Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09149/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/15/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:DUP
CADUCIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:i- Da caducidade da DUP, judicialmente conhecida e declarada, decorre que a expropriação efectuada pelo órgão camarário - ou, melhor dizendo, os actos praticados na execução -, consubstanciou um acto ilícito e culposo, susceptível de fazer incorrer o respectivo município em responsabilidade civil.
ii-Afastada a reparação natural haverá que reparar os prejuízos sofridos pela Autora com o desapossamento da parcela de terreno em causa, apurando o valor da indemnização que é calculado em obediência ao estatuído no artigo 566.º, n.º 2 do C. Civil.

iii -No caso em apreço, a obrigação de indemnizar em que o Réu Município de Lisboa se encontra constituído, não abrange os danos relativos ao barulho e poluição, pois a Autora enquanto pessoa colectiva é insusceptível de sofrer estes prejuízos que invocou, sendo que, também não resulta provado que tais prejuízos tiveram reflexos negativos na sua actividade de assistência e apoio à população em que está inserida ou que tenham causado danos na sua imagem da Autora
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Centro ……………………………………, intentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa uma acção administrativa comum, sob a forma ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra o município de lisboa, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe as quantias de 12.842.100,00€ (pelos terrenos alvo de apropriação, a preços actualizados); de 972.000,00€ (a título de danos materiais em resultado da sua conduta ilícita) de 50.000,00€ (a título de danos não patrimoniais), pelos prejuízos e danos decorrentes da apropriação de uma parcela, com a área de 21.200m2, do prédio de que é o proprietário, denominado «Quinta da ………a» e com base na caducidade da Declaração de Utilidade Pública - acto expropriativo – decretada pelo Acórdão do STA de 20.10.1999, transitado em 04.11.1999, num total de 13.402.834,85€.

Mais pediu que o Réu fosse condenado ”a erguer os muros de delimitação da propriedade sobrante da Autora e a realizar os respectivos acessos, no prazo a fixar pelo Tribunal”, e que aos “valores indemnizatórios apurados deva ser deduzida a quantia de 461.265,15€, arbitrada no âmbito no processo cível de expropriação, ao abrigo do artº51º, nº3 do Código das Expropriações e retida pela Autora”.

O Município de Lisboa, na contestação que apresentou arguiu a excepção da caducidade do direito de acção, a impropriedade do meio processual utilizado, a prescrição e a extinção do direito da A.. Alegou, em suma, que após a prolação do Acórdão do STA de 20.10.1999, transitado a 04.11.1999 e que reconheceu a caducidade da Declaração de Utilidade Pública, a A. dispunha de título executivo e como tal o único meio processual de que poderia lançar mão para lograr obter a execução e a reparação dos danos alegadamente sofridos seria através da acção executiva, pelo que não a tendo apresentado até ao dia 04.11.2002, o direito de intentar a presente acção encontra-se extinto, por caducidade, não podendo renascer com a nova reforma do contencioso administrativo. E apela ao regime vertido no artigo 71º, nº 3 da LPTA, para sustentar que o direito à indemnização pedida pela A. se encontra prescrito e ainda invoca que a A. não tem legitimidade para exigir um preço ou indemnização superior àquela que a peritagem fixou no processo civil de expropriação litigiosa, como sendo o preço da expropriação.

A A. respondeu pugnando pela improcedência das excepções.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as excepções, sendo, de seguida, seleccionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.

Entretanto, o R. interpôs recurso daquela decisão para este TCA, o qual não foi admitido (reclamou do despacho de não admissão para o Presidente deste TCA que manteve a decisão, por entender que ao caso era de aplicar o estatuído no nº5 do artigo 142º do CPTA).

Realizado o julgamento, com gravação da prova, e decidida a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente “ por parcialmente provada, e, consequentemente, decidido condenar o “ Município de Lisboa” a pagar à Autora, a quantia de €2.683.128,02, a título de danos patrimoniais, bem como, a erguer os muros, nos termos enunciados e absolver o Réu dos restantes pedidos”.

Do assim decidido, recorrem o Réu e a Autora, relativamente à parte da decisão judicial que não lhes foi favorável, formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões, que infra e na íntegra se reproduzem:

1) Do Recurso do município de lisboa

1 - No presente caso, estamos perante acção administrativa comum, com pedido de condenação em indemnização, acção esta toda estruturada a partir duma declaração de utilidade pública cuja caducidade veio a ser declarada pelo Supremo Tribunal Administrativo;

2 - A apreciação de acção de condenação fundada em prejuízos sofridos no quadro de um processo expropriativo iniciado com declaração de utilidade pública que veio a caducar está cometida aos tribunais judiciais, quer no âmbito do Código das Expropriações aprovado pelo DL 438/91, quer no âmbito do CE aprovado pela Lei n° 168/99, de 18 de Setembro;

3 - Deste modo, o tribunal competente para julgar a presente acção é o tribunal comum e não o tribunal administrativo;

4 - A incompetência absoluta constitui uma excepção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância;

5 - Ao decidir como decidiu, não tendo competência para tal, a douta decisão sob recurso violou, quer o Código das Expropriações, quer o artigo 101° do CPC pelo que deve ser revogada;

6- O Acórdão do STA que veio a declarar a caducidade da DUP, transitou em julgado em 4 de Novembro de 1999;

7 - Os prazos estabelecidos na lei, quer para a Administração executar espontaneamente o julgado anulatório, quer os prazos para a propositura da execução, são diferentes nos regimes estabelecidos na LPTA e no DL 256-A/77, por um lado, e no CPTA, por outro;

8 - Deste modo, há que apurar se, á data da entrada em vigor do CPTA, o direito exercido já havia caducado, através da aplicação integral do regime estabelecido na LPTA e no DL 256-A/77 e, em caso negativo, segue-se a aplicação do regime do CPTA;

9 - Tendo em conta os elementos presentes nos autos, é ponto assente que nenhuma das partes (Administração e Autora) praticou qualquer acto relevente nesse âmbito;

10 - Por conseguinte, a ora Recorrida dispunha do prazo de 3 anos para requerer a execução à Administração;

11 - A partir da entrada em vigor do CPTA e da revogação dos acima identificados diplomas, a execução do julgado anulatório passou a ser comandada pelo novo Código, mesmo que a sentença a executar tivesse sido proferida e tivesse transitado no domínio do regime revogado, desde que o respectivo processo tivesse sido instaurado após a sua entrada em vigor- n° 4 do artigo 5° da Lei n° 15/02, de 22 de Fevereiro;

12 - Deste modo, e tendo em conta que a presente acção foi instaurada depois da entrada em vigor do CPTA, a mesma só poderia prosseguir se a pretensão da Recorrida pudesse ser alcançada através daquele meio processual;

13 - Neste aspecto e, no essencial, o novo Código não alterou o regime legal instalado pelos diplomas revogados;

14 - Com efeito, nos termos das novas normas processuais, a execução de sentenças anulatórias continuou a ser feita através de um processo específico destinado a obrigar a Administração a extrair as devidas consequências daquelas sentenças;

15- O que quer dizer que a nova lei não prevê que o ressarcimento dos prejuízos decorrentes da prática de acto ilegal judicialmente anulado possa fazer-se por qualquer meio que não aquele;

16 - Tendo a ora Recorrida interposto uma acção administrativa comum para peticionar o pagamento do que se julgava com direito em resultado de acto que ela havia impugnado, verifica-se erro na forma de processo utilizada o qual configura uma nulidade processual, de conhecimento oficioso, determinante da anulação dos actos que não possam ser aproveitados - artigos 199°, 202° e 206°, n° 2 do CPC;

17- De acordo com o regime revogado pelo CPTA, a Administração tinha 60 dias para cumprir integralmente a sentença, contados da apresentação do requerimento do interessado a solicitar esse cumprimento; e, este, caso a Administração continuasse inerte, dispunha do prazo de um ano, contado dos 60 dias posteriores àquela apresentação, para instaurar o processo executivo;

18 - Sob pena de caducidade do direito à execução;

19 - In casu, a ora Recorrida nada fez;

20 - Assim sendo, quando o CPTA entrou em vigor - 1 de Janeiro de 2004 - já o seu direito à execução do julgado tinha definitivamente caducado, sem possibilidade da entrada em vigor do novo Código renovar aquele direito;

21 - E, porque assim é, seria inútil a convolação desta acção em processo executivo pois que este tinha que ser liminarmente rejeitado, atenta a caducidade do direito que se queria fazer valer;

22 - Dispõe o artigo 298° do Código Civil que " Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente á prescrição";

23 - E, não se pode invocar, como o parece fazer o despacho proferido sobre esta questão, que o prazo de caducidade se pode ter interrompido com a decorrência da acção a correr no tribunal cível porquanto, quando a presente acção foi interposta já aquele prazo havia expirado;

24 - A caducidade constitui uma excepção peremptória que acarreta a absolvição total do pedido - n° 3 do artigo 493° do CPC;

25 - Face ao acima exposto, se impunha julgar procedente a invocada excepção de caducidade do direito na medida em que, tendo a presente acção administrativa comum dado entrada em 21 de Setembro de 2004 e o Acórdão exequendo transitado em 4 de Novembro de 1999, há muito que havia caducado o direito;

26 - A douta decisão sob recurso entendeu que o momento relevante para se apurarem os critérios a considerar para se apurar o valor da indemnização, era o da data do trânsito em julgado do Acórdão do STA;

27 - Contudo, não aduz qualquer argumento de facto ou de direito para justificar essa escolha;

28 - Assim sendo, é nula por violação da alínea b) do n° 1 do artigo 668°do CPC;

29 - Por outro lado, existe uma manifesta contradição/violação na resposta dada pelo Senhor Perito quando, ao atribuir à parcela um valor de 2.408,839 Euros, o faz pressupondo que, em 1992 estava em vigor o RPDM de Lisboa;

30 - Todavia, em 1992 não estava em vigor o PDM de Lisboa, mas sim o RPGLJCL aprovado pela Portaria n° 274/77, de 19 de Maio;

31 - A douta decisão recorrida, ao seleccionar aquele valor como sendo a valor a pagar à Recorrida, errou flagrantemente e, em consequência violou a alínea c) do n°1 do artigo 668° do CPC, incorrendo a sentença em nulidade.

32 - A douta sentença em crise, ao decidir como decidiu, violou o Código das Expropriações, o artigo 101° do CPC, os artigos 199°, 202° e 206°, n° 2 do CPC, o artigo 298° do Código Civil, o n° 3 do artigo 493° do CPC e as alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 668° do CPC.

TERMOS EM QUE
Deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão em crise.

2) Do Recurso subordinado da autora, Centro popular d’espie .............:

A) É conclusão firmada na lei, na doutrina e na jurisprudência portuguesas que o cálculo da indemnização, a atribuir ao lesado em ação judicial, terá em atenção o valor atual, do que resulta que esse cálculo deve ser contemporâneo da decisão que fixa a indemnização.

B) Na fixação da indemnização deve considerar-se a «data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal», prescreve o n° 2 do artigo 566° do Código Civil e o artigo 663°, n° 1 do Código do Processo Civil manda atender à situação existente no momento da decisão judicial

C) No caso, trata-se de indemnizar o lesado, uma Instituição Particular de Solidariedade Social que ficou sem uma parte substancial da sua propriedade e do aproveitamento económico por ela permitido a favor dos seus beneficiários por ato ilícito da Ré. Tendo havido lugar a peritagem determinada pelo Tribunal imediatamente antes do encerramento da discussão, deve atender-se ao valor do dano apurado na data em que esta foi realizada.

D) Esta situação fica ainda reforçada no caso em apreço, atento o direito fundamental protegido no artigo 62° da Constituição - que determina que só nas situações legalmente previstas alguém pode ser privado do seu direito de propriedade - e no artigo 2° da mesma - que consagra a possibilidade de efetivação dos direitos constitucional e legalmente reconhecidos.

E) Uma interpretação que não respeite o valor real e atual do solo remido, no momento da decisão que fixa a indemnização ao proprietário lesado, preterindo os critérios da lei e restringido o âmbito de proteção do direito de propriedade nos termos em que está conformado, deve ser considerada inconstitucional.

F) De acordo com o artigo 562° do CC, "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação." Não sendo já a reconstituição natural possível, deve ser reposto em dinheiro o valor do bem, é isso que dispõe o artigo 566°, n°1 do CC. Quando a indemnização se fixa em dinheiro, o n° 2 do artigo 566° aponta um critério geral para o seu cálculo: a teoria da diferença; diferença entre a situação real e a hipotética atual do património do lesado, tudo aferido ao último momento possível, o do encerramento da discussão em 1ª instância - n° 1 do artigo 663° do Código do Processo Civil.

G) Pretende-se que com a compensação do dano o lesado «possa agora conseguir as mesmas vantagens e utilidades que o fato constitutivo da responsabilidade lhe fez perder», Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, p. 274.

H) O critério legal para apurar o valor do dano na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal decorre diretamente do facto de a sua reconstituição natural já não ser possível, a qual permitiria ao lesado aproveitar, no presente, de todas as utilidades económicas legalmente admissíveis da integridade do seu bem. O regime é lógico, está vertido de uma forma clara na lei, a sua interpretação é pacífica na doutrina e está assente e consolidado na jurisprudência. Por todos, convocamos o Acórdão do STJ n° 07B3035, de 11-10-2007, publicado na Base de Dados da BDJUR.

I) O pagamento de uma indemnização adequada é imposto pelo respeito devido ao princípio da justiça que está implicado na ideia de Estado de direito democrático acolhida no artigo 2° da Constituição, tal como é imposto pelo princípio da proporcionalidade, que é o fiel da balança da justiça.

J) Conforme consta do facto S) dado como provado, a parcela de terreno de 21.200 metros quadrados, referida na alínea F) dos FA), de acordo com o critério apurado de aplicar as Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n° 94/94, de 29 de Setembro, tinha o valor actualizado (Janeiro de 2010, data da peritagem) de € 21.349,013.

K) Ao decidir que o valor indemnizável deve ser fixado na data em que a Autora ficou privada da parcela de terreno (1992), pressupondo a vigência nessa data do quadro legal (nomeadamente as Normas do PDM de Lisboa aprovado pelo DR n° 94/94 de 29 de Setembro) vigente em 4/11/1999 (data em que a ocupação se toma ilícita por ter transitado o Acórdão do STA que reconheceu a caducidade da DUP de 1992), devendo este valor ser actualizado à taxa de inflação total de 67,56 % até 31 de Dezembro de 2011, a douta sentença violou o conteúdo material e o alcance vertidos no n° 2 do artigo 566° do Código Civil.

L) Tendo reconhecido e bem, que a situação de responsabilidade criada foi o ato ilícito da Ré, definitivamente reconhecido e declarado, a decisão vem depois fazer entrar pela janela aquilo a que fechou a porta, aplicando o critério previsto no Código das Expropriações (CE91, artigo 23°, n° 1: O montante da indemnização calculado com referência à data da declaração de utilidade pública e actualizado de acordo com a inflação), critério específico inserido em lei especial que, por não haver lacuna na lei, não tem qualquer cabimento legal.

M) A apropriação ilícita pela Ré da propriedade da Autora, que legitima a presente ação e torna competente um tribunal administrativo, advém precisamente de não ter sido realizada ao abrigo do artigo 1310° do Código Civil, ou seja, por não ter sido consumada no âmbito de um processo de expropriação por utilidade pública.

N) O evento deu-se no âmbito de uma relação jurídica privada em que existe um dano ilícito, dado a Ré não ter qualquer título que legitime a apropriação abusiva de 21.200 m2 da propriedade da Autora. Não resultando o dano de ato expropriativo, é inaplicável a definição de indemnização e os critérios previstos no Código das Expropriações de 91.

O) O Código das Expropriações é uma lei especial que se aplica aos casos nela definidos. E, sendo lei especial, não comporta aplicações analógicas, como inequivocamente estipula o artigo 11° do Código Civil. Admite, contudo, interpretação extensiva, mas para isso teria de haver alguma obscuridade na lei que levasse o intérprete a ter de recorrer subsidiariamente a esse mecanismo.

P) O artigo 483° do Código Civil estipula muito claramente que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos causados resultantes da violação."

Q) Ao se apropriar de 21.200 m2 da propriedade da Autora sem titulo que o legitime, a Ré violou o artigo 1308° do Código Civil onde se diz que "ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei"; e causou o dano resultante da privação das utilidades económicas resultantes do exercício do direito de propriedade sobre a enorme parcela usurpada.

R) Não existe assim, também, qualquer obscuridade na lei que legitime o recurso à aplicação do Código das Expropriações por via de uma interpretação extensiva. Carece, pois, em absoluto, de fundamentação legal a aplicação aos factos do Código das Expropriações de 91. Sobre esta matéria volta-se a convocar o douto Acórdão do STJ já sinalizado e junto a estas alegações.

S) A indemnização devida pela Ré à Autora pela apropriação ilícita dos 21.200 m2 da propriedade desta è de 21.349.013 €, o valor aqui assente, de acordo com o direito aplicável. No entanto o montante indemnizatório não poderá exceder o valor do pedido, formulado na P.I. no montante de € 7.500,000 atualizado em função da inflação desde 1992, ou seja, € 7.500.000 x 1,6756 = € 12.567.000, ficando assim o montante indemnizatório devido pela Ré à Autora limitado a €12.567.000 (doze milhões, quinhentos e sessenta e sete mil euros).

T) Ao decidir que o valor indemnizável deve ser fixado na data em que a Autora ficou privada da parcela de terreno com a DUP depois caducada (1992), pressupondo a vigência nessa data do quadro legal (nomeadamente as normas do PDM de Lisboa aprovado pelo DR n° 94/94 de 29 de Setembro) vigente em 4/11/1999 (data em que a ocupação se torna ilícita por ter transitado o Acórdão do STA que reconheceu a caducidade da DUP de 1992), devendo este valor ser actualizado à taxa de inflação total de 67,56 % até 31 de Dezembro de 2011, a douta sentença violou o conteúdo material e o alcance vertidos no n° 2 do artigo 566° do Código Civil.

U) Ao reconhecer a ilicitude do ato, por um lado, e ao aplicar o critério indemnizatório previsto no Código das Expropriações, por outro, uma lei especial aplicável a ato lícito que não tem aplicação à presente situação pela sua natureza e por não haver qualquer lacuna na lei, a decisão enferma de nulidade, dado os fundamentos estarem em oposição com a decisão (artigo 668°, n°1 , alínea c).

V) O valor do dano, no caso, é o valor «atual» do solo, não aquele que foi determinado para 1992 pressupondo o enquadramento legal de 1999. Só com a decisão do presente pleito, se irá efetivar a transmissão do direito de propriedade do solo em conformidade com a ordem jurídica, devendo a indemnização arbitrada corresponder ao seu valor à data de encerramento da discussão perante o tribunal que profere a decisão, por força dos artigos 566°, n° 2 do Código Civil e 663°, n° 1 do Código do Processo Civil. No caso, tal interpretação está ainda reforçada pela aplicação do artigo 62°, da CRP e ainda por força da aplicação do princípio da legalidade, vertido no artigo 2°, também da CRP.

W) A este valor, €12.567.000, devem ser abatidos os montantes pagos, estes sim, porque montantes pagos em dinheiro, actualizados adequadamente por aplicação da taxa de inflação total no montante global de € 1.353.122,61 (€ 639.590,26 + € 713.532,35), devendo a Ré pagar à Autora o montante indemnizatório de 12.567.000 - 1.353.122,61= €11.213,877,39 (onze milhões, duzentos e treze mil, oitocentos e setenta e sete euros e trinta e nove cêntimos).

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA.

A autora, como recorrida, contra-alegou concluindo do modo que segue:

A)
À data da introdução da ação de responsabilidade civil extracontratual pela Recorrida, 1.09.2004, já estava em vigor a Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e revogou o DL n° 129/84, de 27 de Abril.

B)
Nas alíneas g), h) e i) do n° 1 do art.4° do ETAF, o legislador veio estabelecer que sempre que um litígio por responsabilidade civil extracontratual envolver uma entidade pública, tal litígio deve ser submetido à apreciação da jurisdição administrativa.

C)
Este é o entendimento unanime da doutrina, entendimento que é partilhado pela jurisprudência como se poderá comprovar no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 20.01.2010, Processo 025/09 (in www.dgsi.pt), o qual deixa claro que o entendimento diverso anterior tinha por base o regime do anterior ETAF.

D)
O art.2° da Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, uma norma transitória, estabelece no seu n° 1 que as disposições do ETAF não se aplicam aos processos pendentes.

E)
A Recorrente chamou inutilmente em seu apoio o Acórdão do STA de 03.05.2004, processo 0529/03, ao qual não se aplica o ETAF, que entrou em vigor em 01.01.2004 e só se aplica aos processos novos, e não tem por objeto um caso semelhante, na medida em que não foi sequer declarada a caducidade da DUP.

F)
O processo expropriativo resultante da DUP cuja caducidade foi declarada pelo STA em 1999 correu termos na 1ª Secção da 11ª Vara Cível de Lisboa, Processo 12044/94, o qual veio a ser arquivado em 2004, por inutilidade superveniente da lide, decisão contra a qual a Recorrente não reagiu.

G)
É completamente improcedente a alegada exceção de incompetência do tribunal administrativo em razão da matéria.

H)
Não tem razão a Recorrente ao impugnar o douto despacho que julgou totalmente improcedentes as exceções já invocados, começando por afirmar que entende que a Recorrida não podia ter optado por introduzir a ação administrativa comum de responsabilidade civil, mas que estava obrigada a requerer a execução do Acórdão do STA.

I)
Resulta do estabelecido no art. 96°, n°1 da LPTA, assim como, do art. 5°, n°1 do DL n° 256-A/77, de 17 de Junho que o interessado pode (sublinhado nosso) requerer à Administração a execução da decisão judicial, no prazo de 3 anos a contar do trânsito em julgado da mesma.

J)
Trata-se, pois, de uma faculdade e não de uma exclusão de recurso à ação de indemnização ou a outro meio processual que se mostre adequado.

K)
Outra leitura não se pode fazer em face do disposto no n° 4 do art. 10° do DL n° 256-A/77 já citado, que prevê que o processo de fixação de indemnização referido no n°1 findará se entretanto tiver sido proposta ação de indemnização.

L)
A Recorrida não pretendeu com a presente ação a reconstituição da situação anterior ao ato administrativo anulado, até porque isso já não era mais possível, mas sim propor uma acção indemnizatória, na qual alegou encontrarem-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil da Recorrente em resultado do ato ilícito.

M)
A Recorrida utilizou, pois, o meio próprio à luz da legislação vigente à data da propositura da ação e à data em que transitou em julgado o Acórdão do STA que declarou a caducidade da DUP.

N)
Mesmo que a Recorrida tivesse requerido a execução do Acórdão, sempre poderia introduzir ação indemnizatória, por o objeto daquele não esgotar a tutela efetiva do lesado (cfr. Acórdão do STA de 25.06.2003).

Q)
Neste sentido veja-se, para além do Acórdão do STA de 21.06.2007, processo n° 01156/06, já citado na douta decisão proferida pela Meritíssima Juíza de Direito que julgou improcedentes as exceções, o Acórdão do TCAS n° 01751/06, de 03.12.2009, in Base de Dados Jurídicos Almedina.

P)
Também não tem razão a Recorrente ao alegar que, tendo o Acórdão do STA que declarou a DUP caducada transitado em julgado em Novembro de 1999, o direito da Recorrida teria caducado no final de 2003.

Q)
Nos termos do art. 498° do CC, o direito de indemnização prescreve não caduca e, como sabemos, a prescrição não extingue o direito nem a vinculação, apenas confere ao obrigado o poder de recusar o cumprimento.

R)
A Recorrida introduziu a ação indemnizatória tempestivamente em 21 de Setembro de 2004.

S)
Nos termos do art.71°, n°2 da LPTA, "O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontmtual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de atos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do art. 498° do Código Civil."

T)
E o n° 1 do art. 498° do CC estabelece que o direito de indemnização "prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento de direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso."

U)
Há lugar à interrupção da prescrição sempre que o titular do direito interpela o obrigado através de meio judicial de que pretende exercê-lo. Nos termos do n° 4 do artigo 323° do CC, esse meio não tem de ser a citação ou a notificação, pode ser outro, desde que judicial e "pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido."

V)
A prescrição interrompe-se também pelo reconhecimento do direito feito pelo obrigado, cfr. art. 325° do CC.

W)
O reconhecimento do direito pelo obrigado, que pode ser praticado de modo tácito, "permite que não ocorra a prescrição e que inicie o curso de um novo prazo, sem necessidade de instauração de ação ou da prática de um ato judicial." (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 2007, 4ª Edição, Coimbra, Almedina).

X)
Em 1994, começou a correr termos na 1ª Secção da 11ª Vara Cível de Lisboa, o processo n° 11044, de expropriação litigiosa, tendo como partes os aqui Recorrente e Recorrida, no âmbito do qual foram proferidos diversos atos conducentes à fixação da indemnização devida.

Y)
Em 11 de Janeiro de 2002, depois de ter junto aos autos o Acórdão do STA transitado em julgado a reconhecer a caducidade da DUP, a aqui Recorrida requereu a extinção da instância, por impossibilidade da mesma (alínea l) dos FA).

Z)
Em resposta ao referido requerimento, em 20 de Fevereiro de 2002, a aqui Recorrente pugnou pelo prosseguimento dos autos para apuramento do montante indemnizatório (alínea J) dos FA).

AA)
A Recorrente tomou conhecimento da pretensão do exercício do direito e reconheceu o direito da Recorrida à indemnização, conforme alíneas J), K) e L) dos FA.

AB)
O requerimento da Recorrente de 20 de Fevereiro de 2002, antes de decorrido o prazo de três anos sobre a data em que o lesado teve conhecimento de direito que lhe competia, consubstancia o reconhecimento do direito da aqui Recorrida, nos termos e para os efeitos do n°1 do art. 325° do CC, tendo como efeito a interrupção da prescrição.

AC)
Como já foi reconhecido na Primeira Instância, este reconhecimento do direito à indemnização feito em 20 de Fevereiro de 2002,subsume uma causa de interrupção da prescrição, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 323°, n°s 1 e 4 e 325° do CC, com os efeitos previstos no art. no art. 326°, n° 1 do CC, não tendo, consequentemente decorrido o renovado prazo prescricional de três anos na data em que a ação indemnizatória entrou em tribunal, em 21 de Setembro de 2004.

AD)
Pelo que devem improceder as exceções de caducidade do direito e de prescrição alegadas pela Recorrente.

AE)
O valor indemnizatório a ser arbitrado nunca poderá ser o de € 544.300 em 21 de Fevereiro de 2011 e tendo como pressuposto a vigência do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da cidade de Lisboa, publicado no DR n°116, de 19 de Maio, pela Portaria n° 274/77, de 19 de Maio, conforme pretende a Recorrente.

AF)
De acordo com o artigo 562° do CC, "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido verificado o evento que obriga à reparação."

AG)
Não sendo já a reconstituição natural possível, deve ser reposto em dinheiro o valor do bem, é isso que dispõe o artigo 566°, n° 1 do CC.

AH)
Manda o art. 566°, n° 2 do CC, a que o artigo 663°, n° 1 do CPC dá cumprimento, que a decisão deve corresponder à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, ou seja, ao momento presente.

AI)
O dano consiste na impossibilidade do lesado em aproveitar as utilidades económicas do bem decorrente da apropriação ilícita pelo lesante desde o momento da sua consumação até à atualidade, e exatamente na medida em que não é mais possível reconstituir no presente a situação que existiria não fosse o evento ilícito.

AJ)
Face ao enquadramento legal do instituto da responsabilidade civil, o valor assente que a Recorrente entende como bom está duplamente prejudicado na sua utilidade: i) em face dos critérios do regime jurídico aplicável para apuramento do dano e vertidos no artigo 566º do Código Civil; e ii) no PDM aplicável.

AK)
O critério legal para apurar o valor do dano na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal decorre diretamente do facto de a sua reconstituição natural já não ser possível, a qual permitiria ao lesado aproveitar, no presente, de todas as utilidades económicas legalmente admissíveis da integridade do seu bem. O regime é lógico, está vertido de uma forma clara na lei, a sua interpretação é pacífica na doutrina e está assente e consolidado na jurisprudência. Por todos, a Recorrida convoca o Acórdão do STJ n° 07B3035, de 11-10-2007, publicado na Base de Dados da BDJUR, pela sua pertinência em face da similitude do seu objeto com a situação em apreço.

AL)
Em 1992, ainda não havia sequer dano ilícito na esfera jurídica privada da Autora; isso só veio a acontecer com a caducidade da DUP de 14.08.93, conforme decisão do STA transitada em 04.11.1999.

AM)
O Regulamento do Plano Geral de Urbanização da cidade de Lisboa, publicado no DR n°116, de 19 de Maio, pela Portaria n° 274/77, de 19 de Maio cessou a sua aplicação em 30.06.1992, com a publicação das Normas provisórias do Plano Diretor Municipal de Lisboa, isto é, ainda antes de ter sido publicada a DUP expropriativa, que é de Agosto de 1992. É o que resulta dos artigos 38° e 39° das Normas provisórias e que fez que, no âmbito do processo expropriativo que então correu termos nas Varas Cíveis, nunca a aplicação do PDM de 1977 tivesse sido convocada, mesmo pelo perito nomeado pela Recorrente.

AN)
O dano perpetrado pela Ré/Recorrente contra o direito de propriedade da Autora/Recorrida teve início no âmbito da vigência das Normas provisórias do Plano Diretor Municipal de Lisboa e veio a ser reconhecida a sua ilicitude já na vigência das Normas do PDM de Lisboa, aprovadas pelo DR n° 94/94, de 29 de Setembro.

AO)
A convocação do PDM de 1977, em face da data de início dos factos ilícitos em apreço, não tem, pois, qualquer cabimento legal.

AP)
Pela dupla fundamentação aludida, este valor assente não pode ser aplicado por não corresponder aos critérios legalmente aplicáveis e exigíveis para apurar o dano indemnizável sofrido pela aqui Recorrida.

AQ)
Tal como a aqui Recorrida sustenta no seu Recurso Subordinado, ao reconhecer a ilicitude do ato, por um lado, e ao aplicar o critério indemnizatório previsto no Código das Expropriações, por outro, uma lei especial aplicável a ato lícito que não tem aplicação à presente situação pela sua natureza e por não haver qualquer lacuna na lei, a decisão enferma de nulidade, dado os fundamentos estarem em oposição com a decisão (artigo 668°, n°1, alínea c).

AR)

É conclusão firmada na lei, na doutrina e na jurisprudência portuguesas que o cálculo da indemnização, a atribuir ao lesado em ação judicial, terá em atenção o valor atual, do que resulta que esse cálculo deve ser contemporâneo da decisão que fixa a indemnização.

AS)
Na fixação da indemnização deve considerar-se a «data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal», prescreve o n° 2 do artigo 566° do Código Civil e o artigo 663°, n°1 do Código do Processo Civil manda atender à situação existente no momento da decisão judicial.

AT)
No caso, trata-se de indemnizar o lesado, uma Instituição Particular de Solidariedade Social, que ficou sem uma parte substancial da sua propriedade e do aproveitamento económico por ela permitido por ato ilícito da Ré. Tendo havido lugar a peritagem determinada pelo Tribunal imediatamente antes do encerramento da discussão, deve atender-se ao valor do dano apurado na data em que esta foi realizada.

AU)
Uma interpretação que não respeite o valor real, atual do solo remido, no momento da decisão que fixa a indemnização ao proprietário, preferindo um valor desatualizado, desvalorizado em relação a esse momento, não poderá, pois, deixar de ser considerada inconstitucional.

AV)
De acordo com o artigo 562° do CC, "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido verificado o evento que obriga à reparação."

AW)
Não sendo já a reconstituição natural possível, deve ser reposto em dinheiro o valor do bem, é isso que dispõe o artigo 566°, n° 1 do CC.

AX)
Quando a indemnização se fixa em dinheiro, o n° 2 do artigo 566° aponta um critério geral para o seu cálculo: a teoria da diferença; diferença entre a situação real e a hipotética atual do património do lesado, tudo aferido ao último momento possível, o do encerramento da discussão em 1ª instância - n°1 do artigo 663° do Código do Processo Civil.

AY)
Pretende-se que com a compensação do dano o lesado «possa agora conseguir as mesmas vantagens e utilidades que o fato constitutivo da responsabilidade lhe fez perder», Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, p. 274.

AZ)
O pagamento de uma indemnização adequada é imposto pelo respeito devido ao princípio da justiça que está implicado na ideia de Estado de direito democrático e de legalidade acolhida no artigo 2° da Constituição.

BA)
A adequação da indemnização postula que a expressão monetária desse valor seja atual, em relação ao momento da transmissão do direito. Só essa paridade temporal é capaz de garantir a adequação, a proporcionalidade, a observância do princípio de justiça próprio do Estado de direito democrático (CRP, artigo 2°).

BB)
Conforme consta do facto S) dado como provado, a parcela de terreno de 21.200 metros quadrados, referida na alínea F) dos FA), de acordo com o critério apurado de aplicar as Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n°94/94, de 29 de Setembro, tinha o valor atualizado (Janeiro de 2010, data da peritagem) de €21.349,013.

BC)
Ao decidir que o valor indemnizável deve ser fixado em 1992, data em que a Autora ficou privada da parcela de terreno com a DUP depois caducada, pressupondo a vigência nessa data do quadro legal (nomeadamente as Normas do PDM de Lisboa aprovado pelo DR n° 94/94 de 29 de Setembro) vigente em 4/11/1999 (data em que a ocupação se torna ilícita por ter transitado o Acórdão do STA que reconheceu a caducidade da DUP de 1992), devendo este valor ser atualizado à taxa de inflação total de 67,56 % até 31 de Dezembro de 2011, a douta sentença violou o conteúdo material e o alcance vertidos no n° 2 do artigo 566° do Código Civil.

BD)
Tendo reconhecido e bem, que a situação de responsabilidade civil foi criada pelo ato ilícito da Ré, definitivamente reconhecido e declarado, a decisão vem depois fazer entrar pela janela aquilo a que fechou a porta, aplicando o critério previsto no Código das Expropriações (CE 91, artigo 23°, n°1: O montante da indemnização calculado com referência à data da declaração de utilidade pública e atualizado de acordo com a inflação), critério específico inserido em lei especial que, por não haver lacuna na lei, não tem qualquer cabimento legal.

BE)
A ilicitude da apropriação pela Ré da propriedade da Autora, que legitima a presente ação e torna competente um tribunal administrativo, advém precisamente de não ter sido realizada ao abrigo do artigo 1310° do Código Civil, ou seja, por não ter sido consumada no âmbito de um processo de expropriação por utilidade pública.

BF)

Não resultando o dano de ato expropriativo, é inaplicável a definição de indemnização e os critérios previstos no Código das Expropriações de 91.

BG)
O Código das Expropriações é uma lei especial que se aplica aos casos nela definidos. E, sendo lei especial, não comporta aplicações analógicas, como inequivocamente estipula o artigo 1 1° do Código Civil. Admite, contudo, interpretação extensiva, mas para isso teria de haver alguma obscuridade na lei que levasse o intérprete a ter de recorrer subsidiariamente a esse mecanismo.

BH)
O artigo 483° do Código Civil estipula muito claramente que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos causados resultantes da violação."

BI)
Ao se apropriar de 21.200 m2 da propriedade da Autora sem título que o legitime, a Ré violou o artigo 1308° do Código Civil onde se diz que "ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei"; e causou o dano resultante da privação das utilidades económicas decorrentes do exercício do direito de propriedade sobre a enorme parcela usurpada.

BJ)
Não existe assim, também, qualquer obscuridade na lei que legitime o recurso à aplicação do Código das Expropriações por via de uma interpretação extensiva. Carece, pois, em absoluto, de fundamentação legal a aplicação aos factos do Código das Expropriações de 91. Sobre esta matéria veja-se o Acórdão do STJ n° 07B3035, de 1 1-10-2007, publicado na Base de Dados da BDJUR.

BK)
O montante indemnizatório devido pela Ré à Autora pela apropriação ilícita dos 21.200 m2 da propriedade desta é de 21.349.013 €, o valor aqui assente, de acordo com o direito aplicável.

BL)
O valor do dano, no caso, é o valor «atual» do solo, não aquele que foi determinado para 1992, considerando o enquadramento legal vigente em 1999. Só com a decisão do presente pleito, se irá efetivar a transmissão do direito de propriedade do solo em conformidade com a ordem jurídica, devendo a indemnização arbitrada corresponder ao seu valor à data de encerramento da discussão perante o tribunal que profere a decisão, por força dos artigos 566°, n° 2 do Código Civil e 663°, n°1do Código do Processo Civil. No caso, tal interpretação está ainda reforçada pela aplicação do artigo 62° da CRP e ainda por força da aplicação do princípio do Estado de Direito, vertido no artigo 2°, também da CRP.

BM)
No entanto o montante indemnizatório não poderá exceder o valor do pedido, formulado no montante de € 7.500.000 atualizado em função da inflação desde 1992, ou seja, € 7.500.000 x 1,6756 = € 12.567.000, ficando assim o montante indemnizatório devido pela Ré à Autora limitado a € 12.567.000 (doze milhões, quinhentos e sessenta e sete mil euros).

BN)
A este valor, € 12.567.000, devem ser abatidos os montantes pagos, estes sim, porque montantes pagos em dinheiro, atualizados adequadamente por aplicação da taxa de inflação total no montante global de € 1.353.122,61 (€ 639.590,26 + € 713.532,35), devendo a Ré pagar à Autora o montante indemnizatório de 12.567.000-1.353.122,61= € 11.213.877,39 (onze milhões, duzentos e treze mil, oitocentos e setenta e sete euros e trinta e nove cêntimos).

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE, E PROCEDENTE O RECURSO SUBORDINADO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA



O município de lisboa apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso da Autora sem, no entanto, formular conclusões.
Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º, ambos do CPTA, nada disse.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II. Fundamentação

II.1. De facto

Considerou o tribunal a quo, no âmbito do despacho a que aludia o nº 2, do artigo 508.º-B do CPC na versão à dada vigente (hoje artigo 595.º), como estando provados os seguintes factos:

A) - Por despacho do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, de 17 de Julho de 1992, publicado na II Série do m Diário da República, n°187, de 14 de Agosto de 1992 foi declarada a utilidade pública e urgência da expropriação de 21200 m2 da denominada Quinta da ............. - cfr. fls. 28-29 dos autos e acordo das partes;

B) - Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 20 de Outubro de 1999 e transitado em julgado em 4 de Novembro de 1999 foi anulado o despacho proferido pelo Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, datado de l de Agosto de 1994, que indeferiu ao ora Autor o pedido de declaração de caducidade da declaração de utilidade pública constante do despacho proferido pelo mesmo Secretário de Estado de 17 de Julho de 1992 e publicado na II Série do Diário da República de 14 de Agosto de 1992 - cfr. fls. 32-54 e 132-153 dos autos;

C) - Os terrenos referidos em A) não foram devolvidos à Autora em virtude de à data em que o acórdão que reconheceu a caducidade da Declaração de Utilidade Pública da expropriação já estar concluída a obra pública - o Eixo Norte-Sul e o restante terreno expropriado para acessibilidades - acordo das partes;

D) - O Réu não praticou qualquer acto ou operação de execução do acórdão mencionado em B) - acordo das partes;

E) - Correu termos na 11ª Vara, 1ª secção, processo de expropriação litigiosa registado sob o n.°12044/1994, para fixação do valor global da indemnização, no qual, em 14 de Julho de 2004, foi proferido o seguinte despacho: "Face ao aresto do S.T.A. o fundamento dos presentes autos deixou de existir gerando a impossibilidade do prosseguimento dos presentes autos. Nesta medida ordeno o arquivamento dos autos (...)" - cfr. fls. 55-56 dos autos;

F) - No processo referido na alínea antecedente foi realizada peritagem à denominada parcela n°478 correspondente ao prédio denominado "Quinta da .............", tendo os peritos do Tribunal no relatório de peritagem elaborado com data de 9 de Maio de 1997, concluído que a justa indemnização da parcela a expropriar é de 427.718.726$00 e o perito da Entidade Expropriante considerou como justa indemnização a quantia de 253.031.236$00 - cfr. fls. 79-87 dos autos;

G) - No âmbito da peritagem referida na alínea F) o perito do ora Autor elaborou um relatório separado, datado de 16 de Maio de 1997, tendo apontado como indemnizáveis os seguintes prejuízos do expropriado:
- perda de uma área de solo de 21.200 metros quadrados;
- ónus de faixa non-aedificandi sobre o remanescente com a área de 5.900 metros quadrados;
- perda de abegoaria, currais, hortas, pomares e olivais;
- incómodos resultantes da proximidade do Eixo Norte-Sul,
E concluindo que o montante da indemnização pela expropriação seda de 2.372.315contos - cfr. fls. 88-97 dos autos;

H) - No âmbito do processo referido na alínea E), em 21 de Julho de 1998, a Autora levantou a quantia de 92.475.360$00 - cfr. fls. 60 dos autos;

I) - Em 11 de Janeiro de 2002 o ora Autor apresentou requerimento no processo de expropriação referido na alínea E), tendo requerido a extinção da instância, por impossibilidade da mesma - cfr. fls. 109-114 dos autos;

J) - Em resposta ao requerimento referido na alínea antecedente o ora Réu apresentou requerimento, em 20 de Fevereiro de 2002, no qual pugnou pelo prosseguimento dos autos para apuramento do montante da indemnização - cfr. fls. 115-117 dos autos;

K) - Por requerimento notificado ao Réu em 4 de Maio de 2004 a Autora apresenta pedido de extinção da lide por inutilidade, do processo referido na alínea E), bem como, formula pedido de reconhecimento do direito de retenção da expropriada sobre a quantia libertada nos termos do artigo 51.° do CE - cfr. fls. 118-122 dos autos;

L) - Em resposta ao requerimento referido na alínea antecedente a Câmara Municipal de Lisboa em 10 de Maio de 2004 entrega requerimento no qual reafirma o alegado no articulado que deu entrada no Tribunal em 20 de Fevereiro de 2002 - cfr. fls. 123-129 dos autos;

M) - Em 14 de Abril de 2005 a Autora recebeu precatório-cheque no valor de €628.109,46 - cfr. fls. 158 dos autos;

N) - A presente acção administrativa comum de indemnização pelos prejuízos decorrentes da declaração de utilidade pública e urgência da expropriação de 21200 m2 da denominada Quinta da ............. foi instaurada em 21 de Setembro de 2004 - cfr. fls. 2-3 dos autos.

Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no acordo das partes e no teor dos documentos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes (FA).

Na sentença vêm descritos como provados os seguintes factos que infra se reproduzem:

A) - A Autora é uma associação, que tem como objecto da sua actividade assistir e apoiar a população onde está inserida, em especial a velhice e a infância, estando oficialmente reconhecida e registada como Instituição Particular de Solidariedade Social (alínea A) dos Factos Assentes);

B) - Neste âmbito tem a funcionar um Lar de Idosos, desde 1900 e a valência de Centro de Dia desde 1985 (alínea B) dos Factos Assentes);

C) - As actividades sociais referidas na alínea antecedente realizam-se num edifício situado a meio de uma quinta - a Quinta da ............., em Lisboa (alínea C) dos Factos Assentes);

D) -O prédio denominado Quinta da ............. está descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.°…..e inscrito a favor de Asilo ............. ............., por partilha da herança deixada por óbito de João …………. ............. (alínea D) dos Factos Assentes);

E) - Pela Apresentação n°59/010890 o sujeito activo inscrito relativamente ao prédio referido na alínea antecedente passou a denominar-se "Centro Popular do Bairro da Liberdade" (alínea E) dos Factos Assentes);

F) - Em 1992, 21200 m2, do prédio referido na alínea D) foram alvo de expropriação, promovida pela Câmara Municipal de Lisboa para construção do Eixo Norte-Sul e ligações adjacentes (alínea F) dos Factos Assentes);

G)- A Declaração de Utilidade Pública respectiva foi publicada no D.R. n°187, II Série, de 14.08.92 (alínea G) dos Factos Assentes);

H) - Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 20 de Outubro de 1999 e transitado em julgado em 4 de Novembro de 1999 foi anulado o despacho proferido pelo Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, datado de l de Agosto de 1994, que indeferiu ao ora Autor o pedido de declaração de caducidade da declaração de utilidade pública constante do despacho proferido pelo mesmo Secretário de Estado de 17 de Julho de 1992 e publicado na II Série do Diário da República de 14 de Agosto de 1992 (alínea H) dos Factos Assentes);

I) - Correu termos na 11ª Vara Cível de Lisboa, 1ª secção, processo n°11044, processo de expropriação litigiosa, no qual, em 14 de Julho de 2004, foi proferido o seguinte despacho: "Face ao aresto do S.T.A. o fundamento dos presentes autos deixou de existir gerando a impossibilidade do prosseguimento dos presentes autos. Nesta medida ordeno o arquivamento dos autos (...)"(alínea I) dos Factos Assentes);

J) - O acórdão que reconheceu a caducidade da D.U.P foi proferido num momento em que já era impossível a restituição do bem ao expropriado, em virtude de estar já concluída a obra pública - o Eixo Norte-Sul, e onde passam milhares de viaturas por dia, estando o restante terreno expropriado para acessibilidades, já totalmente modificado, não se tornando possível ao expropriado obter a restituição do bem (alínea J) dos Factos Assentes);

K) - Com data de 10 de Março de 1999, o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo remeteu à "Direcção do Centro Popular d´Espie ............." o instrumento de fls. 58 dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
"(...) Deverá assim essa Instituição proceder à reformulação do projecto diminuindo o seu custo, ou apresentar neste Centro Regional um cronograma financeiro em que esteja explícita a origem e a quantificação dos fundos financeiros para além dos já assegurados pela Segurança Social. (...)" (alínea K) dos Factos Assentes);

L) - Com data de 29 de Março de 2001 o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo remeteu ao "Presidente da Direcção do Centro Popular d'Espie ............." o instrumento de fls. 59 dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
"(...) Com efeito, analisado o cronograma financeiro enviado, a Instituição tem de dar garantias da proveniência da verba de 94.692.026 Esc. (...)
Poder-se-á concluir, que os custos apresentados poderão vir a criar problemas de ordem financeira a essa Instituição, quando confrontados com a realidade que virá a constituir o empreendimento. (...)" (alínea A) dos Factos Assentes);
M) - A área que foi alvo do acto expropriativo tem acesso rodoviário e pavimento em calçada junto da parcela (resposta ao facto l.°);

N) - Tem rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela (resposta ao facto 2.°);

O) - Tem rede de saneamento, com colector junto da parcela (resposta ao facto 3.°);

P) - Tem rede de distribuição de energia em baixa tensão (resposta ao facto 4.°);

Q) - Tem rede de colectores ligada à estação depuradora (resposta ao facto 5.°);

R) - Tem rede telefónica (resposta ao facto 6.°);

S) - A parcela de terreno de 21.200 metros quadrados, referida na alínea F) dos FA), tem os seguintes valores de acordo com as Normas sucessivamente em vigor:

- Em 1992, 81.200 € (oitenta e um mil e duzentos euros) e em 21 de Fevereiro de 2011, 544.300 € (quinhentos e quarenta e quatro mil e trezentos euros), tendo em consideração a vigência do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa, publicado no DR n°116, de 19 de Maio, pela Portaria n°274/77, de 19 de Maio;
- Em 9 de Maio de 1997, 2.046.567,77 € (dois milhões e quarenta e seis mil quinhentos e sessenta e sete euros e setenta e sete cêntimos), tendo em consideração o disposto no Código das Expropriações, aprovado pelo DL n°438/91, de 9 de Novembro e a vigência das Normas Provisórias do PDM de Lisboa, ratificadas por despacho de 20/04/1992, do SE da Administração Local e do Ordenamento do Território, publicadas no DR n°148, de 30 de Junho de 1992;
- Em 1992, € 2.408.839 (dois milhões quatrocentos e oito mil oitocentos e trinta e nove euros), pressupondo a vigência das Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n.° 94/94, de 29 de Setembro, publicado no DR n.° 226, de 29 de Setembro de 1994;
- Em Janeiro de 2010, € 21.349.013 (vinte e um milhões trezentos e quarenta e nove mil e treze euros), tendo em consideração o disposto nas Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n°94/94, de 29 de Setembro e por aplicação do Método Comparativo de Mercado (Cash Flows Descontados);
- Em Janeiro de 2010, € 5.094.922 (cinco milhões e noventa e quatro mil novecentos e vinte e dois euros), tendo em consideração o disposto no Código das Expropriações aprovado pela Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro e a vigência das Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n.° 94/94, de 29 de Setembro (resposta ao facto 7.°);

T) - Até à Declaração de Utilidade Pública referida em G), para expropriação para a construção do Eixo Norte-Sul existiam no prédio identificado em D), construções que serviam de abegoaria e currais onde existiam galinhas, coelhos, ovelhas e uma vaca, algumas árvores de fruto, oliveiras e uma zona de horta, cujos "frutos" eram utilizados nas refeições do Lar de Idosos e Centro de Dia (resposta ao facto 9.°);

U) - A construção de uma grande via a oeste, com um barulho e poluição ambiental assinaláveis com grande proximidade ao edifício onde vivem os idosos (resposta ao facto 10.°);

V) - A Ré construiu o eixo Norte-Sul (resposta ao facto 12.°);

W) - A Ré ocupou a restante área expropriada com remoções de terras e não construiu os acessos à propriedade (resposta ao facto 13.°);

X) - Sendo a área envolvente ao lar de idosos, uma paisagem desoladora (resposta ao facto 14.°); Y) - Aquando da construção do Eixo Norte-Sul foram derrubados dois muros, um do lado do Aqueduto das Águas Livres e outro do lado das Escadinhas da Liberdade e que esta situação se mantém à data do julgamento (resposta aos factos 15.° e 16.°);

Z) - Por despacho do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, de 5 de Junho de 2000, foi aprovado o Programa Preliminar do empreendimento referente ao Centro Popular D'Espie ............. cujo valor orçamentado apresentado ascendia a 407.000 contos, estando prevista uma comparticipação por parte da Segurança Social de €872.000,00 (174.400 contos) para concretizar as obras de remodelação e ampliação do edifício existente (resposta ao facto 20.°);

AA) - Era condição para a sua concessão a Autora dar garantia de ter capacidade económica para pagar o restante em falta (resposta ao facto 21.°);

BB) - O local passou a ser utilizado como passagem das pessoas residentes no Bairro para a estação de caminho-de-ferro e vice-versa e utilizado por pessoas para local de diversão com cães, provocando insegurança e receio aos idosos residentes e aos trabalhadores (resposta ao facto 25.°); CC) - Sendo um local de refúgio para toxicodependentes se drogarem (resposta ao facto 26.°);

DD) - O Réu não construiu muros a delimitar os 5900 m2 sobrantes.

Por terem relevância para a decisão, decido aditar os seguintes factos assentes:

EE) - Em 21.07.98, a Autora levantou a quantia de Esc. 92.475.360$00 (€461.265,15), no âmbito do processo referido em I);

FF) - Em 14.04.2005, a Autora levantou a quantia de (€ 628.109,46), no âmbito do processo referido em I).



II.2. Razão de ordem

Antes de entrar propriamente na análise do objecto do recurso jurisdicional, visando uma melhor compreensão e delimitação do mesmo, face ao anterior processado importa salientar o seguinte:

1- Por sentença de 28.03.2012 (fls. 797/822), considerando estarem preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito, a Mma. Juiz do TAC de Lisboa concluiu que a Ré, Câmara Municipal de Lisboa, se constituiu na obrigação de indemnizar a Autora, Centro Popular D’ ............. ............., pela expropriação da parcela de terreno de 21.200m2, e condenou a edilidade a pagar à autora a quantia de 2.683.128,02€.

2 – Dessa sentença a Autora e o Réu interpuseram recurso jurisdicional para este TCAS que, por acórdão de 19.05.2016 (fls. 985/1031), absolveu o Réu do pedido, por julgar procedente a excepção peremptória da prescrição.

3 – Do acórdão a que se alude em 2) interpôs a Autora recurso de revista para o STA, admitida pelo Acórdão da formação de apreciação preliminar de 27.10.2016 (fls. 1061/1063).

4– A revista foi apreciada em acórdão do STA de 19.01.2017, processo nº 1084/16 (fls. 1071/1076), tendo aí sido decidido: “(…) julgar improcedente a excepção de prescrição, em revogar o acórdão recorrido e em ordenar a baixa dos autos ao TCA Sul, para aí ordenadamente se retome o conhecimento das questões apreciadas (…).”

Face ao anteriormente decidido, importa reter ainda o seguinte:

a) O Réu Município de Lisboa, na respectiva alegação do recurso jurisdicional que interpôs da sentença do TCA de Lisboa, suscitou a questão da incompetência material do tribunal de 1.ª instância para apreciar o pedido da Autora, colocou a questão da prescrição e da caducidade, invocou que a sentença de 1.ª instância enferma do vício de nulidade, quer por não especificar os fundamentos de direito que justificam a decisão - alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC [qualquer menção ao CPC, sem indicação em contrário, é feita ao Código do Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06], quer por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão final - al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, e defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na fixação do quantum indemnizatório.

b) A Autora no recurso subordinado que interpôs alega que a sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão - nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC - e incorre em erro de julgamento quando decide o valor da indemnização sem atender ao valor real do dano que foi apurado na peritagem determinada pelo Tribunal antes do encerramento da discussão.

Posto isto, face ao alegado pela Autora e pelo Réu e tendo em consideração o decidido no acórdão do STA de 19.01.2017, compete agora apreciar as conclusões da ora recorrente no que respeita às invocadas nulidades da sentença, bem como saber se o quantum indemnizatório atribuído na sentença do TAC de Lisboa, obedece ao princípio da reparação integral do artigo 562º do Código Civil.

Com efeito, este TCAS havia já emitido pronúncia sobre as demais questões, designadamente sobre se o Tribunal a quo era incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido, se a acção administrativa comum era o meio processual idóneo para fazer valer a pretensão da Autora e sobre se a Mma. Juiz a quo tinha incorrido em erro de julgamento ao julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção. Sendo que o recurso de revista interposto e admitido pelo STA tinha como objecto a questão da prescrição (cfr. o citado ac. de 27.10.2016, proc. nº 1084/16).

No referido acórdão deste TCAS escreveu-se:

“Pode afirmar-se que é entendimento pacífico quer da doutrina, quer da jurisprudência que a competência material de um tribunal é aferida pela questão ou questões que o autor coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 91, 1976).

A determinação da competência material do tribunal tem de resolver-se em função dos termos em que a acção proposta, aferindo-se portanto pelo quid disputatum, isto é pelo pedido do autor e a respectiva causa de pedir, sendo irrelevante as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo autor (vide, por todos, o Ac do Tribunal de Conflitos de 09.12.2014, Proc, 036/14).

Aferindo-se a competência material pelo pedido do Autor e pelos fundamentos que invoca – a causa de pedir –, como defende Manuel de Andrade, a questão da competência material e logo da jurisdição competente, apenas terá que ser analisada à luz da pretensão do Autor.

Como ensina Alberto dos Reis, a causa de pedir é “o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar” (cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, 2.° vol., p. 375).

Aos tribunais administrativos cabe dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (art.º 1º, n.º1, do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19.02, e artº 212º, n.º 3, da CRP). Apenas são susceptíveis de impugnação contenciosa ou acção administrativa os actos ou omissões no âmbito da actividade administrativa que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados – artigos 36º, n.º1, e 47º, n.º1, do CPTA, artigo 1º, n.º1, do ETAF, e artigo 268º, n.º4, da CRP. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. 1, págs. 26 e 27, observam: «É preciso, porém, não confundir os factores de administratividade de uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da jurisdição administrativa, pois, como já se disse, há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se trata de relações ou litígios dirimíeis por normas de direito privado.
E também fez o inverso: também atirou relações onde existiam factores indiscutíveis de administratividade para o seio de outras jurisdições».

É sabido que o actual ETAF eliminou o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido, o critério material de destrinça assenta, agora, em conceitos como relação jurídica administrativa e função administrativa - conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público - cfr. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 9ª edição, p.103.

Esse foi também o entendimento sufragado no Acórdão do STJ de 12.02.2007 (disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se pode ler:

«I - O âmbito da jurisdição administrativa abrange todas as questões de responsabilidade civil envolventes de pessoas colectivas de direito público, independentemente de as mesmas serem regidas pelo direito público ou pelo direito privado;

II) - Os conceitos de actividade de gestão pública e de gestão privada dos entes públicos já não relevam para determinação da competência jurisdicional para a apreciação de questões relativas à responsabilidade civil extracontratual desses entes por tribunais da ordem judicial ou da ordem administrativa».

Por “relação jurídica de direito administrativo” entende-se ser “aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres aos particulares perante a administração” (Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, vol. 30 p. 439).

Para Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, p. 815, as relações jurídicas administrativas caracterizam-se por um duplo requisito: «As acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos um dos sujeitos, é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público; as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo.
Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza privada ou jurídico-civil».

De volta ao caso concreto, retira-se da petição inicial que, em 1992, foi promovida pela Câmara Municipal de Lisboa a expropriação de 21.200m2 do prédio da Autora, denominado “Quinta da .............”, tendo em vista a construção da via rodoviária apelidada de “Eixo Norte-Sul” e ligações adjacentes, e, que a respectiva Declaração de Utilidade Pública [DUP] foi publicitada no Diário da República, nº187, II Série, de 14.08.1992.

Colhe-se ainda do articulado inicial que a Autora impugnou contenciosamente o acto declarativo de utilidade pública e que o STA, em aresto prolatado em 20.10.1999 (transitado a 04.11.1999), anulou o despacho do Secretário de Estado da Administração, datado de 1 de Agosto de 1994, que lhe indeferira o pedido de declaração de caducidade da Declaração de Utilidade Pública constante do despacho da mesma entidade de 17.07.1992, publicado no DR, II Série, de 14.08.1992.

Como claramente se depreende do requerimento inicial- concretamente dos artigos 17º, 24, 30º, 33º, 34º- o que a Autora/ Recorrida pretende, com a acção instaurada, é obter a condenação da Recorrente no pagamento de uma “justa indemnização” por perdas e danos resultantes da caducidade da Declaração de Utilidade Pública (como afirma no artigo 33º da p.i). Dito por outras palavras, a Autora assenta a sua pretensão indemnizatória na declaração de caducidade do facto jurídico constitutivo da relação jurídica expropriativa, decretada no acórdão do STA de 20.10.1999, transitado em julgado no dia 04.11.1999.

Ora, tanto a pretensão jurídica formulada como o fundamento jurídico especificamente invocado na acção instaurada correspondem ao tipo de acção que, à data, estava prevista no artigo 2º do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, ou seja, à acção de responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito resultante da apropriação de 21.200m2 do prédio da Autora, denominado «Quinta da .............», já que o ente público, no caso o Município de Lisboa, após a prolação do Acórdão do STA, [supra citado], deixou de ter o título que o legitimava a apossar-se de uma parcela (maioritária) de terreno, cuja propriedade era pertença da Autora.

Dispõe o artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal [al. a)]; questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa [al. g)]; responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos [al. h)]; responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público [al. i)].

Assim, pelos termos declarados, tal como se disse supra, a acção proposta destina-se a efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Município de Lisboa, decorrente da apropriação do terreno que era propriedade da Autora, e a indemnização que se pede está directamente conexionada com a declaração de caducidade do acto expropriativo, razão pela qual a jurisdição administrativa é a competente para apreciar a presente acção administrativa comum, improcedendo, por conseguinte, a excepção de incompetência absoluta dos tribunais administrativos, suscitada pela Ré.

Pelo exposto, sendo os tribunais administrativos materialmente competentes para conhecer do pedido formulado, tem que improceder nesta parte o recurso”.

Posto isto, é tempo de conhecer do recurso interposto, como determinado pelo STA.

De entre o alegado nas referidas conclusões importa começar por apreciar as arguidas nulidades já que, se a sentença for nula, os seus efeitos serão totalmente erradicados da ordem jurídica, caso em que se tornará desnecessário ou mesmo inútil aferir se a decisão nela contida se apresentava como juridicamente correcta. E se vier a ser declarada a nulidade da sentença recorrida, há que apelar à regra prevista no nº3 do artigo 665º do CPC (regra da substituição ao tribunal recorrido), uma vez que a anulação da decisão não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo para o Tribunal a quo, devendo o TCA proceder à apreciação do objecto do recurso se dispuser dos elementos necessários para tal.

As nulidades da decisão, previstas no artigo 615.º do CPC, são – à semelhança do que sucedia com as previstas no artigo 668 do C.P.C. de 1961 – deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável.

E estão circunscritas aos casos previstos no nº1 do artigo 615 do C.P.C., pelo que não se verificando nenhuma das situações aí contempladas não haverá nulidade da decisão, haverá, outrossim, erro de julgamento (eventualmente), e não deficiência formal da decisão, se o tribunal decidiu num certo sentido, embora mal à luz do direito.

A sentença será, por isso, nula apenas quando:

«[…]

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; […]»

Nos termos da alínea b) do nº 1, do artigo 615.ºº do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Como refere Teixeira de Sousa, “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.

E acrescenta o mesmo autor: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível” (in Estudos sobre o Processo Civil, p. 221).

Ou como refere Lebre de Freitas, “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” (In CPC anotado, p. 297).

No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” [in Notas ao Código de Processo Civil, III, p. 194].

Mas como já advertia o Professor Alberto dos Reis “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. // Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.° do art. 668.°” (in Código de Processo Civil Anotado, V, p. 140).

Deste modo, face à doutrina exposta, se conclui que a nulidade da sentença não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.

Ora, in casu, constata-se – no que é aliás manifesto - que todas as questões que se colocaram à consideração do tribunal foram ponderadas, aduzindo-se mesmo uma profícua e exaustiva fundamentação em face da dificuldade da lide, de modo que a decisão recorrida não pode ser havida por não motivada.

Não incorre, pois, a decisão decorrida no vício de falta de fundamentação.

Invoca ainda a Autora /Recorrente que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, em virtude dos seus fundamentos estarem em oposição com a decisão.

A nulidade da sentença, por “contradição entre os fundamentos e a decisão”, só ocorrerá quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando “os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto” (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141). Dito por outras palavras, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído.

Nas palavras de Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 56).

Ora, escalpelizando a decisão em apreço, pode desde já adiantar-se que não se vislumbra que exista na sentença em crise contradição ou ilogicidade alguma. A sentença recorrida depois de analisar, indagar, juridicamente balizar o thema decidendum e depois de fixar a factualidade tida por relevante, extraiu uma conclusão jurídica contida nesses parâmetros.

Toda a fundamentação acolhida apontava logicamente no sentido da procedência do pedido de condenação do R. ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos e danos que a Autora sofreu como a apropriação de uma parcela, com a área de 21.200m2, do prédio de denominado «Quinta da .............» e com base na caducidade da Declaração de Utilidade Pública - acto expropriativo – decretada pelo Acórdão do STA de 20.10.1999.

A Recorrente pode discordar da fundamentação da decisão, mas o que não pode é reconduzi-la a uma nulidade. A evidência de que não existe nulidade alguma na decisão recorrida é-nos dada, aliás, pela própria ao qualificar a questão como erro de julgamento (vide conclusão n.º 31), onde aprontou «[a] douta decisão recorrida, ao seleccionar aquele valor [leia-se, valor da indemnização] como sendo a valor a pagar à Recorrida, errou flagrantemente e, em consequência violou a alínea c) do n°1 do artigo 668° do CPC, incorrendo a sentença em nulidade.»

Esta invocação simultânea é sinal claro de que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe vem assacada.

Importará, agora, averiguar se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, na determinação do quantum indemnizatório.

Neste ponto, a sentença recorrida fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:

«(…) Precisada a obrigação de indemnizar por parte do Réu "Município de Lisboa", importa agora determinar o quantum desta obrigação de indemnizar.

Reiteramos que estamos no âmbito de uma acção destinada a efectivar responsabilidade civil por facto ilícito, referindo, agora, que concordamos com o entendimento que dimana do acórdão do STJ proferido no processo n.°07B3035 de 11-10-2007, citado e junto pela Autora, consultável em www.dgsi.pt. [De que se cita o respectivo sumário: "1. Apropriando-se a entidade expropriante de mais área do que aquela que vem definida no acto expropriativo, deve indemnizar o respectivo proprietário pelos danos que lhe tenha causado. 2. As regras aplicáveis à indemnização são as regras gerais da obrigação de indemnizar e não o Código de Expropriação não só por não haver lacuna da lei como também porque, sendo lei especial, não comporta aplicação analógica.", que excluiu a aplicação para fixação de indemnização das regras decorrentes do Código das Expropriações, fundamentos que aqui damos por reproduzidos, concluindo que as regras para fixar a indemnização correspondente a esses danos estão definidas nos artigos 562.° e ss do CC e não no Código de Expropriações, em virtude de não se estar em face de um acto expropriativo mas, antes, na presença de uma ocupação "via de facto".
No caso dos autos, a Autora reclamou danos patrimoniais no valor actual de 12.842.100€, referentes ao valor da parcela de 21.200 m2 (€ 7.500.000,00); pela desvalorização do terreno na zona não edificável (€1.000.000,00) pela demolição de construções e destruição de horta e árvores de fruto, (€ 25.000,00). Assim como, a condenação do Réu a erguer os muros de delimitação da propriedade sobrante.

Nesta sede, o princípio geral regulador da obrigação de indemnizar é o da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso (cfr., artigo 562.° do Código Civil).

Simplesmente, nem sempre a reconstituição in natura permite reparar adequadamente o dano - exactamente naqueles casos especificados no n°l do artigo 566° do Código Civil, não ser possível essa reparação, não ser meio bastante (insuficiente) ou não ser meio idóneo para realizar o fim da reparação.

Restando, por conseguinte, o recurso à indemnização em dinheiro.

O cálculo desta indemnização obedece ao disposto no n°2 do artigo 566° do Código Civil, segundo o qual "Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos".

Deste modo, a indemnização pecuniária deve medir-se por mera diferença - pela diferença entre a situação (situação real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, reportadas, quer uma quer outra, à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (normalmente, o momento do encerramento da discussão, na primeira instância - artigo 663.° n.° l do Código de Processo Civil).

É neste sentido que tem de se entender entre nós a chamada teoria da diferença (cfr., Antunes Varela; ob. cit.; vol. I; p. 877 ss.).

Assim, no caso em apreço, a obrigação de indemnizar em que o Réu "Município de Lisboa" se encontra constituído, abrange os danos causados à Autora, designadamente, "o prejuízo causado nos bens já existentes na titular idade do lesado à data da lesão" (dano emergente), como "os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão" (lucro cessante) - artigo 564.° n.° l, lª parte do Código Civil -(cfr. Antunes Varela; ob. cit.; p. 569).

Ficou, assim, a Autora privada da parcela de terreno, na qual se incluíam as construções que serviam de abegoaria e currais onde existiam galinhas, coelhos, ovelhas e uma vaca, algumas árvores de fruto, oliveiras e uma zona de horta, cujos "frutos" eram utilizados nas refeições do Lar de Idosos e Centro de Dia.

Está provado que aquando da construção do Eixo Norte-Sul foram derrubados dois muros, um do lado do Aqueduto das Águas Livres e outro do lado das Escadinhas da Liberdade e que esta situação se mantém à data do julgamento e que o Réu não construiu muros a delimitar os 5.900 m2 sobrantes.

Nos termos do artigo 564° do CC, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

Nos autos ficou demonstrado que:

- 21.200 m2, do prédio denominado Quinta da ............. foram alvo de expropriação, promovida pela Câmara Municipal de Lisboa para construção do Eixo Norte-Sul e ligações adjacentes, tendo a Declaração de Utilidade Pública respectiva sido publicada no D.R. n°187, II Série, de 14.08.92;

- Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 20 de Outubro de 1999 e transitado em julgado em 4 de Novembro de 1999 foi anulado o despacho proferido pelo Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, datado de l de Agosto de 1994, que indeferiu ao ora Autor o pedido de declaração de caducidade da declaração de utilidade pública constante do despacho proferido pelo mesmo Secretário de Estado de 17 de Julho de 1992 e publicado na II Série do Diário da República de 14 de Agosto de 1992;

- O acórdão que reconheceu a caducidade da D.U.P foi proferido num momento em que já era impossível a restituição do bem ao expropriado, em virtude de estar já concluída a obra pública - o Eixo Norte-Sul, e onde passam milhares de viaturas por dia, estando o restante terreno expropriado para acessibilidades, já totalmente modificado, não se tornando possível ao expropriado obter a restituição do bem.

Como se disse a circunstância de a DUP ter caducado significa que o órgão camarário praticou um acto ilícito e culposo, susceptível de fazer incorrer o respectivo município em responsabilidade civil.

Na verdade, até à declaração judicial da caducidade da DUP a Autora está privada da parcela de terreno em causa por força de acto expropriativo e tem em curso um processo judicial tendente ao arbitramento da justa indemnização, que de resto só veio a ser ordenado o arquivamento desses autos, por despacho de 14 de Julho de 2004, na sequência da declaração judicial de caducidade da DUP pelo enunciado acórdão do STA, transitado em julgado em 4 de Novembro de 1999.

É, pois, a esta data da declaração da caducidade da DUP que deve atender-se para efeitos de consideração do acto ilícito determinativo de prejuízos na esfera jurídica da Autora, pois, até esta data, a actuação do Réu estava conformada pelo Código das Expropriações, tendo a Autora no âmbito do processo de expropriação litigiosa recebido em 21.07.98, a quantia de Esc. 92.475.360$00 (€ 461.265,15) e em 14.04.2005, a quantia de (€ 628.109,46). [idem]

Sendo que na sequência do mencionado acórdão do STA foram arquivados os autos cíveis destinados à fixação da justa indemnização, no âmbito do processo de expropriação.

Impõe-se, agora, determinar o valor da parcela de terreno de 21200 m2, para efeitos de indemnização da Autora por facto ilícito praticado pelo Réu.

A "expropriação" ocorreu em 1992, e à data da DUP, isto é, 14 de Agosto de 1992, estavam em vigor as Normas Provisórias do PDM de Lisboa, ratificadas por despacho de 20/04/1992, do SE da Administração Local e do Ordenamento do Território, publicadas no DR n°148, de 30 de Junho de 1992.

Contudo, o momento relevante para se apurarem os critérios a considerar para efeitos de apurar o valor de indemnização a pagar à Autora deve ser fixado na data do trânsito em julgado do acórdão do STA, de 20/10/1999, isto é, 4 de Novembro de 1999. [idem]

Estavam, nesta data, em vigor as Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n°94/94, de 29 de Setembro, que entrou em vigor em 29 de Setembro de 1994 e revogou as referidas Normas Provisórias do PDM de Lisboa.

Assim, à data relevante para fixar a indemnização 4/11/1999 estava em vigor o PDM de Lisboa, e como resulta da matéria de facto assente, em 1992, data em que a Autora ficou privada da parcela de terreno, o valor da parcela de terreno de 21.200m 2 que foi objecto de apropriação tinha o valor de € 2.408.839 (dois milhões quatrocentos e oito mil oitocentos e trinta e nove euros), pressupondo a vigência das Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n°94/94, de 29 de Setembro, publicado no DR n.° 226, de 29 de Setembro de 1994 (alínea S) dos FA).

Isto é, a indemnização a pagar à Autora deve ter em conta os critérios estabelecidos no PDM de Lisboa, ainda que a apropriação tenha ocorrido em momento anterior à sua entrada em vigor, pois, só na vigência do PDM é que foi declarada ilícita a actuação do Réu, ao abrigo do Código das Expropriações, atenta a declaração de caducidade da DUP. [idem]

Assim, a avaliação da parcela de terreno de 21.200 m2 feita pelo Senhor Perito teve em consideração os critérios estabelecidos no PDM de Lisboa, pressupondo a vigência das Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n°94/94, de 29 de Setembro, em 1992, utilizando a área permitida de construção de 46.640 m2, recorrendo designadamente, ao método comparativo de mercado, aplicando o custo unitário de construção de € 498,80, obtido no relatório de peritagem, datado de 9 de Maio de 1997, obtendo como valor da parcela de terreno em 1992 a quantia de € 2.408.839 (dois milhões quatrocentos e oito mil oitocentos e trinta e nove euros).

Este valor deve ser actualizado à data mais recente, ou seja, a 31 de Dezembro de 2011, considerando a taxa de inflação que no período de 1992 a 2011, totalizou 67,56% [Valor obtido pela soma do total geral anual da inflação no período de 1992 a 2011, "Fonte de dados: INE - índice de Preços no Consumidor (IPC); Fonte: PORDATA."].

Assim, a parcela de terreno de 21.200 m2, tinha o valor de 2.408.839, em 1992, que deve ser actualizado à taxa de inflação total de 67,56%, perfazendo o valor de 1.627.411,63, o que totaliza a quantia actualizada até 31 de Dezembro de 2011, de € 4.036.250,63 (quatro milhões trinta e seis mil duzentos e cinquenta euros e sessenta e três cêntimos). [sublinhados nossos]

Está provado que em 21.07.98, a Autora levantou a quantia de Esc. 92.475.360SOO (€ 461.265,15) e em 14.04.2005, a Autora levantou a quantia de € 628.109,46, no âmbito do processo de expropriação identificado em I) dos FA.

A este valor de € 4.036.250,63 têm de ser deduzidos os montantes recebidos pela Autora: i) em 21.07.98, € 461.265,15, que actualizado a Dezembro de 2011, utilizando o critério referido, perfaz o montante de € 178.325,11, totalizando a quantia actualizada de € 639.590,26; e, ii) em 14.04.2005, a quantia de € 628.109,46, que actualizada a Dezembro de 2011 perfaz o montante de € 85.422,89, totalizando a quantia actualizada de € 713.532,35.

Assim, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora a quantia actualizada de € 4.036.250,63 - € 639.590,26 - € 713.532,35 = 2.683.128,02 (dois milhões seiscentos e oitenta e três mil cento e vinte e oito euros e dois cêntimos).

Estando em apreciação o quantum indemnizatório decorrente de danos causados pela apropriação da referida parcela, na qual se incluíam as construções, animais, horta e árvores referidas, o valor destas está englobado no indicado valor da parcela, como se disse.

No que concerne ao montante peticionado pela Autora pela desvalorização da parcela na zona não edificável, nada se provou a este respeito, pelo que, tem de improceder a acção, quanto a este pedido. [idem]

Quanto ao pedido de condenação do Réu a erguer os muros de delimitação da propriedade sobrante, considerando que resultou provado que aquando da construção do Eixo Norte-Sul foram derrubados dois muros, um do lado do Aqueduto das Águas Livres e outro do lado das Escadinhas da Liberdade e que esta situação se mantém à data do julgamento e que o Réu não construiu muros a delimitar os 5900 m2 sobrantes, deve o mesmo ser condenado a erguer os muros que derrubou do lado do Aqueduto das Águas Livres e do lado das Escadinhas da Liberdade, na parte que abranger os 5900 m2 sobrantes, em área a ser liquidada, não sendo de condenar o Réu a delimitar a totalidade dos 5900 m2 sobrantes, uma vez que apenas se provou a demolição dos muros do lado do Aqueduto das Águas Livres e do lado das Escadinhas da Liberdade.

Assim, deve ser fixado o quantum indemnizatório a atribuir à Autora, pela perda da parcela de terreno de 21.200 m2, construções, animais, horta e árvores referidas, na quantia actualizada a 31 de Dezembro de 2011 de 4.036.250,63 (quatro milhões trinta e seis mil duzentos e cinquenta euros e sessenta e três cêntimos), que após subtracção dos valores já recebidos pela Autora actualizados a 31 de Dezembro de 2011 se cifra na quantia de € 2.683.128,02 (dois milhões seiscentos e oitenta e três mil cento e vinte e oito euros e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais.

Nesta conformidade, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora o montante actualizado a 31 de Dezembro de 2011 de € 2.683.128,02 (dois milhões seiscentos e oitenta e três mil cento e vinte e oito euros e dois cêntimos), bem como, a erguer os muros nos termos enunciados.


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No caso dos autos, a Autora reclamou, também, prejuízos decorrentes do barulho e da poluição ambiental, em montante não inferior a € 25.000,00 e danos não patrimoniais no valor de € 50.000.

Os danos não patrimoniais compreendem os prejuízos (tais como as dores físicas, a perda de prestígio e reputação, os vexames, os desgostos morais, etc.) que sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, por derivarem de lesão de bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a honra ou o bem nome) que não integram o património do lesado. Pelo que, tais danos apenas podem ser compensados com a imposição ao agente de uma obrigação indemnizatória. Constituindo esta mais uma satisfação que uma indemnização (cfr. Antunes Varela, Manual de Direito das Obrigações, pág. 571).

No caso em apreço, a obrigação de indemnizar em que o Réu "Município de Lisboa" se encontra constituído, não abrange os danos relativos ao barulho e poluição (alínea U) dos FA)), pois, a Autora enquanto pessoa colectiva é insusceptível de sofrer estes prejuízos que invocou, sendo que, também não resulta provado que tais prejuízos tiveram reflexos negativos na sua actividade de assistência e apoio à população em que está inserida ou que tenham causado danos na imagem da Autora, pelo que, nesta parte tem de improceder a acção.

No que concerne aos invocados danos não patrimoniais, resultantes da não construção das acessibilidades não têm nexo de causalidade com a apropriação da parcela de terreno, como se disse.

Como se referiu, o dano não patrimonial é aquele que tem por objecto um interesse não patrimonial, isto é, um interesse não avaliável em dinheiro, tendo necessariamente por suporte a pessoa humana no seu lado subjectivo; situa-se no pólo oposto à felicidade do homem.

Assim, ainda que se encontre provada a construção de uma grande via a oeste, com um barulho e poluição ambiental assinaláveis com grande proximidade ao edifício onde vivem os idosos. E que o Réu construiu o eixo Norte-Sul e ocupou a restante área expropriada com remoções de terras e não construiu os acessos à propriedade, sendo a área envolvente ao lar de idosos, uma paisagem desoladora. Bem como, resultou provado que o local passou a ser utilizado como passagem das pessoas residentes no Bairro para a estação de caminho-de-ferro e vice-versa e utilizado por pessoas para local de diversão com cães, provocando insegurança e receio aos idosos residentes e aos trabalhadores, sendo um local de refúgio para toxicodependentes se drogarem.

Não resultou, contudo, provado que a Autora se viu cerceada na sua actividade, que viu degradar-se a qualidade de vida dos seus utentes e que ficou sem possibilidades de executar o seu projecto social. [idem]

Ou seja, por um lado, não está demonstrado que tais factos tenham nexo de causalidade com a apropriação da parcela de terrenoreferida e que tenham ocorrido em resultado da não realização das acessibilidades nos terrenos expropriados, e por outro lado, que tenham provocado danos na imagem da Autora.

Pelo que, nesta parte também improcede a acção.

Em face do que, se conclui que a presente acção tem de proceder parcialmente e o Réu "Município de Lisboa" ser condenado a pagar à Autora a mencionada quantia de 2.683.128,02 (dois milhões seiscentos e oitenta e três mil cento e vinte e oito euros e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, assim como, a erguer os muros, nos termos enunciados e absolvido o Réu quanto aos restantes pedidos.[…]»

E o assim decidido é de manter, pode já adiantar-se, pois que não existe o apontado erro de julgamento, tendo na sentença recorrida enunciado devidamente quer a materialidade relevante para a decisão, quer o quadro jurídico de referência, chegando a conclusões assertivas e juridicamente correctas.

A utilidade pública legitimadora de uma expropriação concreta é, na expropriação administrativa, objecto de um acto formal – o acto de declaração de utilidade pública – emanado da autoridade administrativa a quem a lei atribui competência para expropriar. «O sentido e o alcance do acto de declaração de utilidade pública são o de indicar que o fim concreto que se pretende atingir cabe no conceito abstracto de utilidade pública utilizado pela lei e, ao mesmo tempo, determinar os bens que são necessários para a realização daquele fim. A declaração de utilidade pública tem, pois, um duplo significado: declaração de utilidade pública do fim concreto da expropriação e indicação dos bens objecto desta» (cfr. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1982, p. 105-106).

A partir da DUP, os direitos do proprietário ficam limitados e o processo expropriativo prossegue os seus termos para fixação do quantum indemnizatório.

Só que no caso em apreço, e tal como resulta da factualidade levada ao probatório, o acto expropriativo foi declarado caduco, por acórdão do STA, transitado em julgado em 04.11.1999. E , como nesse momento era impossível a restituir o bem “ apropriado” por estarem em fase de conclusão as obras de conclusão do Eixo Rodoviário Norte-Sul ou, simplesmente Eixo Norte-Sul, mostrava-se manifestamente inadequado condenar o Município de Lisboa a restituir à Autora livre e desocupada a parcela de 21.200m2 do prédio denominada “Quinta da .............”, por daí resultarem afrontados os interesses de ordem pública.

Aquela parcela do prédio da Autora que foi incorporada a obra pública passou, por via disso, a integrar o domínio público, ficando assim, a Autora impossibilidade de recuperar o seu bem – nestas situação, como é do dos autos, o julgador já não deverá colocar a Administração numa posição idêntica à de um qualquer particular, determinando a restituição ou demolição como meios de fazer cessar a “via de facto”, mas, atendendo ao interesse geral que a obra pública representa, abster-se de ordenar a restituição e limitar-se a conceder ao proprietário uma indemnização pela privação do gozo da coisa, enquanto ela se verificar.

Afastada a reparação natural haverá que reparar os prejuízos sofridos pela Autora com o desapossamento daquela parcela de terreno, apurando valor da indemnização que é calculado em obediência ao estatuído no artigo 566º, nº2 do CC.

Foi o que fez a sentença recorrida na fixação da indemnização devida à Autora pela perda daquela parcela de terreno. Teve por referência a data do trânsito em julgado do acórdão do STA, isto é, 4 de Novembro de 1999, quando se se encontrava em vigor as Normas do PDM de Lisboa, aprovado pelo DR n° 94/94, de 29 de Setembro. Não merecendo, pois, qualquer reparo a quantia indemnizatória atribuída à Autora pela perda daquela parcela, com a área de 21.200m2, do prédio de que é proprietária, denominado «Quinta da .............».

Improcedem, pois, in totum as conclusões da alegação do recuso interposto pelo Município de Lisboa

Continuando, temos que a Recorrida interpôs recurso subordinado alegando que a sentença é nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão - nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC - e incorre em erro de julgamento quando decide o valor da indemnização sem atender ao valor real do dano que foi apurado na peritagem determinada pelo Tribunal antes do encerramento da discussão.

Vejamos então:

Quanto à invocada nulidade oposição entre os fundamentos e a decisão e atento o já por nós dito sobre este vício da sentença, não se descortina em que medida a fundamentação acolhida pela sentença está em discrepância /dissonância com o sentido da decisão.

Tanto basta, de acordo com o que já anteriormente ficou estabelecido a este propósito, que aqui se reitera, para se julgar improcedente o apontado vício.

Já no que concerne ao apontado erro de julgamento cometido pela sentença de 1ª instância na fixação do quantum indemnizatório, e tendo presente o que acima foi dito quando da apreciação do recurso interposto pelo Município de Lisboa, acresce dizer que a Senhora Juiz a quo não aplicou ao caso dos autos o critério indemnizatório previsto no Código das Expropriações, outrossim aplicou em rigorosa obediência o determinado no artigo 566.º do C. Civil.

Do que vem de ser dito há-de concluir-se que os vícios que a ora Recorrente imputa à sentença recorrida, no seu recurso subordinado, não podem proceder.

Razões pelas quais, na improcedência das conclusões dos recursos, tem a sentença recorrida que ser confirmada.




III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento aos recursos, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes, no respectivo recurso.

Lisboa, 15 de Março de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Helena Canelas


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António Vasconcelos