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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2151/18.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO DA CONTESTAÇÃO
Sumário:I – Nos termos do artigo 110º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redação da Lei n° 15/2001, de 5 de junho, o prazo de que dispõe a Fazenda Pública para contestar e solicitar a produção de prova adicional é de 90 dias, contados da notificação judicial para o efeito, sem prejuízo do disposto na parte final do nº 5 do artigo 112º do mesmo Código.
II - Tendo havido revogação parcial do ato impugnado, o início do prazo de contestação conta-se da notificação ao representante da Fazenda Pública da decisão da administração tributária, sendo, nesse caso, o prazo para contestar de 30 dias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com o despacho do MMª Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que determinou o desentranhamento da contestação apresentada e a prossecução dos autos, dele veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, formula as seguintes conclusões:

A. O Ilustre Tribunal “a quo”, na decisão ora em crise, considerou que a FP havia sido notificada para deduzir contestação pelo ofício de 05-12-2018, considerando-se notificada ao terceiro dia, ou seja, em 08-12-2018, que sendo a um Sábado, transferiu-se para o dia 10-12-2012. Entre 22-12-2018 e 03-01-2019 decorreram as férias judiciais, pelo que, o processo esteve suspenso. A FP deduziu contestação, que deu entrada em 06-04-2019, portanto, após os 90 dias, acrescido de 3 dias do art.º 139.º do CPC, para deduzir a contestação. Sendo de concluir pela intempestividade da contestação que deverá ser desentranhada. Pelo exposto, desentranhe a contestação e devolva à apresentante, deixando cópia em seu lugar”.
B. Na sequência da dedução da presente Impugnação Judicial, e nos termos do disposto no art. 112.º do CPPT, a Administração Tributária, procedeu, por despacho da Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, praticado por Subdelegação de Competências, datado de 13/03/2019, à revogação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2017…, referente ao exercício de 2014, no valor de € 15.605,22, dos quais € 1.032,64 correspondem a juros compensatórios, e que originou o acerto de contas n.º 2017 2…, no valor de € 15.181,05 (vide fls. 26 a 31 do Processo Administrativo Tributário junto aos autos de primeira instância com o articulado de contestação que aqui se reproduz para os devidos efeitos legais).
C. Assim, e nos termos do disposto no n.º 3 do art. 112.º do CPPT, a Autoridade Tributária notificou o Impugnante, na pessoa do seu mandatário, por ofício n.º 6620, de 14/03/2019, remetido através de correio postal registado com aviso de receção sob o n.º RC 5…, datado de 14/03/2019 e com aviso de receção assinado em 15/03/2019, da revogação parcial do identificado acto de liquidação, em ordem a pronunciar-se, querendo, sobre tal decisão (cfr. doc. junto a fls. 26 a 34 do Processo Administrativo Tributário que aqui se reproduz para todos os efeitos legais).
D. Veio o Impugnante a pronunciar-se nos termos do n.º 3 do artigo 112.º do CPPPT, por requerimento dirigido à Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, remetido àquela Direção de Finanças através de correio postal registado sob o n.º RH 3113… PT, com data de 25/03/2019, aceitando a revogação parcial do ato e manifestando, ante a mesma, vontade de desistir da presente Impugnação Judicial nos termos do n.º 3 do artigo 112.º do CPPT (cfr. doc. junto a fls. 35 e 36 do processo administrativo tributário e aqui se reproduz para todos os efeitos legais).
E. A Representação da Fazenda Pública submeteu, nos autos de primeira instância, via SITAF, no dia 05/04/2019 (tendo sido atribuído à peça processual o n.º 419622 e o n.º de documento 006612923), requerimento através do qual suscitou a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi a alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
F. Ademais, e ao abrigo das disposições legais ínsitas nos n.ºs 3 e 5 do art. 112.º do CPPT, tendo sido o ora Impugnante notificado para se pronunciar relativamente à revogação parcial do ato de liquidação, em 15/03/2019, o prazo para a Representação da Fazenda Pública apresentar articulado de contestação terminaria 30 dias após essa data, ou seja, no dia 23/04/2019, considerando que entre os dias 14/04/2019 e 22/04/2019 decorreram férias judiciais, encontrando-se o prazo suspenso durante esse período de tempo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 138.º do Código de Processo Civil e art. 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, disposições aplicáveis ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
G. Pelo supra exposto, resulta demonstrado que, contrariamente ao entendimento vertido no douto despacho ora sindicado, o articulado supramencionado foi apresentado pela Representação da Fazenda Pública dentro do prazo legalmente determinado para o efeito, não sendo legalmente admissível o seu desentranhamento.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a
decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!

A Recorrida não apresentou alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo a de saber se o despacho que ordenou o desentranhamento da contestação se pode manter.


II.1- Dos Factos

Pertinente, releva dos autos o seguinte:

A) Em 2018.11.26, a presente impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa;

B) Por despacho de 2018.12.03, a impugnação foi admitida e ordenada a notificação da Fazenda Pública para contestar;

C) Em 2018.12.05, foi enviado ao Representante da Fazenda Pública notificação para contestar, por via eletrónica (cf. fls. 3/45 de doc. nº 003794922 registado em 05-04-2019 às 15:19:25);

D) Em 2019.03.13, pela Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa, por subdelegação, foi proferido despacho constante de fls. 40/45 de doc. nº 003794922 registado em 05-04-2019 às 15:19:25, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se transcreve:



E) Este despacho foi comunicado ao Impugnante por carta registada com aviso de receção assinado em 2019.03.15 (cf. fls. 41 a 43 de doc. nº 003794922 registado em 05-04-2019 às 15:19:25);

F) Por carta registada em 2019.03.25, o Impugnante enviou requerimento em que declara desistir do pedido de juros indemnizatórios efetuado no âmbito do processo de impugnação judicial (cf. fls. 44 e 45 de doc. nº 003794922 registado em 05-04-2019 às 15:19:25);

G) Em 2019.04.05, no Tribunal Tributário de Lisboa, deu entrada a contestação da Fazenda Pública, constante de fls. 38 (cf. doc. nº, 003794921 registado em 05-04-2019 às 15:19:25), que aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual se transcreve:
(…)
DA REVOGAÇÃO PARCIAL DO ACTO IMPUGNADO E DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
1º.
Na sequência da dedução da presente impugnação judicial a administração tributária, em análise ao pedido do Impugnante, procedeu à revogação parcial do ato, por despacho da Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 13/03/2019, proferido no processo administrativo tributário organizado no âmbito da presente impugnação judicial, do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 20174005357720, referente ao exercício de 2014, no valor de € 15.605,22, dos quais € 1.032,64 correspondem a juros compensatórios, e que originou o acerto de contas n.º 2017 22171345, no valor de € 15.181,05.
2º.
Foi o impugnante, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 112.º do CPPPT, notificado na pessoa do seu mandatário, por ofício n.º 6620, de 14/03/2019, remetido através de correio postal registado com aviso de receção sob o n.º RC 5…3PT, datado de 14/03/2019 e com aviso de receção assinado em 15/03/20219, da revogação parcial do identificado ato de liquidação, em ordem a pronunciar-se, querendo, sobre tal decisão, (cfr. doc. junto a fls. 26 a 34 do processo administrativo tributário e aqui se reproduz para todos os efeitos legais).
3º.
E veio o Impugnante a pronunciar-se nos termos do n.º 3 do artigo 112.º do CPPPT, por requerimento dirigido à Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, remetido àquela Direção de Finanças através de correio postal registado sob o n.º RH 31…PT, com data de 25/03/2019, aceitando a revogação parcial do ato e manifestando, ante a mesma, vontade de desistir da presente Impugnação Judicial nos termos do n.º 3 do artigo 112.º do CPPT (cfr. doc. junto a fls. 35 e 36 do processo administrativo tributário e aqui se reproduz para todos os efeitos legais).
4º.
Pelo que, conforme disposto no n.º 3 do artigo 112.º do CPPT in fine a contrario, e perante a desistência expressa do Impugnante dos presentes autos de Impugnação Judicial, se promove a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, determinada pela revogação parcial do acto e subsequente desistência da Impugnação pelo Impugnante.
5º.
Nestes termos, verificando-se estarmos perante inutilidade superveniente da lide, deverá a instância ser extinta, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

H) Em 2019.10.01, foi proferido o despacho reclamado, com o seguinte teor:

Considerando que a impugnante não se veio pronunciar sobre a questão enunciada na contestação da FP, deverão os autos de prosseguir para apreciação da questão suscitada.

**
A FP havia sido notificada para deduzir contestação pelo oficio de 05-12-2018, considerando-se notificada ao terceiro dia, ou seja, em 08-12-2018, que sendo a um Sábado, transferiu-se para o dia 10-12-201[8].
Entre 22-12-2018 e 03-01-2019 decorreram as férias judiciais, pelo que, o processo esteve suspenso.
A FP deduziu contestação, que deu entrada em 06-04-2019, portanto após os 90 dias, acrescido de 3 dias do artº 139º do CPC, para deduzir a contestação.
Sendo de concluir pela intempestividade da contestação que deverá ser desentranhada.
Notifique.
**
Pelo exposto, desentranhe a contestação e devolva [à] apresentante, deixando cópia em seu lugar.


II.2 Do Direito

Nos termos do nº 1 do artigo 110º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com a redação coeva, recebida a impugnação, o juiz ordena a notificação do representante da Fazenda Pública para, no prazo de 90 dias contestar e solicitar a produção de prova adicional, sem prejuízo do disposto no artigo na parte final do nº 5 do artigo 112º.

E dizia o artigo 112º CPPT, com a redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro:
1 - Compete ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária revogar, total ou parcialmente, dentro do prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o ato impugnado caso o valor do processo não exceda o valor da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância.

2 - Compete ao dirigente máximo do serviço revogar, total ou parcialmente, dentro do prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o ato impugnado caso o valor do processo exceda o valor da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância.

3 - No caso de o ato impugnado ser revogado parcialmente, o órgão que procede à revogação deve, nos 3 dias subsequentes, proceder à notificação do impugnante para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o processo se o impugnante nada disser ou declarar que mantém a impugnação.

4 - A revogação total do ato impugnado é notificada ao representante da Fazenda Pública nos 3 dias subsequentes, cabendo a este promover a extinção do processo.

5 - A revogação parcial do ato impugnado é notificada ao representante da Fazenda Pública, com simultânea remessa do processo administrativo, no prazo de três dias após a receção da declaração do impugnante referida no n.º 3 ou do termo do prazo aí previsto, sendo, nesse caso, o prazo para contestar de 30 dias a contar da notificação.

6 - A competência referida no presente artigo pode ser delegada pela entidade competente para a apreciação em qualquer dirigente da administração tributária ou em funcionário qualificado. (Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

Após a interposição da ação de impugnação judicial a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à revogação parcial do ato de liquidação, anulando o montante € 15 605,22, dos quais € 1 032,64, respeitante a juros compensatórios.

A Fazenda Pública foi notificada para contestar através de ofício enviado por via eletrónica em 2018.12.05.

Entretanto, por despacho de 2019.03.13, da Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças Lisboa, foi parcialmente revogado o ato impugnado.

De todo o modo anote-se que a revisão do ato tributário pela entidade que o praticou, pode ter lugar nos quatro anos após a liquidação (artigo 78/1 da LGT).

E, ainda que, nos termos do artigo 79/1 da LGT: o ato decisório pode revogar total ou parcialmente ato anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão.

Assim, nos termos do artigo 110/ CPPT, in fine, o prazo da contestação é de 30 dias contados a partir do terceiro dia após a receção da declaração do impugnante que como vimos foi enviada por carta registada em 2019.03.25.

A carta contendo a declaração presume-se recebida em 2019.03.28, contados 3 dias temos o dia 31 de março. E é esta a data relevante para o início da contagem do prazo da contestação de 30 dias.

Ora, temos assim que concluir que a contestação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 2019.04.05, muito antes do termo do prazo para contestar.

O despacho recorrido que assim não decidiu não se pode, pois, manter.



Sumário/Conclusões:

I – Nos termos do artigo 110º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redação da Lei n° 15/2001, de 5 de junho, o prazo de que dispõe a Fazenda Pública para contestar e solicitar a produção de prova adicional é de 90 dias, contados da notificação judicial para o efeito, sem prejuízo do disposto na parte final do nº 5 do artigo 112º do mesmo Código.
II - Tendo havido revogação parcial do ato impugnado, o início do prazo de contestação conta-se da notificação ao representante da Fazenda Pública da decisão da administração tributária, sendo, nesse caso, o prazo para contestar de 30 dias.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e considerar tempestivamente apresentada a contestação, e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, a fim de aí prosseguirem os ulteriores termos, se a tal nada mais obstar.

Sem custas neste Tribunal Central Administrativo Sul uma vez que o Recorrido não contra-alegou.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 3 de dezembro de 2020
Susana Barreto