de 14/02, o qual impedia que fossem fiscalmente dedutíveis como custo do exercício 40% do acréscimo das reintegrações anuais que resultassem das reavaliações efectuadas;

i). A transformação da impugnante em SGPS implicou, conforme referido, que os bens reavaliados fossem transmitidos à C..., S.A., sociedade integrada no grupo e, por isso, sujeita, tal como a Recorrente ao regime de tributação pelo lucro consolidado.

21.ª - A decisão sob recurso não ponderou a alteração das circunstâncias ocorridas no âmbito da sociedade impugnante: que, por força da sua transformação em SGPS, os activos reavaliados deixaram de integrar o seu património, sendo, por isso, absolutamente inviável contabilizar as respectivas amortizações.

22.ª- De igual modo não ponderou que tais activos também não podiam ser objecto do acréscimo de 40% na sociedade para a qual foram transmitidos - a C..., S.A. - porque esta os adquirira em estado de uso e, por essa razão, nesta empresa nunca poderiam ser bens reavaliados.

23.ª - O regime de tributação pelo lucro consolidado previsto no CIRC não impõe a manutenção do estatuto fiscal dos bens, diversamente do que parece entender-se na douta decisão em apreço.

24.ª - Resultou demonstrada nos autos a legalidade do procedimento adoptado pela empresa no que se refere à correcção ora em apreço.

25.ª - Com efeito, o depoimento da 1ª testemunha inquirida na audiência de 02.04.2008 (cassete nº1, lado A, 0001 a 0512), que era consultor e auditor de gestão ao tempo dos factos sub judice - sendo, além do mais, profissional sem qualquer dependência funcional relativamente à Recorrente - não consente dúvidas sobre a correcta actuação da Impugnante, ora Recorrente.

26.ª - Como referiu, quer a C... holding, quer a C... Indústria, não estavam sujeitas ao regime de bens reavaliados porquanto: a primeira não tinha activos (já os transmitira) e, logo, não haveria que adicionar os 40%; a segunda, adquiriu esses activos em estado de uso e, por isso, nunca poderia estar submetida ao regime da reavaliação.

27.ª- O regime da tributação dos grupos de sociedades, foi introduzido em Portugal pelo Decreto-Lei nº414/87, de 31/12.

28.ª - Originariamente, o artigo 6.º do referido Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, dispunha, relativamente às transacções intragrupo de elementos do activo imobilizado, o seguinte: "1 - Os ganhos realizados através da transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado ou de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição operada entre sociedades abrangidas pelo artigo 1º [sociedades pertencentes ao grupo sujeito à tributação pelo lucro consolidado], durante o período em que se aplique a tributação pelo lucro consolidado, ficam isentos do imposto de mais-valias. 2 - Quando se verifique o disposto no número anterior: a) as reintegrações e amortizações dos elementos ou valores transmitidos são calculadas como se não tivesse havido transmissão entre sociedades do grupo; b) As mais-valias ou menos-valias correspondentes aos mesmos elementos, quando se verifique a sua posterior transmissão e haja lugar a imposto, são calculadas como se não tivesse havido transmissão entre as sociedades do grupo".

29.ª- Porém, em 01.01.1989, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 442-B/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do IRC, operou-se a revogação do citado Decreto-Lei nº 414/87, de 31/12, passando o nº1 do artigo 59º do Código do IRC a prever, simplesmente, que o lucro tributável em IRC do grupo de sociedades seria "calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo mediante a consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados das sociedades que o integram".

30.ª- Apesar de naqueles dois regimes se encontrar implicitamente consagrado o princípio da neutralidade, as diferenças entre o regime consagrado pelo revogado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12 e a disciplina prescrita pelo nº1 do artigo 59º do Código do IRC, são bastante significativas, como se procurará demonstrar.

31.ª- Para o efeito, importa assinalar a acentuada semelhança entre o transcrito art.6.º do referido Decreto-Lei nº 414/87, de 31/12 e o regime especial aplicável às fusões, cisões e entradas de activos, previsto no actual artigo 74.º do Código do IRC, mais precisamente, nas seguintes disposições: "1 - (...) não é considerado qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência dessas operações; 4- Na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária deve ter-se em conta o seguinte: c)O apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido fusão, cisão ou entrada de activos; d) As depreciações ou amortizações sobre os elementos do activo fixo tangível, do activo fixo intangível e das propriedades de investimento contabilizadas ao custo histórico transferidos são efectuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido nas sociedades fundidas, cindidas ou na sociedade contribuidora;"

32.ª - Na verdade, o princípio da neutralidade consagrado no regime da referida alínea a) do n.º2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12 era, à semelhança das soluções previstas no âmbito das operações de fusão, cisão e entradas de activos, essencialmente, assegurado por métodos, critérios e prescrições tradicionalmente assentes no pressuposto da continuidade da actividade.

33.ª - Em ambos os preceitos se exige, designadamente, que os bens transaccionados no âmbito de operações sujeitas ao regime da neutralidade fiscal sejam amortizados e reintegrados nos exactos termos e condições e com as eventuais limitações inerentes à entidade transmitente, ou seja, como se efectivamente não tivessem sido transmitidos.

34.ª - Na amortização e reintegração desses bens para efeitos fiscais deve-se, por isso, levar em linha de conta o respectivo valor líquido contabilístico (princípio da neutralidade) e, bem assim, continuar a aplicar o exacto e preciso regime que vinha sendo seguido nestas sociedades (característico do princípio da continuidade).

35.ª- Pelo contrário, a disciplina prevista no artigo 59º do Código do IRC já não pressupõe a aplicação do princípio da continuidade, ou seja, não implica a manutenção do estatuto fiscal dos bens.

36.ª- Compreende-se que assim seja, posto que a lógica do grupo é diversa da que subjaz às operações de fusão ou cisão: nestas, existe uma continuidade no desenvolvimento de uma actividade económica, isto é, a ideia de empresa ou de ramo (autónomo) de actividade (enquanto unidade económica autónoma, nos termos do n.º4 do artigo 74º do Código do IRC), "como uma realidade dinâmica em continuidade" (d. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 30.11.2004, proferido no processo 07375/02, disponível em www.dgsi.pt).

37.ª - De facto, nas operações de fusão ou de cisão, a sociedade nova ou beneficiária irá continuar a exercer a actividade transmitida. Assim, "... o Código do IRC consagra o regime da neutralidade fiscal (nº1 do artigo 68.º [actual artigo 74.- do Código]) porque está implícita a continuidade do exercício da actividade pela sociedade beneficiária/nova, que decorre dos direitos e obrigações das sociedades fundidas" (cf. Maria Isabel Pinhel da Cunha, in Regime Fiscal das Fusões de Sociedades, Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, nº 31, Out. Dez. 2005) (sublinhados nossos).

38.ª - Por conseguinte, nestes casos, a aplicação do regime da neutralidade "pressupõe a existência de uma continuidade por parte das empresas envolvidas" (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01.02.2005, proferido no processo 00025/04, disponível em www.dgsi.pt).

39.ª - Esta continuidade económica é totalmente alheia à simples transmissão de activos do imobilizado, ainda que a mesma ocorra intragrupo. Neste sentido notou o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Acórdão datado de 01.02.2005, proferido no citado processo 00025/04, que "[o regime da neutralidade] justifica-se (...) pela existência de um interesse económico na realização da operação, pressupondo que as partes envolvidas têm uma estratégia empresarial de continuidade. Se (...) a estratégia, na perspectiva da sociedade que realiza a operação, não é uma estratégia (...) de continuidade, mas sim de alienação, (...) não faz sentido aplicar-se à operação o regime especial de neutralidade [no pressuposto da continuidade económica da actividade]" (sublinhado nosso).

40.ª - Na verdade, tratando-se de operações intragrupo, as transmissões de bens podem assumir os mais variados fins económicos, não cabendo ao legislador optar por um deles, ou impor ou subentender, ao abrigo de um princípio de neutralidade supostamente assente numa ideia de continuidade - no caso, errada - uma utilização específica dos mesmos.

41.ª - A percepção daquelas diferenças terá constituído o motivo que levou o legislador a alterar o regime - de neutralidade fiscal assente ou justificada pela continuidade - anteriormente aplicável às operações realizadas intragrupo, nos termos previstos no revogado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, e a consagrar, ao invés, um regime de neutralidade justificado e assegurado pelo referido método de consolidação de balanços e demonstrações de resultados.

42.ª - Nem seria razoável que o legislador tivesse pretendido vincular, ab initio, a sociedade adquirente dos activos a uma determinada utilização económica dos bens, consumada por via da manutenção obrigatória do regime fiscal que antes lhes era aplicável.

43.ª - De resto, tal interpretação, a concretizar-se - o que só por mera hipótese académica se admite -, contrariaria os mais elementares princípios da liberdade de iniciativa económica plasmados na Constituição da República Portuguesa, em particular no seu artigo 61º, o qual, sob a epígrafe de «Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária», consagra "o direito de iniciar uma actividade económica, (...) [bem como o direito] de organização de certos meios de produção para um determinado fim económico" (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo l, Coimbra Editora, p. 620).

44.ª - Efectivamente, no âmbito de um grupo de empresas, não é forçoso que a sociedade adquirente venha a dar o mesmo destino ao bem adquirido que lhe era dado pela sociedade alienante, o que não sucede nas situações abrangidas pelo regime especial actualmente previsto no artigo 74.º do Código do IRC.

45.ª - O que significa que um imóvel adquirido para revenda por uma sociedade pertencente ao grupo, não terá, na sequência de uma transmissão intragrupo, que manter esse estatuto (de existência), podendo, portanto, vir a figurar no imobilizado corpóreo da sociedade adquirente, pertencente ao mesmo grupo, com tudo o que isso implica em termos de amortizações.

46.ª - Para além disso, sendo inaplicável o princípio da continuidade, a transmissão intragrupo de um imóvel adquirido para revenda por uma sociedade do grupo implicará, automaticamente, a perda do estatuto fiscal de "aquisição para revenda" com que entrou para o grupo, com a inerente perda dos benefícios fiscais associados a essa natureza.

47.ª- Assim, no caso das transmissões intragrupo de bens do activo imobilizado, o regime de neutralidade, previsto no artigo 59.º do Código do IRC, encontra a sua justificação na inclusão das partes envolvidas nessa operação num grupo sujeito à consolidação de balanços e de demonstrações de resultados e não, portanto, na existência de um pressuposto de continuidade económica da actividade da empresa que, como a Recorrente supõe ter demonstrado, é totalmente inadequado neste tipo de transmissões.

48.ª- A eliminação dos resultados no âmbito de operações intragrupo, operada através da consolidação de balanços e de demonstrações de resultados, constitui garantia suficiente da plena e correcta aplicação do princípio da neutralidade às operações intragrupo, dispensando a convocação do erróneo pressuposto da continuidade.

49.ª - Em face do exposto, conclui-se que - contrariamente ao que se verifica no regime especial previsto no actual artigo 74.º do Código do IRC e que se verificava no anterior regime consagrado no Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12 -, a transmissão intragrupo dos bens do imobilizado corpóreo não implica a manutenção do estatuto fiscal desses mesmos bens, uma vez que essa transmissão é alheia à ratio fundamental do princípio da continuidade.

50.ª - Por paridade de razões, os bens reavaliados por uma das empresas do grupo perdem esse seu estatuto - de bens reavaliados -, com a consequente extinção das limitações que lhe estão associadas - v.g. a dos 40% em apreço -, a partir do momento em que sejam adquiridos por outra empresa do grupo, limitando-se o regime de neutralidade em apreço a impor que no apuramento do lucro tributável do grupo as amortizações sejam determinadas de acordo com o valor pelo qual esses bens se encontravam registados na esfera da sociedade transmitente, ou seja, pelo valor resultante da reavaliação efectuada, e não pelo valor pelo qual esses bens foram adquiridos no âmbito da transmissão intragrupo.

51.ª - O Tribunal a quo considerou ser devido o acréscimo de 40% no âmbito da sociedade ora Recorrente porquanto entende não haver qualquer diferença entre os regimes de tributação pelo lucro consolidado sucessivamente aplicáveis nos termos dos diplomas supracitados, mantendo-se, como refere na sua douta decisão, "a filosofia anterior".

52.ª - Esta decisão assenta no pressuposto de que o regime previsto no Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, se manteve no regime de tributação pelo lucro consolidado constante do CIRC pois, como afirma o Tribunal a quo, "O próprio art.16º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11 vem consagrar, para efeitos de IRC, a continuação da validade da autorização concedida na vigência dos Códigos da Contribuição Industrial, Imposto Complementar, do Imposto de Capitais e do Imposto de Mais-valias".

53.ª - E, assim, há-de concluir-se que o Tribunal recorrido entende ser de aplicar o regime previsto no Dec. Lei n.º414/87, de 31/12, a todas as situações de determinação da matéria colectável, quer as constituídas ao abrigo desse diploma, quer as novas, ocorridas já no âmbito do regime previsto no CIRC.

54.ª - O entendimento assim proposto na sentença recorrida inquina-a de erro de julgamento, na medida em que a disposição transitória constante do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30 de Novembro, não determinava a aplicabilidade do regime do artigo 6.º do DL n.º 414/87, de 31/12 a todas as situações de determinação da matéria colectável mas, apenas, impunha a sua aplicação nas situações abrangidas no n.º1 do mesmo preceito do diploma preambular do CIRC, isto é, aos grupos de sociedades que se encontrassem a beneficiar de uma autorização para tributação pelo lucro consolidado emitida ao abrigo do regime previsto no artigo n.º1 do Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, pelo período restante por que tivesse sido concedida.

55.ª- Como é sabido, o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11, constitui uma disposição transitória.

56.ª - Ora, as disposições transitórias destinam-se a regular circunstâncias que, em face de uma nova regulamentação jurídica, exigem disciplina diferente, salvaguardando, desse modo, por razões de justiça e de segurança jurídica, as legítimas expectativas dos sujeitos a quem a nova regulamentação será abstractamente aplicável.

57.ª - As disposições transitórias consubstanciam, assim, por natureza, normas que estabelecem regime de excepção aplicável a certos casos.

58.ª - Foi precisamente essa a intenção do legislador ao estabelecer, no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11, epigrafado de "Tributação pelo lucro consolidado", que: "1. A autorização para a tributação pelo lucro consolidado nos termos do artigo 1.ºdo Decreto-Lei n.º414/87, de 31 de Dezembro, é válida para efeitos de IRC, pelo período restante por que tenha sido concedida e nos termos e condições em que o tenha sido. 2. Para efeitos de determinação da matéria colectável em IRC é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º414/87, de 31 de Dezembro".

59.ª- Com efeito, impunha-se estabelecer um regime transitório aplicável aos grupos de sociedades anteriormente abrangidos pelo então revogado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12.

60.ª - A introdução, em concreto, do n.º1 do referido artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11, encontra a sua justificação na significativa diferença existente entre o anterior e o novo regime no tocante aos requisitos e às condições a observar na composição dos grupos e, consequentemente, na necessidade de garantir que a entrada em vigor de um novo regime com requisitos mais exigentes não seria aplicável aos grupos já constituídos ao abrigo de um regime mais flexível, como era o previsto no Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12.

61.ª - Efectivamente, a possibilidade de tributação pelo lucro consolidado nos termos do regime anterior não impunha a inclusão no perímetro do grupo de todas as sociedades que satisfizessem os requisitos exigidos. Já de acordo com o previsto no artigo 59.º do Código do IRC, a inclusão de todas essas sociedades constituía uma das condições de aplicação do novo regime.

62.ª - Por outras palavras "... à luz do disposto no Decreto-Lei n.º414/87 concedia-se uma ampla liberdade no tocante à composição do grupo, podendo nele ser incorporadas apenas as sociedades que, segundo uma escolha criteriosa possibilitassem a obtenção de uma carga fiscal óptima, deixando de fora outras sociedades que a estratégia fiscal do conjunto não interessasse integrar" (MARIA DOS PRAZERES LOUSA in O regime de tributação pelo lucro consolidado, Ciência e Técnica Fiscal, n.º355, Jul-Set 1989, p. 63) (sublinhado nosso).

63.ª - O Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, para além de não impor condições exigentes quanto à composição do grupo, também não estabelecia quaisquer limitações quanto à respectiva reorganização, nem sequer de ordem temporal: "A composição do grupo poderia ser alterada em qualquer exercício cuja situação fiscal não satisfizesse os objectivos prosseguidos" (cf. MARIA DOS PRAZERES LOUSA, obra cit., p. 63).

64.ª - Confirma-se, deste modo, que, com o n.º1 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11, o legislador pretendeu, somente, assegurar que os grupos de sociedades para os quais tivesse sido emitida uma autorização de tributação pelo lucro consolidado, ao abrigo do disposto no artigo 1.º do Decreto-lei n.º414/87, de 31/12, pudessem continuar a ser tributados no âmbito desse regime após a entrada em vigor do Código do IRC, ainda que não reunissem todas as condições e não preenchessem todos os requisitos enunciados no artigo 59.º do Código do IRC para a composição dos grupos constituídos a partir de 1 de Janeiro de 1989.

65.ª - Por outro lado, o n.º1 daquele artigo 16.º apenas se refere à validade da autorização já emitida ao abrigo da legislação anterior.

66.ª- Por conseguinte, da singela aplicação do referido preceito não resulta -como erradamente entendeu o Tribunal a quo - que ao grupo anteriormente constituído fossem igualmente aplicadas as regras de determinação do lucro tributável previstas no Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12.

67.ª - Na verdade, da garantia conferida pela disposição em apreço quanto à subsistência do regime de tributação do grupo, nos termos e nas condições autorizadas (concedidas), não se extrai - por impossibilidade - qualquer solução relativa aos aspectos do regime que não fossem susceptíveis de se encontrar compreendidos nessa "autorização" ou "concessão".

68.ª - Refere-se a Recorrente, concretamente, aos taxativamente determinados no artigo 6.º, n.º2, do citado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, os quais, por resultarem de lei, não se podem considerar compreendidos na "autorização" ou "concessão", prevista no vertente n.º1 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11.

69.ª - Foi esse, pois, o motivo que levou o legislador a acrescentar o n.º2 ao referido artigo 16.º do Decreto-Lei que aprovou o Código do IRC: pretendendo o legislador assegurar que aos grupos já constituídos ao abrigo do regime anterior fossem também aplicadas as regras nele previstas para efeitos do apuramento do lucro tributável do grupo, impunha-se-lhe, na ausência de disposição expressa nesse sentido e perante a manifesta insuficiência, para o efeito, do n.º1 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11, criar uma norma transitória com esse conteúdo, como veio a fazer com o subsequente n.º2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11.

70.ª - Concretamente, o legislador determinou que, relativamente aos grupos para os quais fora emitida autorização de tributação ao abrigo do regime anterior, se continuaria a aplicar "Para efeitos de determinação da matéria colectável em IRC (...) o disposto no n.º2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º414/87, de 31 de Dezembro".

71.ª - Acresce que o efeito útil que se assaca ao n.º2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11, como sendo o de tornar extensível a aplicação do artigo 6.º, n.º1, do citado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, ao regime de tributação pelo lucro consolidado, previsto no CIRC, é, no entender da Recorrente, invalidado, essencialmente, por três razões:

72.ª - em primeiro lugar, pelo que se disse quanto à natureza (transitória) e ao único propósito subjacente ao n.º2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11, qual seja o de acautelar, para os referidos casos, a estrita aplicação do disposto no n.º2 do Decreto-Lei n.º414/87, de 31 de Dezembro, uma vez que o cumprimento deste não era, nesses exactos termos, como se viu, assegurado pelo disposto no n.º1 do artigo 59.º do Código do IRC;

73.ª - em segundo lugar, porque a aplicação do disposto na alínea a) do n.º2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, pressupunha uma ideia de continuidade que, pela sua desconformidade com a razão económica das operações intragrupo, se entendeu eliminar na concepção do novo regime consagrado no Código do IRC;

74.ª - por último, pela simples mas decisiva circunstância de se ter que admitir que se a intenção do legislador fosse a de configurar o regime de tributação pelo lucro consolidado previsto no artigo 59.º do Código do IRC, como um regime consumptivo do princípio da continuidade, tê-lo-ia construído mediante reprodução expressa da redacção do n.º2 do artigo 6.ºdo Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, no corpo do artigo 59.º do Código do IRC, como é de meridiana clareza.

75.ª - Por outro lado, importa não perder de vista que o regime previsto no supracitado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, foi criado na vigência dos impostos cedulares, constituídos - no que à tributação das empresas dizia respeito -, nomeadamente, pelos seguintes impostos: Contribuição Industrial; Imposto Complementar Secção B; Imposto de Capitais; e Imposto de Mais-Valias.

76.ª - Conforme decorre do respectivo Preâmbulo, o referido DL n.º414/87, de 31/12, procurou responder à necessidade de enquadramento jurídico-fiscal das sociedades coligadas - nelas incluídas os grupos em que se verifica o domínio total de uma sociedade sobre outra ou outras - que constituíam realidades empresariais pela primeira vez objecto de regulamentação no nosso País, através da publicação do Código das Sociedades Comerciais de 1986.

77.ª - Sucede que o regime de tributação criado pelo diploma em análise pressupunha a respectiva aplicação por um período de três exercícios (art.1.º, n.º4), daí resultando que para as sociedades que o tivessem requerido logo em 1988, o regime vigoraria, pelo menos até ao exercício de 1990, inclusive.

78.ª - Em 1988 ocorreu a Reforma Fiscal que criou os impostos únicos sobre o rendimento (IRS e IRC) e aboliu a tributação cedular resultante da reforma dos anos 60.

79.ª - As sociedades passaram, assim, a estar sujeitas, a partir de 1 de Janeiro de 1989 (cf. art.º2 do Decreto-Lei n.º442-B/88, de 30/11), a um único imposto sobre o rendimento, o IRC, e a uma nova regulamentação, o CIRC, o qual, no que respeita aos grupos de sociedades, previa um regime de tributação específico, pelo lucro consolidado, assente, ao tempo, nos já mencionados arts. 59.º e ss..

80.ª - Havia, no entanto, que salvaguardar as relações jurídico-tributárias constituídas no âmbito do regime fiscal criado pelo DL n.º414/87, de 31/12, as quais, conforme referido supra, se prolongaram no tempo, pelo menos, até ao exercício de 1990.

81.ª - Daí a criação da norma transitória prevista no art.16.º do Decreto-Lei n.º442-B/88, que aprovou o CIRC.

82.ª - Estão evidenciadas razões suficientes para entender que a finalidade da inclusão de tal norma no diploma preambular não foi a de regular as situações futuramente constituídas ao abrigo do regime previsto no artigo 59.º do Código do IRC -o que, salvo o devido respeito, constitui um manifesto absurdo - mas, pelo contrário, a de estabelecer um regime transitório aplicável às situações constituídas ao abrigo do revogado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12.

83.ª- Não tendo decidido neste sentido, a sentença ora recorrida laborou em erro de julgamento, impondo-se a sua revogação.

84.ª- Por conseguinte, atentos os fundamentos acima expostos, a correcção sob análise é ilegal, na medida em que se baseia no errado pressuposto de que os artigos 59.º e seguintes do Código do IRC, na redacção em vigor em 1996, consagram um regime de neutralidade fiscal assente no princípio da continuidade.

85.ª- Quando, diversamente, aquele princípio encontra, ao abrigo do novo regime, a sua justificação no método da consolidação de balanços e de demonstrações de resultados, cuja aplicação não implica, como se viu, a manutenção de todas as vicissitudes dos bens adquiridos intragrupo, mas tão somente a recuperação do valor contabilístico pelo qual esses bens se encontravam registados na esfera da alienante.

86.ª- O acto de liquidação objecto dos autos é, portanto, ilegal, na parte em que traduz essa correcção, devendo ser anulado.

87.ª - Consequentemente, a sentença recorrida, porque decidindo em sentido contrário - assente no errado pressuposto de que a alínea a) do n.º2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, se aplica às transmissões do activo imobilizado ocorridas no âmbito do regime de tributação previsto no artigo 59.º do Código do IRC -, viola também, ela própria, o disposto no nº1 do artigo 59.º do Código do IRC, pelo que deve ser revogada, com as legais consequências.

88.ª- Por último deve dizer-se o seguinte: o IRC do exercício de 1998, que foi objecto da correcção ora em apreço, igualmente impugnada (Impugnação Judicial n.º29/03 que correu termos na 3.ªUnidade Orgânica, Juízo Liquidatário do Tribunal Tributário de Lisboa), mereceu decisão totalmente favorável, proferida em 8 de Julho de 2009 e transitada em julgado em 24 de Julho do mesmo ano.

89.ª - Cumpre registar, pela sua clareza e solidez de fundamentação, os termos da decisão expendida pela Meritíssima Juiz, que se transcreve na parte essencial: " ... com a entrada em vigor do Decreto-Lei 442-B/88, de 30/11, que aprovou o CIRC, substituiu-se o regime constante do citado Decreto-Lei n.º414/87, de 31 de Dezembro, pelo regime de tributação pelo lucro consolidado, previsto nos arts.59.º e ss. do CIRC (...) Apesar de ter regulado o regime de tributação pelo lucro consolidado nos artigos 59.º e seguintes do CIRC (o legislador) pretendeu, através do citado artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/11, estabelecer um regime transitório aplicável aos grupos de sociedades anteriormente abrangidos pelo revogado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12. (...) Dessa norma, na medida em que assume um carácter excepcional relativamente ao regime em vigor (o estabelecido nos artigos 59.º e ss do CIRC), extrai-se, a contrario sensu, que, ao abrigo dos artigos 59.º e ss. do CIRC, as reintegrações e amortizações dos elementos ou valores transmitidos intra grupo são calculadas de modo diverso do previsto na alínea a) do n.º2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º414/87, de 31 de Dezembro (...) se assim não fosse, escusaria o legislador de estabelecer, para os grupos de sociedades anteriormente abrangidos pelo revogado Decreto-Lei n.º414/87, de 31/12, uma regra que já decorreria do regime aplicável (o do artigo 59.º e ss. do CIRC) (sublinhados nossos).

90.ª- E, depois de analisar o regime de tributação previsto no art.º59.º e ss. do CIRC, cotejado com a disciplina aplicável às fusões e cisões de sociedades, nomeadamente o princípio da neutralidade versus princípio da continuidade, concluiu a Meritíssima Juiz que "... a rectificação dos 40% não tinha que ser feita no âmbito consolidado porque a empresa de onde os bens eram provenientes, no final do ano, já não tem bens, ou seja, já não está sujeita àquela rectificação. Por seu turno, a sociedade para onde os bens foram transferidos também não tem qualquer rectificação porquanto os bens foram adquiridos em estado de uso, ou seja, nesta empresa não são bens reavaliados..."

91.ª - Em face dessa sua fundada interpretação das normas aplicáveis, a Meritíssima Juiz determinou que "... não é aplicável o acréscimo, para efeitos fiscais, ao lucro tributável consolidado em 31 de Dezembro de 1998, de 40% do aumento das reintegrações resultantes das reavaliações efectuadas... ".

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, que se solicita, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, com as demais consequências legais, como é de JUSTIÇA!».

Quanto ao Recurso da Fazenda Pública

«A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por C... - ..., SGPS, SA, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (doravante "IRC") respeitante ao exercício do ano de 1996.

B) O âmbito do recurso que ora se apresenta encontrasse limitado unicamente as questões em que a posição da Administração Tributária decaiu.

C) Prende-se, portanto, com a não concordância por parte da AT da decisão tomada pelo Tribunal a quo sobre as correcções efectuadas referentes as questões enumeradas na sentença identificadas como i) Provisão para créditos de Clientes em Mora no valor de ESC. 3.897.601$40, ii) Provisão para créditos cobrança duvidosa no valor de Esc. 40.223. 085$00 e iv) Não consideração como custos do exercício do montante das despesas com reembolso de encargos respeitantes à utilização de viaturas da G..., SA, no valor de Esc. 2.118. 801 $00.

D) Assim no que a primeira questão analisada (i) Provisão para créditos de Clientes em Mora no valor de ESC.3.897.601$40 considerou o tribunal a quo que " A exigência de juros mora representa um direito consagrado no art°804° do Código Civil que é concedido ao credor de ser ressarcido dos prejuízos causados pelo não recebimento da importância que estava acordada, em resultado de uma transacção realizada no âmbito da sua actividade normal.

Decorre do exercício normal da actividade também, a obtenção dos meios monetários correspondentes aos bens e serviços entregues a um dado cliente, assim o registo na contabilidade do novo credito como um ativo, por contrapartida da consideração do proveito correspondentes aos juros de mora por débitos já vencidos, são uma consequência necessária da prossecução das operações principais.

O novo ativo assim relevado não deixa de estar sujeito ao risco de incobrabilidade, pelo que, quando este se toma evidente, em obediência ao princípio contabilístico da prudência, haverá que procederão reconhecimento da previsível perda.

A mora não deixa de estar conexionada com a obrigação principal, ela é uma consequência directa dos direitos do credor que nasceram com uma transmissão de bens e/ou prestação de serviços, cfr. Acórdão do STA de 18/10/2006, proc. N°0668/06, in www.dgsi.pt."

E) E assim sendo conclui que "...que os juros de mora encontrando-se correlacionados com a actividade normal da empresa, podem ser objecto de provisão." pelo que determinou a procedência da acção no que a esta questão especifica diz respeito.

F) Ora tal entendimento não pode esta representação da fazenda publica aceitar, porquanto:

G) Entende a Administração Fiscal que sobre estes débitos não pode ser constituída a provisão porque os mesmos não constituem actividade normal da empresa.

H) Considera a AT que a provisão constituída pela empresa nestes termos não está de acordo com o art.33° n°1 a) do CIRC, pois não podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que não tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal da empresa.

l) Isto porque no conceito de "créditos resultantes da actividade normal" devem considerar-se abrangidos somente os créditos sobre clientes resultantes das transacções de bens e serviços relacionados com a actividade produtiva da empresa.

J) Assim os juros, os encargos e outras operações de carácter financeiro não entram no conceito de "créditos resultantes da actividade normal" da sociedade impugnante.

K) E sendo que o conceito de actividade normal da empresa só pode ser interpretado como referindo-se à actividade a que a empresa se dedica e que foi definida no contrato de sociedade, aqui pugna mós por decisão que se conforme com a legalidade da correcção efectuada e assim sendo determine a alteração da decisão do tribunal a quo dado que essa se encontra inquinada de vício de apreciação de lei.

L) De igual forma não nos pudemos conformar com a decisão do Tribunal a quo tomada em referência a correcção efectuada sobre a ii) Provisão para créditos cobrança duvidosa no valor de Esc. 40.223.085$00

M) A este propósito considerou o decisor, no que a prova necessária das diligências efectuadas para cobrança dos créditos provisionados, que "...como resulta dos autos (pontos 10,11 e 12 do probatório) sempre que o cliente entrava em incumprimento, decorrente do não pagamento da factura, normalmente com o prazo pagamento a 30 dias, a empresa/impugnante encetava as diligências por contacto directo com o cliente, depois se tal contacto não surtisse efeito seriam efectuadas diligências por escrito, e se mesmo assim tal não resultasse, as facturas eram remetidas para o departamento de contencioso da empresa/ impugnante. Sendo esta a prática da empresa, relativamente às diligências efectuadas, e verificadas também no que respeita às provisões constituídas, ora em causa, não se pode afirmar que a impugnante não tenha realizado diligências tendentes ao recebimento destes créditos.".

N) Considerando também, a respeito da data de início da mora das dívidas para as quais existia a emissão de Letras, que "A mora reporta-se ao cumprimento do prazo de pagamento estipulado na factura, não ao incumprimento do prazo de pagamento constante do título de crédito (Letra).".

O) Desde já aqui diremos, no que a primeira questão importa, que é nossa convicção que a prova testemunhal não se coaduna com a exigência legal de comprovação na contabilidade da existência de diligências tendentes a cobrança dos créditos em mora.

P) E isto porque, pese embora o enorme respeito pelas decisões anteriores dos tribunais superiores, é nosso entendimento que a prova dessas diligenceia tem que se efectuar e reportar à data da inclusão dos montantes na provisão contabilisticamente realizada.

Q) E que assim sendo, a prova por declaração ou testemunho se resumiria a afirmação por parte dos contribuintes de que haviam efectuado diligencias tendentes a cobrança dos créditos, o que, em nossa opinião, e face aos princípios contabilísticos, não se afigura como logrando o sentido literal da norma quando esta refere a necessidade de existirem, naquele momento e não de serem efectuadas a posteriori, provas de terem sido efectuadas todas as diligencias para lograr o recebimento dos créditos em mora

R) Ademais, mesmo que assim não se considere, sempre teremos que admitir que a prova realizada em sede da presente impugnação não é passível de demonstrar que para a totalidade dos créditos objecto da provisão foram efectuados os mencionados contactos directos.

S) Ora, a lei obriga a que existam provas de que, para cada um dos créditos provisionados, foram efectuadas diligências tendentes a sua cobrança.

T) Razão pela qual, o simples relato de qual seria o procedimento tipo da impugnante não logra, em nossa opinião, o desiderato necessário de provar a realização de diligências tomadas no sentido de cobrar cada um dos créditos objecto da provisão aqui em análise.

U) E mais, em nossa opinião consideramos que não deveria ter sido considerada provada a realização de tais diligencias porquanto, a crer que era efectivo o procedimento relatado em sede de inquirição, e atento a diferença temporal entre a data dos factos e a realização da diligencia, normal seria que, para os créditos objecto da provisão e não pagos apôs o alegado contacto directo, a impugnante tivesse apresentado aos serviços de inspecção tributaria prova documental das diligencias escritas e ate que nelas existisse referencia a esse contacto inicial directo.

V) Ora a impugnante não logrou apresentar tais provas, o que nos permite duvidar da realização de tais diligências, razão pela qual entendemos que deveria o tribunal a quo ter concluído pela não demonstração de tais tentativas de cobrança.

W) Mas mais, mesmo que efectivamente tal procedimento se tivesse realizado, teria que haver lugar à prova da sua efectividade para cada um dos créditos em questão, razão pela qual a simples alegação de um procedimento de contacto directo não se afigura suficiente para concluir pela existência de prova da realização de diligências tendentes a cobrança dos créditos em mora.

X) Ainda a propósito das correcções efectuadas em relação à provisão para créditos de cobrança duvidosa, mas em relação ao momento do início da mora, é nossa opinião que mal decidiu o tribunal a quo quando considerou que "A mora reporta-se ao cumprimento do prazo de pagamento estipulado na factura, não ao incumprimento do prazo de pagamento constante do título de crédito (Letra).".

Y) Isto porque consideramos que ao aceitar uma letra, ambas as partes acordam na dilação do prazo previsto para o cumprimento para um momento posterior ao da factura, o que quer dizer que a data limite desta passou a ser a data limite da letra.

Z) O mesmo será dizer que nenhum credor vai exigir o pagamento da letra antes da sua data limite.

AA) Pelo que assim sendo, consideramos que não pudera deixar de ser reconhecido que é a partir da data limite de pagamento da letra que o devedor entra em mora, pelo que é a partir dessa mesma data que se pode começar a provisionar a sua incobrabilidade.

BB) Por fim no que a correcção efectuada relativa a não consideração como custos do exercício do montante das despesas com reembolso de encargos respeitantes à utilização de viaturas da G..., SA, no valor de Esc. 2.118.801$00, diremos que,

CC) Não pode a Administração Tributaria conformar-se com a decisão tomada pelo Tribunal a quo porquanto o decisor se bastou pela conclusão de que sendo a viatura propriedade do director fabril de uma empresa do grupo da impugnante seria legítima a consideração como custo dos montantes reembolsados ao funcionário.

DD) Ora, afirma a administração Tributaria que as despesas que foram reembolsadas ao funcionário haviam já sido contabilizadas como custos na esfera da sociedade G..., SA.

EE) Assim, sendo esta uma empresa do grupo da impugnante, a aceitação destes montantes como custos constitui uma duplicação do benefício contabilístico dado que estes haviam já sido considerado noutra sociedade pertencente ao mesmo grupo de empresas.

FF) Ora, face a contabilização de tais custos na esfera de uma outra sociedade do grupo da impugnante, não nos podemos conformar com a decisão tomada e desta forma aqui solicitamos acórdão que a revogue e que se conforme com a legalidade da correcção efectuada.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecida a legalidade das correcções efectuadas e em consequência ser revogada a douta sentença na parte em que a posição da Administração Tributaria não obteve vencimento».

Apenas a Impugnante, C..., S.A, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Fazenda Pública, pelas razões que aduziu nas suas conclusões e que de seguida se transcrevem:

«1.ª - O âmbito do recurso da FP circunscreve-se às questões em que decaiu a Administração Tributária (AT), quais sejam as seguintes: a). Provisão para créditos sobre clientes em mora; b). Provisão para créditos de cobrança duvidosa; c). Consideração como custo do exercício do reembolso de encargos referentes à utilização de viaturas da G..., SA.

- A douta decisão recorrida não merece qualquer censura no que se refere ao objecto do recurso da FP.

3.ª - Não tem razão o Ilustre Representante da Fazenda Pública (IRFP), conforme se demonstrará.

4.ª - Quanto à provisão para créditos sobre clientes em mora, entende o IRFP que "... a normal actividade da sociedade impugnante não é a cobrança de juros ...".

5.ª - E, por isso, defende que os juros de mora emergentes da falta de pagamento atempado da dívida de um cliente, não são enquadráveis nas provisões para cobertura de créditos resultantes da actividade da empresa.

6.ª- Como refere a douta decisão sob recurso, a fls.13, que acompanhamos, "... o registo na contabilidade do novo crédito como um activo, por contrapartida da consideração do proveito correspondentes aos juros de mora por débitos já vencidos, são uma consequência necessária da prossecução das operações principais (...) O novo activo assim relevado não deixa de estar sujeito ao risco da incobrabilidade, pelo que, quando esta se torna evidente (...) haverá que procederão reconhecimento da previsível perda".

7.ª - Com efeito, a norma contida no art.º804º do Código Civil (CC) estabelece que a exigência de juros de mora é um direito concedido ao credor de ser ressarcido pelos prejuízos causados pelo não recebimento atempado de uma quantia devida no âmbito da sua actividade normal.

8.ª - É esta, aliás, a posição assumida no douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) em 18/10/2006 no Proc. n.s 0668/06 (in www. dgsi.pt), cujo sumário transcrevemos:

"I - São fiscalmente dedutíveis as provisões que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

II - Os juros de mora resultantes de créditos decorrentes da actividade de comércio de veículos automóveis são também eles créditos resultantes da actividade normal da empresa em causa.

III - Tais créditos (por juros de mora) constituem provisões fiscalmente dedutíveis." (sublinhados nossos).

9.ª - Entendemos, por isso, que carece de razoabilidade o argumento utilizado pelo IRFP segundo o qual "... a normal actividade da sociedade impugnante não é a cobrança de juros ..." .

10ª - Com efeito, a existência de juros de mora corresponde a uma vicissitude da relação contratual, traduzida no não pagamento atempado de uma quantia devida por uma transacção realizada no âmbito da actividade.

11.ª Aliás, é sabido que as empresas que fornecem bens essenciais (água, gáz, electricidade, etc.) cobram juros de mora pela falta de pagamento atempado da factura.

12.ª - Essa é, pois, uma prática corrente, com enquadramento legal (art.º804º do CC).

13.ª- O que bem se compreende pois a falta de pagamento de uma transacção no respectivo prazo, priva a empresa do capital correspondente, e pode, mesmo, implicar o recurso a financiamento externo para obtenção dos meios necessários à prossecução da actividade.

14.ª - Acresce que a AT nunca deixou de reconhecer e de tributar em IRC os proveitos obtidos pela impugnante, ora Recorrida, provenientes de juros de mora, os quais, ao tempo, eram incluídos no campo 26 - PROVEITOS E GANHOS FINANCEIROS - da Declaração Mod. 22.

15.ª - A douta decisão sob recurso deve, por isso, ser mantida no que se refere às provisões relativas a juros de mora, associadas como estão aos créditos resultantes da actividade normal da empresa.

16.ª - No que respeita à provisão para créditos de cobrança duvidosa, na parte relativa à mora de clientes e às diligências efectuadas para o recebimento dos respectivos créditos, alega o IRFP que "... a impugnante não logrou apresentar documentação que permitisse demonstrar as diligências por si efectuadas tendentes à cobrança dos créditos para as quais foram efectuadas as provisões aqui em análise..."

17.ª - Concluindo, pois, o IRFP que, apesar das decisões do Tribunais superiores nesse sentido, a prova testemunhal não se mostra adequada à demonstração das diligências efectuadas para cobrança dos créditos.

18.ª Acrescenta ainda o IRFP que, mesmo que a prova testemunhal fosse aceite, a impugnante, ora Recorrida, deveria ter "... demonstrado que para cada um dos créditos que beneficiaram da provisão foi efectuado a tentativa directa e no prazo legalmente exigido".

19.ª - Salvo o devido respeito, é insubsistente a argumentação expendida pelo IRFP. Com efeito,

20.ª - conforme consta do douto Acórdão proferido neste Tribunal Central Administrativo Sul, em 19 de Julho de 2006, no Proc. nº 1095/06 referente a IRC do exercício de 1995 (in www.dgsi.pt) "... não estabelecendo a lei qualquer restrição em tal domínio, o contribuinte se poderá socorrer de todas as provas que, atento o circunstancialismo a demonstrar, lhe sejam facultadas pelo ordenamento jurídico, o que vale por dizer não ser questionável« (...) que a prova da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade possa ser feita (...)», designadamente, (...) por via testemunhal.» (sublinhados nossos).

21.ª - Ocorre até que a demonstração da inactividade de uma empresa e a ausência de rendimentos, pode ser realizada mediante prova testemunhal (neste sentido, vd. Ac. do STA de 14.09.2011, proferido no Proc. nº0215/11, relativo a IRC do exercício de 2004) (in www.dgsi.pt).

22.ª - Acresce que a prova das diligências realizadas resultou, em termos inequívocos, dos depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de 2 de Abril de 2008, funcionários da empresa afectos ao departamento financeiro que, pessoalmente, procediam às diligências necessárias de cobrança junto dos clientes em mora.

23.ª - Aqueles depoimentos não foram impugnados pelo IRFP e constam do Probatório sob os nºs 21 e 22.

24.ª - Essas testemunhas explicaram, com suficiente detalhe, os procedimentos adoptados pela empresa, nomeadamente no que se refere à apresentação de queixas-crime pela emissão de cheques sem provisão, de que o documento junto aos autos na audiência de 2 de Abril de 2008, constitui mero exemplo.

25.ª - Em face do exposto, deve manter-se a decisão recorrida, porque foram inequivocamente demonstradas as diligências realizadas para cobrança dos créditos da empresa e, por isso, está cumprido o ónus previsto no art.74º da LGT,

26.ª - No que se refere a créditos já vencidos, titulados por letras, isto é, créditos não pagos na data do vencimento das respectivas facturas mas, entretanto, titulados por meio de letras, não colhe a fundamentação constante do recurso da FP.

27.ª - Com efeito, a posição expendida pelo IRFP assenta na data do vencimento da letra para efeitos da contagem da data em que o devedor entra em mora pois afirma: "... é a partir dessa mesma data que se pode começar a provisionar a sua incobrabilidade".

28.ª - Pelo contrário, a Recorrida sempre entendeu que a contagem da mora para efeitos da constituição da respectiva provisão, deve ser feita a partir da data do vencimento das facturas correspondentes à venda das mercadorias.

29.ª - Concordamos com a Meritíssima Juiz o quo, quando refere que "...a mora reporta-se ao prazo de pagamento estipulado na factura, não ao incumprimento do prazo de pagamento constante do título de crédito (Letra)...".

30.ª- Este é o único entendimento possível: as letras constituem títulos de crédito de obrigações já vencidas e não pagas.

31.ª- Tais letras são emitidas apenas com o objectivo de titular o pagamento de que a Recorrida era credora desde a data do vencimento das facturas correspondentes.

32.ª - Contrariamente ao que pretende o IRFP, a letra não titula ab initio a obrigação correspondente porque esta já se constituíra em momento anterior, qual seja o da data de vencimento das facturas.

33.ª - É sabido da teoria e do regime que enforma os títulos de crédito que estes, nas relações entre os obrigados cambiários que se encontram na chamada relação "imediata", nada alteram do regime próprio da relação jurídica fundamental ou subjacente.

34.ª - Isto é, nas relações "imediatas" não há alteração do conteúdo da relação fundamental ou subjacente pelo que o aparecimento de letras só pode justificar-se por razões circunstanciais, quais sejam, a convenção de um prolongamento do prazo, a necessidade de uma operação de desconto ou a obtenção de um título que possa iniciar um processo judicial na fase executiva.

35.ª- Como ensinam F. PINTO FERNANDES e NUNO PINTO FERNANDES in Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Anotado e Comentado, 5ª edição, 1996, p. 309: "Quanto aos créditos representados por letras entendemos que o seu valor deveria ser englobado para o cálculo da provisão, sendo de considerar a mora a partir da data da transacção. (...) a letra não é um documento autónomo e a ela está sempre subjacente uma outra realidade. A obrigação cambial não representa novação do crédito (,..). O crédito somente se extingue com o pagamento da letra e se este não se realizar, o crédito que ela representa mantém-se nos termos iniciais, isto é, a partir da data da operação ou transacção" (sublinhados nossos).

36.ª- Não pretende a Recorrida contrariar os bons fundamentos daqueles Autores que, de forma cristalina, melhor explicitam a tese que vem defendendo nos autos e que a douta decisão sob recurso também acolhe, assim devendo ser mantida.

37.ª- Relativamente à consideração como custo do exercício do reembolso de encargos referentes à utilização de viaturas da G..., SA., entende o IRFP que, além de esses custos não se encontrarem devidamente comprovados, os mesmos já haviam sido contabilizados na G..., SA, empresa integrante do grupo de sociedades da impugnante.

38.ª - Conclui, por isso, que houve um aumento injustificado dos custos na esfera da sociedade impugnante, a ora Recorrida.

39.ª- A Recorrida não alcança o fundamento que baseia o recurso do IRFP, sendo certo que diverge, em absoluto, daquele que, no âmbito da inspecção tributária realizada em 2001, foi alegado pela AT.

40.ª - Com efeito, a impugnação judicial deduzida nos autos teve por base os fundamentos constantes do Relatório da Inspecção Tributária, junto com a p.i. como documento nº2.

41.ª - No que a esta correcção diz respeito, consta daquele Relatório, a fls.12/13 que "... os documentos de suporte são constituídos por mapas de quilómetros efectuados em viaturas que pertencem ao imobilizado da empresa, tendo esta no exercício de 1996 contabilizado referente às mesmas, custos em amortizações, combustíveis, manutenção, seguros, etc, verificando-se assim uma duplicação de custos".

42.ª - Sendo assim, à impugnante cumpria contradizer a afirmação ali contida e produzir a respectiva prova: ou seja, que a viatura a que respeita o custo controvertido não integrava o imobilizado da empresa sendo, diversamente, propriedade do director fabril da G..., SA.

43.ª - O que fez, conforme resulta do depoimento das testemunhas inquiridas no Tribunal recorrido em 2 de Abril de 2008, aliás, levado ao probatório sob os n.ºs 25 e 26, a fls. 9 da douta decisão sob recurso.

44.ª - Não é, por isso, admissível que o IRFP se proponha, por via do recurso ora apresentado, em Junho de 2015, alterar a fundamentação expressa há catorze anos (Junho de 2001) no Relatório da inspecção Tributária, a qual, como não pode deixar de ser, foi a que baseou a impugnação judicial então deduzida.

45.ª. Na verdade, o fundamento que baseou a rejeição do custo por parte da AT assentou no entendimento de que os encargos se referiam a viaturas integrantes do imobilizado da empresa.

46.ª - Ora, conforme a impugnante alegou, e provou, a viatura em questão era propriedade do director fabril da G..., SA, que desenvolvia as suas funções profissionais em locais geograficamente muito dispersos, circunstância que implicava o pagamento dos respectivos quilómetros percorridos ao serviço da empresa.

47.ª - Em consequência, contraditada, como foi, a afirmação inserta naquele Relatório da Inspecção Tributária - que é a sede dos fundamentos das correcções efectuadas e, logo, da liquidação impugnada - não cabe agora ao IRFP a alteração desses fundamentos.

48.ª - Com efeito, nem por via de recurso, nem por qualquer outro meio, pode a AT promover, em 2015, a alteração dos fundamentos da liquidação referente ao exercício de 1996.

49.ª - Por conseguinte, também aqui deve manter-se o decidido pelo Tribunal recorrido.

Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências, Senhores(as) Desembargadores(as), melhor suprirão, deve a sentença recorrida ser mantida no que se refere às correcções objecto de recurso pela FP, assim se fazendo JUSTIÇA!»

Neste Tribunal Central, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, em conferência, decidir.

II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações de ambos os recursos jurisdicionais interpostos, temos por seguro que a pretensão aduzida por ambas as recorrentes de revogação da sentença esgota-se na apreciação e decisão das seguintes questões:

1) O tipo de prova produzida no que respeita às diligências realizadas para efeitos de cobrança dos créditos em mora não se coaduna com a exigência legal de comprovação das mesmas e, no caso, foi manifestamente insuficiente para suportar o juízo “como provado” que sobre elas o Tribunal a quo emitiu?

2) Mesmo que realizadas no âmbito da actividade da empresa, 20% de despesas relativas a encargos com portagens e estacionamentos não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, por tais despesas serem, nos termos do artigo 41.º, n.º 4, do CIRC, assimiláveis a “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros"?

3) O aumento das amortizações do exercício de 1996, decorrente da reavaliação do activo imobilizado corpóreo deve ser repercutido para efeitos do apuramento do lucro tributável e, consequentemente, a liquidação impugnada, na parte em determinou um acréscimo de 40% do aumento das reintegrações resultantes daquela reavaliação não é juridicamente censurável?

4) A provisão para créditos de clientes em mora, constituída pela Impugnante, é desconforme o preceituado no artigo 33.º, n.º 1, al. a), do CIRC, por os juros não serem passiveis de ser integrados no conceito de “créditos resultantes da actividade normal” da empresa e, consequentemente, não são elegíveis para os efeitos fiscais pretendidos pela Impugnante?

5) Só a partir da data limite de pagamento da letra – e não do prazo estipulado na factura – é que é legalmente admissível a constituição de “provisão para cobrança de créditos duvidosa”?

6) O montante relativo a reembolsos de encargos respeitantes à utilização de viaturas da G... S.A., não pode ser considerado um custo de exercício da Impugnante por tais despesas já terem sido contabilizadas como custos na esfera daquela sociedade?

Ill – Fundamentação de Facto

Em 1ª instância foram considerados como relevantes e provados para a apreciação e decisão da causa os seguintes factos (com pontuais alterações de redacção relativamente ao probatório constante da sentença e que se realiza exclusivamente por se terem detectados lapsos de escrita e tendo em vista uma melhor compreensão dos factos apurados):

1. Em 1996 a ora impugnante requereu ao Ministro das Finanças a faculdade de reavaliar o imobilizado corpóreo utilizado na sua actividade operacional - cfr. depoimento da testemunha L....

2. Por despacho do Ministro das Finanças, de 24/12/1996, o pedido referido no ponto anterior foi deferido parcialmente, tendo sido autorizada a constituição de uma reserva de reavaliação e, em consequência, autorizada a impugnante a deduzir como custo fiscal os acréscimos das amortizações resultantes dessa reavaliação, no entanto, no mesmo despacho não é aceite o acréscimo de amortizações referentes aos exercícios de 1992 a 1995 - cfr. depoimento da testemunha L... e cfr. fls. 46 a 64 dos autos e fls. 72 e 73 do processo administrativo em apenso aos autos.

3. Em 31/12/1996, na sequência do processo de reorganização aprovado em assembleia geral, a impugnante foi transformada em Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) - cfr, depoimento da testemunha L....

4. Face à transformação verificada, a impugnante alienou, em 31/12/1996, todos os bens do activo imobilizado corpóreo que se encontravam afetos à atividade operacional para a "C... - ..., S.A" - cfr. depoimento da testemunha L... e cfr. fls. 46 a 64 dos autos.

5. Os bens do activo imobilizado corpóreo, referidos no ponto anterior, foram transferidos para a "C... - ..., S.A", pelo valor resultante da reavaliação - cfr. fls. 46 a 64 dos autos.

6. Em 1996, a “C... - ..., S.A.” registou os bens do activo imobilizado na sua contabilidade pelos valores dos bens em "estado de uso" - cfr. depoimento da testemunha L... e fls.46 a 58 dos autos.

7. A “C...-..., S.A.” registou as reintegrações do activo imobilizado como custo do exercício de 1996 - cfr. depoimento da testemunha L... e fls. 46 a 58 dos autos.

8. Nem a impugnante (agora como sociedade holding), nem a C...-..., SA, procederam ao acréscimo do correspondente a 40 % do incremento das mesmas reintegrações- cfr. depoimento da testemunha L... e fls. 46 a 58 dos autos.

9. Em resultado de uma acção de inspecção efectuada às contas consolidadas respeitantes ao exercício de 1996 do Grupo de empresas sob domínio da “C... - ... SGPS, S.A.”, foram, pelos serviços de inspecção tributária da A.T., efectuadas correcções de natureza meramente aritmética aos valores declarados para efeitos de IRC pelas sociedades integrantes do grupo de consolidação - cfr. fls. 26 a 45 dos autos.

10. Face às regras de determinação do lucro tributável, matéria colectável e imposto sob o regime de consolidação, as correcções efectuadas aos valores declarados pelas sociedades integrantes do Grupo vieram a ser reflectidas na determinação da matéria colectável e correspondente IRC em nome da sociedade dominante, conforme liquidação adicional n°... de 07/07/2001 - cfr. fls. 24 dos autos.

11. Das correcções propostas vieram a resultar, quanto aos valores declarados sob o regime de consolidação, as alterações seguintes:

3.1) - no montante de Esc:5.875.669.266$00 ao valor do lucro tributável que havia sido declarado por Esc:16.506.143.147$00, corrigindo-o assim para o montante de Esc:22.381.812.412$00, correcção, esta, que foi reflectida na determinação da matéria colectável - cfr. fls. 3 verso do processo administrativo em apenso aos autos;

3.2)-nos montantes de Esc:38.704.749$00 e Esc:5.814.186.327$00, em sentido aditivo e sentido dedutivo respectivamente, ao valor da matéria colectável que havia sido declarada por Esc:22.481.028.108$00, corrigindo-a para o montante de Esc:22.581.215.790$00 - cfr. fls. 3 do processo administrativo em apenso aos autos;

3.3) - nos montantes de Esc:4.238.532$00 e Esc:4.855.585$00, ambos concorrendo de forma aditiva para o cálculo do IRC, por serem respectivamente, a deduzir ao imposto considerado pago por conta, a título de Contribuição Autárquica e a acrescer por tributação autónoma de despesas confidenciais - cfr. fls. 3 do processo administrativo em apenso aos autos.

12. Como consequência das alterações referidas no ponto anterior, foram alterados os valores da colecta de IRC correspondente à derrama e calculados juros compensatórios sobre os montantes considerados em falta, pelo período de 1478 dias (de 01/06/1997 a 18/06/2001) - cfr. fls. 24 dos autos.

13. As correcções identificadas no relatório de inspecção, entre outras, reportam-se a:

 i) não consideração, como custo do exercício, da provisão para créditos de cobrança duvidosa, no montante total de Esc: 40.223.085$00, para cobertura de créditos de Clientes em Mora no valor de Esc. 3.897.601$40 e, de Clientes com letras a receber e não vencidas no valor de Esc. 36.325.484$00;

ii) o Grupo não acresceu no Q. 17 da declaração de consolidação de acordo com o art.41° n°4 do CIRC, o montante de 1.171.774$00 correspondente a percentagem de 20% de despesas com portagens e estacionamento de viaturas ligeiras de passageiros contabilizadas pela empresa C... - C..., SGPS, S.A no total de 5.858.872$;

 iii) não consideração como custo do exercício do montante das despesas com reembolso de encargos respeitantes à utilização de viaturas ao serviço da G..., SA, no valor de Esc:2.118.801$00;

 iv) ajustamento para efeitos de apuramento do lucro tributável consolidado, do aumento das amortizações do exercício proveniente da reavaliação do ativo imobilizado, no valor de Esc:5.808.045.844$00 - cfr. fls. 26 a 45 dos autos.

14. Com referência ao ajustamento para efeitos de lucro tributável consolidado, referente ao aumento de amortizações proveniente da reavaliação do ativo imobilizado, a A.T. fundamentou assim a correcção: "a sociedade dominante no âmbito específico das operações de consolidação efetuou um ajustamento das amortizações do exercício com impacto nulo, quer ao nível do resultado fiscal do exercício ou quer ao nível do lucro tributável consolidado, decorrente da cedência em 31/12/1996, ao abrigo do DL 264/92, de 24 de Novembro e art.4° da lei 36/91, de 27/7, que se encontra regulamentado pelo DL 22/92 de 14 de fevereiro. Da análise da situação verificou-se não ter sido considerado no referido ajustamento o acréscimo de 40% do aumento das amortizações resultantes das citadas reavaliações previstas na al. a) do art.7° do DL 264/92 de 24/11 e al. a) do art.6° do DL 22/92, de 14/2 que deveria ser efetuado pela sociedade alienante no Q.17 da Mod. 22/lRC, no caso de não transferência do referido imobilizado no montante de 5.808.045.844$. Assim tal ajustamento deveria traduzir-se ao nível do lucro consolidado no aumento do respetivo montante, conforme ilustra o mapa elaborado para o efeito no anexo 9, fls. 28 a 69 pelo que se procedeu ao seu acréscimo para efeitos de apuramento do lucro tributável consolidado” - cfr. fls. 26 a 45 dos autos.

15. Refere-se ainda no relatório de inspecção que " (...) O Grupo deduziu nos termos da al. a), do art.60° do CIRC no Q. 18 L2 da declaração de consolidação prejuízos fiscais individuais gerados pelas empresas designadas no quadro de fls. 42 do relatório antes do regime de tributação pelo lucro consolidado, no montante de 576.394..692$00 (anexo n°13, fls. 83 a 87) quando antes deveria ter deduzido o valor de 537.689.943$00, conforme se discrimina no referido quadro, cujo teor aqui se dá como reproduzido. Assim, procedeu-se à correção a favor do Estado pelo valor diferencial de 38.704.749$00" - cfr. fls. 26 a 45 dos autos.

16. Do relatório inspetivo sobressai, ainda, que de "acordo com o "art. 59°-A do CIRC, introduzido pela Lei 71/93 de 26/11 a matéria colectável consolidada não poderá ser inferior a 65% da soma das matérias coletáveis que seriam determinadas pelas sociedades que integram o Grupo, caso fossem tributáveis autonomamente sempre que a sua redução seja originada pela compensação de prejuízos fiscais. O Grupo, tendo em conta o valor da matéria colectável consolidada apurado na declaração de consolidação, efetuou um acréscimo nos termos do art.º59°-A do CIRC no montante de 6.551.279.659$. Contudo, após as correções propostas à matéria consolidada esta passou a ascender a 21.844.122.469$ sendo o limite mínimo correspondente a 65% das matérias coletáveis individuais de 22.581.215.796$. Assim, e considerando os valores após as correções fiscais, o acréscimo à matéria colectável consolidada nos termos do art.59°-A do CIRC é no montante de 737.093.327$ pelo que se procede ao respetivo ajustamento a favor do Grupo, no montante de 5.814.186.327$". cfr. fls. 26 a 45 dos autos.

17. Em consequência destas, e outras correções não impugnadas, foi efetuada a liquidação adicional n°... de 07/07/2001, no montante total de Esc. 69.636.128$00 (€347.342,54) e com data limite de pagamento de 05/09/2001 - cfr. fls. 24 dos autos.

18. Em sede de impugnação, a Administração Tributária revogou parcialmente as correcções espelhadas na liquidação impugnada, alterando as correcções produzidas em sede inspectiva, quanto a: i) Provisões para créditos de natureza duvidosa (312.500$00, apenas no que se reporta ao cliente J..., Lda.); ii) Reposição da Mais-valia fiscal suspensa (no valor de 13.721.445$00) e iii) dedução de prejuízos fiscais (3.798.519$00), como espelhado no quadro seguinte:


- cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos.

19. Em virtude da referida revogação, a liquidação identificada no ponto anterior foi parcialmente revogada pela liquidação 20048310022632, e rectificada quanto aos juros compensatórios e derrama pelas liquidações n°... e ... - cfr. fls. 316 e 361 a 377 dos presentes autos.

20. Por despacho judicial de 17/05/2006 foi declarada a caducidade da garantia prestada pela Impugnante, a 08/04/2002, no processo de execução fiscal que tem por objecto a liquidação impugnada nos autos - cfr. fls. 322 a 324 dos presentes autos.

21. A emissão de factura pela impugnante encontra-se relacionada com política de pagamentos da empresa, a qual conferia o pagamento pelos clientes a trinta dias e noutros casos a quinze dias, findos os prazos de vencimento das facturas, venciam-se juros de mora que, em muitas situações, não eram pagos pelo cliente - cfr. depoimento das testemunhas A... e de E....

22. A impugnante, nas situações de não pagamento, começava por encetar diligências verbais (por contacto telefónico), depois por escrito e, posteriormente, não obtendo sucesso, encaminhava a resolução de tais créditos para o Gabinete Jurídico - cfr. depoimento das testemunhas A... e de E....

23. Nos créditos titulados por letras, a contagem dos juros de mora era feita a partir da data do vencimento das facturas - cfr. depoimento das testemunhas A... e de E....

24. Normalmente, os trabalhadores da impugnante usavam viaturas ligeiras da empresa/impugnante, para deslocações aos clientes e fornecedores e também em deslocação aos vários departamentos da empresa, nomeadamente, Alhandra, Souselas, Maia, Figueira da Foz, Évora, Beja, entre outros, por motivos relacionados com a actividade da mesma - cfr. depoimento das testemunhas A... e de E....

25. A impugnante, pagou "ajudas de custo" pelos quilómetros percorridos em viatura própria do diretor fabril da “G...,S.A.” (empresa que pertence ao grupo da impugnante) - cfr. depoimento das testemunhas A... e de E....

26. A impugnante pagou "ajudas de custo" pelos quilómetros percorridos, ao diretor fabril da “G...,S.A.”, no âmbito das funções que este desenvolvia ao serviço dessa empresa em locais geograficamente dispersos e, com necessidade de alojamento fora da área da sede da mesma - cfr. depoimento das testemunhas A... e de E....

     Mais ficou consignado, a título de «Factos não provados» que «Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados» e, em sede de «Motivação da decisão de facto» que a convicção do Tribunal «no estabelecimento do quadro factológico fundou-se, em primeira linha, no teor dos documentos citados nas alíneas supra, e da informação constante do relatório da inspeção, não impugnados.

Tiveram-se em conta, ainda, os depoimentos das testemunhas da impugnante, nomeadamente, de L...; A...; E... e de R..., as quais revelaram conhecimento dos factos.

Os depoimentos foram credíveis e encontram-se em harmonia com a restante prova produzida, nomeadamente a de origem documental».

IV – Fundamentação de Direito

Considerando que na delimitação dos objectos dos recursos foram sucessivamente atendidas as questões naqueles suscitadas, que na ordem aí estabelecida se teve já em conta a prioridade decorrente da necessidade de estabilização da matéria de facto e que das demais não decorre qualquer relação de prejudicialidade, passar-se-á à sua apreciação pela precisa ordem porque foram enunciadas.

4.1. Da “adequação” do tipo de prova produzida para comprovação das diligências realizadas para cobrança dos créditos em mora e a falta de prova bastante para que tais factos se tenham dado como provados.

Para a recorrente Fazenda Pública, como se constata das conclusões de recurso, o Tribunal não podia ter dado como provado que a Impugnante realizou as diligências tendentes à cobrança dos créditos em mora por duas ordens de razões, traduzidas, em resumo nosso, no seguinte: (i) nesta matéria apenas foi produzida prova testemunhal e tais diligências apenas são passiveis de ser comprovadas através de prova documental, que não foi feita; (ii) a prova testemunhal produzida foi, de todo o modo, insuficiente a que esses factos se dêem como provados porque não foi dirigida a cada um dos créditos em questão, limitando-se a uma alegação genérica de um procedimento de contacto directo, incapaz, só por si, de comprovar a realização de tais diligências.

A presente questão, se bem vemos, desdobra-se em diversas subquestões que importa autonomamente apreciar e a imporem, aliás, e como explicitaremos, o aditamento oficioso do probatório por este Tribunal Central.

Vejamos, então, por partes, começando por recordar que no que respeita às “Provisões para créditos de cobrança duvidosa a sua não aceitação por parte da Administração Tributária assentou, como linearmente resulta do relatório de inspecção, em dois fundamentos, cada um conexionado com uma vertente específica: quanto ao valor de Esc. 3.897,601$00, relativo a clientes em mora, porque a Impugnante não demonstrara que tinha realizado diligências para o efectivo recebimento desses créditos; quanto ao valor de Esc. 36.325, 484$00, respeitante a clientes com letras a receber e não vencidas, por entender que a data-referência de contagem da mora é a data de vencimento das letras e não da factura.

A Impugnante, em sede de audição prévia, mantida nesta Impugnação, opôs-se a tal entendimento, estribando a sua defesa, também no essencial, e em síntese nossa, em dois argumentos: quanto à alegada inexistência de diligências, ficou comprovado pelos documentos juntos em sede de procedimento administrativo que essas diligências foram realizadas; no que concerne à letra, esta é apenas o título que encerra uma relação subjacente prévia, que necessariamente terá de espelhar, pelo que é a data de vencimento da factura, e não a do vencimento da letra, a que deverá ser considerada relevante para efeitos de contagem dos juros e consequentemente, para efeitos de constituição da provisão em questão.

Foi neste contexto impugnativo ou de factualidade controvertida - que, de resto, determinou em tempos a anulação por este Tribunal Central Sul da primeira sentença que foi proferida em 1ª instância, por défice instrutório fundada na ausência expressamente declarada pelo Tribunal a quo de desnecessidade de inquirição de testemunhas – que foram apreciados documentos e ouvidas testemunhas, na sequência do que se fixaram, para o que ora releva, sob os números 21., 22. e 23. (e não, como certamente por lapso vem indicado na fundamentação jurídica da sentença relativamente a esta questão, os factos 10., 11. e 12.), os seguintes factos provados: (i) A emissão de factura pela impugnante encontra-se relacionada com política de pagamentos da empresa, a qual conferia o pagamento pelos clientes a trinta dias e noutros casos a quinze dias, findos os prazos de vencimento das facturas, venciam-se juros de mora que, em muitas situações, não eram pagos pelo cliente; (ii) A impugnante, nas situações de não pagamento, encetava, primeiro, diligências verbais (por contacto telefónico), depois por escrito e, posteriormente, não obtendo sucesso, encaminhava a resolução de tais créditos para o Gabinete Jurídico e (iii) Nos créditos titulados por letras, a contagem dos juros de mora era feita a partir da data do vencimento das facturas.

É, pois, com estes concretos pontos do probatório e com a susceptibilidade dos elementos de prova suportarem a sua fixação de facto ou sustentarem a decisão de direito que a Administração Tributária se não conforma.

Para o que agora nos incumbe decidir - a questão de facto – diga-se, desde já que, no que se refere à incapacidade ou insusceptibilidade, em tese geral, de através de depoimento testemunhal se lograr fazer prova dos factos em questão não lhe assiste qualquer razão.

Aliás, se bem atentarmos na própria fundamentação aduzida em recurso, a Administração Tributária, nesta parte, limita-se a afirmar, que “é sua convicção que a prova testemunhal não se coaduna com a exigência legal de comprovação na contabilidade da existência de diligências tendentes a cobrança dos créditos em mora» e que «pese embora o respeito pelas decisões anteriores dos tribunais superiores» continua a ser seu entendimento que a prova dessas diligências tem que se efectuar e reportar à data da inclusão dos montantes na provisão contabilisticamente realizada», concluindo-se, ainda, do mais alegado, que esta prova só por documentos pode ser realizada.

Este Tribunal Central, respeitando igualmente “as convicções” da recorrente Fazenda Pública, não pode deixar de registar que as questões jurídicas fundamentais se não resolvem com base em convicções ou, melhor, com convicções dissociadas de um correcto enquadramento dos imperativos legais que as conformem, e que no acórdão deste Tribunal Central anteriormente proferido nestes autos se já afirmou – em consonância com o que vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores – que em sede de IRC, desde que a lei não imponha um especial meio probatório, são admissíveis todos os meios de prova admitidos em direito, no sentido de demonstração da realização de operações pelo sujeito passivo e que legitimam inferir qualitativamente a natureza dos prejuízos ou benefícios delas decorrentes, isto é, que podem existir situações de inexistência de suporte documental sem que, por isso, fique vedada a comprovação por outro meio admissível, designadamente através de prova testemunhal, a existência dos mesmos.

Foi, aliás, esse o entendimento perfilhado por este Tribunal Superior já nestes autos, como se constata do acórdão oportunamente proferido, do qual resulta claramente - em resposta a esta questão - que a prova testemunhal, para efeitos de declaração de comprovação ou não destes concretos factos, devia ser produzida, sendo, por isso, com alguma surpresa que se regista a posição assumida em recurso, neste conspecto, pela Administração Tributária.

Acresce que, como resulta da fundamentação da factualidade em apreço, a mesma não se fundou apenas na prova testemunhal, por os depoimentos prestados terem revelado “conhecimento dos factos” - contrariamente ao que parece resultar, pelo menos implicitamente, das alegações da recorrente e, aparentemente, da própria fundamentação expressa nos pontos de facto em referência, onde apenas se adianta como suporte uma remissão para os depoimentos das testemunhas A... e E... -, mas também na prova documental, uma vez que igualmente se afirmou em sede de motivação, que esses depoimentos estavam “em harmonia com a restante prova produzida, nomeadamente a de origem documental.».

Donde, sem que outras considerações jurídicas se mostrem necessárias, julga-se absolutamente impertinente o primeiro dos fundamentos que foi aduzido em ordem a questionar a sentença recorrida.

Questões distintas são as de saber se de tais documentos e depoimentos resulta efectivamente demonstrada a realização de tais diligências e se aqueles factos, pela forma como se encontram redigidos, evidenciam essa mesma prova.

A este propósito, e regressando à ideia já implicitamente adiantada no acórdão anteriormente proferido nestes autos, de que o regime de prova nos processos de impugnação judicial não possui especialidades de relevo, em geral, relativamente ao regime probatório em processo civil e que todos os meios de prova são admissíveis, tudo se resume, pois, a um controlo da valoração do julgador assente no princípio da livre apreciação da prova que haja sido produzida no processo judicial e na sua relação com o princípio do ónus da prova.

Ora, a mera invocação dos depoimentos prestados pelas testemunhas, como vem efectuado pela recorrente Fazenda Pública, não é, só por si, bastante para que este Tribunal Central possa afastar os factos incluídos no probatório e que ficaram dados como provados com base nessa prova testemunhal.

Efectivamente, e como é sabido, a sindicância da matéria de facto em sede de recurso e o “controlo” que o Tribunal de recurso pode e deve realizar da convicção formada pelo julgador, tem diversos limites, relevando dentro destes, e para efeitos da questão que agora enfrentamos, os que decorrem da falta de oralidade e de imediação - o Tribunal ad quem, no que concerne à prova testemunhal produzida, está limitado ao que consta das gravações – e o dever de o Tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só poder alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo Recorrente impuserem decisão diversa da proferida (artigo 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

A propósito dessa “imposição” e no sentido de esclarecer rigorosamente o alcance que à mesma deve ser atribuído, a jurisprudência tem vindo a salientar que “impor decisão diversa da recorrida” não significa admitir uma decisão diversa da recorrida”, possuindo um alcance mais preciso e impositivo «no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessária uma efectiva demonstração, através da argumentação deduzida e da análise das provas convocadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente à matéria impugnada é impossível ou desprovida de razoabilidade.». Ou seja, é necessário que «dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa», sendo «por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”». [1]

Desde logo, porque o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não deve aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Dito de outro modo, da consagração da garantia de um duplo grau de jurisdição da matéria de facto não deve extrair-se o entendimento de que o legislador quis afastar ou questionar o princípio da livre apreciação da prova atribuído ao tribunal da 1ª instância, uma vez que é inequívoco que para a formação da convicção do julgador contribuem simultânea ou conjugadamente elementos racionalmente demonstráveis e elementos que dificilmente podem «ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.».

Aliás, como é sabido, e lapidarmente vem afirmando a nossa doutrina, «tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.», sendo manifesto que «a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância», havendo «aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores». [2]

No mesmo sentido tem avançado a jurisprudência: «a gravação da prova, pela sua própria natureza não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo assim evidenciar tudo aquilo que é perceptível apenas através do concretizar do principio da imediação, não tornando assim acessível ao tribunal superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal "a quo" a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo tribunal "ad quem" dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto».[3]

Tudo, porque num sistema de livre apreciação da prova (contrariamente ao que ocorre no sistema da prova legal, em que a conclusão a extrair da prova está legalmente predeterminada) «o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.». [4]

Necessário e imprescindível é, pois, que nesse seu livre exercício de convicção, o Tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado», por ser essa uma exigência legal inultrapassável e que lhe está cometida, devendo para o efeito analisar criticamente as provas e especificar quais os fundamentos que foram decisivos para que formasse a sua convicção, isto é, indique concretamente as razões que o determinaram a fixar a factualidade nos termos e sentido em que o fez (artigo 607.º n.º 4, 1ª parte do Código de Processo Civil), o que pressupõe que seja exteriorizado «o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes». [5]

É neste contexto que deve ser entendida a tese - que partilhamos - de que, estando a decisão da matéria de facto devidamente fundamentada e personificando uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, a mesma, por força do princípio do julgamento segundo a livre convicção do juiz que vigora no nosso ordenamento jurídico[6] - ressalvadas as situações que o legislador expressamente subtraiu a essa regra, como sejam os casos em que é exigido, para prova de um facto determinada formalidade especial[7], é inatacável.[8]

São estas as razões que estão na base da orientação que a jurisprudência maioritariamente acolhe de que «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição», por ser evidente que «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal ad quem sindicar». [9]

Daí que, quando a decisão da matéria de facto assentar fulcralmente na atribuição de maior credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum ou que esse juízo assentou numa apreciação da prova absolutamente incompatível com ela (designadamente quando, assentando na prova testemunhal produzida, as declarações prestadas sejam num sentido e em sede de fundamentação lhe ser apontado outro).

Em suma, para que seja realizada uma alteração da matéria de facto, quando esta assentou na livre convicção do julgador objectivamente exteriorizada, não é suficiente a invocação de uma divergência em relação ao que naqueles termos foi decidido, antes sendo essencial que se alegue e demonstre através da concreta prova produzida que houve erro manifesto na apreciação do seu valor probatório, porque «o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si». [10]

No fundo, é a ideia que não pode deixar de se ter presente de que, nos casos em que os factos tem como principal fonte probatória a prova testemunhal produzida, a alteração da factualidade apurada só deve realizar-se quando os elementos fornecidos pela análise do processo, incluindo os concernentes à prova testemunhal que haja sido gravada, imponham de forma clara, decisiva e forçosamente essa alteração e não quando a análise dessa prova possa apenas sugerir ou possibilitar decisão diversa da matéria de facto.[11]

Assim, ao Tribunal de recurso, observados que estejam os requisitos formais de impugnação legalmente fixados, impõe-se a reapreciação da matéria de facto na parte questionada, atendendo nessa reaprecição a toda a prova invocada [seja qual for a sua natureza: documental, pericial ou testemunhal (reduzida a escrito ou registada sob o sistema audio ou vídeo), o que deverá fazer independentemente da maior ou menor extensão da fundamentação que o Tribunal a quo haja aduzido como suporte da sua convicção, por não ser legitimo ao Tribunal de recurso prescindir dessa análise com o argumento de que a fundamentação exteriorizada pelo Tribunal de 1ª instância é extensa e rigorosa.[12]

Exposto o enquadramento jurídico relevante, voltemos agora ao caso concreto, afirmando-se, desde já, que não cremos que possam existir dúvidas, atento o teor dos documentos apresentados em sede de audição prévia e nesta impugnação judicial e que se encontram a fls. 76 a 88 do processo administrativo apenso (cartas dirigidas a devedores de serviços prestados pela impugnante, datadas de vários meses do ano de 1996 e cópia de uma queixa-crime, realizada na sequência de cheques emitidos por alguns daqueles devedores e devolvidos com a menção de “falta de provisão” neles aposta) e face aos depoimentos das testemunhas inquiridas, especialmente das testemunhas referidas a propósito de cada um dos referidos factos em análise (quanto àquela que era a “política de pagamentos” da empresa seguida relativamente aos créditos que suportaram a constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa ora em questão: concessão, a nível da facturação emitida, de um prazo de pagamento entre 15 e 30 dias, findos os quais, sem prejuízo da exigência de juros de mora, eram estabelecidos contactos telefónicos/verbais com os devedores e, no insucesso destas medidas, o encaminhamento da resolução da situação para o gabinete de contencioso da Impugnante e, mesmo quando admitida a resolução da situação através da emissão de letras, eram contados, para efeitos de constituição da provisão para réditos de cobrança duvidosa, os juros de mora vencidos desta a emissão daquelas facturas em dívida) quanto à indiscutibilidade ou acerto do probatório.

Em síntese: para o que ora releva – note-se que apenas se aprecia nesta sede a prova das diligências e não a bondade da decisão jurídica no que respeita à admissibilidade da provisão englobar os referidos juros contados desde a emissão das facturas – não se nos afigura, como já dissemos, haver qualquer dúvida quanto a ter sido efectuada prova adequada e bastante da realização das diligências invocadas como suporte da existência de créditos de cobrança duvidosa a suportar a constituição da respectiva provisão.

Porém, como igualmente deixámos adiantado, a redacção imprimida ao probatório no ponto 21., não está integralmente conforme a prova produzida, tendo ficado aquém do que verdadeiramente se provou, já que é apenas relatado ou reproduzido o enquadramento geral realizado sem qualquer especificação no que respeita às diligências concretamente postas em causa e relacionadas com os créditos considerados na provisão em apreço, quando, como se vê daqueles depoimentos globalmente considerados e sobretudo do próprio teor da decisão recorrida, o Tribunal não teve dúvidas quanto à sua cabal demonstração.

Efectivamente sobressai da sentença recorrida, nesta parte, que “Sendo esta a prática da empresa, relativamente às diligências efectuadas, e verificadas também no que respeita às provisões constituídas, ora em causa, não se pode afirmar que a impugnante não tenha realizado as diligências devidas tendentes ao recebimento destes créditos».

E, nesta medida, este Tribunal Central, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, do Código de Processo Civil, por provado e com relevo para a decisão de mérito do recurso, procede à alteração de redacção da factualidade apurada, passando a constar do ponto 22. do probatório o seguinte:

«22. A impugnante, nas situações de não pagamento, encetava, primeiro, diligências verbais (por contacto telefónico), depois por escrito e, posteriormente, não obtendo sucesso, encaminhava a resolução de tais créditos para o Gabinete Jurídico, actuação que assumiu relativamente aos créditos que estão na base da constituição da “Provisão para créditos de cobrança duvidosa” no valor de Esc. 3.897.601$40 – cfr. depoimento das testemunhas A... e E... e documentos de fls. 76 a 88 (constantes do processo instrutor), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”.

4.2. Estabilizado o julgamento de facto, importa, agora, que enfrentemos as questões que nos vêm colocadas quanto ao julgamento de direito.

Assim:

4.2.1. Mesmo que realizadas no âmbito da actividade da empresa, 20% de despesas relativas a encargos com portagens e estacionamentos não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, por tais despesas serem, nos termos do artigo 41.º, n.º 4, do CIRC, assimiláveis a “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros"?

A discórdia das partes nesta matéria nasce, como está bem de ver, do facto de a Administração Tributária, pese embora aceite que as despesas relativas a portagens e estacionamentos estão relacionadas com viaturas utilizadas no e para o desenvolvimento da actividade social do sujeito passivo, ter entendido, com fundamento no preceituado no artigo 41.º, n.º4, do CIRC (na redacção então em vigor), que 20% das mesmas não são dedutíveis. E, em conformidade, ter efectuado correcção fiscal no valor de Esc. 1.171.774$00.

O Tribunal de 1ª instância, não acolhendo a argumentação da recorrente de que a inclusão nos apontados 20% das despesas constitui uma inadmissível interpretação extensiva do plasmado no preceito citado, veio a manter nesta parte a liquidação, fundamentando, deste modo, a decisão: Como se alcança da norma, a palavra "designadamente", de carácter exemplificativo, pretende abarcar todos os encargos relacionados com as viaturas ligeiras. Nessa medida devem ser considerados também os encargos com portagens e estacionamento das viaturas. Nestes termos, afigura-se-me que, para o exercício de 1996, face à lei em vigor à data dos factos, a impugnante tinha de acrescer 20% dos encargos relacionados com as viaturas ligeiras de passageiros que constam do seu imobilizado.».

Também nós, contrariamente à posição assumida pelo Tribunal a quo, julgamos que as referidas despesas – portagens e estacionamentos – devem ser entendidas como não estando abrangidas no âmbito de aplicação daquela norma ou, se preferirmos, entendemos que o regime jurídico emergente do n.º 4, do artigo 41.º do CIRC não lhes é aplicável.

Senão, vejamos.

O artigo 41.º, n.º 4, do CIRC (na redacção introduzida pela Lei 39-B/94, de 27/12 – Lei Orçamento de Estado para o ano de 1995 e em vigor no momento da ocorrência dos factos tributários em apreço), sob a epígrafe “ Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais", estabelecia que "Excepto tratando-se de viaturas afectas à exploração de serviço público de transportes ou destinadas a ser alugadas no exercício da atividade normal do respectivo sujeito passivo e sem prejuízo do disposto na alínea i) do nº1 do artigo 32° e nas alíneas i) e j) do n°1 do presente artigo, também não são dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável, 20% dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível."

Sendo manifesto que a norma transcrita não faz qualquer referência expressa a despesas relativas a estacionamentos e/ou portagens, isto é, que a letra da lei não aponta de forma absolutamente inequívoca quanto à sua inclusão no regime que encerra, a decisão a tomar passa pela densificação que deva ser dada ao termo “designadamente” aí aposto, ou seja, ao que porventura venha a entender-se como interpretação extensiva legalmente admissível desta norma, assumindo, naturalmente, neste contexto, importância fulcral o apuramento do pensamento do legislador na elaboração da norma, mormente, e enquadrando nesta análise o que vem invocado pelas partes: (i) saber se a norma pretende abarcar 20% de todo o tipo de encargos (relativos a viaturas ligeiras de passageiros conexionadas com a actividade do sujeito passivo); (ii) em caso negativo, isto é, no caso de apenas se deverem entender como incluídos na previsão normativa 20% dos encargos que possuam natureza semelhante aos aí indicados, apurar se os encargos relativos a portagens e estacionamento fazem parte do núcleo de despesas que o legislador pretendeu que fossem entendidos como englobados pelo termo “designadamente” aí aposto.

Resulta, assim, do que já vimos expondo, que para nós a questão fulcral, distintamente do que parece decorrer da posição em recurso assumida pela recorrente, não passa pela conexão da viatura com a actividade, questão que julgamos ultrapassada pela própria natureza da correcção efectuada – recorde-se que é no artigo 23° do CIRC que está fixado o critério para efeitos de determinação dos encargos contabilísticos que podem ser qualificados como custo fiscal e que o artigo 41.º apenas disciplina ou consagra as limitações à dedutibilidade de certos custos já previamente admitidos pelo artigo 23° do CIRC, o que torna, a nosso ver, irrelevante a argumentação aduzida pela recorrente, como factor de oposição à aplicação do n.º 4, do artigo 41.º, do mesmo Código, de que foi dado como provado que tais viaturas eram utilizadas no desenvolvimento da sua actividade, por a admissão de tais custos, à luz daquele preceito geral, pressupor já, precisamente, essa relação - mas, sim, pela resposta que deva ser dada quanto à amplitude fáctica admitida pelo regime legal invocado pela correcção legal impugnada.

Ora, quanto à primeira questão – traduzida na consideração de que a norma abrange todo o tipo de despesas relacionadas com as viaturas -, entendemos que a resposta só pode ser negativa. Efectivamente, tendo presente que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei e que o legislador consagrou a solução mais acertada, mas também não esquecendo a incontornável presunção de que a solução consagrada o foi nos termos mais adequados àquilo que era a sua vontade (artigo 9.º, do Código Civil), a única conclusão possível é a de que se fosse sua intenção fosse abarcar todo o tipo de despesas se teria limitado a afirmar que, mesmo que contabilizados como custos ou perdas de exercício, e salvo as excepções aí consagradas, não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável 20% de todos os encargos relacionados com viaturas ligeiras, qualquer que fosse a sua natureza.

Não foi, porém, essa a sua opção, pelo que, a solução que haja de ser dada ao problema interpretativo que se nos coloca, perante a opção do legislador por uma regulamentação exemplificativa, haverá de ser encontrada na resposta que dermos à questão de saber se os encargos relativos a portagens e estacionamento são por natureza semelhantes aos encargos aí contemplados e, consequentemente, fazem parte do núcleo de despesas que o legislador pretendeu que fossem entendidos como englobados pelo termo “designadamente” aí aposto.

Adiantamos, desde já, que a nossa resposta a esta questão é igualmente negativa por entendermos que a semelhança entre a natureza dos encargos previstos na norma e os demais encargos comprovados e que se ofereçam como susceptíveis de ser fiscalmente relevantes para efeitos de aplicação do regime consagrado no n.º 4, do artigo 41.º do CIR só pode radicar no nexo de causalidade necessário e directo entre a viatura enquanto bem da empresa e o encargo suportado. É, se bem vemos, para esse elemento primário, para essa ligação directa, necessária, intrínseca e física - através do bem em si mesmo considerado ou através do contrato que subjaz ao encargo – que os exemplos adiantados pelo legislador no n.º 4 do preceito nos remetem (reparações, amortizações, seguros, rendas, alugueres e combustível) e esse nexo físico ou contratual não é encontrado nos encargos de estacionamento e de portagens.

É verdade que, podemos dizê-lo, nos encargos cuja dedução de 20% vem questionada nos autos também existe esse nexo de causalidade, uma vez que os valores de portagens ou de estacionamentos só são devidos porque há uma viatura, há um bem sem o qual não haveria cobrança de portagens nem custos com estacionamentos. Ou seja, pode afirmar-se, seguramente, que tais encargos (portagens e estacionamentos), tal como as reparações, as rendas ou alugueres, só existem porque esse mesmo bem existe. Acontece porém que, distintamente do que ocorre com os encargos-tipo ou exemplos enumerados na lei, que existem independentemente da utilização do bem na actividade, aquelas portagens ou estacionamento, já admitidas como custos para efeitos do artigo 23.º do CIRC, mais do que estarem relacionadas com a viatura, estão directamente relacionadas com a actividade empresarial, sendo este o marco, insiste-se, se bem vemos, relevante para efeitos do regime fiscal consagrado. Aliás, como afirma a recorrente, com o que concordamos (distintamente do que acontece com a densificação que faz do termo designadamente por “peças” e “acessórios” quanto a nós absolutamente integrado no exemplo reparação constante da norma), bem pode acontecer que tais encargos ocorram independentemente de serem utilizadas viaturas ligeiras de passageiros, designadamente através da utilização na actividade empresarial de viaturas mistas ou motociclos, ambos sujeitos a cobrança de portagens e de estacionamento e sem que de qualquer forma se possa afirmar (porque não existe qualquer possibilidade de ser encontrado um mínimo razoável de correspondência literal na norma – artigo 9.º do Código Civil) que a redução de 20% prevista na lei é aplicável a esse tipo de viaturas.

Acresce que, um outro elemento interpretativo, que perpassa já do que vimos expondo e que inquestionavelmente tem que ser relvado, é o do objectivo prosseguido pelo legislador com a instituição desta concreta restrição à dedução e que foi, como é por demais sabido, “compensar/anular” os abusos, muitas vezes cometidos, decorrentes de aquisições de viaturas, sobretudo do tipo “ligeiros” utilizados para transporte de passageiros, através de sociedades - beneficiando do regime fiscal então associado a essa aquisição associado – mas para serem utilizados de forma exclusiva ou preponderante por particulares e para fins particulares. Foram, pois, no mínimo primacialmente, as viaturas em si (a sua aquisição) que estiveram na mira do legislador e não as despesas de portagens e estacionamentos a ela associados, cuja relação com a actividade é objecto de controlo ao nível do artigo 23.º do CIRC.

Tudo, pois, argumentos que nos inculcam, pelo menos mais fortemente, a convicção de que a realidade fáctica em presença nos autos não deve entender-se como subsumível à previsão da norma legal ou, o mesmo é dizer, que os encargos com portagens e estacionamentos não devem entender-se como incluídos no n.º 4, do artigo 41.º, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.

4.3. Prosseguindo no recurso, passemos à apreciação da terceira questão enunciada: o aumento das amortizações do exercício de 1996, decorrente da reavaliação do activo imobilizado corpóreo, deve ser repercutido para efeitos do apuramento do lucro tributável e, consequentemente, a liquidação impugnada, na parte em determinou um acréscimo de 40% do aumento das reintegrações resultantes daquela reavaliação, não é juridicamente censurável?

Como decorre dos autos, em especial do relatório de inspecção na parte em que se fundamenta a correcção em apreço, a Administração Fiscal, na sequência da inspecção realizada, veio a concluir que a sociedade dominante (impugnante e ora recorrente) no âmbito específico das operações de consolidação efectuou um ajustamento das amortizações do exercício com impacto nulo, quer ao nível do rendimento líquido do exercício, quer ao nível do lucro tributável consolidado decorrente da cedência em 31/12/1996 de imobilizado corpóreo efetuado pela C...-... SGPS, SA à C...-..., SA., objeto de reavaliação em 31/12/1996 ao abrigo do D.L 264/92, de 24/11 e art. 4° da Lei 36/91, de 27/07, regulamentada pelo D.L. 22/92, de 14/02.

Segundo se refere no mesmo relatório, no referido ajustamento deveria ter sido considerado o acréscimo de 40% do aumento das amortizações resultantes das citadas reavaliações, a efectuar pela sociedade alienante no Q. 17 da Mod. 22/IRC, no caso a transferência do referido imobilizado no valor de 5.808.045.844$00, que ao nível do lucro consolidado se deveria ter traduzido num aumento do respectivo montante (correcção efectuada).

A impugnante, inconformada com tal entendimento, alegou, mais uma vez em resumo nosso, no caso do lucro não havia que fazer o referido ajustamento, uma vez que, quando se realizam as operações de consolidação, apenas se está a repor em termos contabilísticos a situação inicial, isto é, tudo se passa como se não tivesse existido transferência de activos entre as duas sociedades.

Na sentença recorrida foi reconhecida a legalidade desta correcção, aí se adiantando, no essencial, que:

«Decorre das regras aplicáveis à demonstração de contas consolidadas que devem ser eliminados todos os efeitos económicos, sejam resultados (compras, vendas e mais e menos-valias), sejam créditos e débitos, derivados de operações ocorridas entre as sociedades pertencentes a um mesmo grupo económico e representadas pela mesma sociedade. A finalidade destas regras é a de que, operando-se transferências entre sociedades detidas por uma outra, na titularidade da sociedade detentora não se devem verificar, nem ganhos, nem perdas, nem variações dos seus ativos e passivos.

Diferente, quanto à sua origem, são os processos de fusão (incluindo a incorporação) de sociedades, em que à partida existem duas ou mais sociedades, com patrimónios pertencentes a entidades independentes e que, em virtude dessas operações, passam a estar representadas numa só, pelo que o legislador foi levado a considerar a necessidade de dispor sobre o regime de reintegrações e amortizações efetuadas sobre os elementos do ativo imobilizado transmitidos, condicionando-o à formula que vinha sendo seguida nas sociedades fundidas (vide alínea b) do n° 3 do artigo 62° do Código do IRC, na redação à data dos factos), para assim assegurar a neutralidade fiscal conceptualizada para este tipo de concentração de empresas.

Na situação sub judice, a detenção efetiva (possibilidade de dispor) dos bens em causa já estava definida antes da contabilização das reintegrações - os bens já pertenciam, ao grupo detido pela impugnante, aqui tratado como uma só entidade, para efeitos de tributação do rendimento, pelo que, fosse qual fosse a sociedade para a qual fossem transferidos nunca deixariam de ser detidos pela mesma entidade, a sociedade dominante (a ora impugnante).

Nestes termos, as referências que a impugnante faz aos textos de autores que discorreram sobre procedimentos de consolidação e bem assim sobre as regras do regime adotado em Espanha, vêm ao encontro dos argumentos invocados pela AT, senão vejamos: (i) - a inclusão dos ganhos ou perdas em imobilizados, nas contas consolidadas, somente a partir do momento em que esses bens sejam vendidos para fora do grupo, não corresponde a matéria que esteja sub judice, não constitui qualquer inovação técnica, antes decorre das regras de consolidação; (ii) - a consideração como operações internas de imobilizado de "todas aquelas em que uma sociedade de grupo compra elementos do imobilizado a outra também ao grupo, independentemente de tais elementos constituírem, para a sociedade alienante, imobilizado ou existências", significa apenas que, seja qual for a classificação económica atribuída a um bem por uma entidade, desde que a transferência se verifique para outra sociedade do mesmo grupo, a operação interna será havida como transmissão de imobilizado, sendo essa a classificação económica que o bem passará a deter nas demonstrações de contas consolidadas em sintonia, aliás, com a sua funcionalidade mais atual; (iii) - a apresentação dos imobilizados nas contas consolidadas, valorizadas ao custo de aquisição para o grupo e a apresentação das amortizações do exercício nas contas consolidadas, calculadas com base no custo de aquisição para o grupo, são regras que se encontram subsumidas nos fundamentos deduzidos pela própria AT.

Já no que respeita ao argumento deduzido pela impugnante acerca da não imposição, pelo legislador, do princípio da continuidade que reconhece estar previsto para as fusões e cisões de sociedades, mas ausente dos normativos respeitantes às consolidações, porque, alegadamente, não é imposto que a sociedade adquirente venha a dar o mesmo destino que lhe era dado pela sociedade alienante, tal argumento não pode proceder, uma vez que não está vedado às empresas, no âmbito das suas opções de gestão, a alteração da função económica de qualquer bem dos seus ativos, reconhecendo contabilisticamente a transferência de existências para imobilizado ou vice-versa, quaisquer que sejam a forma jurídica dessas sociedades, a relação de dependência entre elas e, também, a forma de constituição ou transformação.

Contrariamente ao invocado pela impugnante, por referência ao estipulado no n° 3, alínea b), do artigo 62° do Código do IRC, esta norma não vem impor qualquer obrigação de continuidade relacionada com a utilização operacional dos bens, mas sim uma obrigação de continuidade relacionada com o regime de reintegrações e amortizações, em ligação com o que dispõe o Decreto Regulamentar n°2/90, de 12/01,mormente nos seus artigos 4° a 9°, salientando-se a regra definida na alínea c) do n° 3 do artigo 7°, a propósito dos procedimentos a adotar.

Considera a impugnante que existem diferenças entre o disposto no Decreto-Lei n°414/87, de 31/12 e, o artigo 16° do Decreto-Lei n°442-B/88, de 30/11, por um lado, e os artigos 59° e seguintes do Código do IRC, por outro lado, (quanto à contabilização das reintegrações e amortizações dos bens transmitidos intra grupo), mas tal argumento não pode proceder.

Com efeito, o D.L. n°414/87 de 31/12, no seu preâmbulo, vem prever consequências fiscais necessárias da consideração dos grupos, constituídos por domínio total, como uma unidade económica para efeitos de tributação nos impostos sobre o rendimento. Isso implica, por um lado, que o rendimento colectável para efeitos de contribuição industrial e imposto complementar, secção B, seja determinado com base em contas consolidadas e, por outro, que não se tributem em imposto de capitais e imposto de mais-valias os rendimentos de operações verificadas entre as sociedades pertencentes ao grupo. Nas soluções acolhidas tiveram-se em consideração os estudos desenvolvidos a este propósito na Comissão de Reforma Fiscal a respeito do futuro imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), de modo a assegurar que não sejam tomadas medidas que dificultem a transição para o regime que resultará da reforma fiscal."

O próprio art.16° do Decreto-Lei n°442-B/88, de 30/11 vem consagrar, para efeitos de IRC, a continuação da validade da autorização concedida na vigência dos Códigos da Contribuição Industrial, Imposto Complementar, do Imposto de Capitais e do Imposto de Mais-valias.

Afirma-se, pois, com segurança que as regras do D.L. 49/91, de 25 de Janeiro, que foram substituídas pelas constantes do D.L. 264/92, de 24 de Novembro, mantiveram a filosofia anterior.

Ora, resulta dos autos que a impugnante não registou as reintegrações do imobilizado cedido, nem procedeu ao acréscimo de 40% do aumento das reintegrações resultantes da reavaliação, face à cedência do imobilizado à sociedade C...-..., SA. Por sua vez, na C...- ..., SA, foram registadas as reintegrações correspondentes ao ativo imobilizado na situação em que as recebeu - bens do ativo imobilizado no "estado de uso".

Conclui-se, pois, que nenhuma das empresas do grupo foi tributada pelos 40% de reavaliação e, por isso, a impugnante deveria ter acrescido na linha 20 do Q. 17 da Declaração Mod. 22, os 40% do aumento de reintegrações resultante da reavaliação efetuada em 1996.».

No presente recurso, a impugnante mantém-se inconformada, por, em seu entender (e resumo nosso): (i) não ser de aceitar que não haja diferenças entre os regimes consagrado no DL n.º 414/87, de 31 de Dezembro e no artigo 16.º do DL n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, por um lado, e o regime plasmado nos artigos 59.º e seguintes do CIRC (que a sentença funda numa obrigação de continuidade e manutenção de uma mesma filosofia); (ii) terem sido desconsideradas circunstâncias que deveriam ter sido relevadas na decisão, como seja o facto de, por força da sua transformação em SGPS, os activos reavaliados terem deixado de integrar o seu património, sendo, por isso, absolutamente inviável contabilizar as respectivas amortizações e que tais activos também não podiam ser objecto do acréscimo de 40% na sociedade para a qual foram transmitidos - a C..., S.A. - porque esta os adquirira em estado de uso e, por essa razão, nesta empresa nunca poderiam ser bens reavaliados; (iii) o regime de tributação pelo lucro consolidado previsto no CIRC não impor, distintamente do que foi entendido na decisão recorrida, a manutenção do estatuto fiscal dos bens.

Não tem razão a Impugnante.

Embora seja certo que os Tribunais de 1ª instância, não vêm decidindo a presente questão de forma inteiramente concordante (bastando para tal confrontar o julgado que ora se sindica com aquela que foi a decisão proferida no processo que a Impugnante menciona nas suas alegações de recurso), não é menos certo que o Supremo Tribunal Administrativo, chamado já, pelo menos duas vezes e em formações distintas, a decidir desta questão, julgou sempre uniformemente que a correcção em apreço e com os fundamentos idênticos aos que ora nos foram apresentados para apreço, é legal.

Assim, e perfilhando integralmente essa douta jurisprudência, convocamos aqui, como fundamento da nossa decisão, aquele que foi o primeiro aresto publicado, proferido a 27-5-2015, no processo n.º 609/14 (jurisprudência posteriormente reiterada no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 13-1-2016)[13].

Recordemos, porém, antes de mais, aquela que é a factualidade relevante num primeiro enquadramento da questão:

- Os bens do activo imobilizado corpóreo, que foi cedido e alienado, tinham sido objecto de reavaliação ao abrigo dos Decreto-Lei nº 22/92 e nº 264/92, pela C... - ..., S.A., sociedade que inicialmente era a detentora dos bens e que veio a ser transformada em C... - ..., SGPS, SA.;

- No âmbito do processo de privatização de que foi objecto, a recorrente foi sujeita a um processo de avaliação do imobilizado, tendo reavaliado o imobilizado corpóreo utilizado na actividade operacional, na sequência do que foi autorizada a constituir, no exercício de 1996, uma reserva de reavaliação e a, consequentemente, deduzir como custos fiscais os acréscimos das amortizações resultantes dessa reavaliação referentes ao exercício de 1996, a partir deste exercício de 1996;

- A 31 de Dezembro de 1996, na sequência de um processo de reorganização do Grupo, a impugnante foi transformada em sociedade gestora de participações sociais (SGPS), holding pura, tendo alienado, nessa mesma data, os seus activos fixos já reavaliados e que se encontravam afectos à sua actividade operacional, à sociedade C..., S.A. que os registou pelo valor líquido contabilístico que esteve na base da aquisição;

- A reavaliação em análise foi realizada ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 22/92, de 14/2, que impedia que fossem fiscalmente dedutíveis como custo do exercício 40% do acréscimo das reintegrações anuais que resultassem das reavaliações efectuadas;

- A transformação da impugnante em SGPS determinou que os bens reavaliados fossem transmitidos à C..., SA, sociedade integrada no grupo e, consequentemente, sujeita, tal como a impugnante, ao regime de tributação pelo lucro consolidado.

- Nem a Impugnante (agora sociedade holding), nem a C..., S.A. procederam ao acréscimo correspondente a 40% do incremento das mesmas reintegrações.

Quid iuris?

«Se bem percebemos a argumentação da recorrente neste recurso que nos dirige, a mesma entende que o disposto no artigo 59º do CIRC (na redacção à data da ocorrência do facto tributário, exercício de 1999), não previa, tal como o artigo 6º, n.º 2, al. a) do DL n.º 414/87, de 31/12, que as reintegrações e amortizações dos elementos ou valores transmitidos fossem calculadas como se não tivesse havido transmissão entre as sociedades do grupo, pelo que, é ilegal a liquidação impugnada e enferma de erro de julgamento a sentença que assim decidiu.

Desde já poderemos dizer que o recurso não merece provimento, pelas razões que de seguida se alinharão.

A tributação dos grupos de sociedades pelo lucro consolidado surge com a edição do DL n.º 414/87, de 31/12, ainda na vigência do regime fiscal da Contribuição Industrial e do Imposto Complementar, mas já se antevendo a reforma profunda do sistema fiscal que se aproximava a passos largos com o CIRC.

E é por essa razão que este DL n.º 414/87 é editado, tal como se surpreende do seu preambulo, foi-o acolhendo as soluções dos estudos desenvolvidos a este propósito na Comissão de Reforma Fiscal a respeito do futuro imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), de modo a assegurar que não sejam tomadas nesta altura medidas que dificultem a transição para o regime que resultará da reforma fiscal.

Menos de um ano depois, o legislador fez publicar o DL n.º 442-B/88, de 30/11, que aprovou o CIRC, podendo ler-se no preambulo desse DL, e no que se refere a este regime especial de tributação, “11 - Uma reforma da tributação dos lucros não pode ignorar a evolução das estruturas empresariais, antes há-de encontrar o quadro normativo que, obedecendo a princípios de eficiência e equidade, melhor se ajuste a essas mutações.

A existência de grupos de sociedades que constituem uma unidade económica é uma das realidades actuais que deve merecer um adequado tratamento fiscal, na esteira, aliás, do que vem acontecendo noutras legislações. Os estudos preparatórios desenvolvidos a propósito do IRC permitiram já a publicação do Decreto-Lei 414/87, de 31 de Dezembro, cuja disciplina geral, possibilitando a tributação do lucro consolidado, se reproduz neste Código e contém as virtualidades suficientes para poder ser desenvolvida à luz da experiência que for sendo retirada da sua aplicação.”.

Percebe-se, assim, que o regime de tributação inovatório do DL n.º 414/87 (o da consolidação fiscal visando a tributação pelo lucro consolidado das sociedades que constituem o grupo) mais não foi do que uma antecipação do regime que acabaria por ser consagrado nos artigos 59º e ss. do CIRC, uma vez que havia a necessidade de rapidamente criar um regime fiscal próprio (que apoiasse) para as organizações plurissocietárias (grupos societários) que rapidamente se instalavam nos mercados, com vista a uma melhoria das condições de operacionalidade no vasto mercado global [cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, “Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em sede de IRC”, pág. 55, Maria dos Prazeres Lousa, “O Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 355, 1989, p. 59 e Nuno de Oliveira Garcia, “Tributação pelo Lucro Consolidado”, (Comentário ao Acórdão N.º 021/12 do Supremo Tribunal Administrativo…), Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 5, Número 1, págs. 255 e ss.], no dizer do acórdão deste Supremo Tribunal, rec. n.º 021/12, de 29/02/2012, “A vantagem fiscal concedida aos grupos de sociedades através do regime da tributação do lucro consolidado, que, como vimos, implica para o Estado perda de receitas, é justificada pelos potenciais efeitos positivos do ponto de vista económico que se visam alcançar com esse mecanismo.”.

Portanto, tanto o DL 414/87, como o artigo 59º do CIRC provinham da mesma fonte comum, sendo que o regime daquele DL (Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado) acabou por ser incorporado no CIRC sem alterações relevantes a nível estrutural, “…o RTLC foi introduzido em Portugal logo em 1988 pelo Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de Dezembro, passando, depois, a constar do próprio Código do IRC. O regime assentava numa autorização prévia obrigatória por parte do Ministro das Finanças que permitia que o lucro tributável em IRC fosse calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo mediante a consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados das sociedades que o integravam (desde que verificados certos requisitos definidos na lei e de outros fixados pelo próprio Ministro das Finanças). Com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o RTLC seria substituído pelo RETGS actualmente em vigor, abandonando-se a tributação dos grupos com base nos resultados apurados de acordo com as contas consolidadas e passando-se a apurar o seu resultado fiscal a partir da soma algébrica dos resultados líquidos (lucro ou prejuízo) de cada uma das empresas constituintes do Grupo fiscal”, cfr. Nuno de Oliveira Garcia, mesmo local citado, pág. 257.

Tratava-se, essencialmente, de um regime de consolidação fiscal que podia ser definido como “…um regime específico de quantificação da matéria tributável aplicável… (às) …várias sociedades que integram o grupo … o qual, partindo do resultado individual de cada uma das sociedades determinado de acordo com as regras gerais, se procede em seguida às correcções aos resultados de cada uma delas, essencialmente através da eliminação das operações internas ao grupo, após o que se efectuará a soma algébrica desses resultados, quantificando a matéria tributável do grupo de sociedades, e se procederá, por fim, à liquidação e às deduções à colecta que tiverem lugar.”, cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, “Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em sede de IRC”, págs. 97 e 98, no mesmo sentido, e fazendo a análise comparativa entre consolidação contabilista e consolidação fiscal, Carlos A. Rosa Lopes, Revista TOC, n.º 10, Janeiro de 2001, págs. 38 e ss.

Apesar de se tratar do mesmo regime, com o mesmo alcance, objectivo e conteúdo, é certo que, aparentemente e tal como refere a recorrente nas suas alegações, o texto do referido artigo 59º do CIRC e o texto do DL 414/87, quando analisados comparativamente, poderiam levar-nos a concluir que o texto do diploma original seria mais restritivo (limitativo para o contribuinte) que o do CIRC no que respeita às reintegrações e amortizações dos elementos ou valores transmitidos intragrupo.

Enquanto que no DL n.º 414/87 se dispunha expressamente nos artigos 1º, n.º 1 e 6º:

Artigo 1.º

Tributação pelo lucro consolidado

1 - A sociedade que, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, tenha o domínio total de uma ou mais sociedades poderá solicitar ao Ministro das Finanças autorização para que o lucro tributável e o rendimento global para efeitos, respectivamente, de contribuição industrial e de imposto complementar, secção B, sejam determinados em conjunto para todas elas mediante consolidação das respectivas contas.

Artigo 6.º

Isenção do imposto de mais-valias

1 - Os ganhos realizados através da transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado ou de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição operada entre sociedades abrangidas pelo artigo 1.º, durante o período em que aplique a tributação pelo lucro consolidado, ficam isentos do imposto de mais-valias.

2 - Quando se verifique o disposto no número anterior:

a) As reintegrações e amortizações dos elementos ou valores transmitidos são calculadas como se não tivesse havido transmissão entre as sociedades do grupo;

b) As mais-valias ou menos-valias correspondentes aos mesmos elementos, quando se verifique a sua posterior transmissão e haja lugar a imposto, são calculadas como se não tivesse havido transmissão entre as sociedades do grupo,

já no CIRC dispunha-se no n.º 1 do artigo 59º (sob a epígrafe “Âmbito e condições de aplicação” da tributação pelo lucro consolidado) que, 1 - Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante poderá solicitar ao Ministro das Finanças autorização para que o lucro tributável em IRC seja calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo mediante a consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados das sociedades que o integram.

Mas, lidos atentamente ambos os regimes, claramente podemos intuir que a tributação ocorre por referência ao lucro consolidado, ou seja, pela consolidação fiscal das contas; essa consolidação fiscal parte sempre do pressuposto de que os resultados decorrentes das operações efectuadas entre sociedades do mesmo grupo são eliminados na totalidade, não só os resultados imediatos, mas igualmente todos os circunstancialismos que permitam considerar para efeitos fiscais o objecto de tais operações como desligado de uma operação intragrupo (“Na eliminação dos resultados internos provenientes das operações efectuadas entre as sociedades do grupo, e que estejam incluídos nos valores contabilísticos dos activos constantes dos balanços das sociedades do grupo, na consolidação fiscal são eliminados pelo valor total, enquanto na consolidação contabilística são eliminados por inteiro nos activos, mas ao nível dos resultados e capital próprio pode efectuar-se a repartição por interesses maioritários e minoritários…”, cfr. Carlos A. R. Lopes, mesmo local citado, pág. 40).

E se o legislador previu expressamente naquele artigo 6º, n.º 2, al. a) do DL n.º 414/87 a neutralidade das operações efectuadas intragrupo no tocante ao cálculo das reintegrações e amortizações dos elementos ou valores transmitidos, sendo este um dos pressupostos estruturantes para que possa ocorrer a consolidação fiscal, também não deixou de o prever no CIRC, uma vez que o próprio conceito de lucro consolidado para efeitos fiscais pressupõe tal realidade.

“Na verdade, o regime de tributação pelo lucro consolidado (introduzido pelo Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de Dezembro, alterado pela Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro) proporcionava outras (além da isenção de Sisa) vantagens para o grupo societário, nomeadamente: a eliminação total da dupla tributação, em sede de IRC e de imposto sobre as Sucessões e Doações por Avença, relativamente aos lucros/dividendos distribuídos entre as sociedades do grupo, a não realização de quaisquer retenções na fonte, em sede de IRC, nas relações entre as sociedades do grupo, a possibilidade de as mais e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado, assim como quaisquer ganhos e perdas realizados em transacções entre as diversas sociedades do grupo não serem consideradas ganhos/perdas na determinação da matéria colectável em sede de IRC e a possibilidade de compensação dos lucros e prejuízos gerados no mesmo ano pelas diversas sociedades do grupo”, cfr. acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 128/09, datado de 12/03/2009.

“Efectivamente, se uma sociedade do grupo integra no património um elemento do imobilizado adquirido a outra sociedade do grupo, terá de se proceder a uma série de ajustamentos recorrentes em cada processo de consolidação e durante o período em que mantiver a sua propriedade, os quais são em suma, os seguintes:

-Considerar como custo de aquisição não o registado pela sociedade adquirente mas, o que constava nos registos da entidade alienante no momento da transmissão;

-Corrigir a quota anual de reintegração ou amortização de modo a adequar o respectivo valor ao que seria calculado sobre o custo de aquisição ou de produção do elemento para o grupo. Este ajustamento reflecte-se directamente no resultado consolidado;

-Recalcular as reintegrações e amortizações acumuladas em função dos ajustamentos anteriores, como se não tivesse havido transferência do elemento entre sociedades do grupo.

No exercício em que o elemento do activo imobilizado for alienado para uma entidade exterior ao grupo, a mais ou menos valia contabilística e fiscal será calculada abstraindo das transmissões internas dentro do grupo.”, cfr. Maria dos Prazeres Lousa, O Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado, CTF, n.º 355, pág. 86, também no mesmo sentido pode-se consultar a Circular n.º 4, de 09/01/1990, da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, CTF, n.º 357, págs. 267 e ss.

De resto, e ao contrário do que vem alegado pela recorrente, o disposto no artigo 16º, n.º 2 do DL n.º 442-B/88 tem aplicação no âmbito do regime de tributação previsto no artigo 59º do CIRC, por razões de lógica e coerência do regime legal próprio da tributação pelo lucro consolidado.

Dispunha o artigo 16º do DL n.º 442-B/88, de 30/11, sob a epígrafe “Tributação pelo lucro consolidado”:

1 - A autorização para a tributação pelo lucro consolidado nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei 414/87, de 31 de Dezembro, é válida, para efeitos de IRC, pelo período restante por que tenha sido concedida e nos termos e condições em que o tenha sido.

2 - Para efeitos de determinação da matéria colectável em IRC é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei 414/87, de 31 de Dezembro.

Se o n.º 1 deste artigo 16º visa salvaguardar as situações já constituídas à data da entrada em vigor do CIRC, portanto, configura-se como uma norma de direito transitório, de adaptação das situações anteriores à nova realidade, já o disposto no n.º 2 do mesmo preceito se destina a regular expressamente a tributação pelo lucro consolidado no âmbito do CIRC, cfr. Maria dos Prazeres Lousa, O Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado, CTF, n.º 355, pág. 85, tal como já acontecia no âmbito do DL n.º 414/87.

Podemos, assim, concluir que a interpretação que a recorrente faz do RTLC previsto no CIRC permite defraudar o princípio da neutralidade nas operações intragrupo, bem como o espírito com que foi editado esse regime especial de tributação [“A tributação pelo lucro consolidado constitui…uma excepção ao princípio da individualidade da tributação ou da pessoalidade tributária de cada uma das sociedades comerciais (art. 2º do CIRC)”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, rec. n.º 024732, de 05/04/2000], não encontrando, assim, apoio nas regras interpretativas das leis, estabelecidas no artigo 9º do Código Civil.

Impondo tal regime de tributação que todas as operações entre empresas do mesmo grupo sejam desconsideradas (sejam neutras) para efeitos de tributação fiscal, quer enquanto lucros, quer enquanto prejuízos, ao considerar-se o objecto dessas operações como “imune” ao mesmo princípio da neutralidade, estar-se-ia a permitir, por exemplo no caso de bens sujeitos a reavaliação, que os mesmos, após a transmissão entre empresas do mesmo grupo, passassem a constar da respectiva contabilidade, e também para efeitos fiscais, como provenientes de terceiros exteriores ao grupo, permitindo, assim, retirar dos mesmos todas as vantagens fiscais que já anteriormente haviam proporcionado ao próprio grupo, duplicando a vantagem fiscal inerente ao Regime da Tributação pelo Lucro Consolidado.» (fim de transcrição do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo supra identificado).

Conclui-se, assim, face ao exposto, que é aplicável o acréscimo, para efeitos fiscais, ao lucro tributável consolidado em 31 de Dezembro de 1996, de 40% do aumento anual das reintegrações resultantes das reavaliações efectuadas ao abrigo dos Decretos-Lei nº 22/92 de 14/2 (que regulamenta o art. 4° da Lei nº 36/91 de 27/07) e nº 264/92 de 24/11. E, consequentemente, que é legal a liquidação impugnada e, consequentemente, que nesta parte a sentença recorrida não é merecedora da censura que lhe foi dirigida.

4.4. Enfrentemos, agora, a quarta questão enunciada: é ou não a provisão para créditos de clientes em mora, constituída pela Impugnante, desconforme o preceituado no artigo 33.º, n.º 1, al. a), do CIRC, por os juros não serem passiveis de ser integrados no conceito de “créditos resultantes da actividade normal” da empresa e, consequentemente, não são elegíveis para os efeitos fiscais visados pela impugnante com a sua constituição.

Para assim decidir, o Tribunal a quo, após ter mencionado que a exigência de juros de mora representa um direito legalmente consagrado que é concedido ao credor de ser ressarcido «dos prejuízos causados pelo não recebimento da importância que estava acordada, em resultado de uma transacção realizada no âmbito da sua actividade normal; que ainda integra essa normal actividade a obtenção dos meios monetários correspondentes aos bens e serviços entregues a um dado cliente e que, por essa razão, o registo na contabilidade do novo credito como um ativo, por contrapartida da consideração do proveito correspondentes aos juros de mora por débitos já vencidos, são uma consequência necessária da prossecução das operações principais, activo esse sujeito ao risco de incobrabilidade, pelo que, quando este se toma evidente, em obediência ao princípio contabilístico da prudência, haverá que procede ao reconhecimento da previsível perda», julgou procedente a impugnação na parte correspondente a esta correcção.

Contra tal entendimento se insurge a Fazenda Pública, persistindo na argumentação anteriormente aduzida: sobre estes débitos não pode ser constituída a provisão porque os juros não constituem actividade normal da empresa e, consequentemente, não estão cobertos pela previsão do artigo 33.°, n.°1, a) do CIRC que prevê que não podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que não tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal da empresa; os créditos aí previstos são apenas os créditos sobre clientes resultantes das transacções de bens e serviços relacionados com a actividade produtiva da empresa, constituindo a consideração de tais juros uma prerrogativa unicamente decorrente da actividade das instituições de crédito.

Tudo, pois, para concluir que, devendo «o conceito de actividade normal da empresa» ser interpretado como referindo-se à «actividade a que a empresa se dedica, e que foi definida no contrato de sociedade» deve este Tribunal de recurso julgar legal a correcção efectuada e revogar nesta parte a sentença recorrida.

Apreciemos.

Nos termos do artigo 33.º, n.º 1, al. a), do CIRC (reportamo-nos sempre nas referências legais, como já salientado, aos artigos e redacções vigentes na data dos factos), podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

In casu, face aos factos apurados e aos fundamentos de recurso nesta parte - não está agora em apreço que possam ser de cobrança duvidosa ou que não estejam evidenciados como tal na contabilidade mas, exclusivamente, apurar se os juros de mora de dívidas provenientes de fornecimentos feitos a clientes da impugnante por bens/serviços, não pagos nas datas de vencimento contratual – importa decidir se créditos relativos a juros se enquadram na actividade normal da impugnante para efeito de tais juros serem considerados "provisões fiscalmente dedutíveis”.

Vejamos o que para nós resulta da apreciação da questão, avançando para aquele que é, em nosso entender, o seu enquadramento jurídico de base ou pano jurídico de fundo, o regime de cumprimento das obrigações, ao qual, como é sabido, presidem fulcralmente três princípios gerais: o princípio da pontualidade, da integralidade e da boa-fé.

Para o que ora nos importa, do princípio da pontualidade, consagrado no artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil (CC), decorre que o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, o que significa que, salvo as excepções referidas, a extinção da obrigação apenas ocorre se e quando o devedor cumprir a prestação a que está vinculado, ou seja, satisfizer integralmente o interesse do credor contratualmente previsto (artigo 762.º, n.º 1, ambos do CC).

Neste contexto assume ainda relevo o prazo da prestação ou de cumprimento da obrigação, isto é, o momento em que o credor pode exigir do devedor o cumprimento do que se obrigou sob pena de entrar em mora, que nos casos de as partes terem estabelecido ou acordado num prazo certo se verifica com o decurso do prazo de pagamento acordado (artigos 777.º e 805.º, n.º 2, al. a), do CC).

Nos termos do preceituado no artigo 804.º, n.º 1, do CC, verifica-se mora do devedor quando a prestação possível não foi, por facto exclusivamente imputável ao devedor, cumprida no prazo acordado, com o consequente nascimento da obrigação do devedor indemnizar o credor pelos danos sofridos com o atraso no cumprimento da obrigação (para além da inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa que aqui não assume relevo algum), sendo que, nas obrigações de natureza pecuniária, como as que estão em causa nestes autos, o próprio legislador fixou essa indemnização - por considerar que o dano que se verifica corresponde à perda do capital durante um determinado período -, estabelecendo no artigo 806.º do CC, que aquela indemnização corresponde aos juros desde a data de constituição em mora (juros moratórios), a liquidar por referência aos juros legais, salvo se as partes tiverem estipulado um valor distinto.

Em suma, do quadro que vimos traçando não parece resultar dúvida quanto a ser forçoso concluirmos que há uma relação directa entre a obrigação principal de capital prevista no contrato celebrado no âmbito da actividade comercial de uma empresa, in casu, da impugnante, e a obrigação legal de pagamento de juros no caso de incumprimento temporário desse mesmo contrato (celebrado no desenvolvimento dessa mesma actividade da empresa), que nos permite concluir que uma (obrigação principal) está indissociavelmente conexionada com outra (juros). Ou seja, a obrigação de juros é acessória da obrigação de capital (obrigação principal), não podendo aquela primeira nascer ou constituir-se sem esta segunda.

Não se trata aqui – centrando-nos agora na argumentação da Administração Tributária – de uma prestação (juros) enquanto remuneração de um qualquer financiamento, vulgo, desenvolvimento de uma actividade própria de instituições de crédito, mas de uma indemnização legalmente fixada pelo incumprimento de um contrato comercial celebrado no desenvolvimento do seu objecto social, isto é, de natureza completamente distinta aos previstos como operações financeiras próprias ou típicas das instituições de crédito.

 E, nessa medida, porque ainda decorrentes da actividade normal da impugnante, tais créditos (emergentes do direito a uma indemnização traduzida em juros), podem, nos termos do preceituado no artigo 33.º, n.º 1, al. a), do CIRC, ser objecto de constituição de provisão tendo em vista a sua dedução para efeitos fiscais do ano de exercício a que respeitem, tal como evidenciado na contabilidade daquela.

Aliás, e assim se conclui, a posição por nós acolhida, para além de ser a que vem sendo firmada em arestos do nosso Supremo Tribunal[14], ainda que com fundamentação apenas parcialmente semelhante, é a mais compatível com uma interpretação do sistema fiscal no seu todo, isto é, a que melhor se compatibiliza com o ordenamento jurídico-tributário na parte em que impõe que sejam tributados em sede de IRC e como proveitos os valores correspondentes aos juros de mora cobrados por uma empresa. Ou seja, não faria o menor sentido, por um lado, afastar a possibilidade de serem constituídas provisões para efeitos de créditos em mora ao abrigo do artigo 33.º n.º 1 al. a) do CIR,, com fundamento em que os juros não fazem parte da actividade normal da empresa e, por outro, tributarem-se os valores relativos a juros de mora em sede de IRC.

4.5. Sem prescindir daquela recusa em aceitar a susceptibilidade dos juros de mora integrarem a constituição de provisões para efeitos do determinado no artigo 33., n.º1, al. a), do CIRC, suscita a Fazenda Pública outras duas questões relativas também a provisões mas, agora, relativa a créditos de cobrança duvidosa no valor de Esc. 40.223,085$00: (i) a questão da natureza da prova produzida e a capacidade dessa prova suportar os factos apurados no sentido fixado e (ii) a questão da data a partir da qual devem ser contados os juros que estão na base da sua constituição quando os créditos estão titulados por letras.

Antes de avançarmos para a concreta situação dos autos cumpre definir, ainda que de forma brevíssima, o quadro em que a resolução desta questão se deve encontrar, o que nos remete para o regime consagrado no CIRC nesta matéria, que podemos delimitar em duas vertentes: a regra, que é a da dedutibilidade fiscal das provisões, nos termos do estabelecido no artigo 23.º, n.º 1, al. b), do CIRC); a excepção, substanciada nas limitações qualitativas (expressas na última norma citada) e quantitativas consagradas nos artigos 34.° a 36.°, do mesmo Código.

Neste quadro importa-nos sobremaneira o preceituado no artigo 35.º do CIRC onde estão taxativamente discriminadas as situações em que as provisões constituídas pelos contribuintes podem ser consideradas para efeitos de apuramento do lucro tributável, do qual resulta a exigência de uma relação necessária com a actividade da empresa - que a doutrina e a jurisprudência vêm identificando com os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício devidamente evidenciados em contas apropriadas em função das alíneas a) a c) do n°1 do artigo 34.°, conjugado com o artigo 33.°, al. a), ambos do CIRC - para além da prova de terem sido realizadas diligências tendo em vista o efectivo recebimento dos créditos em mora relativamente aos quais foram constituídas as provisões.

Uma vez que já se apreciou a questão do contexto empresarial em que nasceram os créditos em questão e que a questão de facto está já ultrapassada pela apreciação realizada no ponto 4.1. - resultando do probatório que a realização de diligências relativamente a cada um dos créditos em causa foi comprovada (cfr. factualidade vertida no ponto III deste acórdão sob os n.ºs 22. E 23.), importa que nos concentremos na análise da segunda questão: qual a data de constituição em mora do devedor quando o seu débito ou obrigação está titulado por letras?

Relembremos, antes de mais, o essencial da argumentação aduzida pela Fazenda Pública: ao aceitar uma letra ambas as partes acordam na dilação do prazo previsto para o cumprimento em momento posterior ao da factura, ou seja, o prazo limite de pagamento da factura passa a ser o da letra e, consequentemente, é a partir desta data que podem ser cobrados juros e estes (juros assim contados) contabilizados em sede de provisão e relevados em sede fiscal.

Embora a argumentação expendida padeça, salvo o devido respeito, de rigor jurídico, cremos que deve, nesta parte, ser reconhecida razão à Fazenda Pública.

Efectivamente, e como resulta do probatório, as transacções comerciais estabelecidas pela Impugnante eram tituladas por meras facturas, com prazo de pagamento em regra de 30 dias. Não sendo as facturas liquidadas dentro do referido prazo, a Impugnante estabelecia contactos, primeiramente via telefone ou pessoais com os devedores e, não obtendo sucesso para o pagamento, encaminhava a situação para o gabinete jurídico.

Todavia, como resulta dos factos apurados (e dos depoimentos que os suportaram) nem sempre essa via para o gabinete jurídico abria a via contenciosa, uma vez que está provado que, em diversas situações, por acordo entre a Impugnante e o devedor, o crédito passava a ser titulado por letraso acordo a que nos referimos, o que importa sublinhar, é, pelo menos quanto resulta do probatório exclusivamente o acordo do crédito passar a ser titulado por uma letra.

Foi esta política da empresa no que aos seus créditos respeita que se provou que aconteceu no caso concreto relativamente aos créditos que estão na base da constituição da “Provisão para créditos de cobrança duvidosa” titulados por letras.

 Mais está provado que, nos créditos titulados por letras, a contagem dos juros de mora era feita a partir da data do vencimento das facturas, ou seja, a inscrição ou contabilização em sede de provisão assentava na consideração dos juros de mora contados desde a data de vencimento da factura e não da data de vencimento da letra.

É, como vimos já, quanto a este último cálculo que esteve na base da constituição da provisão que as partes se não entendem e relativamente ao qual discordámos da actuação da Impugnante e quanto ao decidido pelo Tribunal a quo.

Na verdade, face ao apurado, afigura-se-nos indiscutível que a subscrição de letras não teve por efeito extinguir as obrigações directamente emergentes da relação subjacente ou causal, relativa ao fornecimento das mercadorias, apenas traduzindo um acordo no sentido de adiar o vencimento da dívida para as datas apostas em cada uma das referidas letras.

Senão, vejamos.

A questão em apreço remete-nos directamente, como está bem de ver, para a distinção de regimes correspondentes, por um lado, à figura da novação - para a qual a recorrente e os autores que cita não deixam de alertar como pertinente para a solução a dar para a questão em equação - e, por outro, para a figura da dação pro solvendo (ignorada pela Impugnante nas suas contra-alegações) reguladas, respectivamente, nos artigos 857.º e seguintes e 840.º e seguintes do CC.

Relativamente à novação - que como sabemos constitui uma forma de extinção da obrigação por força da constituição de uma outra, nova, que a substitui – assume particular relevo o que vem disposto no artigo 859º do CC: «A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada», regra que se aplica independentemente da modalidade legal (objectiva ou subjectiva – artigos 857.º e 858.º do CC) que a figura jurídica em apreço assuma.

Ou seja, e como nos ensinam os Ilustres Professores, não havendo, em qualquer dos casos, declaração expressa de que se pretende novar (animus novandi), a obrigação primitiva não se extingue, constituindo, na obra que citaremos, exemplo desta situação, precisamente, o não poder ter-se necessariamente como novação a subscrição de um título de crédito, duma letra posteriormente à constituição da obrigação fundamental. Assim, "Se for expressamente manifestada a vontade de novar, isto é, de substituir a obrigação antiga por uma nova, verifica-se uma dação em cumprimento ao lado da novação da dívida. Se não houver declaração expressa - como não houve no caso sub judice, em face da matéria de facto oportunamente descrita -, presume-se uma datio pro solvendo, nos termos do nº 2 do artigo 840º: a dívida antiga só se extingue pela satisfação da dívida de novo contraída".[15]

Por sua vez, a datio pro solvendo tem como marco característico a inexistência de vontade de extinção imediata da obrigação, a qual só vem a extinguir-se se o direito do credor for satisfeito e na medida em que o for.

A propósito ainda destas figuras, de figuras afins e sua relação com a subscrição de letras, referem os autores já citados, referindo-se à presunção estabelecida no artigo 840.º, n.º 2, do CC (situação de a dação ter por objecto a assunção de uma dívida), «para que se verifique a novação, que corresponde, como a dação em cumprimento, à extinção da obrigação primitiva, é necessário que ela seja expressamente manifestada (artigo 859º). Se o não for, presume-se que houve uma dação pro solvendo. É o caso de se subscrever uma letra ou emitir um cheque, não em pagamento da dívida, mas para que, pela cobrança do título, o credor se pague do seu crédito.».[16]

Em suma, finaliza-se em aresto do Supremo Tribunal de Justiça (em tempos bem recuados mas com doutrina, se nos é permitido, intocável e produzida perante preceitos cuja redacção nunca foi alterada: «Para que a emissão de uma letra opere a novação da obrigação fundamental é indispensável que as partes manifestem expressamente a vontade de contraírem nova obrigação, conforme o artigo 859º do Código Civil".[17]

Compulsados os autos, em especial o probatório, não vemos que se tenha provado que aquela manifestação de vontade tenha existido, o que significa que o acordo da Impugnante com os seus clientes/fornecedores - no sentido de que o preço constante das facturas seria pago através de letras sacadas pela primeira e aceites pelos segundos – consubstanciou uma "datio pro solvendo" com a consequente modificação das obrigações primitivas, que, todavia, subsistiram.

Como implícito ao referido pela Impugnante – embora nunca tenha chamado expressamente à colação a figura jurídica em causa - a dação em função do cumprimento apenas envolve a criação de um novo título - que vive lado a lado com a obrigação fundamental – que se destina, a mais da vezes, a facilitar a satisfação do crédito.

Porém, nessas situações, criação do título cartular, o devedor, em virtude das consequências resultantes da datio pro solvendo, apenas se constitui em mora - com o consequente nascimento para o credor da indemnização que corresponde aos juros contados do dia de constituição em mora (artigos (artigos 804º, 805º e 806º, nº 1) – a partir da data de cada uma das letras sacadas pela impugnante e aceites pelos respectivos devedores, devendo o seu cálculo ser feito em função das importâncias nelas (letras) apostas.

Em suma, quem, tendo celebrado um contrato pelo qual se obrigou a pagar determinada data, subscreve depois uma letra que entrega ao vendedor, não operou (com a entrega da letra) a novação da obrigação fundamental emergente do contrato de compra e venda. Ficaram a existir, lado a lado, duas obrigações: uma (a fundamental) emergente do contrato de compra e venda; a outra (de natureza cambiária) emergente do aceite da letra.

Mais: com o aceite e entrega das letras, as partes modificam a obrigação fundamental no que concerne ao prazo de pagamento do preço que fica sendo o correspondente ao vencimento das letras, deixando, pois, de corresponder ao da data que constava das facturas.

É este o entendimento que nos parece mais razoável e que melhor corresponde à interpretação da intenção das partes, à luz da teoria da impressão do destinatário consagrada no art. 236º-1 do CC: o vendedor, ao aceder em sacar letras sobre o comprador e que este aceite, das quais constam umas datas de vencimento diferentes das que constavam das facturas, aceita, implicitamente, que o preço da mercadoria irá ser pago nas datas que constam das letras como sendo as do respectivo vencimento, pelo que os juros de mora devidos (em caso de não pagamento tempestivo das letras) correm a partir das datas de vencimento das letras (e não já a partir das datas de vencimento das facturas).

O que significa, como foi muito bem expresso pela Fazenda Pública na sua conclusão AA) das alegações de recurso, que se é a «a partir da data limite de pagamento da letra que o devedor entra em mora» só «a partir dessa mesma data é que se pode começar a provisionar a sua incobrabilidade.».

Donde, sem que outras acrescidas considerações se julguem oportuno realizar, se concederá, com os fundamentos expostos, procedência ao recurso da Fazenda nesta parte.

4.6. Enfrentemos, por fim, a última das questões postas em recurso: não devem ser considerados como custos de exercício da Impugnante o montante das despesas com reembolsos de encargos respeitantes à utilização de viaturas da G... S.A., por tais despesas já terem sido contabilizadas como custos na esfera desta sociedade?

Como se vê das conclusões de recurso [BB) a FF)], para a Fazenda Pública a resposta a esta questão, necessariamente positiva, decorre naturalmente do seguinte raciocínio: é absolutamente indiferente que o veículo utilizado pelo Director Fabril da G... seja (ou tenha sido) pertença deste uma vez que efectivamente relevante é que as despesas que alegadamente lhe foram reembolsadas já foram consideradas como custos na esfera da sociedade G..., S.A., empresa do grupo da impugnante, pelo que, a aceitação desses montantes como custos da impugnante constituiria uma duplicação do benefício contabilístico

Do confronto das referidas conclusões com o teor do relatório de inspecção (não houve apresentação de resposta mas, tão só, a junção de processo instrutor), torna-se evidente que a Fazenda Pública deixou cair em recurso os fundamentos que integram ou fundaram a desconsideração das despesas em causa como custos fiscais e a subsequente correcção e que, se bem vemos, se traduziam, no que respeita ao montante de Esc. 2. 309 076$00, no facto de os documentos que as suportam não possuírem os requisitos exigíveis à sua subsunção no regime consagrado no artigo 23.º do CIRC; no que concerne ao valor de Esc. 2. 118 801$00, por os documentos de suporte se esgotarem em mapas de quilómetros efectuados por viaturas que pertencem ao imobilizado da empresa e que nesse mesmo exercício (1996) já tinham sido objecto de diversos registos contabilísticos (amortizações, combustíveis, manutenção, seguros, etc.), o que se traduziria, relevados que fossem esses custos em termos fiscais, a uma duplicação de custos (cfr. fls. 39 dos autos).

Ou seja, não obstante a menção, a final, a uma duplicação de custos, é por demais evidente que o “fundamento da duplicaçãonão são, agora, as despesas já inscritas “sobre as mesmas viaturas, ainda que a outros títulos, pela Impugnante, mas as “mesmas despesas inscritas na contabilidade de uma outra empresa do grupo”, a G....

Ora, nessa medida, isto é, porque os fundamentos que aqui estão a ser discutidos em recurso não são os invocados no relatório de inspecção, a pretensão da recorrente deve improceder.

Mas, mesmo que assim não fosse – o que até se admite como possível face à concretização realizada de tais despesas pela Impugnante na sua petição inicial (cfr. artigos 36.º a 42.º do referido articulado) e ao caminho seguido na prova produzida – o pedido de revogação da sentença recorrida estaria sempre votado ao insucesso.

Em primeiro lugar, porque a referida duplicação de custos resultante da sua inserção na contabilidade de mais do que uma empresa não foi questão anteriormente equacionada ou que o Tribunal a quo tivesse, por essa razão, apreciado. Constitui, assim, a qualquer luz, uma questão nova – e não mero argumento – cuja análise e decisão estão absolutamente vedadas a este Tribunal de recurso a quem apenas é admitido a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo, salvo no que respeita a questões de conhecimento oficioso que, seguramente, não é o caso.

Em segundo lugar, porque o que está provado é que «A impugnante, pagou "ajudas de custo" pelos quilómetros percorridos em viatura própria do diretor fabril da “G...,S.A.” (…) no âmbito das funções que este desenvolvia ao serviço dessa empresa em locais geograficamente dispersos e, com necessidade de alojamento fora da área da sede da mesma» (factos vertidos no probatório sob os n.ºs 25. e 26.) e não ficou provada – sem que tal haja sido objecto de impugnação pela Fazenda Pública – a (ora) alegada inscrição de tais despesas para efeitos fiscais (dedução de custos) em duas empresas em simultâneo.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto pela recorrente Fazenda Pública.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:

- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Impugnante e, em conformidade, revogar a sentença recorrida na parte em que julgou válida a correcção efectuada pela Administração Fiscal e relativa aos acréscimos de 20% referente a despesas de portagens e estacionamento de viaturas ligeiras de passageiros, no valor de Esc. 1.171.774$00, anulando-se, em conformidade, nessa parte a liquidação impugnada;

- Julgar parcialmente procedente o recurso da Fazenda Pública e, em conformidade, revogar a sentença recorrida na parte em que anulou as correcções relativas a provisões para créditos de cobrança duvidosa na parte relativa aos créditos titulados por letras na parte em que se reportam a letras não vencidas e/ou a juros contados antes das datas nesses títulos inscritas, mantendo, em conformidade, e com esta delimitação, válida a liquidação impugnada.

Custas pela Impugnante na proporção do respectivo decaimento, em 1ª e 2ª instâncias, solicitando-se à Direcção Geral de Finanças de Lisboa nota demonstrativa dos valores anulados e dos valores mantidos exclusivamente para apuramento concreto das custas da presente acção.

Registe e notifique.

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Com cópia certificada, informe o Supremo Tribunal Administrativo (por referência ao processo n.º 1440/03) da prolação deste acórdão.

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Registe e notifique.

                                                           *****
Lisboa, 9 de Março de 2017


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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]



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  [Ana Pinhol]

[1] Cfr., por ordem das citações realizadas, o Acórdão da Relação de Lisboa de 15-9-2015, proferido no processo n.º 61/14.5 e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6-7-2006, proferido no processo n.º 220/06, ambos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.

[2] Cfr. ABRANTES GERALDES, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 3ª ed., Janeiro de 2000, páginas 201 e 273.
[3] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-1-2005, proferido no processo n.º 1703/02, disponível, na íntegra, em www.dgsi.pt.

[4] Neste preciso sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 25-5-2004, proferido no processo nº 17/04, acolhido no segmento citado pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 14-2-2014, processo n.º 982/10.4,ambos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.

[5] ABRANTES GERALDES, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 3ª ed., Janeiro de 2000, páginas 256 e 259.

[6] Segundo LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, estão submetidos a esta regra da livre apreciação da prova do julgador: a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC) e a prova pericial (art. 389º CC). Tem o seu valor probatório fixado legalmente os documentos escritos, autênticos (art. 371º-1 CC) ou particulares (art. 376º-1 CC); a confissão escrita ou reduzida a escrito, quer seja feita em documento autêntico ou particular, neste último caso se dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 358º-2 CC), sendo que, quando não reúna os requisitos exigidos para ter força probatória legal, a confissão fica sujeita à regra da livre apreciação (art. 361º CC); as presunções legais stricto sensu (art. 350º CC) e a admissão (arts. 567.º, 574.º n.º 2, 587.º e outros semelhantes) - - Vide, autores citados em “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, 2001, página 635. Estão, igualmente, sujeitos ao princípio da livre apreciação do julgador os novos meios de prova introduzidos pelo Código de Processo Civil: as declarações de parte (art. 466.º n.º 3); a prova para verificação não judicial (art. 494.º n.º 2 - com a ressalva imposta na 1ª parte dessa mesma norma) e a prova para reconstituição de facto (pressuposta nos arts. 490.º e 494.º n.º 1).
[7] Vide, neste sentido, ANTUNES VARELA, “Manual de Processo Civil”, 1984, página 643
[8] Cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 25-5-2004, integralmente disponível em www.dgsi.pt

[9] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 25-5-2004. Ainda no sentido de que, mantendo-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e porque o julgamento se rege por padrões de probabilidade e não tendo em vista alcançar uma certeza absoluta, o Tribunal de recurso só deve proceder á alteração da matéria de facto fixada em 1ª instância nas situações de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, vide, ainda, os Acórdãos da Relação do Porto de 19-9-2000 (disponível na Colectânea Jurisprudência, Ano XXV - 2000, tomo 4, página 186); do Supremo Tribunal de Justiça de 21-1-2003 (processo n.º 2A4324, disponível em www.dgsi.pt), da Relação de Coimbra de 25-11-2003 e 18-8-2004 (proferidos, respectivamente, nos processos n.º 3858/03, 1937/04, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) e da Relação de Lisboa de 4-2-2014 (processo n.º 982/10.4, igualmente disponível em www.dgsi.pt).

[10] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13-11-2001, disponível na Colectânea de Jurisprudência de 2001, tomo V, página 85.

[11] Neste sentido, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 10-11-2005 (proferido no proc. nº 3876/2005-6) e da Relação de Évora de 29-3-2007 (proferido no processo nº 2824/06-3), igualmente disponíveis em www.dgsi.pt.

[12] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-5-2017 (proferido no processo nº 6B1868), integralmente disponível em www.dgsi.pt.
[13] Ambos os acórdãos citados se encontram integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-10-2006, no âmbito do processo n.º 668/06, integralmente disponível em www. dgsi.pt

[15] Cfr. Pires de Lima/ Antunes Varela, "Código Civil Anotado", volume II, 3ª edição, pág. 151.

[16] Cfr., autores e obra citados, páginas 127-128.
[17] Cfr., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Dezembro de 1972, in B.M.J., nº 222, pág. 429.