Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12520/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/15/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:DIREITO DE ASILO; PROTECÇÃO SUBSIDIÁRIA.
Sumário:
i) A alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, apenas sanciona com a nulidade a falta absoluta de motivação e não a sua insuficiência. Ou seja, o que por aqui se sanciona com nulidade é a ausência total de fundamentos de facto ou de exame crítico das provas.
ii) Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.
iii) Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados permitem concluir não existir, desde logo pela incoerência da narração e falta de credibilidade dos motivos que são apresentados como justificativos da medida de protecção.
iv) Tendo a requerente do asilo declarado que após ter estado na Noruega desde 2007, havia regressado a Angola em 2010, onde permaneceu até Setembro de 2013, numa altura em que já haviam decorrido os acontecimentos que alegadamente envolveram o seu pai, sem nunca ter sido presa, detida ou interrogada, há que concluir que não existe um fundamento objectivo demonstrativo do risco de aí ser perseguida ou maltratada em razão da sua filiação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Lidice …………………….. (Recorrente), cidadã angolana, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção especial urgente de pedido de asilo por si proposta contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e manteve o despacho do Director Nacional Adjunto daquele Serviço de 12.08.2014 que indeferiu o pedido de asilo que a Autora havia apresentado para si e para a sua filha menor de nove anos de idade e não lhes concedeu autorização de residência por razões humanitárias formulado.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I- Não obstante o relato da Requerente, que de forma ingénua referiu a apresentação dos vídeos como forma de obter uma bolsa de estudo, isto traduz o desespero em que se encontrava e tal desespero tinha de facto a ver com o facto de ser filha de uma "persona non grata" dentro do atual Sistema político;

II - A decisão encontra-se integralmente ausente da fundamentação, não tendo sido recolhida durante a instrução, existiu assim défice de instrução;

III - De facto a Requerente demonstrou ter medo de voltar para o seu país, estando, assim dentro do âmbito do auxílio solicitado dada a factualidade apresentada pela requerente como é patente na informação sobre o país de origem que juntou aos autos e que não foi feito pelo SEF apesar de a isso estar obrigado, como mencionado supra;

IV- Houve ainda na especificação dos fundamentos de facto da decisão, insuficiência de fundamentação, nos termos do n .º 4 do artigo 607 .º do CPC, limitando-se a Mª Juiz a referir que as declarações da requerente são vagas e pouco esclarecedoras e que não faz uma associação credível, entre o ataque de que foi vítima e os fundamentos da seu pedido de proteção, e ainda que o receio invocado assume uma natureza meramente subjetiva.

V- A Sentença recorrida sofre de um vício porquanto a Mmª Juiz fez errada apreciação dos fundamentos do pedido.

Devem pois proceder as presentes conclusões, e, por via disso, o recurso obter provimento, anulando-se o decidido pelo Tribunal "a quo", nos termos do artigo n.º 662 do CPC. Assim sendo, deverá ser modificada a Sentença de que ora se recorre, e substituir-se por outra que julgue procedente a presente acção, pelo menos quanto ao pedido subsidiário.



O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não conhecimento do objecto do recurso jurisdicional.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação;

- Se o Tribunal a quo errou, de facto de direito, ao ter julgado improcedente a acção, designadamente por não ter verificado a deficiente instrução do procedimento de asilo.


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

a) A A. nasceu em 25/08/1980, em Angola e tem nacionalidade angolana - cfr. doc. de fls. 9 do P.A.;

b) É filha de Sebastião …………………. e de Eugénia………………. - cfr. doc. não numerado junto com a P.I..;

c) É mãe de Shakina ……………………., nascida em 02/01/2005 - doc. de fls. 11do P.A.;

d) Em 10/09/2011, as autoridades da Noruega decidiram expulsar a A. da Noruega e do espaço Schengen por um período de 5 anos (até 10/09/2016), por a A. lhes ter prestado falsas informações - fls. 49 do P.A.;

e) Em 22/09/2013, apresentou um pedido de asilo junto das autoridades Norueguesas -fls. 20 do P.A.;

f) Em 28/02/2014, a A. e a sua filha, foram transferidas da Noruega para Portugal, por se ter entendido, em razão das mesmas serem titulares de Visto emitido pelas autoridades portuguesas, serem estas as competentes para apreciar o pedido de asilo apresentado pela A. - fls. 22 do P.A.;

g) Em 04/03/2014, a A. compareceu no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, tendo apresentado um pedido de protecção para si e para a sua filha -cfr. doc. de fls. 1do P.A.;

h) Alegou que é perseguida desde 2007 pelo facto do seu pai ter sido vice-ministro das relações exteriores de Angola e se dizer que queria dar um golpe de estado, não tendo onde morar, nem família e que dorme na rua - fls. 5 do P.A.;

i) Em 08/07/2014 prestou as seguintes declarações no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF:

"(...)

P: Qual o seu Estado Civil? R: Solteira. P: Qual o seu nível de escolaridade?

R: 1 ° ano da licenciatura em Relações Internacionais. P: Qual a sua religião?

R: Cristã.

P: Qual a sua profissão?

R: Secretária Executiva da Administradora para a área postal dos Correios de Angola.

P: Já pediu asilo anterionnente? Se sim, onde e quando?

R: Sim, em 2007 na Noruega e em 2013 também na Noruega. P: O que aconteceu com

o seu o primeiro pedido de asilo?

R: Concederam-me autorização de residência por motivos humanitários de 2007

renovável a cada ano. Mas em 2010 abandonei a Noruega e regressei a Angola.

P: Depois da sua saída da Noruega para Angola, esteve quanto tempo em Angola? R: De 2010 a Setembro de 2013.

P: Tem ou alguma vez pediu autorização de residência em Portugal? R: Não.

P: Quais as razões que determinaram a saída do país?

R: Saí porque em Dezembro de 2012 fiz uma filmagem de actos violentos no mercado dos Escongolenses, e usei essa filmagem para ver se conseguia uma bolsa interna na Faculdade Lusíada de Angola ao delegado do camarada Jorge………….

R: E quando mostrou essa filmagem?

R: Por volta de Agosto/Setembro de 2013. P: Quem é Jorge ………..?

R: É o actual vice-ministro do ministério das relações exteriores de Angola. P: Ele é portanto um membro do governo?

R: Sim.

P: E como relaciona esse seu acto com a sua saída de Angola?

R: Depois disso, comecei a receber mensagens de ameaça. Ele acreditou que eu poderia ter mais vídeos comprometedores. Era sempre de número privado.

P: Que actos violentos foi esses que filmou?

R: Os polícias agrediam as senhoras vendedoras ambulantes que vendiam na rua. Uma senhora estava a dar de mamar ao bebé. E o polícia, em vez de bater na senhora, rebentou com a cabeça do bebé. E eu fiz essa filmagem. Eu estava no local a fazer compras.

P: Porque estava a polícia a agred ir as senhoras?

R: Para as expulsar, porque já tinha saído uma lei que proibia vendas na rua. E por isso, a ideia era destruir os produtos.

P: E achou que essa filmagem lhe permitiria obter uma bolsa porquê?

R: Para continuar com a faculdade. Porque eles não me queriam dar a bolsa interna.

P: Mas porque é que achou que essa filmagem lhe iria permitir obter uma bolsa?

R: Porque ele começou com disparates para cima de mim dizendo que 110 meu tempo das vacas gordas já tinha terminado há muito tempo".

P: Mas em que sentido, como, e de que forma essa filmagem lhe permitiria obter uma bolsa na faculdade?

R: Devido ao facto de ser filha do funcionário que era (do pai) para obter urna bolsa interna.

P: Quem é o seu pai, e que funcionário é?

R: Sebastião…………………….. e, actualmente, está desempregado. É ex-vice-ministro do Ministério das Relações Exteriores.

P: No entanto, no inquérito preliminar que preencheu, afirmou ser foragida porque em 2007 o seu pai foi acusado de querer dar um golpe de estado. Porque está agora a afirmar que não pode regressar a Angola devido a umas filmagens que fez?

R: Mas isso foi em 2007, quando eu fugi primeiro. Mas quando já me estava a enquadrar e1n Angola, achei que tendo feito o que tinha feito, poderia Obter a bolsa interna.

P: Mas porque é que no inquérito preliminar indicou um tnotivo e agora indica outro?

R: Porque quando vim da Noruega, o polícia norueguês disse-me que eu só tinha que dizer o que realmente me faz fugir de Angola.

P: E o que realmente a faz fugir de Angola? R: Estas filmagens. P: Que tipo de perseguição receia?

R: O telefone de onde recebia chamadas era de número privado. E as mensagens diziam para eu devolver os vídeos que tinha. Eu não tinha mais vídeos. Só tinha aquele.

P: E o que aconteceu ao vídeo que filmou?

R: Ele - o delegado do vice ministro Jorge………… - partiu o meu telefone por eu lhe ter mostrado o vídeo, e eu disse que havia mais vídeos e que os iria colocar no youtube, no Facebook, etc, pelo que ele ficou ainda mais furioso.

P: Como se chamava esse senhor? R: Eu não sei o nome dele.

P: Então que tipo de ameaça receia?

R: Um dia apareceram-me dois homens em casa e espancaram-me e disseram que aquele era só um aviso para eu dar mais vídeos e eu dizia que não tinha mais vídeos. Eu fiquei internada no hospital 2 dias.

P: Quando foi isso?

R: Em Janeiro de 2013.

P: Comunicou o sucedido e o seu receio às autoridades?

R: Sim, no hospital disse à polícia. Talvez tivesse sido um acto de assalto ou não. Isso só começou depois de eu ter mostrado as filmagens.

P: Então acha que poderia ter sido um assalto?

R: Não. Porque eles diziam para eu dar os vídeos mas eu não tinha mais vídeos. E

marcaramme com uma faca nas costas (a requerente mostra uma cicatriz nas costas).

P: E qual foi a resposta obtida por parte das autoridades?

R: Que não poderiam fazer nada, porque não se podia provar que tinha sido o camarada do

Jorge …………..

P: É, ou alguma vez foi membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica

ou social em Angola?

R: Não.

P: Alguma vez foi presa, detida, ou interrogada no seu país ou em algum outro país? R: Não.

P: Tem alguma documentação de suporte ao seu relato?

R; Tenho declaração da minha inscrição na Universidade Lusíada de Angola. Não tenho o

'

vídeo, porque destruíram o meu iPad. E documentação relativa à minha actividade com a

JMPLA e MPLA: fazíamos palestras em várias zonas do país educando as mulheres para o uso de contraceptivo, etc.

P: Mas essas palestras têm a ver alguma coisa com a sua saída do seu país?

R: Sim, eu queria esconder-me numa província. Queria ir para Cabinda. Mas não me escondi porque como dávamos palestras, foi essa a razão pela qual não me quis esconder nas províncias, e quis vir para a Europa.

P: Mas anteriormente disse que ele tinha destruído o seu telemóvel e que tinha filmado com o seu telemóvel. E agora diz que foi o seu iPad. Pode explicar melhor?

R: Mas é um telemóvel iPad. Eu não percebo muito de tecnologias. É um Samsung cor-de­-rosa.

P: O que pensa poder acontecer caso regresse a Angola e porquê?

R: Actualmente não posso dizer, mas se voltar, será que ele vai saber que estou lá? Com essas ameaças que ele me fez, será que vou poder continuar com a vida que tinha antes?

P: Quer acrescentar mais alguma coisa?

R: Não.

(. ..)" cfr. fls. 59 P.A.;

j) Os serviços do SEF propuseram a não admissão do pedido de asilo através da Informação n.º 374/GAR/14, nos seguintes termos:

"(...) 7. Da apreciação da admissibilidade do pedido

A requerente declara que saiu do seu país por se sentir ameaçada, dado ter feito filmagens de actos violentos perpetrados pela polícia num mercado em Luanda, sendo que quefia, com essas filmagens, obter urna bolsa de estudo na universidade. Em Agosto/Setembro de 2013, após ter mostrado as filmagens ao actual vice-ministro do Ministério das Relações Externas de Angola começou a receber mensagens de ameaça de um número privado. Declara ter sido atacada em Janeiro de 2013 em sua casa por desconhecidos.

Analisadas as declarações, verifica-se, que a requerente não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana

Também não foi por si invocado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do art. 3° da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei n" 26/2014 de 05.05.

Em primeiro lugar, importa salientar que não é suficiente a invocação de factos; sem estabelecer um nexo de causalidade entre os mesmos, e sem especificar ou sem explicitar as que razoavelmente sejam de admitir como de verificação muito provável em relação à sua pessoa. Com efeito, questionada por várias vezes por que motivo a requerente conseguiria obter uma bolsa de estudo por mostrar as filmagens ao vice-ministro das relações exteriores de Angola, a mesma falha em apresentar motivos válidos para tal associação. Questionada, novamente, por que motivos a filmagem lhe permitiria obter a bolsa, a requerente respondeu que tal seria devido ao facto de ser filha de um funcionário proeminente, atirando por terra a sua justificação inicial. Fica, assim, por explicar em que medida a atribuição da- bolsa se faria em função da amostragem das filmagens ao atrás referido membro do governo, ficando portanto por provar o nexo de causalidade entre tais actos. De referir ainda que a requerente não faz uma associação credível entre o alegado ataque de que foi vítima e os fundamentos do seu pedido de protecção.

Em segundo lugar, questionada por várias vezes sobre esta associação, e sobre o tipo de ameaças que recebia, a requerente apresenta declarações vagas, genéricas, incoerentes e pouco esclarecedoras. As respostas da requerente a questões tais como a associação do seu acto com a sua saída de Angola são evasivas, sendo que a requerente por várias vezes não responde ao que se lhe é solicitado.

Com efeito, analisadas as declarações da requerente, estas parecem-nos vagas e pouco esclarecedoras, sendo que o receio invocado assume uma natureza meramente subjectiva, afigurando-se destituído de fundamento face às condições a preencher para beneficiar do direito de asilo.

Sobre a falta de credibilidade da requerente, importa ainda referir que o relato que apresentou como fundamento para o seu pedido de protecção internacional no inquérito preliminar (11 ser filha de Sebastião …………, acusado de querer dar um golpe de estado, e que desde 2007, por esse motivo, ficou sem ter onde morar, sem família e dormindo nas ruas") difere totalmente do motivo em que baseia o seu pedido de protecção internacional aquando das suas declarações aos 08/05/2014.

Ora, por um lado importa referir que, de acordo com o Manual de Procedimentos do ACNUR, o ponto 195 refere que: "Os factos relevantes de cada caso têm de ser fornecidos em primeiro lugar pelo próprio requerente.”E, por outro lado, sobre o beneficio da dúvida, o ponto 204 deste Manual do ACNUR refere que “(…) o beneficio da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos.".

O ponto 205 do referido Manual, refere ainda que:

"(a) requerente deverá:

(i) Dizer a verdade e apoiar integralmente o examinador no estabelecimento dos factos referentes ao seu caso.

(ii) Esforçar-se por apoiar as suas declarações com todos os elementos probatórios disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova. Se necessário, ele deve esforçar-se por obter elementos de prova adicionais.(iii) Fornecer todas as informações pertinentes sobre a sua pessoa e a sua experiência passada com detalhe necessário para permitir ao examinador o estabelecimento dos factos relevantes. Deve-lhe ser solicitado que dê uma explicação coerente de todas as razões invocadas que fundamentem o seu pedido de estatuto de refugiado e deve responder a todas as questões que lhe são colocadas. "

Atender ao princípio do benefício da dúvida, consiste, na análise do pedido de protecção internacional, em que a requerente não consegue, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, quando estas são coerentes, plausíveis e não contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos, decidir a favor da requerente, concedendo-lhe assim o beneficio da dúvida.

No entanto, no caso em apreço (como atrás foi já referido), a requerente não responde ao que se lhe é solicitado, as suas respostas são evasivas, e as suas declarações são vagas e inconsistentes. Na verdade, a requerente apresenta um discurso inconsistente e ilógico, e acusa dificuldade em apresentar uma linha de raciocínio e de argumentação coerente, colocando assim em dúvida a credibilidade do seu relato.

Consideramos, portanto, que as declarações da requerente têm que ser senas, motivadas, coerentes e verosímeis, e que só assim se lhe deve ser concedido o benefício da dúvida. Ora, no caso em apreço tal não acontece.

Por último, importa referir que existe uma interdição de entrada em espaço Schengen válida até 26/01/2016, inserida pelas autoridades norueguesas a 19/02/2013 e com o seguinte fundamento: "A requerente foi expulsa da Noruega a 10/09/2011 tendo ficado com interdição de entrada no espaço Schengen por 5 anos, válida até 1010912016, dado que a requerente prestou informações falsas às autoridades norueguesas"

Face ao exposto, consideramos que as declarações do requerente não consentem a aplicação do benefício da dúvida a que se refere o ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR.

Desta forma, face ao que acima se encontra exposto, entendemos que se trata de um pedido de protecção internacional infundado, por não satisfazer nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado.

8. Da Autorização de Residência por motivos humanitários

O artigo 7° da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei nº 2612014 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3°. a possibilidade de obterem uma autorização de residência por razões humanitárias, quando estes sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual. devido a situações sistemáticas de violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Elemento determinante na análise da aplicabilidade deste regime é a comprovação da nacionalidade da requerente, já que o que está em causa é precisamente a avaliação, face ao caso concreto, se se pode invocar com razão que ela própria se encontra impossibilitada de regressar ao seu país devido a qualquer um dos pressupostos acima descritos. Nessa medida, importa referir que a requerente apresenta passaporte de Angola (assim como a sua filha), comprovando-se assim tratar-se de cidadãs angolanas.

Na aplicabilidade do regime previsto no art. 7°, há que ter em conta o caso concreto, ou seja, analisar até que ponto podem os requerentes invocar com razão que se encontram impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a uma situação de sistemática violação dos direitos humanos ou por aí se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Ora, é necessário que o relato da requerente evidencie factos que demonstrem o direito a que se arroga, sendo que tal não acontece. Pelo que ficou demonstrado no processo, existirem fundadas razões para concluir que o relato da requerente não merece credibilidade, o que afasta a possibilidade de lhe ser concedido o benefício da dúvida.

Assim, por via do disposto no artigo 34° da Lei nº 27/08, de 30.06, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05.05, que manda aplicar às situações previstas no artigo 7°, as disposições constantes das secções 1, II, III e IV do capítulo 1, também a concessão de autorização de residência por razões humanitárias pode ser liminarmente indeferida nos casos previstos no n.º 19º, da mesma lei. Ora, face aos factos apreciados atrás, resulta claro que as mesmas cláusulas de inadmissibilidade se aplicam à apreciação para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias.

9.Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de protecção internacional, por não se enquadrar em nenhuma das disposições previstas na Convenção de Genebra e no Protocolo de Nova Iorque, com vista ao reconhecimento do estatuto de refugiado, sendo esta circunstância causa de inadmissibilidade do pedido previstas na alínea e) do n.º 1 do artigo 19º da Lei n.11 27/08 de 30.06, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05.05.

Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos igualmente que o caso não é susceptível de enquadramento no regime de protecção subsidiária previsto no artigo 7.º da mesma Lei.

Assim, submete-se à consideração do Exmo Director Nacional Adjunto do SEF a não admissão dos pedidos de protecção internacional, nos termos das alíneas e) do n.º 1 do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05.05." - cfr. fls. 62 do P.A.;

k) Em 12/08/2014, o Director Nacional Adjunto do SEF, com fundamento na Informação que antecede, recusou a concessão do pedido de protecção internacional à A. e à sua filha e não concedeu às mesmas autorização de residência por razões humanitárias - cfr. fls. 67 do P.A.


Não foram fixados factos não provados com interesse para a discussão da causa.

II.2. De direito

II.2.1. Da questão prévia suscitada pelo Ministério Público

O Ministério Público veio suscitar questão prévia obstativa do conhecimento do objecto do recurso, sustentando a aplicação do art. 40.º, n.º 3, do ETAF e n.ºs 1 e 2 do art. 27.º do CPTA, pelo que, de acordo com a tese que neste processo sustenta, da decisão caberia reclamação para a conferência (e não recurso).

Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, com a epígrafe “[i]ntervenção do Ministério Público, conclusão ao relator e aperfeiçoamento das alegações de recurso” dispõe-se que: “1 - Recebido o processo no tribunal de recurso e efectuada a distribuição, a secretaria notifica o Ministério Público, quando este não se encontre na posição de recorrente ou recorrido, para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o mérito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º.

Com efeito, cabe sublinhar que este n.º 1 refere-se a uma pronúncia sobre o mérito do recurso, à semelhança, aliás, do que sucede com a intervenção prevista no artigo 85.° do mesmo Código, no âmbito da acção administrativa especial. Significa isto que tal intervenção não abrange a legalidade processual, sendo que o objecto do presente recurso jurisdicional também não incide sobre a questão processual suscitada (aplicação do art. 27.º do CPTA). Como se afirmou no acórdão deste TCAS de 8.11.2012, proc. n.º 4578/08: “A lei processual concede a intervenção processual do Ministério Público confinada à emissão de parecer sobre o “mérito do recurso”, isto é, sem que se encontre prevista a possibilidade de suscitar questões de forma ou de natureza processual, referentes à legalidade processual.”

Nestes termos, considerando o objecto do presente recurso (tal como delimitado nas conclusões de recurso), a configuração do litígio e a pronúncia emitida pelo Ministério Público (exclusivamente de natureza adjectiva), não se mostra esta admissível em face do disposto no art. 146.º, n.º 1, do CPTA.

Razão porque que se acorda em ter como não escrito o parecer emitido pelo Ministério Público.

Sem prejuízo do acabado de concluir, sempre se dirá que nos termos do art. 25.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que estabelece a concessão de asilo ou protecção subsidiária, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, a decisão proferida pelo director- -nacional do SEF é susceptível de impugnação jurisdicional perante os tribunais administrativos (n.º 1) e a essa impugnação judicial “são aplicáveis a tramitação e os prazos previstos no artigo 110.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com exceção do disposto no respetivo n.º 3 (n.º 2).

Ou seja, a este processo impugnatório de natureza urgente são aplicáveis as normas relativas à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que nos termos do n.º 2 deste mesmo artigo 110.º, “concluídas as diligências que se mostrem necessárias, cabe ao juiz decidir no prezo de 5 dias” (sic). Pelo que a norma do ETAF pertinente é a constante do art. 40.º, n.º 1, que estabelece o funcionamento do tribunal em juiz singular, e não a do n.º 2 (funcionamento em formação de 3 juízes), pois que esta tem no seu tatbestand as acções administrativas especiais.

Aliás, já assim se havia concluído no acórdão deste TCAS de 4.12.2014, proc. 11619/14: “O artigo 40.º/3 do ETAF e, consequentemente, o artigo 27.º/2 do CPTA, não são aplicáveis à impugnação judicial da decisão sobre pedido de autorização de residência por razões humanitárias, que constitui um processo urgente, regulado na Lei do Asilo, que, mesmo antes da alteração operada pela Lei n.º 26/2914, seguiu, no caso, a tramitação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

Donde, em conclusão, também por esta via a questão prévia suscitada, salvo o devido respeito, não tem cabimento e sempre teria que improceder.


II.2.2. Do mérito do recurso

Indo ao que verdadeiramente importa, a Recorrente começa por suscitar a nulidade da sentença por falta de fundamentação; o que equivale a dizer, por não ter analisado criticamente todas as provas produzidas, especificando os respectivos fundamentos (cfr. conclusão IV. do recurso interposto).

É, porém, manifesto que não lhe assiste razão.

De acordo com o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC “na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”. Preceito aplicável aos presentes autos por força da remissão contida no artigo 1.º do CPTA, para além do regime estabelecido no artigo 94.º do mesmo diploma.

Desses normativos resulta que o legislador impôs ao juiz, não só que na sentença a proferir a selecção dos factos apurados fosse autonomizada dos factos não apurados, como a exteriorização dos motivos ou fundamentos pelos quais entende que, num determinado caso concreto, aqueles factos seleccionados devem ser acolhidos como provados ou como não provados; ou, se preferirmos, aqueles normativos conjugadamente interpretados exigem que o julgador «explicite a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto a qual terá de consistir numa exteriorização mínima do exame crítico a que foram submetidas as provas produzidas» [cfr. o Acórdão do TCAN, de 17-6-2010], “o qual se deverá consubstanciar no esclarecimentos dos elementos probatórios que levaram o tribunal a decidir a matéria de facto como decidiu e não de outra forma e, no caso de elementos que apontem em sentidos divergentes, as razões por que foi dada prevalência a uns sobre os outros” [cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 2006, p. 906, nota 5.]

É que, como vem sendo defendido recorrentemente na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo “a fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e, ainda, colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão. O conhecimento das convicções do julgador quanto à matéria de facto e dos critérios de avaliação da prova com que operou é essencial para o controlo da definição da verdade que o mesmo deu como existente (…)" (cfr. o Acórdão do STA de 12.02.2003, recurso n.º 1850/02).

E como também se referiu no Acórdão do TCAN de 26.09.2013, proc. n.º 97/13.3BEVIS (por nós relatado; idem, o recentíssimo ac. deste TCAS de 1.10.2015, proc. n.º 9004/12), por princípio, apenas é susceptível de constituir ou consubstanciar esta nulidade a omissão total da falta de exame crítico das provas, devendo equiparar-se a essa falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha a mínima relação com o julgado ou seja ininteligível, já que, nessas situações, estaremos apenas perante uma mera aparência de fundamentação (cfr. ainda o Acórdão do STA de 29.05.2002, recurso nº 228/02).

Seguro é, pois, que o que a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC sanciona com a nulidade é a falta absoluta de motivação e não a sua insuficiência. Ou seja, o que por aqui se sanciona com nulidade é a ausência total de fundamentos de facto ou de exame crítico das provas. Por isso se prevê ali que o juiz deixe (de todo) de especificar os fundamentos, e não que não os especifique de forma suficiente.

Como já ensinava o Prof. Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 140), há “que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.

Ora, compulsada a sentença recorrida, verificamos que o tribunal a quo se pronunciou sobre determinados factos – os alegados e que considerou provados – lavrando sinteticamente a motivação dessa decisão. Ou seja, resulta da decisão da matéria de facto que nele se explicitou clara e suficientemente os fundamentos em que se baseou para dar como provada determinada factualidade: os documentos juntos aos autos, aliás devidamente identificados ao longo do probatório.

Questão diversa é a de saber se a factualidade dada como provada o foi ou não correctamente ou se as ilações que da mesma foram tiradas pelo Tribunal a quo foram acertadas/sustentadas; mas tal não é susceptível de integrar a causa de nulidade invocada, antes se inscrevendo em erro de julgamento.

Razões pelas quais a suscitada nulidade por falta de fundamentação não se verifica.

Vejamos agora do imputado erro de julgamento, assente na alegação de que o tribunal errou ao não ter destacado o facto de a Recorrente ser filha de uma persona non grata dentro do actual sistema político angolano, tendo demonstrado ter medo de voltar para o seu país, estando, assim dentro do âmbito do auxílio solicitado. Mais alegou que a decisão de indeferimento do pedido de asilo não se encontra suficientemente fundamentada, não tendo sido devidamente instruída.

Mas também aqui sem razão.

Para fundamentar a sua decisão exarou o Mmo. Juiz a quo o seguinte discurso fundamentador:

“(…)

O artigo 3° da Lei 27/2008, de 30 de Junho, que prevê o regime jurídico relativo à concessão do direito de asilo, garante este direito a estrangeiros e apátridas perseguidos em consequência do exercício de actividades em favor da democracia e da libertação social e nacional, da paz, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou por razões de raça, religião ou opiniões políticas, dispondo o artigo 19º da Lei 27/2008 que o pedido é inadmissível quando for evidente que não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque.

Em 04/03/2014, a A. compareceu no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, tendo apresentado aí um pedido de protecção para si e para a sua filha. Alegou que é perseguida desde 2007 pelo facto do seu pai ter sido vice-ministro do Ministério das Relações Exteriores de Angola e se dizer que este queria dar um golpe de estado, não tendo onde morar, nem família e que dorme na rua. Posteriormente, em declarações prestadas junto do SEF em 08/07/2014, veio dizer que pedia asilo por ter sido agredida fisicamente por dois indivíduos que se deslocaram à casa onde vivia em Angola, que a espancaram e a marcaram com uma faca nas costas, mantendo a respectiva cicatriz, o que pensa que foi feito a mando do "delegado do camarada Vice-ministro do Ministério das Relações Exteriores de Angola", por lhe ter exibido um vídeo que tinha no seu telemóvel em que apareciam polícias angolanos a agredir vendedoras ambulantes que vendiam nas ruas e em que um polícia "em vez de bater na senhora, rebentou com a cabeça do bebé". Diz que mostrou esse vídeo como forma de pressionar o delegado do referido Vice-ministro a conceder-lhe uma bolsa de estudos interna para poder continuar a estudar na faculdade, isto por ser filha do ex-vice-ministro do Ministério das Relações Exteriores Sebastião………………. e que ameaçou que, caso não lhe fosse concedida a mesma, tinha mais vídeos comprometedores que alocaria no youtube e no facebook. Diz que, na altura em que exibiu o vídeo, o referido delegado destruiu o seu telemóvel; que posteriormente recebeu várias mensagens a dizer-lhe que devolvesse os outros vídeos, tendo, posteriormente, sido espancada nos termos atrás indicados e avisada de que isso era só um aviso para que entregasse os vídeos. Informa que, na sequência da referida agressão, esteve internada dois dias no hospital e que, tendo denunciado a situação junto da polícia, lhe foi dito que não podiam fazer nada porque não se podia provar que tinha sido "o camarada do Jorge …………".

As declarações escritas que a Requerente exarou aquando da apresentação do pedido de asilo, em que indica as razões que a levaram a apresentar esse pedido, são diversas das razões que indicou quando prestou declarações orais passados que foram quatro dias. Perguntada sobre tal divergência, respondeu que a polícia norueguesa lhe disse para referir o que realmente a fazia fugir de Angola. Tal explicação é incongruente, pois qualquer das declarações prestadas o foi já depois do alegado conselho da polícia norueguesa. [sublinhado nosso] Vem agora, na P.I. do presente processo, afirmar que as razões que a levam a pedir asilo são apenas as relacionadas com o facto de ser filha do ex-vice­ministro do Ministério das Relações Exteriores de Angola e não a circunstância de ter efectuado as filmagens das agressões policiais.

Quanto às alegações de que fugiu de Angola por o seu pai, Sebastião …………….., ex-vice-ministro do Ministério das Relações Exteriores de Angola, ter sido acusado de querer dar um golpe de estado, tendo ela obtido em 2007 autorização de residência por motivos humanitários na Noruega, as mesmas não são susceptíveis de fundamentar o pedido deduzido no presente processo, uma vez que a Requerente declara que em 2010 regressou a Angola, onde permaneceu até Setembro de 2013. Ora, se permaneceu em Angola cerca de três anos já após ter aí regressado da Noruega e, portanto, numa altura em que já haviam decorrido os acontecimentos que alegadamente envolveram o seu pai, sem nunca ter sido presa, detida ou interrogada, há que concluir que não existe uma razão objectiva demonstrativa do risco de aí ser perseguida ou maltratada pelo facto de ser filha de Sebastião ………………………. A situação não se subsume na previsão do artigo 3º da Lei 27/2008, de 30 de Junho, que prevê o regime jurídico relativo à concessão do direito de asilo.

(…). Não o fez para defender a democracia, a libertação social e nacional, a paz, a liberdade ou os direitos da pessoa humana, ou por razões de raça, religião ou opiniões políticas.

O artigo 7° da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, constitui uma forma de protecção subsidiária, prevendo a concessão de autorização de residência por razões humanitárias aos requerentes que se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer por sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave. A ofensa grave, ali exemplificativamente enumerada, pode consistir em:

- Pena de morte ou execução;

- Tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem;

- Ameaça grave contra a vida ou integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.

Tem-se entendido que "a autorização de residência por razões humanitárias, prevista no artigo 8° da Lei nº 15/98, de 26/3 [hoje, artigo 7° da Lei nº 27/2008, de 30/6, sob a epígrafe "protecção subsidiária”, só pode ser concedida se, no país de origem do interessado, existir «grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos» que, em concreto, impeça [''pulsão objectiva''l ou impossibilite [''pulsão subjectiva”] o regresso [e permanência] do requerente ao país da sua nacionalidade', sendo que "recai sobre o requerente de autorização de residência o ónus da prova dos factos em que baseia a sua pretensão' [cfr., neste sentido, os acórdãos do STA, de 29-10-2003, proferido no âmbito do recurso nº 0151/03, e deste TCA Sul, de 24-5-2007, proferido no âmbito do processo nº 02543/07, de 24-2-2011, proferido no âmbito do processo nº 07157/11, de 26/03/2015, proc.º n.º 11691/14].

Quanto ao pedido de concessão de autorização de residência à luz do regime de protecção subsidiária previsto no 7° da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, também não se vê que as razões invocadas pela A. demonstrem a possibilidade objectiva de vir a sofrer tal tipo de agressões. As agressões que diz ter sofrido não o foram num quadro de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos. Trata-se, antes, de um caso de polícia. Por outro lado e considerando o tempo entretanto decorrido desde a discussão que a A. diz ter tido com o membro do Governo sobre a concessão da bolsa de estudo, a que se terá seguido a destruição do seu telemóvel em que estaria o vídeo com as cenas de violência da polícia sobre as vendedoras do mercado e as agressões que a A. diz ter sofrido em sua casa por dois homens que lhe pediam para entregar os restantes vídeos, também não é plausível concluir que a A. continue em risco de sofrer ofensa grave, pois esta diz não ter mais vídeos e a verdade é que a A., apesar do tempo decorrido desde então, não os publicou, o que indicia que a ameaça por ela proferida era impossível de concretizar ou não era séria.[sublinhados nossos]

Perante tal circunstancialismo, o despacho impugnado não sofre do vício de violação de lei que lhe é apontado e há que concluir que não estão reunidos os pressupostos para deferir a sua pretensão.

Ora, o que se constata é que a sentença assenta a sua decisão – acertada – numa análise cuidada da situação concreta em presença, sendo que contra o decidido, longe disso há que dizê-lo, não vem desferida crítica minimamente eficaz por parte da Recorrente, que se limita a genérica e conclusivamente a afirmar que a sentença errou no julgamento efectuado, reiterando o argumentário vertido na p.i. e já debatido na sentença.

Na verdade, a ora Recorrente não logrou sequer demonstrar ter um medo fundado de voltar para o seu país (Angola), pelo que não se pode enquadrar a sua situação dentro do âmbito do auxílio solicitado, o mesmo ocorrendo para efeitos de protecção subsidiária, tudo explicitado na sentença recorrida.

Por outro lado, pela mera leitura do probatório, considerando a motivação da decisão administrativa impugnada que assentou no auto de declarações da requerente do asilo (cfr. o provado em i) do probatório) e na informação dos serviços cujo teor aqui nos escusamos de repetir (cfr. o provado em j) supra) facilmente se alcança que a decisão de indeferimento do pedido de asilo cumpre adequadamente o dever de fundamentação, explicitando as razões de facto e de direito que lhe estão subjacentes. Ou seja, todos os elementos pertinentes foram tidos em conta na informação que suportou o acto impugnado.

Relembre-se, dando resposta à alegada deficiente interpretação pelo Tribunal a quo acerca do princípio do benefício da dúvida que de acordo com o Manual de Procedimentos do ACNUR, o ponto 195 refere que “os factos relevantes de cada caso têm de ser fornecidos em primeiro lugar pelo próprio requerente” e que, por outro lado, concretamente sobre o benefício da dúvida, o ponto 204 desse Manual refere que: “(…) o beneficio da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos.

Dito de modo diverso, como se disse, i.a. no ac. deste TCAS de 4.10.2012, proc. n.º 9098/12, em caso semelhante ao presente:

Relativamente ao princípio do benefício da dúvida, refere o manual do ACNUR, a propósito dos procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado, o seguinte:

“Depois do requerente ter feito um esforço genuíno para substanciar o seu depoimento pode existir ainda falta de elementos de prova para fundamentar algumas das suas declarações. Como explicado antes [parágrafo 196], dificilmente é possível a um refugiado "provar" todos os factos relativos ao seu caso e, na realidade, se isso fosse um requisito, a maioria dos refugiados não seria reconhecida.

É, assim, frequentemente, necessário conceder ao requerente o benefício da dúvida.

O benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos” [cfr. manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado de acordo com a convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Alto Comissariado das Nações unidas Para os Refugiados, Genebra, Janeiro de 1992].

Ainda que no caso presente se pudesse admitir uma satisfação mitigada do referido ónus probatório, dadas as circunstâncias, a verdade é que o mínimo exigível era um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país, que, na verdade, se conclui não existir, pelo que não se mostram violados os preceitos legais invocados [o que aqui também sucede].”

Necessário é ter presente que cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega. Exigindo-se, para tanto, um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, (cfr., i.a., os acórdãos deste TCAS de 26.03.2015, proc. n.º 11691/14 e de 21.08.2015, proc. n.º 12311/15.). Sendo que os factos apurados, como demonstrado na sentença recorrida (v. supra), permitem concluir não existir.

Tanto basta para concluir pela inexistência do apontado erro de julgamento, com o que tem que improceder o presente recurso jurisdicional na totalidade, mantendo-se assim a sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, apenas sanciona com a nulidade a falta absoluta de motivação e não a sua insuficiência. Ou seja, o que por aqui se sanciona com nulidade é a ausência total de fundamentos de facto ou de exame crítico das provas.

ii) Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.

iii) Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados permitem concluir não existir, desde logo pela incoerência da narração e falta de credibilidade dos motivos que são apresentados como justificativos da medida de protecção.

iv) Tendo a requerente do asilo declarado que após ter estado na Noruega desde 2007, havia regressado a Angola em 2010, onde permaneceu até Setembro de 2013, numa altura em que já haviam decorrido os acontecimentos que alegadamente envolveram o seu pai, sem nunca ter sido presa, detida ou interrogada, há que concluir que não existe um fundamento objectivo demonstrativo do risco de aí ser perseguida ou maltratada em razão da sua filiação.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas, por isenção legal (artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio).

Lisboa, 15 de Outubro de 2015



____________________________
Pedro Marchão Marques


____________________________
Maria helena Canelas


____________________________
António Vasconcelos