Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3022/12.5 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS. DOCUMENTO COMPROVATIVO DE CUSTOS. DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:1. A justificação documental de um custo em IRS corresponde a formalidade probatória, a qual pode ser alcançada através de documento externo que identifique a operação económica, complementado com outros elementos de prova, incluindo a prova testemunhal.

2. Sofre de défice instrutório a sentença que omite a realização das diligências úteis e necessárias para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados, como sucede com a inquirição de testemunhas arroladas, que se alega terem conhecimento directo dos trabalhos em causa.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
R …………….. deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada da liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2010, no valor total de €74.078,57.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.209 e ss. (numeração do sitaf), datada de 17 de Junho de 2020, decidiu nos seguintes termos: «[…] julga-se: - Parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da, na parte referente aos custos com a permuta do terreno: -Improcedente a impugnação, no remanescente […]». Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 235 e ss. (numeração do processo em sifat), o recorrente, R ……………., formulou as conclusões seguintes:
«A. Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, nos autos de processo de Impugnação Judicial com o n.º ………/12.5BELRS, que correu termos na 1.ª Unidade Orgânica daquele Tribunal, a qual julgou improcedente a Impugnação deduzida, referente a liquidação oficiosa de IRS com o n.º ………….., no valor de €74.078,57, proveniente de dívida de IRS, respeitante ao período de tributação de 2010;
B. A Impugnação Judicial deduzida tivera por fundamento a ilegalidade na desconsideração, por parte da Autoridade Tributária (doravante “AT”), de encargos em que o ora Recorrente incorreu com a construção de uma moradia, que deveriam ter sido tidos em conta para efeitos de cálculo e consequente tributação da mais-valia obtida por ocasião da posterior alienação do imóvel em causa, em razão de terem sido desconsideradas faturas, recibos e outros documentos comprovativos de tais encargos;
C. Com base e fundamento na factualidade apurada em sede de Sentença, julgou o Tribunal a quo como factualidade não provada, com interesse para a decisão da causa, que “o valor correspondente às facturas referidas nos factos provados 2), 3), 5) e 7) tenha sido entregue às respectivas sociedades emitentes”;
D. Segundo o Tribunal a quo, “fica abalada a capacidade probatória do extrato de conta junto pelo Impugnante – uma vez que a mera junção de faturas não tem a virtualidade de demonstrar o seu pagamento – não podendo estribar o facto que este pretendia demonstrar”, e ainda “não se considera as faturas e recibos emitidos pela sociedade M ……… e Filhos como prova bastante para demonstrar que o Impugnante incorreu em tais encargos, pelo que tal facto deve ficar como não provado”;
E. Tal decisão sobre a matéria de facto teve consequências no que diz respeito à decisão sobre a matéria de direito, pois concluiu o Tribunal a quo por considerar as despesas em que o Recorrente incorreu como não dedutíveis para efeitos de cálculo da mais-valia que obteve com a alienação do imóvel;
F. Ora, salvo o devido e reconhecido respeito, entende o Recorrente que a Sentença proferida, e aqui recorrida, enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter assim decidido com esses fundamentos, razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal, e substituída por outra que faça uma correta interpretação dos factos e do direito aplicável;
G. Com efeito, e contrariamente ao entendimento sufragado na Sentença recorrida, o Recorrente entende que julgou mal o douto Tribunal a quo como factualidade não provada que não foram efetuados os pagamentos descritos nas faturas e recibos apresentados, em contrapartida dos serviços prestados;
H. O Recorrente não declarou, por lapso, a mais-valia obtida em consequência da alienação de um imóvel; após ter sido notificado de liquidação oficiosa efetuada pela Autoridade Tributária, o Recorrente prontamente apresentou faturas, recibos e outros documentos que comprovavam os diversos gastos e encargos em que incorreu com a construção do imóvel, que, no seu entender, deveriam ter sido considerados para efeitos do cálculo da mais-valia sob pena de, caso contrário, resultar a tributação de um ganho irreal;
I. Na base da fundamentação da AT, entre outros argumentos, estiveram as disposições do artigo 23.º do CIRC (por remissão do artigo 32.º do CIRS), segundo o qual consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nos termos; todavia, o Tribunal a quo não teceu quaisquer considerações acerca desta fundamentação, não se tendo pronunciado em momento algum sobre a temática do artigo 23.º do CIRC, em clara omissão de pronúncia;
J. Resulta da moldura jurídico-fiscal atual que existem dois requisitos necessários para que os gastos das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal, nomeadamente: a) que tais gastos sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais; b) e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos;
K. No entender da AT, não são de considerar os gastos em que o Recorrente incorreu por não estar preenchido o primeiro requisito acima enunciado – o da comprovação dos gastos realizados, uma vez que além de as faturas apresentadas serem segundas vias, têm em falta certos elementos descritivos, nomeadamente, “não têm indicação do local de descarga dos bens nem vêm acompanhadas das respetivas guias de remessa, pelo que se desconhece o destino das mercadorias”;
L. Sucede que, de acordo com a doutrina e jurisprudência mais recente, a nível do Supremo Tribunal Administrativo e também do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, o conceito de documento de suporte é mais amplo do que o da “fatura” strictu sensu, e pode abranger uma qualquer forma externa de representação da operação, sem as específicas solenidades da fatura, não havendo as mesmas exigências de forma e prova para efeitos de IRS/IRC que se verificam para efeitos de comprovação de IVA;
M. Assim, ao contrário do que se passa no IVA, no IRC as exigências formais quanto à comprovação dos custos serão menores, bastando que o documento justificativo explicite de forma clara, as principais características da operação, isto é, os sujeitos, o preço, a data e o objeto da transação, admitindo-se mesmo que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito;
N. O que se verificou, in casu, uma vez que os documentos apresentados pelo Recorrente e que servem de suporte aos gastos em que incorreu, reuniam todos os requisitos para se considerarem devidamente documentadas, nomeadamente: o descritivo/objeto de cada transação efetuada; os sujeitos envolvidos; as datas; os respetivos valores/montantes das faturas;
O. Neste sentido, ao desconsiderar todas e quaisquer faturas com base nestes argumentos, a AT pretende tributar o Recorrente num valor absolutamente irreal, atuando numa atitude claramente atentatória dos princípios da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da proibição do excesso;
P. Poderia admitir-se uma solução em sentido diverso caso as faturas apresentadas pelo Recorrente se tratassem meramente de documentos internos, emitidos pelo próprio, por exemplo notas de lançamento; o que não aconteceu aqui, pois foram apresentados não documentos próprios, mas sim diversas faturas, emitidas por entidades externas a quem foram contratados os serviços de construção e/ou fornecimento de materiais de construção;
Q. Relativamente ao facto de serem segundas vias, entende o Recorrente que a AT invoca argumentos que se afigurariam razoáveis se de uma liquidação de IVA se tratasse, já que, efetivamente, para comprovar despesas em sede de IVA, a apresentação de segundas vias de faturas reveste-se de caráter excecional; todavia, estamos perante uma liquidação de IRS, e nada na moldura jurídico-legal atual e à data dos factos sugere que não se possam apresentar segundas vias de faturas para efeitos de comprovar os gastos suportados em sede de IRS ou de IRC;
R. Em relação ao segundo requisito – o da indispensabilidade dos gastos – os referidos gastos revelaram-se também indispensáveis para a obtenção da mais-valia, na medida em que adicionaram valor ao imóvel em causa, viabilizando a rápida revenda do mesmo;
S. Acresce também, ainda que por mera hipótese académica se admitisse que as faturas, recibos, guias e outros documentos apresentados pelo Recorrente não contêm todos os elementos necessários para comprovar os gastos, seria de pressupor que as mesmas não tivessem sido aceites previamente, sequer, para efeitos de IVA;
T. Todavia, observamos que, para efeitos de IVA e IRC, as faturas que comprovam os gastos foram aceites pela Autoridade Tributária; porém, vem agora contradizer-se em sede de IRS em relação aos mesmos documentos que anteriormente considerou admissíveis para a dedução de gastos em IVA e em IRC;
U. Com tal atuação, a AT incorreu em abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium, que se verifica quando alguém exerce uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente;
V. Por fim, relativamente ao facto de as faturas se encontrarem ainda em dívida, qualquer que seja a razão que tenha estado por trás do pagamento tardio, não será admissível que desse facto se extraia que as faturas em causa não titulam operações reais e o que é certo é que todas as faturas foram, eventualmente, liquidadas;
W. Sendo as considerações sobre a matéria de facto indissociáveis das conclusões sobre a matéria de direito nesta situação, e uma vez que se acredita que todos os encargos com a valorização do imóvel foram adequadamente comprovados com a junção da prova documental, entendendo-se assim inquinada ab initio a fundamentação da matéria de facto, também a matéria de direito revela-se erroneamente julgada: os custos assumidos pelo Recorrente deveriam ter sido tidos em conta, acrescidos ao valor de aquisição e, desse modo, resultar numa correção da liquidação a efetuar pela AT;
X. Por dever de patrocínio, refira-se ainda que o Tribunal a quo decidiu-se por julgar improcedente a Impugnação Judicial deduzida pelo ora Recorrente com fundamento em “falta de comprovação (…) dos encargos alegados pelo Impugnante”; todavia, e pese embora o Recorrente acredite firmemente que todos os documentos que apresentou constituem suficiente prova de que efetivamente efetuou todos os gastos que pretende ver contabilizados para efeitos de cálculo da mais-valia, este arrolou também prova testemunhal ao processo, com o objetivo de ter assim um suporte mais sólido da prova documental que apresentou;
Y. Sucede que, confrontado com prova documental que no seu entender era insuficiente, o Tribunal a quo decidiu, por incrível que pareça, dispensar a realização de prova testemunhal!;
Z. Afigura-se altamente contraditório e profundamente atentatório dos princípios da justiça tributária, do Estado de Direito e dos direitos dos contribuintes que, por um lado, se prescinda numa ação da inquirição de testemunhas, e que, por outro lado, a Impugnação tenha sido julgada improcedente com fundamento em prova insuficiente;
AA. Face a todo o exposto, deverá concluir-se pela procedência do Recurso ora interposto.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao Recurso interposto pelo ora Recorrente, por provado e, em consequência, ser revogada a douta Sentença recorrida, com as legais consequências.»
X
A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, não contra-alegou.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:«
1. No dia 08 de Maio de 2003 foi realizada “permuta” pelo Impugnante, no âmbito da qual este recebeu dois prédios – sitos na freguesia de …………, concelho de …….., e descritos na respectiva conservatória com os números 3008 e 3009 – aos quais foi atribuído, respectivamente, o valor de € 13.250,00 e €12.700,00 – cfr. escritura, a fls. 3 e 4 do Procedimento de reclamação graciosa [PRG] apenso ao suporte físico dos autos;
2. No dia 30 de Dezembro de 2006 foi emitida, em nome do Impugnante, a factura 06/165 da sociedade P ………. &R……, Lda., no valor de €72.600,00 e onde consta “Serviços prestados e materiais. Vossa Obra: Cabeço ………, R ……..” – cfr. factura, a págs. 63 do suporte digital dos autos;
3. No dia 03 de Setembro de 2007 foi emitida, em nome do Impugnante, a factura 48 da sociedade M ….. & F……….., Lda., no valor de €42.583,60 e onde constam as menções “Pronto pagamento” e “Execução de trabalhos de. Pedreiro e servente na V/ moradia do lote 11 e 12” – cfr. factura, a págs. 67 do suporte digital dos autos;
4. No dia 10 de Outubro de 2007 foi emitido o recibo 33 da sociedade M ……… & ……, Lda., no valor de €42.583,60 – cfr. recibo, a págs. 68 do suporte digital dos autos;
5. Nos anos de 2007 e 2008 foram emitidas, em nome do Impugnante, 34 facturas pela sociedade J ……….. Materiais ………… Lda. – cfr. facturas, a págs. 72 a 106 do suporte digital dos autos;
6. O prédio urbano resultante da descrição número 3008 referido em 1) foi vendido pelo preço de €200.000,00, no ano de 2010, sem que tal facto constasse da declaração anual de IRS do Impugnante – cfr. fls. 16 do PRG apenso ao suporte físico dos autos;
7. No dia 30 de Junho de 2010 foi emitida, em nome do Impugnante, a factura 85 da sociedade M ………. & F ………., Lda., no valor de €54.000,00, e onde constam as menções “Pronto pagamento” e “Execução de trabalhos na V/ obra lote 11, sito na Urb. …………… –R………..” – cfr. factura, a págs. 52 do suporte digital dos autos;
8. No dia 12 de Dezembro de 2011 foi emitida a liquidação ……………., referente a IRS do ano de 2010, no valor de 75.539,84 – cfr. liquidação, a págs. 42 do suporte digital dos autos;
9. No dia 31 de Janeiro de 2012, a sociedade M ……….. & Filhos, Lda., emitiu o recibo 100, no valor de €54.000,00 e endereçado ao Impugnante – cfr. recibo, a págs. 53 do suporte digital dos autos;
10. No dia 03 de Abril de 2012 foi registado, com o “Nº de Entrada: ………….”, requerimento do Impugnante apresentado contra a liquidação referida em 8), e que deu origem ao processo ……………… – cfr. comprovativo de entrega de documentos, a págs. 44 do suporte digital dos autos;
11. No dia 13 de Novembro de 2012 foi proferido despacho de indeferimento no processo ……………………, constando da informação que lhe subjaz que “o reclamante tendo apresentado a declaração de rendimentos do ano de 2010, omitiu a venda realizada, que supra se indicou. 19. Após notificação da liquidação supra mencionada, na sua reclamação juntou duas faturas, requerendo que fossem consideradas no cálculo do imposto, constantes de fls. 5 e 6 da reclamação graciosa, fatura n° 06/165 da sociedade P……….. & R….., Lda.(…………..) com o valor de € 72.600,00, emitida em 30/12/2006 e fatura n° 85 da sociedade Construções M……….. & F……, Lda. (…………), da qual o reclamante é sócio, com o valor de € 54.000,00, emitida em 30/06/2010, totalizando o valor de € 126.600,00. 20. Juntou também cópia da escritura de permuta relativa aos lotes de terreno, constante de fls. 2 e 3 21. Apesar de o valor total das faturas ser de € 126.600,00, o reclamante requereu que fosse considerado o valor de €137.684,94, não tendo juntado qualquer fundamento ou comprovativo desse valor, além dos mencionados no ponto anterior. 22. Em aplicação do principio da colaboração, e ao abrigo do art. 59°, n°4 da Lei Geral Tributária (em diante LGT) através do ofício n° ……….., datado e enviado por carta registada (RC…………..PT) em 2012/07/12, foi requerida a apresentação dos registos contabilísticos referentes a todos os gastos) mencionados pelo reclamante, no prazo de 10 dias, conforme fls. 32 da reclamação graciosa. 23. O reclamante, notificado do ofício supra, não apresentou resposta à solicitação da Administração Tributária. 24. Em 2012/07/12, através de ofício n° 059444, enviado por carta registada (RC……….PT) à contribuinte "Construções M ………., LDA." a Administração Tributária requereu esclarecimento relativo às relações económicas mantidas com R …………… (N1F …………..), nomeadamente, envio de orçamentos, de contratos, faturas, meios de pagamento e registos contabilísticos, desde 2003, inclusive, conforme fls. 29 da reclamação graciosa. 25. A empresa Construções M………….., LDA, notificado do ofício supra, não apresentou qualquer resposta à solicitação da Administração Tributária. 26. Em 2012/07/12, através de oficio n° ………., por carta registada (RC……….PT) à contribuinte "P…………..& R……,, Lda.”. a Administração Tributária requereu esclarecimento relativo às relações económicas mantidas com R. ……………… (NIF ……….), nomeadamente, envio de orçamentos, de contratos, faturas, meios de pagamento e registos contabilísticos, desde 2003, inclusive, conforme fls. 26 da reclamação graciosa. 27. A empresa P………. & R…., Lda., notificada do oficio supra, apresentou resposta à solicitação da Administração Tributária, tendo junto os documentos de fls. 35 a 43 da reclamação graciosa […] após análise, da documentação junta a fls 35 a 43 da reclamação graciosa pela empresa P……. & R….., Lda, verificamos que a fatura junta pelo reclamante a fls. 5 da reclamação graciosa encontra-se ainda em dívida, constando da conta corrente da empresa. 31. Ora a Administração Tributária não pode ter em consideração encargos que não foram efetivamente suportados, motivo pelo qual não pode ser tido em consideração o valor da fatura apresentada. 32. Quanto à fatura de fls. 6 da reclamação (fatura 85 da M………… & F……., Lda.) quer o reclamante quer a empresa emissora da fatura a M…………& F………. Lda., não responderam aos ofícios identificados nos pontos 22 e 24 da reclamação graciosa. 33) A fatura supra identificada não é prova suficiente da existência do pagamento da mesma, ou seja, não comprova que o encargo tenha sido efetivamente suportado. 34. O reclamante não logrou comprovar quaisquer encargos de forma cabal que permitam a aceitação destes para o cálculo do imposto. 35. Acresce que apesar de obrigado a manter contabilidade organizada, para efeitos de determinação do rendimento tributável nos termos dos art. 17°, nº3 e 123º, n°2 do CIRC, por remissão do art. 32° do CIRS, o reclamante não juntou quaisquer registos contabilístico que permitam a comprovação e consideração dos encargos invocados. […] 50. Se não vejamos, o doc. 2 junto pelo reclamante no seu direito de audição e constante também já de fls. 6 da reclamação graciosa, identificado como factura 85 da M …………& F………., LDA, apenas contém o texto seguinte na indicação de quais foram os bens transmitidos ou prestações de serviço realizadas: “Execução de trabalhos na V/obra lote 11, sito na Urb. …………. – R…………." 51. Vejamos também o doc. 4, constante de fls. 72 da reclamação graciosa que o reclamante apresentou apenas agora, junto com o seu direito de audição, identificado como factura 48 da M …………. & F……….., LDA, que apenas contém o texto seguinte na indicação de quais foram os bens transmitidos ou prestações de serviço realizadas: "Execução de trabalhos de pedreiro e servente na V/moradia lote 11 e 12°”. 52. Vejamos também o doc. 3 junto pelo reclamante no seu direito de audição e constante também já de fls. 5 da reclamação graciosa, Identificado como factura 06/165 da empresa P………..&R………., Lda., que apenas contém o texto seguinte na indicação de quais foram os bens transmitidos ou prestações de serviço realizadas: "Serviços prestados e materiais Vossa Obra: Cabeça …………, R………..". 53. Da análise possível das faturas é manifestamente impossível saber quais os serviços prestados, nem quais os materiais aplicados, nem tão pouco, em que lote teriam sido prestados os serviços. Nesta ultima fatura tão pouco se faz referência à existência de lotes, ou seja, como faz prova o contribuinte de que foi efetivamente no lote 11 que foram realizados serviços (I), acrescendo nem se vislumbrar quais foram os serviços prestados. 55. Acrescente-se ainda, que na verificação do mapa recapitulativo de cliente de 2007 (ano da fatura nº 48, no valor de € 42.583,60 e que só agora foi junta como doc.4) da empresa M…………. & F…………, Lda., não consta como cliente o reclamante conforme fls. 82 da reclamação graciosa. 56. O reclamante, só agora, vem juntar sob docs. 5 e 6 da sua exposição em direito de audição cópias de um orçamento e dois autos de medição 001 e 002, respetivamente, e constantes de fls.75 a 81 da reclamação graciosa. 57. Os mesmos não são referidos em qualquer das faturas juntas pelo reclamante. 58. Novamente se refere que a empresa M ……. & F……, Lda (da qual o reclamante é sócio) não respondeu ao ofício ………, enviado por carta registada (RC…………….PT) onde a Administração Tributária requereu esclarecimento relativo às relações económicas mantidas com R ………………… (NIF ……………..), nomeadamente, envio de orçamentos, de contratos, faturas, meios de pagamento e registos contabilísticos, desde 2003, inclusive, conforme fls. 29 da reclamação graciosa. 59. Convém referir que nos termos do art. 63-C. n°1 da LGT, quer a empresa M …….& ….., Lda., quer o reclamante estavam “obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida. 60. Até agora não apresentaram quaisquer extratos da referida conta, onde comprovassem os pagamentos e recebimentos efetuados, inclusive da fatura n° 85, que nos termos do ponto 15 da exposição do reclamante, afirma ter sido paga tendo junto recibo, conforme fls.53 da reclamação graciosa” cfr. despacho e informação, a págs. 32 a 40 do suporte digital dos autos;
12. No dia 03 de Dezembro de 2012 foi carimbada, no Tribunal Tributário de Lisboa, a petição que deu origem ao presente processo – cfr. carimbo, a págs. 1 do suporte digital dos autos.»
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Factos não provados: //Não se provou, com relevância para a decisão da causa, que o valor correspondente às facturas referidas nos factos provados 2), 3), 5) e 7) tenha sido entregue às respectivas sociedades emitentes.
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Motivação da matéria de facto:// Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.//A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, bem como o do PA apenso aos autos.// O facto não provado decorre da incongruência entre os documentos apresentados pelo Impugnante e os constantes do PA.// Desenvolvendo, verifica-se que, quanto à sociedade Plácido & Reis, o Impugnante junta um extracto de conta de onde se extrai que as facturas por esta emitidas, nos anos de 2007 e 2008, se encontravam totalmente pagas em 31 de Outubro de 2008.// No entanto, a documentação enviada por esta sociedade à Fazenda Pública anos depois [2012], no âmbito da reclamação graciosa ora em apreço, indica que “a fatura junta pelo reclamante a fls. 5 da reclamação graciosa encontra-se ainda em dívida, constando da conta corrente da empresa”.// Assim sendo, fica abalada a capacidade probatória do extracto de conta junto pelo Impugnante – uma vez que a mera junção de facturas não tem a virtualidade de demonstrar o seu pagamento – não podendo estribar o facto que este pretendia demonstrar.// Quanto às facturas e recibos emitidos pela sociedade M…….. e F…., conforme se refere na informação subjacente ao indeferimento da reclamação graciosa, não foram juntos quaisquer registos contabilísticos das operações referidas nas facturas, não constando o ora impugnante como cliente da sociedade no respectivo mapa recapitulativo [o que, para além de óbvia falha contabilística, se mostra estranho atento o valor das facturas].// Por outro lado, os autos de medição entretanto juntos não são referidos nas facturas – o que seria normal, para avaliar do seu quantum – nem foram juntos meios de pagamento de tais facturas, o que seria fácil de demonstrar, atenta a obrigação, do Impugnante e da sociedade, de manterem uma conta bancária adstrita à actividade.//Por fim, não deixa de ser inusitado que o recibo 100 da sociedade M…. & F…. apenas tenha sido emitido – mais uma vez, sem menção ao respectivo meio de pagamento – quase dois anos após a emissão da factura a que diz respeito e depois da emissão da liquidação impugnada.//Tendo em conta os considerandos supra-referidos, não se considera as facturas e recibos emitidos pela sociedade M……. & F….. como prova bastante para demonstrar que o Impugnante incorreu em tais encargos, pelo que tal facto deve ficar como não provado.»
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os seguintes alegados erros de julgamento da sentença sob escrutínio:
i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto provada, porquanto foram desconsiderados indevidamente facturas, recibos e autos de medição, juntos pelo recorrente para demonstração dos custos incorridos com a construção do imóvel cujos ganhos obtidos com a sua alienação foram objecto de tributação através da presente liquidação [conclusões a) a q)]
ii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável ao caso, porquanto os custos incorridos foram comprovadamente indispensáveis para a obtenção dos proveitos em causa, pelo que não podem ser desconsiderados, incorrendo o acto tributário em erro de direito [conclusões r) a w)]
iii) Erro de julgamento quanto aos poderes de cognição e de decisão do tribunal, porquanto tendo julgado improcedente a impugnação com base na asserção de que o impugnante não comprovou os gastos que alegou, o mesmo indeferiu a prova testemunhal arrolada pelo impugnante, a qual, em complemento com a prova documental, tinha em vista demonstrar a efectividade dos custos incorridos [conclusões x) a z)]
2.2.2. Para além de ter julgado parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita aos custos relativos à permuta do terreno, dado que a recorrida aceitou a pretensão do recorrente, a sentença julgou improcedente a impugnação, considerando que o impugnante não logrou demonstrar a veracidade dos encargos alegadamente incorridos com a construção do imóvel alienado. Na avaliação do tribunal, existem elementos nos autos que depõem contra a veracidade das facturas e recibos juntos pelo impugnante com vista a demonstrar a efetividade dos custos em causa.
2.2.3. Antes de apreciarmos o objecto do recurso, cumpre referir o seguinte.
Está em causa a liquidação oficiosa de IRS, rendimentos categoria B, construção civil, à qual se aplica o regime de determinação da matéria colectável do CIRC, ex vi artigo 32.º do CIRS (1).
A propósito da comprovação dos custos (ou dos gastos) em IRC, não sofre dúvida que «[a] comprovação das despesas necessárias à obtenção do lucro da sociedade é inerente e indissociável da dedutibilidade (…): os proveitos são os proveitos comprovadamente feitos e os gastos são os gastos comprovadamente tidos» (2). Mais se refere que, «[n]a perspectiva dos interesses fiscais, as exigências formais de documentação encontram a sua razão de ser numa dúplice justificação: por um lado, na necessidade de comprovar a efectivação do custo, a sua existência (desiderato alcançado pelo suporte em si); por outro lado, para aferir a natureza da despesa e respectiva comprovação da indispensabilidade do custo face à actividade do sujeito passivo (privilegiando-se aqui os elementos constantes do documento)» (3).
«A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova» (4). «Do facto de a fatura não conter todos os elementos necessários à justificação do custo não deriva que o encargo não se encontre devidamente documentado para os efeitos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, se existirem e forem exibidos outros documentos que concorram para a justificação da operação contabilística em causa». (5)
No caso, consta do probatório um conjunto de facturas e recibos que identificam a operação económica cujos custos se pretende comprovar (6). Por outro lado, na petição inicial da impugnação, são alegados factos (7) que, através do cruzamento dos vários meios de prova existentes nos autos, poderão, eventualmente, comprovar a veracidade dos alegados custos incorridos pelo impugnante na construção do imóvel vendido. Na referida petição inicial foi arrolada prova testemunhal; concretamente, trata-se de um conjunto de pessoas que, em nome das empresas, emitentes das facturas em causa, terão tido intervenção nas obras ou na transacção em apreço. Todavia, a inquirição das testemunhas referidas for indeferida por despacho do tribunal recorrido de 04.02.2019.
Incidindo o presente litígio sobre a veracidade das operações económicas tituladas pelas facturas juntas pelo impugnante, impõe-se concluir que a prova testemunhal em causa é relevante para o apuramento, com rigor, da invocada efectividade dos custos em presença.
Como se refere no Acórdão deste TCAS, de 24/06/2021, P. 1272/14.9BELRS, «Compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária. // Em casos como o dos autos em que a omissão da diligência de prova testemunhal requerida pela recorrente a impediu de fazer prova, precisamente daquilo que o Tribunal «a quo» julgou imprescindível para a procedência da impugnação judicial, mostra-se o julgamento da matéria de facto, vertido na sentença recorrida, inquinado por défice instrutório, existindo a séria probabilidade de a produção da prova, em falta, revelar um quadro factual mais amplo e seguro, com incontornável influência na decisão». Mais se refere que «[o] julgador embora livre no exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão» (8).
No caso, a sentença omite a especificação de factos-índices da veracidade das facturas invocados na petição inicial, os quais, se corroborados pelos meios de prova disponíveis nos autos, podem sustentar a tese do impugnante; por exemplo, designadamente, os seguintes: «para além dos custos suportados e consubstanciados nas facturas emitidas pela M…….. & F…….., Lda., o Impugnante suportou ainda custos com a aquisição de diverso material de construção, afecto à moradia edificada no Lote 11, conforme facturas, guias de remessa e declaração da sociedade por quotas J………….. – M……………, Lda., contribuinte n.° ………….. (Doc. 11)» (artigo 32.º), «todas as empresas que prestaram serviços na construção da moradia em causa declararam, para efeitos fiscais, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA, as facturas emitidas ao Impugnante, tendo pago imposto pelos serviços prestados» (artigo 47.º).
«Cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados» (9).
A base probatória da sentença deve ser alargada e precisada, com vista a aferir do bem fundado da presente pretensão impugnatória em apreço, através conciliação dos elementos colhidos pelo tribunal (artigo 114.º do CCPT), com a prova testemunhal requerida.
Nos termos do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, «[a]nular a decisão proferida em 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos discriminados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».
Ao não proceder à referida diligência de prova, a sentença incorreu em défice instrutório, determinante de anulação do processado, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolacção de nova decisão.
Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em determinar a anulação da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência instrutória requerida e à prolacção de nova sentença.
Custas pela Fazenda Pública, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta- Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta –Ana Cristina Carvalho)

(1) N.os 6 e 8, do probatório.
(2) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Lições, Almedina, 2017, p. 224.
(3) António Moura Portugal, A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 189.
(4) Acórdão do TCAS, de 15.09.2016, P. 09470/16
(5) Acórdão do STA, de 29.09.2019, P. 0306/12.6BELLE 01136/16.
(6) N.os 2, 3, 4, 5, 7 e 9.
(7) V. artigos 22.º a 61.º da petição inicial.
(8) Acórdão do TCAS, de 14.01.2021, P. 2265/13.9BELRS.
(9) Acórdão do TCAS, de 09.07.2020, 9281/16.7BCLSB.