Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2812/06.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:IFAP
MEDIDAS FLORESTAIS NA AGRICULTURA
INCUMPRIMENTO
MODIFICAÇÃO DO CONTRATO DE CONCESSÃO DE AJUDAS
REPOSIÇÃO DE VERBAS
Sumário:i) Do Regulamento (CEE) nº 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho de 1992, bem como da Portaria nº 199/94, de 6 de Abril, que na decorrência do DL. nº 31/94, de 5 de Fevereiro veio estabelecer o regime das ajudas às medidas florestais ali instituídas, incluindo quanto à sua gestão, avaliação e controle de execução, não resulta que as superfícies arborizadas beneficiadas pelas ajudas (povoamentos instalados) tenham que apresentar (possuir) em termos de resultado, no ano seguinte à retancha, as densidades mínimas constantes do anexo C.

ii) Na medida em que o prémio por perda de rendimento a que se refere a alínea b) do artigo 5º da Portaria nº 199/94, se destina a ressarcir os beneficiários que hajam cessado actividade agrícola em superfícies por si exploradas, substituindo-a pela florestal, com arborização das mesmas, o que lhes é exigido nos termos do disposto na alínea b) do artigo 7º da mesma Portaria, para que mantenham o direito à obtenção daquele prémio (anual), é que para além da substituição da exploração agrícola pela florestal, com arborização da superfície, assegurem que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas previstas, isto é, que empreguem os meios necessários e adequados à manutenção das densidades mínimas do povoamento.

iii) Só se for de considerar que o beneficiário é responsável pela circunstância de os povoamentos não apresentarem as densidades mínimas previstas no ano seguinte à retancha é que se poderá estar perante uma situação de incumprimento da obrigação que sobre ele lhe incumbia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Maria ............... intentou no TAC de Lisboa acção administrativa especial contra o Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, actualmente o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., peticionando a anulação da decisão da exigência do pagamento de EUR 3.922,08, acrescidos de juros à taxa legal sobre o capital em dívida, a título de reposição de prémios por perda de rendimento auferidos em 1998 e 1999, no valor de EUR 20.942,08, deduzida a quantia de EUR 16.942,08 a que a A. teria direito a receber, bem como a condenação à execução do contrato, sem operar a compensação unilateralmente decidida, com o pagamento do prémio de manutenção atinente aos anos de 2003 a 2005.

Por sentença do TAC de Lisboa foi julgado procedente o pedido e “anulado o acto proferido pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., por violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento (CEE) n.º 2080/92 do Conselho, de 30.06, e das alíneas b) dos artigos 5.º e 7.º da Portaria n.º 199/94, de 06.04, na parte em que determina que o recebimento de EUR 20.942,08, pela A., a título de prémios por perda de rendimento referentes a 1998 e 1999 é indevido, estabelece o encontro de contas do qual resulta o montante de EUR 3.992,08 a pagar pela A., acrescido dos correlativos juros, e modifica unilateralmente o contrato de atribuição de ajuda celebrado entre as partes”.

Mais foi o Instituto ora Recorrente condenado “ao pagamento dos prémios por perda de rendimento referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor de EUR 16.942,08, e aos prémios de manutenção respeitantes a 2003 e 2004, no valor de EUR 5.038,00”, bem como “ao pagamento dos custos associados à prestação da garantia bancária constituída pela Caixa ............... de Coruche, a favor da A., tendo em vista a suspensão de eficácia do acto ora impugnado, em valor a apurar, se necessário, a posteriori”.

Nas alegações do recurso interposto o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., conclui do seguinte modo:


"texto integral no original; imagem"



A Recorrida não contra-alegou.

Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, não se pronunciou.

Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença errou de direito ao ter anulado o acto impugnado e condenado no pedido, por errada interpretação do art. 7.º da Portaria n.º 199/94, de 6 de Abril, a qual estabelece o regime das ajudas às medidas florestais na agricultura instituídas pelo Regulamento n.° 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

Vem questionada no recurso a sentença do Mmo. Juiz do TAC de Lisboa que julgou procedente a acção deduzida contra o Instituto ora Recorrente, concluindo pela verificação do vício de violação de lei.

No tribunal a quo entendeu-se que:

“(…)o Governo Português aprovou a Portaria n.º 199/94, de 06.04, a qual “estabelece o regime das ajudas às medidas florestais na agricultura instituídas pelo Regulamento n.° 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho”.

Tal como aí se prevê, na parte com interesse para o litígio vertente, “os beneficiários da ajuda à arborização de superfícies agrícolas referida no número anterior têm direito a dois prémios anuais por hectare arborizado, destinados a: a) Cobrir, durante os primeiros cinco anos, os custos decorrentes das operações de manutenção das superfícies arborizadas constantes do projecto de investimento; b) Compensar as perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas” (cf. artigo 5.º), com os limites que aí se estabelecem nos artigos 9.º e 10.º e anexos C e F, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 216/96, de 14.06.

Para o efeito, determinava ainda o artigo 7.º da Portaria em apreço, na redacção em vigor à data dos factos, que:

“Para efeitos de atribuição das ajudas previstas neste diploma, os beneficiários devem comprometer-se, nomeadamente, a:

a) Respeitar as práticas culturais previstas no plano orientador de gestão integrante do projecto de investimento;

b) Assegurar que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas constantes do anexo C;

c) Manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes por um período mínimo de 10 anos, ou, quando haja lugar ao pagamento do prémio por perda de rendimento, durante o seu período de atribuição.”.

Conforme se infere da argumentação esgrimida entre as partes nos articulados apresentados, o presente dissídio, assenta, essencialmente, na interpretação a conferir à supracitada alínea b) do artigo 5.º da Portaria, conjugadamente com a alínea b) do seu artigo 7.º e com o anexo C, nos casos em que, tal como sucede nos autos, se constata a inexistência de uma densidade mínima de arborização que não é imputável ao beneficiário das ajudas, tal como expressamente se refere no acto impugnado (cf. facto 4. firmado supra) e, de resto, é admitido pelo R., em sede de contestação (vide, v.g., os artigos 87.º a 89.º do douto articulado deduzido).

Dito de outra forma, a questão a dilucidar nos presentes autos consiste em saber se a atribuição dos prémios por perda de rendimento previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento e na alínea b) do artigo 5.º da Portaria depende, ou não, da efectiva arborização da área projectada, nos termos previstos no anexo C deste último instrumento legal, o que pressupõe aferir se a obrigação de arborização cometida à A., ao abrigo do contrato celebrado com o R., prevista na alínea b) do artigo 7.º da Portaria, é uma obrigação de meios, como sustenta aquela primeira, ou uma obrigação de resultados, como é defendido por esta última.

A esta questão, a jurisprudência dos tribunais superiores tem respondido, de forma unânime, no sentido de a obrigação de arborização plasmada no Regulamento e na Portaria ser uma obrigação de meios.

Conforme acordou o Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, no aresto prolatado em 02.06.2016, no âmbito do processo n.º 10327/13:

“Em face do disposto na alínea b) do artigo 7º da Portaria nº 199/94 os beneficiários das ajudas, incluindo-se aqui o prémio por perda de rendimentos agrícolas a que se refere a alínea b) do artigo 5º, devem comprometer-se a assegurar que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas constantes do anexo C.

E perscrutado o Regulamento (CEE) nº 2080/92 bem como a Portaria nº 199/94, que na decorrência do DL. nº 31/94, de 5 de Fevereiro veio estabelecer o regime das ajudas às medidas florestais ali instituídas, incluindo quanto à sua gestão, avaliação e controle de execução, não resulta que as superfícies arborizadas beneficiadas pelas ajudas (povoamentos instalados) tenham que apresentar (possuir) em termos de resultado, no ano seguinte à retancha, as densidades mínimas constantes do anexo C.

Como se refere no Parecer datado de 26/02/2008 do Prof. Marcelo Rebelo de Souza, que foi junto aos autos pela Autora (a fls. 228 ss.) ainda antes da prolação do acórdão de 12/11/2012 do Tribunal a quo, mas que este não teve em consideração, a obrigação consignada na alínea b) do artigo 7º da Portara nº 199/94 é uma obrigação de meios, não uma obrigação de resultados.

Na medida em que o prémio por perda de rendimento a que se refere a alínea b) do artigo 5º daquela Portaria se destina a ressarcir os beneficiários que hajam cessado atividade agrícola em superfícies por si exploradas, substituindo-a pela florestal, com arborização das mesmas, o que lhes é exigido nos termos do disposto na alínea b) do artigo 7º da mesma Portaria, para que mantenham o direito à obtenção daquele prémio (anual), é que para além da substituição da exploração agrícola pela florestal, com arborização da superfície, assegurem que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas previstas, isto é, que empreguem os meios necessários e adequados à manutenção das densidades mínimas do povoamento.

De modo que só se for de considerar que o beneficiário é responsável pela circunstância de os povoamentos não apresentarem as densidades mínimas previstas no ano seguinte à retancha é que se poderá estar perante uma situação de incumprimento da obrigação que sobre ele lhe incumbia.

Nesse mesmo sentido já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos de 10/01/2013, Proc. 05631/09, disponível in, www.dgsi.pt/jtcas e de 24/10/2013, Proc. 09683/13 (este inédito), que foram aliás juntos aos autos pela recorrente (a fls. 412 ss. e fls. 439 ss.), em situações semelhantes às dos presentes autos.” (sublinhado nosso) – entendimento que aqui se acolhe na íntegra, não constatando este Tribunal, in casu, um qualquer motivo plausível para dele se afastar, atendendo ao disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC, nos termos do qual “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

Compulsado o acto ora impugnado, constata-se que o R. não enuncia quaisquer factos que sejam passíveis de fazer impender sobre a A. a responsabilidade pela inexistência das densidades mínimas previstas na Portaria: pelo contrário, refere aquele expressamente que “não desconhece este Instituto o empenhamento de V.Exa. na arborização projectada pelo que não foi posta em causa a atribuição da ajuda ao investimento (subsídio em capital) prevista na cláusula 2ª alínea a) do contrato” (cf. facto 4. firmado supra), entendimento que é reiterado em sede de contestação apresentada.

Conclui-se, assim, que ao adstringir a atribuição dos prémios por perda de rendimento previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento e na alínea b) do artigo 5.º da Portaria à existência de uma densidade mínima de arborização – sem que assaque à A. uma qualquer responsabilidade por esse mesmo facto – e ao negar, como tal, o respectivo pagamento à parte com base nesse fundamento, o R. violou o disposto na lei, tendo incorrido em erro nos pressupostos de direito, impondo-se, como tal, a anulação do acto referido no ponto 4. da matéria de facto que acima se deu por assente, na parte em que determina que o recebimento de EUR 20.942,08, pela A., a título de prémios por perda de rendimento referentes a 1998 e 1999 é indevido, estabelece o encontro de contas do qual resulta o montante de EUR 3.992,08 a pagar pela A., acrescido dos correlativos juros, e modifica unilateralmente o contrato de atribuição de ajuda celebrado, o que se julgará a final.

(…)

Paralelamente ao pedido de anulação do acto impugnado, a A. vem ainda peticionar a condenação do R. ao pagamento dos prémios por perda de rendimento que reconhece dever-lhe, no valor de EUR 16.942,08, relativos aos anos de 2003, 2004 e 2005, com referência às parcelas 4 e 5, bem como dos prémios de manutenção, no valor de EUR 5.038,00, atinentes àquelas mesmas parcelas, pelos anos de 2003 e 2004.

A este respeito, expende o R., na decisão impugnada (cf. facto 4. supra), que:

“15. Relativamente às parcelas 1, 2 e 3, apurou-se que a quantia paga a título de prémios por perda de rendimento em 1998 e 1999 foi indevidamente recebida, perfazendo o valor total de € 20.942,08.

16. Por outro lado, e no que respeita às parcelas 4 e 5, verificou-se que estavam reunidas as condições para serem processados os prémios por perda de rendimento referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor total de € 16.942,08.

17. Considerando que este Instituto não deve processar ajudas a beneficiários que são devedores ou potenciais devedores de ajudas que envolvam os mesmos critérios de elegibilidade, sob pena de colocar em sério risco os interesses financeiros da União Europeia, considerou-se adequado e proporcional desencadear, desde logo, as medidas conducentes ao encontro de contas entre os prémios por perda de rendimento (aqueles que foram considerados como indevidamente recebidos no valor de € 20.942,08 e os que ainda teria direito a receber no montante de € 16.942,08) promovendo-se assim uma redução na quantia indevidamente recebida.

18. No que diz respeito aos prémios de manutenção, não há lugar ao seu pagamento relativamente às parcelas 1, 2 e 3, atenta a sua situação irregular.

19. Quanto às parcelas 4 e 5, já foi efectuado o pagamento dos prémios de manutenção referente aos anos de 2000 a 2002 e informa-se que as anuidades de 2003 e 2004, no valor total de € 5.038,00, só poderão ser pagas após a conclusão e regularização do presente processo de recuperação de verbas, considerando o imperativo de defesa dos interesses financeiros da União Europeia.”.

Conforme se infere do que antecede, o R. reconhece expressamente o direito da A. a auferir “os prémios por perda de rendimento referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor total de € 16.942,08” – os quais, de resto, são objecto de encontro de contas com o montante que o R. decidiu ter sido indevidamente recebido pela A. – e os prémios de manutenção respeitantes a 2003 e 2004, no valor de EUR 5.038,00, atinentes às parcelas 4 e 5, limitando-se a condicionar o seu pagamento à regularização, pela A., da decisão de reposição de EUR 3.992,08.

Ora, tendo em conta que, na parte em que reconhece o direito da A. a auferir tais montantes, esse acto se revela inimpugnável, e que, bem assim, a única condição a que o R. adstringia o pagamento desses valores deixará de existir na ordem jurídica, nos termos e com os fundamentos que supra se expenderam, dúvidas não restam a este Tribunal acerca do direito da A. à percepção de tais valores, em cujo pagamento se condenará o R., a final, conforme peticionado.

Finalmente, e no que tange ao pedido de condenação do R. ao pagamento dos custos associados à garantia bancária constituída pela A. (cf. facto 5. firmado supra), tendo em vista a suspensão de eficácia do acto ora impugnado, facilmente se conclui que o mesmo deverá, de igual modo, ser julgado procedente, atento o princípio de responsabilização civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas que se encontra postulado no artigo 22.º da CRP – princípio esse que, de resto, subjaz ao artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (compêndio para o qual remete o artigo 50.º, n.º 2, do CPTA), aí se admitindo genericamente a possibilidade de indemnização em caso de garantia indevida.

Com efeito, é inequívoco que os prejuízos que a A. terá sofrido com a prestação da garantia bancária sub judice – a quantificar, eventualmente, a posteriori – apresentam um nexo causal com a prática de um facto ilícito e culposo (consistente na prolação do acto administrativo impugnado, que aqui se anulará a final), desse modo estando observados os pressupostos cumulativos para a responsabilização extracontratual civil do R., nos termos consignados no Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.1967, e no artigo 483.º do CC.

Conforme salienta o R., a possibilidade de suspensão de eficácia de acto administrativo mediante a prestação de garantia é, efectivamente, um direito alternativo de que os impugnantes dispõem, expressamente previsto no n.º 2 do artigo 50.º do CPTA, que os habilita a evitar o cumprimento de uma decisão que reputam de ilegal: não é, assim, uma figura ad hoc, sem consagração legal, que se encontre sujeita a mero capricho ou criatividade petitória das partes.

O facto de a A. ter ao seu dispor meios processuais urgentes não obsta, de forma alguma, à responsabilização civil extracontratual do R., tendo em vista o ressarcimento das despesas em que a A. incorreu tendo em vista a suspensão de eficácia de um acto que, a final, se veio a revelar ilegal, nos termos e com os fundamentos que acima se aduziram.

De resto, sempre importará notar que, ainda que a A. tivesse interposto uma providência cautelar, caso a mesma merecesse vencimento, sempre seria o R. condenado ao pagamento das respectivas custas processuais, nos termos gerais de direito, pelo que seria uma alternativa que não se mostraria isenta de custos na sua esfera.

Entende, porém, o Recorrente que a sentença errou na interpretação que fez do art. 7.º da citada Portaria, sendo que no caso concreto a execução do projecto revelou-se inviável, em três das parcelas, havendo que excluir as mesmas do projecto e proceder a uma alteração dos pagamentos neste previstos, apurando um resultado assente num novo cálculo apenas considerando a área em boas condições vegetativas, com os inerentes pagamentos.

Sobre esta mesma questão, aliás como acolhido na sentença recorrida, já este TCAS se pronunciou por mais do que uma vez, pelo que nos limitaremos, nos termos permitidos pela lei processual civil, a reproduzir o discurso fundamentador do acórdão de 2.06.2016, proc. nº 10327/13, a que aderimos. Assim:

“(…)

2. Do invocado erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa: da questão de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quanto à solução jurídica da causa, com violação, dos arts.94° e 95°do CPTA, 659º do CPC, dos arts. 1° e 2° do Regulamento (CEE) n°2080/92 do Conselho, do art° 6° do DL n°31/94 de 5 de Fevereiro, dos arts.5°, 6°, 7°, 25° e 26° da Portaria n° 199/94 de 6 de Abril, da cláusula E.1 do Contrato de Atribuição de Ajudas e do art.798° do Código Civil, para além dos Princípios e disposições legais cuja violação assacou ao ato impugnado (os princípios da legalidade, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade e da boa fé, previstos nos art.s 3°, 4°, 5° n°2 e 6°-A do CPA; o art.179º n°2 do CPA; os arts.5° alínea b) e 6° n°1 alínea d), 7°, 25° e 26°, da Portaria n°199/94 de 6 de Abril; o art.2°, n°1, alínea c) do Regulamento (CEE) n° 2080/92 do Conselho das Comunidades Europeias, de 30 de Junho de 1992, e o disposto na cláusula E.1 do contrato de 20/9/95) - (conclusões 8ª a 30ª das alegações de recurso).

2.1 Pelo seu acórdão de 12/11/2012 (de fls. 248 ss.) o Tribunal a quo julgou improcedente a ação, mantendo assim na ordem jurídica o ato administrativo impugnado, por considerar não verificadas nenhuma das causas de invalidade que lhe haviam sido assacadas pela aqui recorrente na ação, nos termos da fundamentação que ali externou.

2.2 Todavia, ao invés do assim decidido, deveria ter a ação sido julgada procedente, e anulado o ato impugnado, com as devidas consequências, com fundamento em vício de violação de lei por violação dos artigos 5º alínea b), 6º e 7º alínea b) da Portaria nº 199/94 de 6 de Abril, nos termos e pelos fundamentos seguintes. Tendo, por conseguinte, o Tribunal a quo feito incorreta interpretação e aplicação dos citados normativos.

Vejamos, porquê, para o que se deve atentar na globalidade do quadro normativo aplicável e que aqui vem convocado.

2.2.1 O Regulamento (CEE) nº 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho de 1992 veio instituir um regime comunitário de ajudas às medidas florestais na Agricultura, visando, designadamente “…contribuir para uma gestão do espaço natural mais compatível com o equilíbrio do ambiente”; “…lutar contra o efeito de estufa e absorver o dióxido de carbono”, tendo por objetivos “…uma utilização alternativa das terras agrícolas, por meio de arborização”, e “…o desenvolvimento das atividades florestais nas explorações agrícolas” (cfr. artigo 1º do Regulamento (CEE) nº 2080/92).

Nos termos do disposto no artigo 2º daquele Regulamento (CEE) nº 2080/92 o regime de ajudas podia incluir, entre outras, i) “…ajudas destinadas a cobrir as despesas de arborização”; ii) “…um prémio anual por hectare arborizado, destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas durante os primeiros cinco anos”; iii) “…um prémio anual por hectare, destinado a compensar as perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas”; iv) “…ajudas aos investimentos relativos ao melhoramento das superfícies arborizadas” (cfr. artigo 2º nº 1 alíneas, a), b), c) e d) do Regulamento (CEE) nº 2080/92).

Aquele Regulamento (CEE) nº 2080/92, do Conselho, estatuía ainda o seguinte no seu artigo 4º, sob a epígrafe “Programas de ajudas”:

“Os Estados-membros executarão o regime de ajudas previsto no artigo 2º através de programas plurianuais, nacionais ou regionais, relativos aos objetivos referidos no artigo 1º, e que determinem, designadamente:

- os montantes e a duração das ajudas referidas no artigo 2º em função das despesas reais de arborização e da manutenção das essências ou tipos de árvores utilizadas para a arborização, ou em função da perda de rendimentos,

- as condições da concessão das ajudas, designadamente das relativas à arborização,

(…)

- a natureza das medidas de acompanhamento tomadas ou previstas (…)”

Nessa sequência foi publicado o DL. nº 31/94, de 5 de Fevereiro, visando a aplicação em Portugal, entre outras, das ajudas comunitárias previstas naquele Regulamento (CEE) nº 2080/92, do Conselho, no qual se determinou nos termos do disposto no seu artigo 10º nº 1 que o regime de tais ajudas, bem como as regras relativas à sua gestão, avaliação e controle de execução seriam objeto de portaria do Ministro da Agricultura.

Essa Portaria haveria de ser, então, a Portaria nº 199/94, de 6 de Abril, estabelecendo o regime das ajudas às medidas florestais na agricultura instituídas pelo Regulamento n.° 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho, tendo por objetivos, nomeadamente: a) Fomentar a utilização alternativa de terras agrícolas; b) Desenvolver atividades florestais nas explorações agrícolas, aplicável em todo o território continental nos termos dos planos zonais constantes do anexo A, nos quais são definidos prioridades de arborização, tendo em conta, nomeadamente, o respeito pelas condições naturais predominantes na respetiva área de incidência (cfr. artigos 1º e 2º da Portaria nº 199/94).

Nos termos do disposto no artigo 4º da Portaria, podiam ser concedidas ajudas aos investimentos, na forma de subsídio de capital, aos investimentos que se enquadrassem nas seguintes ações:

a) Arborização de superfícies agrícolas;

b) Beneficiação de superfícies florestais em explorações agrícolas;

Dispondo ainda a Portaria nº 199/92 o seguinte nos seus artigos 5º, 6º, 7º

“5.° - Prémios anuais

Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os beneficiários da ajuda à arborização de superfícies agrícolas referida no número anterior têm direito a dois prémios anuais por hectare arborizado, destinados a:

a) Cobrir, durante os primeiros cinco anos, os custos decorrentes das operações de manutenção das superfícies arborizadas constantes do projecto de investimento;

b) Compensar as perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas.”

“6.° - Beneficiários

1 - Podem beneficiar das ajudas previstas no presente diploma:

a) Ajuda à arborização de superfícies agrícolas: toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva;

b) Ajudas à beneficiação de superfícies florestais: agricultores e suas associações;

c) Prémio destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas todos os beneficiários da ajuda à arborização de superfícies agrícolas;

d) Prémio destinado a compensar perdas de rendimento: todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito privado, beneficiárias da ajuda à arborização, com excepção daquelas que cessem a actividade agrícola ao abrigo do Regulamento (CEE) n.° 2070/92, do Conselho, de 30 de Junho;

2 - No caso de espécies de rápido crescimento exploradas em rotações inferiores a 16 anos só são concedidas ajudas à arborização de superfícies agrícolas e apenas quando se trate de agricultores a título principal.”

“7.° - Compromissos dos beneficiários

Para efeitos de atribuição das ajudas previstas neste diploma, os beneficiários devem comprometer-se, nomeadamente, a:

a) Respeitar as práticas culturais previstas no plano orientador de gestão integrante do projecto de investimento;

b) Assegurar que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas constantes do anexo C;

c) Manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes por um período mínimo de 10 anos, ou, quando haja lugar ao pagamento do prémio por perda de rendimento, durante o seu período de atribuição.”

2.2.2 Em face do disposto na alínea b) do artigo 7º da Portaria nº 199/94 os beneficiários das ajudas, incluindo-se aqui o prémio por perda de rendimentos agrícolas a que se refere a alínea b) do artigo 5º, devem comprometer-se a assegurar que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas constantes do anexo C.

E perscrutado o Regulamento (CEE) nº 2080/92 bem como a Portaria nº 199/94, que na decorrência do DL. nº 31/94, de 5 de Fevereiro veio estabelecer o regime das ajudas às medidas florestais ali instituídas, incluindo quanto à sua gestão, avaliação e controle de execução, não resulta que as superfícies arborizadas beneficiadas pelas ajudas (povoamentos instalados) tenham que apresentar (possuir) em termos de resultado, no ano seguinte à retancha, as densidades mínimas constantes do anexo C.

Como se refere no Parecer datado de 26/02/2008 do Prof. Marcelo Rebelo de Souza, que foi junto aos autos pela Autora (a fls. 228 ss.) ainda antes da prolação do acórdão de 12/11/2012 do Tribunal a quo, mas que este não teve em consideração, a obrigação consignada na alínea b) do artigo 7º da Portara nº 199/94 é uma obrigação de meios, não uma obrigação de resultados.

Na medida em que o prémio por perda de rendimento a que se refere a alínea b) do artigo 5º daquela Portaria se destina a ressarcir os beneficiários que hajam cessado atividade agrícola em superfícies por si exploradas, substituindo-a pela florestal, com arborização das mesmas, o que lhes é exigido nos termos do disposto na alínea b) do artigo 7º da mesma Portaria, para que mantenham o direito à obtenção daquele prémio (anual), é que para além da substituição da exploração agrícola pela florestal, com arborização da superfície, assegurem que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas previstas, isto é, que empreguem os meios necessários e adequados à manutenção das densidades mínimas do povoamento.

De modo que só se for de considerar que o beneficiário é responsável pela circunstância de os povoamentos não apresentarem as densidades mínimas previstas no ano seguinte à retancha é que se poderá estar perante uma situação de incumprimento da obrigação que sobre ele lhe incumbia. [sublinhado nosso]

Nesse mesmo sentido já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos de 10/01/2013, Proc. 05631/09, disponível in, www.dgsi.pt/jtcas e de 24/10/2013, Proc. 09683/13 (este inédito), que foram aliás juntos aos autos pela recorrente (a fls. 412 ss. e fls. 439 ss.), em situações semelhantes às dos presentes autos.

2.2.3 O ato impugnado na presente ação – a decisão final proferida pelo Vogal do Conselho de Administração do IFADAP vertida no ofício de 18/07/2005, junto a fls. 29 ss. dos autos, vertido em 5. do probatório – decidiu a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas com exigência de devolução das ajudas processadas relativas aos prémios por perdas de rendimento quanto à identificada parcela 2, assentando na circunstância, considerada pela entidade administrativa, de não terem sido alcançadas as densidades mínimas naquela parcela. Sendo que se bem que a entidade administrativa tenha tido presente a invocação feita pela aqui recorrente em sede de audiência prévia de que, designadamente, havia plantado as parcelas, realizado integralmente o projeto, e de que se havia empenhado no sucesso dos povoamentos, tendo efetuado a expensas suas diversas operações na parcela 2 destinadas a manter o povoamento instalado nas densidades exigíveis efetuando retanchas em 1997/98; 1998/99 e 1999/00, reconhecendo até que foram várias as tentativas e esforços desenvolvidos pela recorrente no sentido de serem atingidas as densidades mínimas, considerou que não estavam em causa os esforços por ela desenvolvidos nesse sentido, sublinhando não estar em causa o empenho da recorrente, e que não obstante o esforço e empenho da recorrente nesse sentido a mera circunstância de não terem sido atingidas as densidades mínimas impedia a atribuição dos prémios de perda de rendimento.

Fez assim a entidade administrativa uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 7º alínea b) da Portaria nº 199/94, conjugado com o artigo 5º alínea b) da mesma Portaria, na medida em que, como já se viu, não se impunha para obtenção do prémio por perda de rendimento que as superfícies arborizadas beneficiadas pelas ajudas (povoamentos instalados) tivessem forçosamente que apresentar (possuir) em termos de resultado, no ano seguinte à retancha, as densidades mínimas constantes do anexo C.

Pelo que só lhe era consentida a modificação unilateral do contrato de concessão de ajudas e a ordem de reposição da ajuda recebida se fosse de considerar que o beneficiário era responsável pela circunstância de os povoamentos não apresentarem as densidades mínimas. Ou se outro modo, só se fosse de concluir pelo incumprimento culposo das condições das ajudas concedidas.

Ora a entidade administrativa não fez esse juízo. Limitou-se, ao invés, a constatar que a área arborizada no lote 2 não cumpria a densidade mínima, e com base nessa circunstância fez operar a modificação unilateral do contrato de concessão de ajudas, nessa parte, e ordenou a reposição das ajudas recebidas.

E assim, e nessa medida, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação da lei, em concreto do artigo 7º alínea b) da Portaria nº 199/94, deveria ter sido judicialmente anulado.

Não pode, por conseguinte, manter-se a decisão da 1ª instância, que deve ser revogada, anulando-se o ato administrativo impugnado, quer no segmento em que determinou a reposição dos prémios por perda de rendimento, em causa, quer no segmento em que determinou a modificação unilateral do contrato de concessão de ajudas, com as devidas consequências. O que significa que tem também de proceder o pedido condenatório formulado, no sentido de dever a entidade administrativa executar o contrato de concessão de ajudas celebrado com a recorrente nos termos inicialmente celebrados, isto é, sem a modificação unilateral decidida pelo ato agora anulado.”.

Com efeito, a obrigação consignada na alínea b) do artigo 7.° da Portaria n.° 199/94 é uma obrigação de meios e não resultados. E assim sendo, deve a culpa ser apurada quanto aos meios usados pelo adstrito à obrigação incumprida.

Ora, no caso em apreço, da motivação do acto administrativo extrai-se, o que, de resto, é assumido no recurso interposto, que não só não são explicitados os factos susceptíveis de demonstrar a negligência de meios - ou seja, a culpa do devedor -, como até é reconhecido expressamente que ele tudo fez, no plano dos meios, para cumprir a obrigação constante do bloco de legalidade e do contrato. Pelo que carece de fundamento a modificação/rescisão contratual unilateral sancionatória operada.

Assim, a sentença recorrida, que decidiu coincidentemente com a jurisprudência deste TCAS, não merece a censura que lhe vem dirigida, tendo, consequentemente, o recurso que improceder.

Termos em que haverá que negar provimento ao recurso, com a manutenção da sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando (adoptando-se as conclusões do citado ac. deste TCAS de 2.06.2016):

i) Do Regulamento (CEE) nº 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho de 1992, bem como da Portaria nº 199/94, de 6 de Abril, que na decorrência do DL. nº 31/94, de 5 de Fevereiro veio estabelecer o regime das ajudas às medidas florestais ali instituídas, incluindo quanto à sua gestão, avaliação e controle de execução, não resulta que as superfícies arborizadas beneficiadas pelas ajudas (povoamentos instalados) tenham que apresentar (possuir) em termos de resultado, no ano seguinte à retancha, as densidades mínimas constantes do anexo C.

ii) Na medida em que o prémio por perda de rendimento a que se refere a alínea b) do artigo 5º da Portaria nº 199/94, se destina a ressarcir os beneficiários que hajam cessado actividade agrícola em superfícies por si exploradas, substituindo-a pela florestal, com arborização das mesmas, o que lhes é exigido nos termos do disposto na alínea b) do artigo 7º da mesma Portaria, para que mantenham o direito à obtenção daquele prémio (anual), é que para além da substituição da exploração agrícola pela florestal, com arborização da superfície, assegurem que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas previstas, isto é, que empreguem os meios necessários e adequados à manutenção das densidades mínimas do povoamento.

iii) Só se for de considerar que o beneficiário é responsável pela circunstância de os povoamentos não apresentarem as densidades mínimas previstas no ano seguinte à retancha é que se poderá estar perante uma situação de incumprimento da obrigação que sobre ele lhe incumbia.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 9 de Maio de 2019


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Pedro Marchão Marques

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Alda Nunes

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José Gomes Correia