Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06411/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2013
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC. MENOS-VALIAS. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.
Sumário:1. Partindo do pressuposto que o momento relevante para identificação do cariz retroativo de uma qualquer norma fiscal é o da ocorrência do facto tributário, o art. 67.º n.º 2 al. b) CIRC, na redação do DL. 442 -B/88 de 30.11., aplica-se às menos-valias apuradas nos exercícios de 1989 a 1996 e na redação da L. 52 -C/96 de 27.12., às registadas no exercício de 1997 e seguintes, conforme o ano em que se comprove ter sido posto à disposição, do sócio/sujeito passivo, o valor resultante da partilha do património social.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
COMPANHIA PORTUGUESA A..., S.A., contribuinte n.º ...e com os demais sinais dos autos (entretanto, incorporada pela B..., S.A.), impugnou judicialmente liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, do exercício de 1997.
Pelo Tribunal Tributário de Lisboa, foi emitida sentença que decidiu julgar a impugnação parcialmente procedente.
Insatisfeita, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra sumulada nestas conclusões: «
I. A douta sentença ora recorrida considerou que deveria ser anulada a correcção referente à menos-valia apurada no montante de PTE 163.795.574 (EUR 817.008,88).
II. A Impugnante detinha uma participação de 15% na empresa C....
III. Aquela tinha iniciado a actividade em 09/08/1990 e foi dissolvida em 26/10/1992.
IV. Na data da cessação da antedita empresa, aquela possuía no imobilizado um terreno registado na contabilidade por PTE 125.496.490, tendo o mesmo sido alienado por PTE 40.000.000.
V. Do produto da predita alienação foram utilizados PTE 28.237.500 na liquidação dos créditos da empresa aos accionistas, tendo ficado em caixa o montante de PTE 10.432.602, o qual foi objecto de partilha pelos accionistas, tendo cabido à Impugnante o montante de PTE 2.704.425.
VI. No exercício de 1997 a B...apurou o resultado daquela operação com base no valor de aquisição da participação (PTE 112.500.000), actualizado do factor 1,48 e o valor da realização que lhe coube em partilha (PTE 2.704.425), apurando uma menos valia fiscal no montante de PTE 163.795.574.
VII. A douta sentença ora recorrida considerou que o momento relevante para a determinação da lei aplicável é a data da dissolução a qual originou a menos-valia em crise.
VIII. É nosso convencimento que o que deu origem à menos-valia em causa, foi a partilha que coube à Impugnante.
IX. Pelo que a lei a aplicar é a vigente à data do facto tributário resultado da partilha.
X. O facto ocorreu em 1997, logo a lei a aplicar tem de ser a lei vigente à data, uma vez que não há retroactividade das leis em geral (art. 103.º, n.º 3 da CRP e art. 12.º, n.º 1 da LGT).
XI. Prescrevia o art. 67.º, n.º 2, alínea b) do CIRC que apenas se considerava que o resultado negativo da partilha fosse dedutível ao lucro tributável, como menos-valia, desde que as partes sociais tivessem permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução.
XII. Assim, e salvo melhor opinião, não tendo sido demonstrado que o momento da aplicação da lei era o momento da dissolução (1992), deverão manter-se as correcções efectuadas, uma vez que não existiu vício de violação de lei.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA. »
*
A Recorrida/Rda apresentou contra-alegação, onde conclui: «
A. O presente recurso vem interposto pela Digna Representante da Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, contra o acto de liquidação adicional n.º 8310002869 do IRC de 1997 e respectivos juros compensatórios.
B. No âmbito do presente processo discute-se se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que, no caso em apreço, não era aplicável à dedução do valor da menos-valia apurada com a dissolução da C..., S.A., o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º do Código do IRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 52-C/96 de 27 de Dezembro., porquanto o momento relevante para a determinação da redacção aplicável é o da dissolução (26/10/1992).
C. A resolução da questão controvertida passa por identificar se o momento relevante para a determinação do regime legal aplicável à dedução da menos-valia da C..., S.A. é o da dissolução ou o da partilha.
D. A alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º do Código do IRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 52-C/96 de 27/12 (que aprovou o Orçamento de Estado para 1997) dispunha que “2- No englobamento para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, observar-se-á o seguinte: (…) b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução”.
E. Nesta nova redacção da alínea da alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º do Código do IRC, o legislador elegeu como momento relevante para aferir o cumprimento do requisito da permanência das partes sociais, o momento da dissolução
F. O que dignifica que o momento relevante para a aplicação desta nova redacção da alínea b) do citado preceito legal, é também o da dissolução.
G. Refira-se que a mencionada Lei n.º 52-C/96, de 27/12, não tem qualquer disposição sobre a aplicação no tempo da referida alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º do Código do IRC, pelo que prevalecem as regras previstas nos artigos 103.º, n.º 3 da CRP e 12.º, n.º 1 da LGT, segundo as quais a lei tributária só é aplicável para o futuro.
H. Assim, a nova redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º do Código do IRC apenas se aplica às situações em que a dissolução se verifique após a sua entrada em vigor, ou seja, 01/01/1997.
I. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 141.º do CSC “A sociedade dissolve-se nos casos previstos no contrato de sociedade e ainda: (…) b) por deliberação dos sócios.
J. No caso em apreço, atendendo a que a dissolução da C..., S.A, ocorreu em 26/10/1992, por deliberação dos sócios em Assembleia Geral (cfr. artigo 14.º do probatório da sentença recorrida), é por demais evidente que a nova redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º do Código do IRC, que apenas entrou em vigor em 01/01/1997, não poderá ser aplicável ao caso em apreço, sob pena de violação do princípio da não retroactividade das leis tributária previsto nos artigos 103.º, n.º 3 CRP e 12.º, n.º 1 da LGT.
K. Acresce que além da ilegalidade e inconstitucionalidade da aplicação retroactiva da lei, tal aplicação violaria ainda um direito adquirido pelo contribuinte, ou pelo menos uma expectativa, que não poderá ser olvidada, pois, no momento da ocorrência do facto gerador da menos-valia - dissolução da sociedade (26/10/1992) - não era exigido qualquer período de detenção mínima das partes sociais pela Recorrida.
L. E, portanto quer a Recorrida, quer os restantes sócios da C..., S.A., quando procederam à dissolução da sociedade, adquiriram o direito de deduzir a menos-valia ou acrescer a mais-valia, consoante se apurasse uma diferença negativa ou positiva entre o resultado da partilha e o preço de aquisição das partes sócias.
M. Face ao exposto, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, sendo por isso mantida a sentença ora recorrida, uma vez que é insusceptível de qualquer juízo de censura.

Termos em que deverá improceder o recurso apresentado pela Recorrente, por falta de fundamento legal, mantendo-se a sentença ora recorrida, com as demais consequências legais. »
*
De igual modo, também, a B..., S.A. (incorporante) recorreu jurisdicionalmente, apresentando alegação com as seguintes conclusões: «
Ilegalidade por falta de audição prévia do contribuinte
112.º A sentença recorrida padece de vício de violação da lei (artigo 60º, 2 da LGT na redação à data dos factos) por não ter anulado o acto, por falta de audição prévia do contribuinte antes da liquidação.
113.º e por entender que a norma (artigo 13º, 1 da lei 16/2002 que alterou o artigo 60º da LGT é meramente interpretativa, quando é inovadora,
114.º do que decorreria na realidade a sua aplicação retroativa , o que viria violar o disposto no nº. 3 do artigo 103º da CRP, actual artigo 104.º da CRP.

Indispensabilidade dos custos com as menos-valias
115.º A sentença a quo, ao considerar que os custos com as menos-valias não seriam dedutíveis, por não se inserirem no objeto social da ora Recorrente, violou o disposto no artigo 23º do CIRC e o artigo 104º, 3 da CRP ao estabelecer este o princípio da tributação sobre o rendimento real das empresas,
116.º indo contra a interpretação correta que os Tribunais e os Autores fazem do artigo 23º no sentido de que só não relevam os gastos que foram incorridos para servir interesses alheios, sendo o juízo sobre a oportunidade e a conveniência dos gastos exclusivo do empresário.

A prova da justificação dos custos com as menos-valias
117.º Pretende a Recorrente produzir prova sobre a justificação dos custos, embora a AT não tenha produzido prova, como lhe competia, sobre a sua desnecessidade.
118.º A douta sentença recorrida ao dispensar a prova, julgando, sem mais, a favor da AT, violou o princípio fundamental do contraditório, pelo que o processo deve baixar ao Tribunal Tributário de Lisboa,
119.º sendo ouvidas as testemunhas arroladas e, assim, decidindo o Tribunal a quo em conformidade com a prova produzida.

Ilegalidade da tributação autónoma
120.º A sentença a quo confirmou a tese da AT segundo a qual a aquisição dos cheques auto não traduz um custo,
121.ºdispensando a prova testemunhal que a ora Recorrente pretendia produzir
122.º e violando o disposto nos artigos 23º a 41º do CIRC e 4º do DL 192/90 de 8 de Junho.

Direito a juros indemnizatórios
123.º A ora recorrente pagou, por conta da liquidação adicional impugnada, o montante de EUR 23.940,20 (PTE 4.799.579),
124.º pagamento de imposto e juros compensatórios motivado por erro imputável à AT,
125.º pelo que no caso de provimento do presente recurso devem ser atribuídos à Recorrente juros indemnizatórios nos termos do disposto nos artigos 30, 1 al. e) e 43º da LGT e no atrtigo 61º do CPPT.

Termos em que o processo deve baixar ao Tribunal Tributário de Lisboa para produção de prova, ou, se tal não for deferido, deve o presente recurso ser considerado procedente, sendo revogada, na parte recorrida, a sentença a quo, o que desde já se requer. »
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Com este recurso subiu, ainda, apelo, que havia sido formalizado, do despacho proferido a fls. 155, concluindo a respectiva alegação desta forma: «
I) No seu juízo sobre a necessidade das provas, o juiz não pode antecipar qualquer possível resultado das mesmas, tendo de formar o seu juízo apenas em função da adequabilidade do meio probatório tal como está legalmente conformado para a prova dos factos que se pretendem, tendo de entrar em linha de conta as possíveis soluções que as questões de direito e que a factualidade alegada e a provar seja susceptível juridicamente de alcançar.
II) Nos autos existem factos controvertidos que relevam para a decisão da causa para os quais os autos não fornecem os elementos necessários.
III) A necessidade da inquirição das testemunhas é evidente em vista da prova desses factos.
IV) Tem a Recorrente o direito à realização das diligências que tenham como objectivo a contraprova dos factos afirmados pela Administração Fiscal em que a liquidação impugnada se fundou, e a criação de uma certeza do facto contrário ou, no mínimo, de um estado de dúvida que lhe aproveite.
V) Negando a Recorrente na impugnação os factos invocados pela Administração Fiscal e alegando em sentido contrário, deve o tribunal proceder à inquirição das testemunhas por si arroladas sob pena de criar um déficit instrutório, susceptível de influir no julgamento da matéria de facto, a justificar a anulação oficiosa da decisão nos termos do art.º 712, n.º 2 do C.P.C..
VI) A impugnante tem direito de usar os meios de prova previstos em direito - art.º 115º, n.º 1 do C.P.P.T..
VII) Ao decidir no sentido do Despacho recorrido o Mm.º Juiz a quo viola o disposto no art.º 115º do C.P.P.T.,
VIII) Bem como viola o princípio constitucional de acesso ao direito na sua acepção de garantia a uma tutela eficaz e efectiva, nomeadamente em matéria do uso dos meios de prova adequados à defesa em juízo dos diferentes direitos alegados (art.º 20º da C.R.P.).
IX) Assim, é necessária e tem de se admitir a inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante,
X) Por se destinarem a comprovar a factualidade consubstanciadora da tese da Recorrente e a obtenção de informações adequadas a suportá-la, não se podendo recusar os meios de prova susceptíveis de demonstrar os factos que se mostram relevantes segunda as diferentes teses ou soluções que as questões de direito podem alcançar.
XI) Assim, a decisão de omissão da diligência da inquirição das testemunhas arroladas afectará o julgamento da matéria de facto,
XII) Dado não permitir o correcto e definitivo apuramento dos factos,
XIII) Consubstanciando um déficit instrutório, susceptível de influir no julgamento da matéria de facto.
XIV) A realização da referida diligência de prova é indispensável à boa decisão da causa.
XV) Ao afirmar, de forma conclusiva, que os autos contêm toda a factualidade necessária à sua decisão conscienciosa, pelo que o Tribunal prescinde da inquirição das testemunhas, o Mm.º Juiz a quo fez um juízo errado sobre as questões de facto controvertidas bem como sobre o processo fornecer os elementos necessários à sua decisão,
XVI) Violando a lei ao recusar prova susceptível de influenciar o exame e decisão da causa
XVII) Com o Despacho recorrido, o Mm.º Juiz a quo violou o disposto no art.º 113°, n.º 1 do C.P.P.T., o art.º 115º, n.º 1 do C.P.P.T. e o art.º 20º da C.R.P..

Para a instrução do presente recurso desde já se requer seja ordenada a emissão de certidões das seguintes peças processuais:
(…).
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o Douto despacho recorrido e, consequentemente, admitir-se a produção da prova testemunhal, procedendo-se à inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente, com as demais consequências legais.
Assim, farão V. Ex.as a costumada já JUSTIÇA. »
*
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido do não provimento dos dois recursos dirigidos à sentença.
*
Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se inscrito, na recorrida sentença: «
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 De facto:
Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. A Companhia Portuguesa A..., S.A., ora Impugnante, foi constituída em 18 de Julho de 1925, a partir do contrato de concessão de 1922, celebrado entre o Governo português e a B...D...Company Limited, concessão essa para instalação e exploração comercial das estações radiotelegráficas no Continente, Açores, Madeira, Cabo Verde, Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, com possível prolongamento até Macau, Índia e Timor (informação disponível e documentada no sitio B..., fundação PI, para consulta em http://sitioB....fundacao.telecom.pt/).
2. Até 6 de Agosto de 1998 a Companhia Portuguesa A..., S.A. teve por objecto o exercício do direito de instalar e explorar comercialmente em regime de exclusivo, postos e estações, utilizado ligações radioeléctricas de qualquer tipo (incluindo as estabelecidas directa ou indirectamente por intermédio de satélites espaciais ou cabos submarinos amarrados ou não em território português) ou a combinação destes dois sistemas (cf. informação prestada pela Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a fls. 244 a 261 dos autos).
3. Em 31 de Julho de 1995 a Portugal Telecom S.A. adquiriu 139.995 acções da Impugnante, tornando-se dominante da mesma, tendo em 30 de Dezembro de 2002 incorporado a Impugnante por fusão (cf. informação prestada pela Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a fls. 244 a 261, maxime a fls. 253 dos autos e sitio B..., fundação PI, para consulta em http://sitioB....fundacao.telecom.pt/).
4. Por despacho do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações n.º 41/95-XII do MOPTC, datado de 20 de Outubro de 1995, foi aceite em nome do Governo português a cessação do contrato de concessão da ora Impugnante com efeitos a partir daquela data (cf. despacho, publicado no D.R. n.º 260, série II, de 10 de Novembro de 1995).
5. As actividades até então concessionadas à ora Impugnante passaram a ser concessionadas à Portugal Telecom, S.A., tendo a Portugal Telecom, S.A. e a ora Impugnante acordado sobre as bases de um contrato de subconcessão da primeira à segunda “a prestação do serviço de telecomunicações internacionais, bem como o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas que constituem a rede básica de telecomunicações, incluindo as que utilizem tecnologias de cabos submarinos e de comunicações via satélite destinadas exclusivamente à prestação dos aludidos serviços”, o qual foi homologado pelo Governo, pelo Despacho n.º 156/96 datado de 6 de Novembro de 1996, do Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território (cf. despacho 156/96, de 6/11).
6. Em 6 de Agosto de 1998 foi alterado o objecto da ora Impugnante, passando a ser “estabelecimento, gestão e exploração de infraestruturas de telecomunicações, bem como o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias daquelas” (cf. informação prestada pela Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a fls. 244 a 261, maxime alteração parcial do contrato registada através da ap. 78/980806, a fls. 258 dos autos).
7. Em 6 de Agosto de 1998 foi registada uma deliberação do Conselho de Administração da Impugnante nos termos da qual a mesma “poderá participar na constituição e por outras formas adquirir participações em outras sociedades do mesmo tipo, com objecto idêntico ou diferente [do seu], incluindo sociedades reguladas por lei especial, nomeadamente em agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, consórcios e associações em participação” (cf. informação prestada pela Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a fls. 244 a 261, maxime alteração parcial do contrato registada através da ap. 78/980806, a fls. 258 dos autos).
8. Em 13 de Dezembro de 1990 foi constituída a Companhia Portuguesa A... SGPS - Sistemas de Informação, Lda. com o capital social de PTE 50.000.000 (EUR 249.398,95) detido a 99,9% pela Impugnante e em 0,1% pela F...- Sociedade de Gestão e Investimentos Imobiliário, S.A. (cf. cópia da escritura de constituição a fls. 58 a 70, constituindo anexo 3 do relatório de inspecção e a fls. 73 a 86 dos autos).
9. A Companhia Portuguesa A... SGPS - Sistemas de Informação, Lda. tinha por objecto a gestão de participações sociais, como forma indirecta do exercício de actividades económicas, bem como a prestação de serviços técnicos e de gestão (cf. cópia da escritura de constituição a fls. 58 a 70, constituindo anexo 3 do relatório de inspecção e a fls. 73 a 86 dos autos).
10. Em 13 de Julho de 1982 foi constituída a “E..., Lda.”, tendo como objecto a prestação de serviços e cooperação no domínio das telecomunicações e postal, bem como a transferência das respectivas tecnologias (cf. fls. 93 a 94 dos autos).
11. Em 31 de Dezembro de 1995 a E..., Lda. registou para o exercício de 1995 um resultado líquido de PTE 39.832.229 (EUR 198.682,32) (cf. cópias do balanço, a fls. 107 a 112 dos autos).
12. Em 20 de Julho de 1990 foi constituída a C... (Portugal) Circuitos Impressos, S.A., tendo por objecto a produção de todos os tipos de circuitos impressos, prestação de serviços relacionados com o projecto, produção e comercialização desses produtos e serviços em Portugal e no estrangeiro (cf. cópia dos estatutos, a fls. 116 a 131 dos autos).
13. Na data da constituição da C... (Portugal) Circuitos Impressos, S.A. a ora Impugnante detinha na mesma uma participação de 15% do respectivo capital social (cf. relatório de inspecção a fls. 11 a 29 do PAT apenso).
14. A dissolução da C... (Portugal) Circuitos Impressos, S.A. foi determinada em Assembleia-geral de 26 de Outubro de 1992 (cf. anexo 12 do relatório de inspecção, a fls. 240 e relatório de liquidação, a fls. 242 do PAT).
15. Na sequência da ordem de serviço n.º 114/2001, e por “pertencer ao cadastro especial de contribuintes e corresponder aos requisitos dos critérios de selecção definidos pela DSPIT para o plano de acção inspectiva do ano de 2001”, os serviços de inspecção da Administração tributária efectuaram uma inspecção à ora Impugnante em sede de IRC, tendo por objecto os exercícios de 1997, 1998 e 1999 (cf. relatório contendo as conclusões da acção de inspecção tributária, a fls. 9 a 13 do PAT apenso).
16. A AT deu conhecimento à impugnante do projecto de relatório de conclusões da acção inspectiva e para se pronunciar em sede de audiência prévia, através do ofício n.º 00493 datado de 18/02/02 (cf. relatório contendo as conclusões da acção de inspecção tributária, a fls. 27 do PAT apenso, e arts. 7.º e 8.º da PI).
17. Em 28 de Fevereiro de 2002 a ora Impugnante pronunciou-se por escrito em sede de audiência prévia, sobre o projecto relatório de conclusões da acção inspectiva (cf. relatório contendo as conclusões da acção de inspecção tributária, a fls. 27 do PAT apenso, e art. 8.º da PI).
18. Em 5 de Março de 2002 foi emitido pelos serviços da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT), o relatório contendo as conclusões da acção de inspecção tributária, do qual consta o seguinte (cf. relatório de inspecção tributária a fls. 11 a 29 do PAT apenso):
(…)
2. Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
(…)
2.3 Outras situações
2.3.1. Caracterização da empresa
A Companhia Portuguesa A..., S.A. é uma sociedade anónima, actualmente pertencente ao grupo Portugal Telecom, S.A., da qual é subconcessionária na prestação de serviços, operações de tráfego e circuitos alugados.
2.3.2 Caracterização da actividade
A actividade da empresa consiste na prestação de serviços de telecomunicações (Tráfego, Cedência de meios e Aluguer de equipamentos).
Em Portugal é a B...que estabelece a ligação do tráfego entre Portugal e os operadores de telecomunicações estrangeiros.
Os serviços prestados pela B...encontram-se concessionados à PT (…).
3. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
Foram analisadas as áreas da contabilidade, prevista no programa de trabalhos, com base nos balancetes, diários, extractos de conta e demais elementos auxiliares, preparados pela empresa, bem como se consultaram documentos. A analise foi efectuada com a profundidade prevista no mesmo plano e que se considerou adequada, tendo se detectado os factos que a seguir se descrevem e enquadram fiscalmente.
3.1 Exercício de 1997
3.1.1 - Despesas não Documentadas - 4.870.000$ - (24.291,45 €)
Na conta POC 622129 - Combustíveis - foram registados valores no montante de Esc. 4.870.000$ que por não se encontrarem documentados, não são aceites como custo fiscal nos termos da alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC e estão sujeitos a tributação autónoma, à taxa de 30%, prevista no art. 4.º do Dec. Lei 192/90 de 9/6.
Os registos contabilísticos destes valores tinham como suporte documental os documentos bancários de aquisição de cheques auto, os quais não servem de justificativo à despesa de aquisição dos combustíveis. O valor apurado consta do anexo 1.
3.1.2 - Juros Compensatórios - 4.574.161$ - (22.815,81 €)
Na conta POC 6312 - Impostos, foram registados valores que totalizam 4.574.161$, correspondentes a juros compensatórios pagos por falta de liquidação de IVA. Esta falta de liquidação do imposto foi cometida por empresas que foram absorvidas pela B.... (Anexo 2 c/9 fls.)
Este valor não é aceite como custo fiscal nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 41.º CIRC.
3.1.3 - Perdas em Investimentos Financeiros 2.315.545.188$ (11.549.890,69 €)
Na analise efectuada à área de Imobilizações e dentro desta aos investimentos financeiros, verificou-se que, nas contas POC 411 - Partes de Capitais e 413 - Empréstimos de Financiamento, encontravam-se movimentos relacionados com operações de alienação de partes sociais.
A B...alienou várias empresas, com diferentes actividades, nas quais detinha participações de capital, bem como liquidou uma empresa. Destas operações acessórias à sua actividade principal, resultaram elevados custos (custos administrativos, menos-valias e outros) que em nada contribuíram para a obtenção dos proveitos realizados no exercício e que a empresa deduziu ao lucro tributável, considerando estes como custos fiscais.
Não está em causa a existência ou a natureza deste tipo de custos, o que nos cumpre analisar prende-se com o regime fiscal que lhes é aplicável, mais concretamente se são ou não de aceitar como custo fiscal, isto é, se deve ser o Estado a suportar os custos decorrentes destes negócios.
Neste âmbito o princípio geral a ter presente é o estatuído no art. 23.º do CIRC nos termos do qual são dedutíveis os encargos que forem comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos, verificando-se que no mesmo diploma o legislador consagra determinadas limitações aos encargos suportados pelos sujeitos passivos de modo a impedir a dedução de gastos considerados não indispensáveis.
Descrevem-se os factos referentes às operações de alienação das participações sociais das empresas analisadas.
3.1.3.1 - Comp. Portuguesa de A..., SGPS - Sistemas de Informação, Lda.
A fim de abreviar o nome da empresa, acima citada, passamos a referi-la por I..., Lda.
A I..., Lda. era uma sociedade por quotas, constituída em 1990 com o capital social de 50.000.000$ do qual a B...detinha 99,9%, o restante era participado pela F...- Soc. Gestão e Investimentos Imobiliário, S.A., que também pertencia ao grupo de empresas da B.... (Anexo 3 c/13 fls.)
Em 1991 a I..., Lda. realiza um aumento de capital passando este para 793.600.000$, sendo a participação da B...de 793.500.000$.
De 1990 a 1996 a B...efectuou vários empréstimos à sua participada para efeitos de aquisições de outras empresas, aumentos de capital nas mesmas, bem como para que a I..., Lda. pagasse dividas contraídas pelas empresas nas quais participava. O saldo destes empréstimos, na data da alienação, era de 1.055.241.613$ e estavam contabilizados na conta POC 4113 - Empréstimos de Financiamento. (Anexo 4).
Também durante este período a B...foi adquirindo participações que a I..., Lda. detinha em outras empresas, acabando posteriormente por as alienar e obtendo menos valias com as operações efectuadas, como foi o caso da empresa Time Sharing, no exercício de 1998, e outras, que adiante citaremos.
Em 16/5/97 a B...adquire a quota que a F...- Soc. Gestão e Investimentos Imobiliário, S.A. detinha na I..., Lda. desde a constituição, no valor de 100.000$. Assim a B...toma-se a detentora da totalidade do capital da I..., Lda.
Esta aquisição foi efectuada pelo valor de 100.000$. (Anexo 5/5 fls.)
Em 26/5/97 foi elaborado um contrato de Promessa de Cessão de Quotas e de direito a suprimentos onde a B...promete ceder à empresa G..., com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, de que é procurador o advogado Dr. H..., o capital e os créditos que detém na I...por 150.000$ + 150.000$, respectivamente. No mesmo contrato a B...compromete-se a efectuar as seguintes alterações ao pacto social da empresa a ceder: (Anexo 6 c/ 6 fls.)
- Redução do capital social de 793.600.000$ para 1.000.000$, destinando-se a redução do capital à cobertura de prejuízos.
- Alteração da denominação social de Comp. Portuguesa de A..., SGPS - Sistemas de Informação, Lda. para I..., Lda.
- Alteração da sede passando esta para a R. Tieme Galvão Amoreiras Torre 3, 70 andar, sala 703 Lisboa.
Em 22/7/97 por escritura pública lavrada no 6.º Cartório Notarial de Lisboa são efectuadas as alterações citadas e dá-se a cedência do capital, reduzido (1.000.000$), pelo valor de 150.000$ à empresa J...INC. (também com sede nas Ilhas Virgens Britânicas), sociedade designada por procuração da empresa G..., sendo procurador o mesmo advogado, Dr. H.... Estas empresas foram constituídas segundo as leis das Ilhas Virgens Britânicas, consideradas pela lei fiscal portuguesa paraísos fiscais. (Anexo 7 c/ 11 fls.)
Na mesma data é elaborado um contrato de cessão de créditos por suprimentos, no montante de 1.055.091.613$, pelo valor de 150.000$ em que são intervenientes as entidades citadas (Anexo 8 c/5 fls.)
A empresa passa a denominar-se I..., Lda., com o NIPC ..., o mesmo que estava atribuído à I..., Lda., pelo que para efeitos fiscais trata-se do mesmo sujeito passivo, tendo apenas existido alterações ao pacto social.
A empresa com a nova denominação continua a exercer a sua actividade de sociedade de investimentos, actualmente com sede no Funchal.
A B...para efectuar a venda desta empresa pelo simples valor de 150.000$ incorreu em elevados custos. Custos com a aquisição das empresas detidas ou participadas pela I..., Lda., (que acaba por alienar e obter menos valias fiscais) custos administrativos originados com as alterações ao pacto social, menos-valias fiscais obtidas nesta operação concreta e perda com a cessão dos créditos. Os dois últimos custos citados totalizam o montante de 2.102.909.613$, sendo, as Menos-Valias Fiscais obtidas na operação de Esc 1.047.918.000$ e a perda na cessão dos créditos por suprimentos de 1.054.991.614$ (1.055.091.613$ - 150.000$).
Com estes negócios, que não se inserem no objecto social da empresa (Telecomunicações), tal como se descreve no ponto 2.3.2, deste relatório, foram registados na contabilidade, contas 6941, 6948 e 7941, e deduzidos ao lucro tributável, do exercício de 1997, custos nos montantes acima citados que não se comprova serem indispensáveis à realização dos proveitos, nem contribuíram para a manutenção da fonte produtora dos rendimentos, pelo que não se inserem no âmbito do art. 23.º do CIRC que define quais os custos dedutíveis ao rendimento tributável.
3.1.3.2 - E..., Lda.
A empresa que passamos a denominar por E...é uma sociedade por quotas, com o capital social de 120.000.000$, dividido em 4 quotas, pertencendo uma à B..., uma aos CTT e duas à PT.
A B...por escritura pública de 31/1/97 alienou a sua participação, no valor de 40.000.000$, pelo valor simbólico de 1$.
Este negócio foi efectuado com a PT, empresa do grupo a que também pertence a B...(Anexo 10 c/ 7 fls.)
Os representantes da B...informaram-nos que esta venda da participação por um valor simbólico se devia ao facto da E...apresentar resultados abaixo dos previstos e à data da venda a situação liquida ser negativa.
No entanto na Acta n.º 44 de 27/3/96, referente ao exercício de 1995, é escrito que a situação de resultados negativos é transitória e que no futuro será possível que a empresa atinja uma situação económica e financeira equilibrada. (Anexo 11 c/4 fls.)
Na mesma acta também consta a atribuição de um prémio de gestão aos gerentes executivos do conselho de gerência.
Apesar dos resultados de gestão serem negativos, no ano seguinte ainda foram agravados pelo processamento dos referidos prémios.
Analisado o balanço e demonstração de resultados, da E..., referente ao exercício de 1996, último antes da alienação da participação pela B..., únicos elementos a que tivemos acesso, verifica-se que a situação liquida da E...é negativa, basicamente motivada pelos elevados resultados líquidos do exercício em causa, para os quais contribuíram em parte os prémios de gestão processados a favor dos gerentes, conforme previsto na referida acta.
A E...é uma empresa que continua a laborar no mercado Português.
Este negocio que a B...realiza com a PT e ao qual atribuíram um valor simbólico de 1$, gerou um custo fiscal no montante de.48.840.000$, através do apuramento das menos-valias fiscais. Este custo não contribuiu para a realização dos proveitos resultantes da actividade de telecomunicação que a B...exerce e não contribuiu para a manutenção da fonte produtora dos rendimentos, não se enquadrando, portanto no âmbito do art. 23 do CIRC.
3.1.3.3 - C... (Portugal) - Circuitos Impressos, S.A. - Liquidada
A C... com capital social no montante de 2.100.000.000$, não totalmente realizado, e no qual a B...detinha uma participação de 15%, encontrando-se realizado o montante de 112.500.000$, iniciou a actividade em 9/8/90 e foi dissolvida em 26/10/92. Anexo 12.
Esta empresa era participada pela B..., IPE - Instituto de Participações do Estado, Soc. K..., S.A. e Empresa L..., S.A.
Na data de cessação da actividade a empresa possui no seu imobilizado um terreno, registado na contabilidade por 125.496.490$, situado na zona de Sesimbra.
Em 1996, fim do período de liquidação que decorreu desde 1992, data da dissolução da sociedade, verifica-se com base no balanço final que o referido terreno foi alienado por 40.000.000$. Este negócio efectuou-se com a empresa M...- Compra e Venda e Exploração de Imóveis, S.A. (Anexo 13 c/16 fls.)
O resultado desta venda foi utilizado na liquidação dos créditos da empresa aos accionistas, no montante de 28.237.500$, tendo ficado em Caixa o montante de 10.432.602$ que foi objecto de partilha pelos accionistas.
A venda do terreno foi contabilizada pelo valor referido, o qual é bastante inferior ao valor de aquisição, embora se tratasse de um terreno inserido numa zona industrial, os quais por norma não sofrerem desvalorizações, razão pela qual na óptica fiscal estes não são objecto de amortização.
No último balanço elaborado no exercício de 1996 (período de liquidação) consta um resultado do exercício negativo, 86.814.984$, no entanto a situação líquida da empresa nesta data era positiva.
Na determinação do resultado da liquidação coube em partilha à B...o valor de 2.704.425$.
No exercício de 1997 a B...apurou o resultado desta operação com base no valor de aquisição da participação, 112.500.000$, actualizado pelo factor 1,48, e o valor de realização que lhe coube em partilha, 2.704.425$. Isto é, apurou a menos valia fiscal, sendo esta no montante de 163.795.574$.
Esta situação não se enquadra no disposto na alínea b) n° 2 do art° 67 do CIRC, que apenas considera que o resultado negativo da partilha seja dedutível ao lucro tributável, como menos valia, desde que as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, o que na situação em analise não se verificou, pelo que se procede à correcção da respectiva menos valia.
(…)
5 - Direito de Audição – Fundamentação
A empresa foi notificada, através do oficio n.º 00493 de 18/02/02, para que no prazo de dez dias exercesse o direito de audição previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 60.º da Lei Geral Tributária e no art. 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo D.L. n.º 413/98 de 31/12.
Na sequência da notificação, acima mencionada, o contribuinte exerceu o direito de audição enviando a esta Direcção de Serviços o documento registado com o n.º 664 de 28/02/02.
Com base no documento apresentado, com 54 pontos, constatamos que a exponente se pronunciou sobre as correcções e respectiva fundamentação propostas no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária e juntou alguns elementos novos ao processo.
Alguns pontos do documento merecem-nos referência, pelo que os passamos a citar.
A) Investimentos Financeiros - Menos –Valias
1) A exponente no direito de audição, pontos 3 a 18, vem contestar as correcções propostas, no entanto em matéria de facto não veio apresentar qualquer dado novo ao processo.
Os argumentos aduzidos em matéria de direito não alteram o entendimento da Administração Fiscal explanados nos pontos 3.1.3.1; 3.1.3.2; 3.2.4.1 e 3.2.4.3 do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária.
A Administração Fiscal não pretende condicionar o princípio de liberdade contratual dos contribuintes, mas cumpre-lhe fazer o enquadramento fiscal dos custos resultantes dos negócios por estes celebrados e aceita-los como necessários à realização dos proveitos e à manutenção da fonte produtora dos rendimentos, pelo que não sendo esta a situação mantém as correcções propostas.
2) A exponente no ponto 19 vem contestar a aplicação da norma legislativa invocada pela Administração Fiscal, referente à menos-valia apurada na sequência da liquidação da sociedade C... (Portugal) - Circuitos Impressos, S.A., com o argumento de que esta não existia à data da dissolução da referida sociedade.
E entendimento da Administração Fiscal que a lei a aplicar é a vigente à data do facto tributário - resultado da partilha. Este facto ocorreu no exercício de 1997 encontrando-se em vigor o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 67.º do CIRC, pelo que se mantém a correcção proposta.
3) Nos pontos 23 a 26 a exponente, no que se refere à correcção proposta ao valor das menos valias obtidas com a venda das acções que esta detinha na empresa N...(ex-Centrel), vem apresentar elementos que ao longo da acção de inspecção, não só, não apresentou como não deu a conhecer a existência do facto, redução de capital efectuada na referida empresa. Os elementos que foram cedidos pelo contribuinte e analisados pelas técnicas, não reflectiam qualquer redução de capital, pelo que a análise dos mesmos levou à conclusão de que as 180.000 acções alienadas correspondiam ao último lote de acções adquiridas em 1992.
Com base na análise dos novos elementos, escritura da redução de capital, compreendemos o motivo pelo qual o contribuinte inscreve no mapa de Mais ou Menos -Valias, como valor de aquisição das acções o montante de 678.771.453$, resultando com base neste valor uma menos-valia de 548.464.316$, pelo que se anula a correcção proposta no ponto 3.2.4.2 do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, ficando sem efeito os anexos n.ºs 19 e 20, os quais não se juntam a este relatório.
B) Outros factos
Os argumentos evocados pela exponente nos restantes pontos aqui não evidenciados, mas que fazem parte do documento que estamos a analisar, não vêm adicionar novos elementos ao processo, pelo que se mantêm as correcções propostas.
C) Conclusão
Após análise do referido documento elaborou-se o Relatório de Inspecção Tributária.
Com base nas correcções devidamente fundamentadas no mesmo procedeu-se à elaboração dos respectivos mapas de apuramento, Mod. DC.22- IRC e levantou-se o competente Auto de Noticia.
(…)
19. Em 5 de Março de 2002, foi preenchido pelos serviços de fiscalização tributária o mapa de apuramento modelo DC 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual foi inscrito na linha 263 do campo 20 um “lucro tributável corrigido” no montante de PTE 2.296.760.680 (EUR 11.456.193,97) (cf. copia do modelo DC 22 a fls. 5 a 8 do PAT).
20. Em 15 de Março de 2002, a ora Impugnante tomou conhecimento do teor das conclusões da acção de inspecção (cf. art. 9.º da PI).
21. Em 22 de Março de 2002 foi efectuada a liquidação adicional de IRC n.º 8310002869 referente ao exercício de 1997, da qual resulta o montante total a pagar de EUR 5.831.110,09, dos quais EUR 1.539.206,11 correspondem a juros compensatórios, com data limite de pagamento em 8 de Maio de 2002 (cf. documento de cobrança, a fls. 62 dos autos).
22. Em 7 de Maio de 2002, a ora Impugnante procedeu ao pagamento por conta da liquidação identificada no ponto anterior no montante de EUR 23.940,20 (PTE 4.799.579) referente a imposto e juros compensatórios (cf. requerimento e guias de pagamento, a fls. 63 a 67 dos autos).
23. A PI da presente impugnação deu entrada no Tribunal tributário de 1.ª instância de Lisboa no dia 13 de Setembro de 2002 (cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.
*
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir. »
***
Confrontados com vários apelos pendentes, mediante prévia ponderação dos diversos interesses envolvidos e por se concluir ser a ordem que melhor estabiliza a instância, pela, possível, resolução definitiva de algumas questões suscitadas, começaremos com o recurso da FAZENDA PÚBLICA/FP.
Esta insurge-se contra o judiciado, na sentença, no sentido de que a correção respeitante a menos-valia, no montante de 163.795.574$00 (€ 817.008,88), identificada e tratada no ponto «3.1.3.3 - C... (Portugal) - Circuitos Impressos, S.A. - Liquidada», do relatório mencionado em 18. dos factos provados, padece do vício de violação de lei, tendo anulado a liquidação adicional impugnada, na parte correspondente. Fundamentalmente, escorou tal conclusão no entendimento de que “não era aplicável ao caso a redacção conferida à alínea b) do n.º 2 do art. 67.º pelo art. 30.º da Lei n.º 52-C/96 de 27/12, mas sim a redacção anterior, vigente em 1992, data em que se verificou a dissolução da C..., pelo que não era de exigir o prazo de titularidade mínimo de 3 anos das partes sociais, tendo a AT errado nesta parte da correcção, pois fez uma aplicação retroactiva da referida disposição que não era permitida por força do disposto nos arts. 103.º, n.º 3 da CRP, 12.º, n.º 1 da LGT.”. Antes, já, se havia expedido “não pode deixar de se considerar, sob pena de se fazer da lei aplicável uma interpretação violadora do principio da irretroactividade da lei fiscal, que o momento relevante para a determinação da lei aplicável é o da dissolução que origina a menos valia, pois é a data da dissolução que a nova redacção da lei elege como referência para a determinação do período mínimo de detenção do capital social”. Determinar se este julgamento é certeiro ou erróneo, consubstancia, portanto, primeira questão a dirimir.
Para isso, liminarmente, convém reproduzir as duas redações em confronto Extensível ao respectivo n.º 1, que, objetivamente, condiciona a leitura do n.º 2., do, então Anos de 1992 e 1997., art. 67.º CIRC, com a epígrafe “Resultado da partilha”: «
1 – É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais.
2 – No englobamento para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior observar-se-á o seguinte:
a) (…);
b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia dedutível.
3 – (…).
4 – (…). – Redação do DL. 442 -B/88 de 30.11.
*
1 – É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais.
2 – No englobamento para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior observar-se-á o seguinte:
a) (…);
b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução.
3 – (…).
4 – (…). – Redação do art. 30.º n.º 1 L. 52 -C/96 de 27.12.
A leitura destas versões, do dispositivo legal em apreço, permite, desde logo, identificar, não se olvidando a circunstância de tratarmos assunto relativo à determinação da matéria colectável, em cédula de IRC, precisamente, englobamento de valores, um determinante e incontornável ponto comum: a referência, nos respectivos n.ºs 1, ao exercício em que é posto à disposição dos sócios determinando montante, como resultado de partilha efetuada. Doutro modo, a consideração conjugada do conteúdo dos n.ºs 1 e 2 do art. 67.º CIRC (em ambas as redações), além de induzir a interdependência dos dois segmentos normativos e no sentido de o funcionamento do n.º 2 ser condicionado, delimitado, pelo teor do antecedente n.º 1, fortalece a conclusão de que o legislador, para as situações de ser necessário proceder a englobamento do resultado de partilha, motivada pela dissolução de, v.g., sociedades comerciais, sabendo da muito frequente ou quase inevitável, diferença temporal entre o momento desta e da finalização daquela, optou por dar prevalência, marcante, ao exercício da disponibilização, aos sócios, do valor devido em consequência das operações de partilha, exigindo que essa operação (de englobamento) tenha lugar neste exercício específico.
Por outro lado, essa mesma observação literal patenteia que, na redação originária, nenhuma potencial tensão existia quanto à identidade do momento em que deveria atuar o aí estatuído, porquanto somente era referido o exercício da disponibilização do valor a englobar, sendo totalmente inócua, por ausência, a data da dissolução societária, provocante da partilha. Ou seja, até 1.1.1997, data da entrada em vigor da alteração introduzida na alínea b) do n.º 2 pela L. 52 -C/96 de 27.12., dúvidas não se colocavam quanto ao funcionamento, do art. 67.º n.º 1 e 2 CIRC, relativamente aos englobamentos efetuados no exercício/ano em que os sócios recebiam os valores resultantes da partilha, sem qualquer implicação derivada da data em que tivesse acontecido a extinção da sociedade.
Salvo o respeito devido a antagónico entendimento, julgamos que a apontada alteração legislativa não teve o condão de modificar o princípio Claramente identificável e destacável nas redações coligidas, bem como, subsistente na atualidade – cfr. art. 81.º CIRC. de que, quanto à tributação dos sócios Respeitante à diferença entre o valor atribuído na partilha e o preço de aquisição das partes sociais envolvidas., o englobamento, do valor por estes recebido através de partilha consequente de dissolução de sociedade, deve obedecer, observar as regras vigentes no exercício em que for posto à sua disposição esse montante, sujeito a ser englobado na declaração dos demais rendimentos auferidos no mesmo espaço de tempo.
Dito isto, obviamente, não podemos concordar com a sentença recorrida, quando sustenta que “o momento relevante para a determinação da lei aplicável é o da dissolução que origina a menos valia”. Primeiro, a menos-valia, equivalente à diferença negativa entre o valor atribuído em resultado da partilha e o preço de aquisição das partes sociais visadas, de forma alguma é originada pela dissolução da sociedade, mas, sim, pela partilha de bens que essa extinção pode determinar, vicissitudes que, entre o mais, são temporalmente separadas. Em segundo lugar e como decorre, implícito, da anterior exposição, estando a tratar-se do englobamento de rendimentos, para tributação, que a lei obriga seja feito no exercício em que é colocado à disposição dos sócios o valor atribuído na partilha, o regime legal aplicável, para abordar os aspectos respeitantes a essa operação e sequente incidência tributária, terá, necessariamente, de ser o vigente nesse exercício (“em que for posto à sua disposição,…”) e não no momento das anteriores dissolução ou partilha. Efetivamente, como se assumia em 1997 e a partir de 1.1.1999 mereceu expressa consagração no art. 12.º n.º 4 LGT, por regra, as normas integrantes do processo de determinação da matéria tributável são de aplicação imediata.
Outrossim, como, também, já, se percepciona, temos de discordar do argumento, sentencial, de que a administração tributária/at fez uma aplicação retroativa do disposto no art. 67.º n.º 2 al. b) CIRC, na redação do art. 30.º n.º 1 L. 52 -C/96 de 27.12..
Factualmente, ninguém contesta que, no exercício de 1997, a impugnante, enquanto acionista, procedeu ao englobamento do valor (10.432.602$00) que lhe coube em resultado da partilha do património da sociedade C... (Portugal) – Circuitos Impressos, S.A., dissolvida a 26.10.1992, no seguimento do que apurou, para esse mesmo exercício de 1997, além do mais, a menos-valia fiscal de 163.795.574$00 (€ 817.008,88), em disputa. Ora, vigorando, sem reservas, para todo o ano de 1997, a mencionada redação do art. 67.º n.º 2 al. b) CIRC, pelos motivos acima expressos, em princípio, nenhum obstáculo se pode pôr à respectiva aplicação na situação aprecianda. Contudo, não podemos deixar de avaliar as repercussões decorrentes da operada transformação ao nível das condições de dedutibilidade de eventual menos-valia fiscal apurada; até 31.12.1996, esta era dedutível sem mais, e, após 1.1.1997, passou a ser exigido, para o mesmo efeito, a permanência, das partes sociais, na titularidade do sujeito passivo, durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução.
Não se podendo, de certeza, defender a necessidade do preenchimento desta condição relativamente a englobamentos efetivados antes de 1.1.1997, quanto aos concretizados depois desta data, o respectivo cumprimento passou a ter suporte em lei vigente e aplicável para futuro, sem prejuízo da consideração de elementos verificados (ou não) em momento pretérito. Numa outra formulação, do que se trata é da aplicação futura - não retroativa - de determinado conteúdo normativo, o qual, por vontade, exigência explícita, do legislador, tem de versar e atender aspectos do passado, circunstancialismo que não envolve violação do art. 103.º n.º 3 CRP (proibição de alguém ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa), dado a norma tributária ser, em primeira linha, aplicada a facto (englobamento do valor atribuído pela partilha) ocorrido em momento posterior ao da entrada em vigor da lei de alteração.
Atente-se que defender a aplicação da novel redação do art. 67.º n.º 2 al. b) CIRC, apenas, aos casos de dissolução acontecida após 1.1.1997, não obvia a que se tivesse de estender o espectro temporal da norma até ao ano de 1994 (titularidade das partes sociais nos 3 anos anteriores), no qual, igualmente, eventual menos-valia era dedutível sem condições. É, portanto, perceptível, também aqui, a inviabilidade da imediata defesa de quaisquer legítimas expectativas do sujeito passivo quanto à dedução de menos-valias, o que ajuda a fortalecer a conclusão no sentido da não aplicação retroativa da lei Nesta perspectiva, a confiança dos sujeitos passivos só seria salvaguardada em relação às dissoluções ocorridas após 1.1.2000, quanto às quais saberiam da necessidade de serem titulares das partes sociais desde 1.1.1997., tendo presente que esta proibição se conecta, sobretudo, com o objetivo da melhor defesa e promoção possível da segurança jurídica, na relação jurídico-tributária, com a inerente tutela da confiança dos contribuintes. Se analisarmos com cuidado, o momento da dissolução da sociedade, antes de 1.1.1997, de modo nenhum contribuía para o sujeito passivo de IRC assumir cenários sobre a tributação de menos-valias, uma vez que, pura e simplesmente, não integrava a pertinente regulamentação legal.
Em suma, partindo do pressuposto que o momento relevante para identificação do cariz retroativo de uma qualquer norma fiscal é o da ocorrência do facto tributário “…realidade dos concretos acontecimentos de natureza económica, actos ou negócios jurídicos indiciadores de capacidade contributiva descritos abstratamente nas normas de incidência real de cada código fiscal”. Especificamente, no caso do IRC, o facto tributário é constituído pelos rendimentos que em cada exercício económico sejam obtidos e tributados nos termos do CIRC., o art. 67.º n.º 2 al. b) CIRC, na redação do DL. 442 -B/88 de 30.11., aplica-se às menos-valias apuradas nos exercícios de 1989 a 1996 e na redação da L. 52 -C/96 de 27.12., às registadas no exercício de 1997 e seguintes, conforme o ano em que se comprove ter sido posto à disposição, do sócio/sujeito passivo, o valor resultante da partilha do património social.
Destarte, tem de ser provido o recurso interposto pela FP, com a inerente revogação da sentença recorrida, quanto ao decidido sobre a correção respeitante a menos-valia, no montante de 163.795.574$00 (€ 817.008,88), por padecente de errado julgamento.
Orientando-nos, agora, para os apelos (do despacho interlocutório de fls. 155 e da sentença) formalizados pela impugnante, na mesma senda de estabilizar a instância, mediante a resolução definitiva de algumas questões suscitadas, somos conduzidos, com atenção pelas matérias individualizadas nas conclusões acima reproduzidas, desde logo, à análise do recurso da sentença, especificamente, da intitulada “Ilegalidade por falta de audição prévia do contribuinte”.
Sobre isto, na decisão recorrida, expendeu-se: «
(…).
Antes de mais, alega a impugnante que nos termos do disposto no art. 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT, na redacção deste preceito aplicável à data, deveria haver lugar à audiência prévia do sujeito passivo antes da emissão da liquidação de imposto, e que esta obrigação não se confunde com a audição prévia exercida antes da conclusão do relatório de inspecção, pelo que não tendo sido ouvida antes da emissão do acto de liquidação, deve o mesmo ser anulado.
Vejamos.
Tendo sido notificada do teor do projecto de conclusões de relatório de inspecção e para sobre o mesmo se pronunciar em sede de audiência prévia, nos termos do disposto no art. 60.º da LGT, o que veio a fazer como resulta provado nos autos, não tinha a Impugnante que ser novamente notificada para se pronunciar antes de emitida a liquidação, salvo em caso de alegação e prova em concreto da existência de factos novos em relação aos quais ainda não tivesse tido oportunidade de se pronunciar, o que não é o caso.
Com efeito, é isto que resulta do disposto no n.º 3 do art. 60.º da LGT, na redacção do n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 16 -A/2002, de 31 de Maio, como é o que resultava já da anterior redacção do art. 60.º da LGT, sendo que o referido n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 16 -A/2002, tal como o legislador consignou no n.º 2 daquele artigo, tem natureza interpretativa (cf. neste sentido, o acórdão do STA proferido em 16-05-2012, no proc. 0675/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Uma vez que esta questão em particular se encontra pacificada através da jurisprudência do STA proferido em relação a uma situação em termos factuais similar à aqui em apreço, jurisprudência à qual se adere sem qualquer reserva, aqui se transcreve o citado aresto na parte considerada relevante e aplicável ao caso (cf. acórdão do STA proferido em 16-05-2012, no proc. 0675/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta; destacados nossos):
(…).

Interessa-nos agora reflectir sobre o n.º 3 do art. 60.º da LGT, na redacção que lhe foi dada pelo n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 16-A/2002. Essa redacção pode encontrar duas explicações: ou o legislador considerou que não foi inequívoco e quis clarificar, ou entendeu que se impunha regular a questão em termos diversos dos que resultavam da lei.

O legislador atribuiu à norma carácter interpretativo no n.º 2 do referido art. 13.º da Lei n.º 16-A/2002, tendo em vista, nos termos do art. 13.º do Código Civil (…), assegurar a retroactividade da aplicação da disciplina normativa (…), que entende, agora como antes, ser a mais ajustada.

Mas não é pelo n.º 2 do art. 13.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, conferir carácter interpretativo à nova redacção dada ao n.º 3 do art. 60.º da LGT que, sem mais, se lhe deve reconhecer esse carácter, o qual depende, não da atribuição pelo legislador, mas da efectiva natureza da norma. A norma só tem natureza interpretativa se tiver sido emitida em ordem a pôr termo a uma controvérsia existente na comunidade jurídica a justificar a intervenção aclaradora do legislador. Se não existir essa controvérsia e a norma se não destinar a clarificar a vontade do legislador, não será por este lhe atribuir natureza interpretativa que ela assumirá esse carácter. Nesse caso, a norma tem carácter inovatório e pode ter várias explicações, designadamente, a experiência resultante da aplicação da norma original, a alteração das circunstâncias em que a mesma foi produzida, a modificação das opções políticas.

In casu, tudo leva a concluir pela natureza interpretativa da nova redacção.

Na verdade, a jurisprudência vinha-se dividindo em torno da questão de saber se o art. 60.º da LGT impunha que o contribuinte que tivesse sido notificado numa fase anterior do procedimento de liquidação o fosse de novo antes da liquidação, designadamente se o contribuinte que tivesse sido notificado para exercer o direito de audiência previsto no art. 60.º da LGT sobre o projecto de conclusões do relatório da inspecção, tinha que ser novamente ouvido antes do acto da liquidação, ainda que não houvesse novos factos. Dessa divergência nos é dada conta em diversos acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de que destacamos os do Pleno da Secção, que decidiram recursos de oposição entre acórdãos que divergiam quanto a essa necessidade de nova audiência (Vide os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: – de 26 de Setembro de 2007, proferido no processo com o n.º 903/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Abril de 2008 (…) - de 24 de Outubro de 2007, proferido no processo com o n.º 131/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Abril de 2008 (…).

Foi porque existia essa controvérsia que o Pleno entendeu justificar-se a sua intervenção no âmbito dos recursos por oposição de acórdãos, pois, como é sabido, um dos pressupostos do recurso previsto no art. 284.º do CPPT é a existência de um acórdão anterior proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo ou por um dos tribunais centrais administrativos que tenham adoptado uma solução jurídica oposta à do acórdão recorrido.

Podemos, pois, concluir pela natureza interpretativa da nova redacção dada ao n.º 3 do art. 60.º da LGT pelo art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio.

Assente que ficou que a nova redacção dada ao n.º 3 do art. 60.º da LGT pelo n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, tem natureza interpretativa, que o próprio legislador lhe atribuiu no n.º 2 deste art. 13.º, podemos dar como assente a aplicação desta nova redacção à situação sub judice, sem que daí decorra violação alguma do princípio da não retroactividade da lei (…).

Na verdade, por um lado, não pode considerar-se que o n.º 2 do referido art. 13.º da Lei n.º 16-A/2002, imponha a aplicação retroactiva da lei, uma vez que o art. 60.º da LGT já comportava o sentido que veio a ser explicitado pela redacção que o n.º 1 do art. 13.º da referida Lei n.º 16-A/2002, deu ao seu n.º 3. Na verdade, a lei interpretativa limitou-se a esclarecer qual o sentido que o legislador entendia antes, como entende agora, ser o da norma.

Dito de outro modo, é certo que as leis interpretativas são leis com efeitos retroactivos, mas, se forem verdadeiramente interpretativas (como o é o n.º 3 do art. 60.º da LGT na referida redacção), nada obsta a esse “retroactividade. Como diz BAPTISTA MACHADO, «A razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, pág. 246.).

Por outro lado, também nunca poderia considerar-se que a aplicação à situação sub judice do art. 60.º na redacção que lhe foi dada pelo art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, viole o disposto no art. 12.º, n.º 3, da LGT, norma que diz: «As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes».

Isto, pela simples razão de que, não tendo havido, como não houve, alteração alguma no regime legal por força dessa nova redacção (mas apenas uma aclaração do sentido da norma do art. 60.º da LGT), nunca poderia considerar-se que a aplicação da lei na sua nova redacção pudesse acarretar prejuízo algum para as garantias, direitos e interesses da Contribuinte. Aliás, salvo o devido respeito, a tese da sentença assenta no pressuposto, não verificado, de que houve uma mudança no regime legal respeitante à audiência prévia.

(…).

Como se refere no acórdão citado, o n.º 2 do referido art. 13.º da Lei n.º 16 -A/2002, não impõe qualquer aplicação retroactiva da lei, uma vez que o art. 60.º da LGT já comportava o sentido que veio a ser explicitado pela redacção que o n.º 1 do art. 13.º da referida Lei n.º 16 -A/2002, conferiu ao n.º 3 do referido art. 60.º, limitando-se a lei interpretativa a esclarecer o sentido que o legislador entendia antes, como entende agora, ser o da norma em questão, pelo que não se verifica qualquer violação do princípio da irrectroactividade das leis fiscais, constante do n.º 3 do art. 103.º da CRP, não ocorrendo qualquer violação daquele preceito, como pretende a Impugnante.
Donde resta concluir que não existindo no caso em apreço quaisquer factos novos que tenham sido utilizados pela AT para a prática da liquidação impugnada, não pode a presente impugnação judicial proceder com fundamento em preterição de formalidade essencial por violação do direito de audição prévia à liquidação, que assim não se verifica uma vez que a Impugnante tinha já sido ouvida numa fase anterior do procedimento de liquidação sobre o projecto de conclusões do relatório da inspecção, pelo que se julga improcedente o alegado vício de forma por falta de audiência prévia da Impugnante. »
Conferido que a controvertida questão foi decidida com respeito pela lei aplicável e em sintonia com entendimento jurisprudencial, do STA, unânime, que, entre o mais, se debruçou e, resolutamente, afastou a possibilidade de acontecer uma aplicação retroativa da norma em apreço (art. 13.º n.º 1 da L. 16 -A/2002 de 31.5.), sem delongas repetitivas, temos, obviamente, de julgar improcedente este fundamento do recurso da impugnante, mantendo o julgado na sentença.
Ainda, em sede de recurso da sentença, interposto pela impugnante, vejamos os aspectos relacionados com a identificada “Ilegalidade da tributação autónoma”, tratada, naquela, nos seguintes moldes: «
No que diz respeito a despesas não documentadas no montante de PTE 4.870.000 (EUR 24.291,45), a que se refere o ponto 3.1.1 do relatório de inspecção, a Impugnante não concorda com a tributação autónoma à taxa de 30% a que as mesmas foram sujeitas.
Nesse sentido alega que o facto de os correspondentes documentos de suporte não serem os adequados na perspectiva da Administração Fiscal, não lhes retira validade, nem confere às despesas a “confidencialidade” que a Administração Fiscal pretende, não se encontrando reunidos os requisitos para a aplicação da taxa de 30%, é ilegal, por violação do disposto nos artigos 23.º e 41.º do CIRC, bem como no artigo 4.º do Decreto-Lei 192/90, de 9 de Junho.
Em causa estão despesas que foram registadas pelos serviços da Impugnante na conta (POC) 622129 “combustíveis” tendo como suporte documental documentos bancários de aquisição de cheques auto (cf. relatório da inspecção, no ponto 18 da fundamentação de facto).
Também esta questão se encontra suficientemente dilucidada por jurisprudência constante do STA, à qual se adere sem reserva e se subscreve na íntegra, no sentido de que os documentos bancários de aquisição de cheques não se revelam adequados para a comprovação das despesas com combustíveis, que se devem comprovar através das facturas/recibos emitidos pela gasolineira/fornecedor e que deixando estes meios de pagamento de estar na posse do sujeito passivo os correspondentes encargos devem ser considerados como despesas não documentadas e/ou confidenciais, sendo, como tal, tributadas autonomamente nos termos do disposto no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90 de 9 de Junho, como foi o caso (cf. acórdãos do Pleno da Secção de CT do STA proferidos em 26/09/2007, no rec. 55/06, em 24/10/2007, no rec. 488/07, em 28/01/2009, no recurso 575/08 e em 18/02/2009, no rec. 600/08, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Com efeito, e como resulta da citada jurisprudência, a aquisição dos cheques auto consiste numa mera troca de meios de pagamento, não traduzindo um custo, pois que só há despesa no momento em que é adquirido o combustível, pelo que não dispondo o sujeito passivo das facturas emitidas/recibos emitidos pelo fornecedor de gasolina no momento da sua alegada troca, desconhece-se o destino que foi dado aos referidos cheques auto, pelo que está-se perante despesas não identificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade, o que justifica que sejam qualificadas como despesas confidenciais, para efeitos do art. 4(1).º, n.º 1, alínea h), do CIRC (redacção inicial) e art. 4.º do DL n.º 192/90.
Efectivamente, e como é oportunamente apontado no acórdão do STA proferido em 07-07-2010 no rec. 0204/10, “se o sujeito passivo continuou a ter na sua posse esses cheques não terá suportado qualquer despesa, e se deixou de os ter na sua disponibilidade tinha de comprovar o destino que lhes deu sob pena de a respectiva despesa ter de ser considerada como não documentada ou confidencial”, exigindo-se para tal comprovação a exibição das facturas/recibos do fornecedor de gasolina, por se revelarem o meio adequado de prova para o efeito.
Pelo que quanto a esta questão improcede o vício de violação de lei alegado pela Impugnante. »
A recorrente/impugnante, não afrontando, propriamente, os termos deste julgamento, aponta para a existência de um eventual défice instrutório, decorrente do facto de ter sido dispensada a produção, que propôs, de prova testemunhal, capaz de comprovar que a aquisição de cheques auto de combustível traduz a assunção, por si, de um custo dedutível.
Apesar de, agora, parecer pretender centrar a discussão na temática da comprovação de custos, em cédula de IRC, particularmente, no que tange aos meios probatórios adequados para o efeito, a utilizar pelo sujeito passivo, compulsado o teor dos arts. 208º a 223º da petição inicial, de imediato, se intui ter a impugnante aceite que as despesas contabilizadas, como combustível, com base em cheques auto, não podiam relevar como custos Cfr., art. 215º., a deduzir, no apuramento da matéria colectável, do exercício de 1997, somente, discordando da tributação autónoma a que, cumulativamente, as respectivas quantias foram sujeitas, por se tratar de “despesas confidenciais”. Posto isto, soçobra o argumento decisivo para pugnar pela inquirição das testemunhas arroladas, objetivando demonstrar a realidade de custos que assumiu não terem essa natureza, embora contabilizados como tal. Outrossim, avaliado, pormenorizadamente, o alegado nos identificados artigos da p.i., única base que, sobre a matéria litigada, podia apoiar e legitimar os protestados depoimentos testemunhais, conclui-se pela ausência de factualidade passível de justificar o empreendimento de atividade instrutória; a impugnante limita-se a coligir razões e argumentos jurídicos que, na sua óptica, levam a sustentar existir documentação bastante, suficiente, para afastar a qualificação de “confidenciais” atribuída às despesas em apreço.
Portanto, resta julgar improcedente, também, este fundamento do recurso da impugnante, com a inerente manutenção do judiciado na sentença.
Neste ponto, remanesce, quanto ao apelo versado, a questão sintetizada nas conclusões 115.º a 119.º, que consubstancia o apontamento de errado julgamento, por parte do tribunal recorrido, em matéria de facto. Especificamente, para a recorrente/impugnante ocorre uma situação de deficiente instrução, decorrente de não ter sido, por aquele, permitida a produção da prova testemunhal, arrolada na petição inicial, o que se repercutiu na factualidade julgada provada, em seu prejuízo Importa ter presente que esta questão se mostra, umbilicalmente, ligada ao problema que constitui objeto do recurso interposto, pela impugnante, contra o despacho interlocutório de fls. 155 (considerou desnecessária a produção de prova testemunhal, por não existir factualidade alegada susceptível de demonstração pela mesma). Assim sendo, em ordem a evitar confusão, sem prejuízo das consequências a retirar, optamos pela abordagem ao nível da sentença. .
Compulsados os autos, constatamos que, na sequência de solicitação, explícita, do tribunal a quo (fls. 145), a impugnante procedeu (fls. 147) à identificação, por indicação dos artigos constituintes da p.i., da matéria de facto que se propunha provar através de prova testemunhal. Contudo, apesar de esta especificação envolver um número apreciável, foi entendido (fls. 155) considerar desnecessária a produção deste meio provatório, sob o argumento de que não existia factualidade alegada susceptível de demonstração pelo mesmo. Ora, sucede que para se decidir pela improcedência dos vícios de violação de lei assacados, pela impugnante, a correções envolvendo a dedução, como custos, de menos-valias, com a consequente manutenção da liquidação adicional impugnada na parte correspondente, o julgador, entre outros argumentos, na sentença, assumiu: «
Por outro lado o reconhecimento como custo na menos valia nos termos do disposto nos artigos 23.º, n.º 1, alínea i), conjugado com o art. 42.º do CIRC não dispensa a verificação dos requisitos constantes no n.º 1, do art. 23.º, o que, como foi referido, não aconteceu, não tendo a Impugnante logrado alegar ou provar factos concretos dos quais se possa retirar a conclusão de que o custo incorrido se revelava comprovadamente indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
No que diz respeito ao art. 74.º da LGT, no caso o ónus da prova da indispensabilidade do custo é da Impugnante, pelo que não ocorre qualquer violação da norma citada. »
Como se nos afigura evidente, não sendo avaliado e dito que a demonstração, pela impugnante, da realidade factual em falta, é impossível de ser alcançada por prova testemunhal e porque, em abstrato, está alegada, na p.i., factualidade, relacionada com a temática visada, que pode ser demonstrada por este meio, temos, forçosamente, de concluir, que o julgamento factual, realizado em 1.ª instância, se mostra deficiente, incompleto e ao abrigo do disposto no art. 712.º n.º 4 CPC, cassar a sentença sob crítica, para, uma vez inquiridas as testemunhas arroladas, se judiciar em conformidade. Assumida esta conclusão, torna-se supérfluo apreciar e decidir, em concreto, o recurso interposto do despacho de fls. 155, porquanto o resultado a obter (imposição de realização da prova testemunhal proposta) irá decorrer da anulação da sentença, não revestindo qualquer interesse, para a recorrente, nem para a futura dinâmica processual, a possível revogação dessa decisão interlocutória. Aliás, perfilhamos o entendimento de que se a impugnante tivesse optado por abster-se de interpor recurso jurisdicional desse despacho, não ficava afastada a possibilidade de, em sede de apelo da decisão final, exercer juízo crítico sobre a necessidade ou utilidade da produção do visado meio de prova, sobretudo como, in casu, quando a sentença funda o julgamento de improcedência na falta ou insuficiência de comprovação da factualidade alegada no articulado inicial.

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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- prover o recurso interposto pela Fazenda Pública e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, quanto à decisão em torno da correção respeitante a menos-valia, no montante de 163.795.574$00 (€ 817.008,88), identificada e tratada no ponto «3.1.3.3 - C... (Portugal) - Circuitos Impressos, S.A. - Liquidada», do relatório mencionado em 18. dos factos provados, julgando-se, nesse aspecto, improcedente a impugnação judicial e mantendo-se a liquidação objetada, na parte correspondente;
- negar provimento ao recurso da impugnante, contra a sentença recorrida, a qual, assim, se mantém relativamente ao julgamento das questões respeitantes ao direito de audição prévia à liquidação e à tributação autónoma de despesas inerentes à aquisição de cheques auto de combustível;
- conceder provimento ao mesmo recurso da impugnante, no que respeita à invocação de défice instrutório com relação ao julgamento factual realizado na sentença recorrida, a qual se anula, somente, quanto à matéria referente à comprovação da indispensabilidade de custos com menos-valias, sobre a qual deverá ter lugar a inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante e, oportunamente, proferida decisão de mérito;
- não tomar conhecimento, por desnecessidade, do recurso interposto, pela impugnante, em relação ao despacho interlocutório de fls. 155.
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Custas a cargo da recorrente/recorrida B..., S.A.:
1. nesta instância, pelo vencido nas questões tratada no recurso da FP e desatendidas no seu recurso da sentença, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC;
2. em primeira instância, quanto à, aqui, determinada improcedência da impugnação judicial, com 2 UC de taxa de justiça.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 25 de junho de 2013

ANÍBAL FERRAZ
JORGE CORTÊS
PEREIRA GAMEIRO