Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:538/17.0BECTB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ÂMBITO DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA, CONTRA-ORDENAÇÕES, MEDIDAS PREVENTIVAS
Sumário:I – A competência material da Jurisdição Administrativa está sobretudo prevista nos artigos 212º/3 da CRP e 4º/1/2 do ETAF. Sem prejuízo do mais previsto em leis avulsas.
II – Um litígio relativo a uma medida cautelar contra-ordenacional (artigo 41º/1 da LQCA) não cabe no âmbito da Jurisdição Administrativa.
III – As medidas preventivas quanto ao exercício da atividade não licenciada, para evitar danos ambientais futuros, não se enquadram no ilícito de mera ordenação social.
IV – Pelo que o litígio consequente cabe no âmbito da Jurisdição Administrativa, de acordo com os artigos 212º/3 da CRP e 4º/1-b) -k) do ETAF.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO
C.... - ....., S.A. ("C....") e
...., S.A.,
interpuseram no T.A.C. de CASTELO BRANCO o presente processo cautelar contra
o MINISTÉRIO DO AMBIENTE/ Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.
A pretensão formulada foi a seguinte:
- Suspensão da eficácia dos despachos proferidos pela Entidade Requerida em 20-11-2017 e em 21-11-2017, e
- Decretamento provisório da providência cautelar requerida, ao abrigo do artigo 131º CPTA.
*
Após o decretamento provisório da providência cautelar requerida ao abrigo do artigo 131º CPTA, o T.A.C. decidiu em 22-05-2018 o seguinte:
- Julgo o Tribunal Administrativo e Fiscal materialmente incompetente para o conhecimento dos despachos proferidos pela Entidade Requerida em 20-11- 2017 e em 21-11-2017 e, em consequência, absolvo a Entidade Requerida da instância cautelar;
- Mantenho o decretamento provisório da suspensão da eficácia dos despachos em causa
*
RECURSO Nº 1 (do M.P.)
Inconformado com tal decisão, o M.P. interpôs recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A. O ato de 20.11.2017 do lnspector da IGAMAOT aplica uma medida cautelar em processo de contraordenação em matéria ambiental, decidida que foi nos termos do art.º 41 da LQCA e do art. 2 nº 2 alínea h) do DL n 23/2012, a orgânica da IGAMAOT.
B. O Tribunal ad quo é incompetente, em razão da jurisdição, para o conhecimento dessa decisão, por força do art.s 4 n. 1 do ETAF e do art.s 40 n.º 1 da LOSJ, visto apenas as contraordenações urbanísticas estarem previstas no ETAF.
C. O despacho liminar de 28.11.2017 que admitiu a providência cautelar e decretou provisoriamente a providência no respeitante a esse ato, carece de um pressuposto processual relativo ao Tribunal que é a competência em razão da jurisdição.
D. Esse despacho, proferido ao abrigo do art.s 116.º n.º 1 e do art.º 131.º n. 1 ambos do CPTA, devia ter declarado a incompetência em razão da jurisdição, nos termos do art.s 13.º do mesmo CPTA, e mandado remeter o processo ao Tribunal competente, ao invés de ter admitido e decretado provisoriamente providência cautelar.
E. Esse despacho liminar violou a norma do art.º 13.º do CPTA e deu origem à nulidade do processado subsequente, por força do art.º 195.º do CPC, incluindo a sentença de 22.05.2018.
F. Em consequência da violação de norma de ordem pública, fica prejudicada a suspensão de eficácia do ato que o errado decretamento provisório implicou.
G. A manutenção da suspensão da eficácia, pela decisão recorrida de 22.05.2018, ao abrigo do art.s 373.º do CPC, constitui igualmente um erro de direito, porque ao absolver da instância a Entidade Requerida, o Tribunal não conhece de mérito e não decreta, a final, a providência, caducando o decretamento provisório, que se constituíra como incidente da providência.
H. Mostra-se, assim, também violado do art.º 279 do CPC, porque a absolvição da instância extingue a relação processual, não cabendo ulterior decisão.
I. A não se entender assim, o que apenas se invoca por mera cautela, sempre caberá revogar a decisão de decretamento provisório da providência, bem como a decisão de absolvição da instância da Entidade Requerida, por erro de julgamento, porque a Requerente não tem título válido e eficaz para a atividade económica de indústria transformadora e labora em condições de risco ambiental grave, como se poderia provar nos autos, caso estes prosseguissem, nesta parte, na jurisdição administrativa.
J. O ato de 21.11.2017 do Subinspector-geral consubstancia um ato administrativo que impõe medidas preventivas de polícia administrativa em matéria ambiental, para cujo conhecimento o Tribunal ad quo é competente em razão da jurisdição, nos termos do art.º 4.º n.º 1 alínea b) e alínea k) do ETAF.
K. Não cabe assim ao Tribunal ad quo absolver a Entidade Requerida da instância, pelo que, fazendo-o na decisão de 22.05.2018, o Tribunal violou o art. 278 n. 1 do CPC e a já citada norma do art.º 4.º n.º 1, b) e k) do ETAF.
L. A decisão de 22.05.2018 na providência cautelar devia conhecer desta a final, e a simétrica decisão na ação principal devia ordenar o prosseguimento dos autos nesta parte, em vista ao conhecido o mérito da causa.
M. O decretamento provisório e a recusa do levantamento constituem um incidente da providência, que não se confunde com a decisão final da mesma.
N. Outrossim, tendo-se declarado incompetente em razão da jurisdição, com decisão de absolvição da instância na providência, não decide o Tribunal ad quo, a final, o mérito dessa providência, pelo que a decisão provisória não podia ser mantida nos seus efeitos pela decisão recorrida, mostrando-se violado o art.s 279.º do CPC, e o art.s 373.º do mesmo CPC que não é ao caso aplicável.
O. Assim, o que toca ao ato de 20.11.2017 do lnspector da IGAMAOT, o TCAS
(i) deve declarar que a decisão de 20.11.2017 do lnspector consubstancia uma medida cautelar em processo de contraordenação ambiental pelo que, em consequência,
(ii) por violação de norma de ordem pública contida no art. 13 do CPTA e para efeitos do disposto no art. 195 n. 1 do CPC subsidiariamente aplicável, é insubsistente na ordem jurídica a suspensão de eficácia desse ato,
(iii) como o é a manutenção do efeito suspensivo decidido na sentença de 22.05.2018, por errada invocação do art. 373 do CPC, assim se regularizando a instância,
(iv) e é o TCAS, como o TAC de CTB, incompetente em razão da jurisdição para o conhecimento do mérito da causa, face ao disposto no art. 4. n. 1 do ETAF e art. 40. n. 1 da LOSJ, devendo o processo ser remetido ao Tribunal competente no foro comum, nesta parte.
(v) Quando assim não se entenda - e por mera cautela -, deve ser revogada a
(i) A decisão de 28.11.2017 que decretou provisoriamente a providência, porque a Requerente não tem título válido e eficaz de exploração de actividade industrial transformadora CAE 10413 R-3 e labora em condições de grave risco ambiental; subsidiariamente,
(ii) A decisão de 22.05.2018 no segmento relativo à manutenção da suspensão da eficácia ao abrigo do art. 373. do CPC porque ao absolver da instância, o Tribunal não conheceu da providência a final. mostrando-se violado do art. 279 do CPC e não sendo aplicável o art. 373 que assim igualmente se mostra violado.
P. No que toca ao ato de 21.11.2018 do Subinspector-geral, o TCAS
(i) deve declarar que a decisão de 21.11.2017 do Subinspector é uma medida de polícia administrativa e não uma medida cautelar em processo de contraordenação ambiental, e em consequência,
(ii) deve revogar a decisão de 22.05.2018 proferida nesta providência, na parte em que absolve da instância, por violação do art. 4 n. 1 b) e 1) do ETAF e art. 278. n. 1 CPC,
(ii) e, em qualquer caso, deve revogar a decisão, na parte em que mantém o efeito suspensivo, por a providência não ter sido decretada a final, dada a absolvição da instância, mostrando-se violado o art. 278 e o art. 373 do CPC,
(iii) e, assim o entendendo, pode substituir a decisão nesta parte por outra, que leve em conta a prova que cumpre produzir, ou mandar baixar os autos para prosseguimento, quer na providência cautelar quer na ação principal suspensa, com actualização face ao art. 3 do CPTA, nos termos do art. 149 n. 1 do mesmo diploma.
*
A recorrida REQUERENTE C.... contra-alegou, concluindo assim:
A. Conforme a Recorrida demonstrou no seu recurso da sentença sub judice, o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na parte em que se julgou incompetente para apreciar e decidir da validade dos Despachos de 20.11.2017 e 21.11.2017 da IGAMAOT pois os Tribunais Administrativos são materialmente competentes para apreciar da validade daqueles actos de autoridade, praticados no exercício de legais competências da IGAMAOT (cfr. artigo 212 da CRP e artigo 4/1 al. a) do ETAF), pelo que improcedem as Conclusões A., B. e O. do recurso do Recorrente.
B. O artigo 41/1 al. a) da LQCA, invocado no Despacho de 20.11.2017, atribui, na sua parte final, competência às autoridades administrativas para aplicarem medidas preventivas de protecção quando estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente, independentemente de qualquer processo de contra-ordenação em curso (cfr., no mesmo sentido, artigo 43 do Decreto-Lei n. 73/2009, de 31.03).
C. Perante a total ausência de indicação de um processo contra-ordenacional ou indício da existência de um processo de contra-ordenação, a sentença de 22.05.2018 incorreu em manifesto erro de julgamento ao concluir que o Despacho de 20.11.2017 teria sido proferido no âmbito de um processo dessa natureza pelo simples facto de no mesmo ter sido invocado o artigo 41/1 al. a) da LQCA, contrariamente ao que alega o Ministério Público.
D. Ainda que o Despacho de 20.11.2017 tivesse sido proferido no âmbito de um processo de contra­ordenação, os Tribunais Administrativos sempre seriam materialmente competentes para conhecer da providência cautelar, uma vez a LQCA, o RGCO e a lei processual penal não asseguram a tutela cautelar dos particulares destinatários de medidas preventivas como aquelas que foram aplicadas à C...., pelo que a sentença recorrida, ao remeter o presente processo para os tribunais judiciais, violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, que pressupõe sempre um meio cautelar adequado e célere para reagir contra a actuação administrativa, nos termos dos artigos 20 e 268/4 da CRP.
E. A arguição de nulidade processual suscitada pelo Ministério Público por alegada violação do artigo 13 do CPTA (por alegada omissão de apreciação da matéria da competência do tribunal) é manifestamente extemporânea pois deveria ter sido arguida nos 10 dias subsequentes à notificação de qualquer termo subsequente ao despacho liminar de 28.11.2017, o que não sucedeu.
F. Caso assim não se entenda, o que não se concede, sempre será de concluir que tal omissão processual se encontra já sanada, pois o douto Tribunal a quo já apreciou a sua competência material na sentença recorrida (cfr. Art. 196 in fine do CPC).
G. Não merece qualquer reparo a sentença de 22.05.2018 na parte em que decidiu manter a suspensão de eficácia decretada provisoriamente em 28.11.2017, inexistindo qualquer nulidade processual que determine a nulidade quer do despacho liminar de 28.11.2017 quer dos actos processados subsequentemente.
H. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o Tribunal a quo interpretou e aplicou correctamente as normas contidas nos artigos 279 e 373 do CPC e artigo 14/2 do CPTA e a sentença de 22.05.2018 não merece qualquer critica ao ter decidido manter o decretamento provisório da suspensão de eficácia dos Despachos de 20 e 21.11.2017 até que os autos sejam conclusos ao Juiz materialmente competente.
I. Tendo presente a instrumentalidade das providências cautelares, quando seja decidida a incompetência material do tribunal na acção principal, os autos cautelares apensos devem ser suspensos, aguardando que o tribunal competente se pronuncie sobre o prosseguimento da nova acção principal ou declare a extinção da instância (cfr. artigos 279 e 373/1 al. d) do CPC e Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 24.10.2013 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.05.2013).
J. Ao ter decidido manter o decretamento provisório da suspensão de eficácia dos Despachos de 20.11.2017 e de 21.11.2017, o Tribunal a quo assegurou materialmente os efeitos previstos nos artigos 279 e 373/1 al. d) do CPC, ao abrigo do princípio da adequação formal consagrado no artigo 6 do CPC e sem prejuízo para qualquer uma das partes, não merecendo por isso qualquer reparo a sentença recorrida na parte em que manteve os efeitos do decretamento provisório.
K. Através da decisão de manutenção do decretamento provisório, o Tribunal a quo garantiu que os efeitos da providência cautelar se mantinham, tal como sucederia se a presente instância cautelar tivesse sido suspensa, em consequência da decisão de absolvição da instância na acção principal de que depende a presente providência.
L. Caso o Tribunal a quo não tivesse mantido o decretamento provisório, teria negado às Autoras beneficiarem dos efeitos desse decretamento provisório até decisão do tribunal que vier a receber a nova acção, em manifesta violação do disposto no artigo 373/1 al. d) do CPC e dos princípios da legalidade e da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 268/4 da CRP.
M. Tendo a sentença recorrida salvaguardado a faculdade legal reservada às Autoras de aproveitamento dos efeitos da propositura da acção anterior, fez correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 279 e 373/1 al. d) do CPC, pelo que não merece qualquer reparo nesta parte, devendo as Conclusões G., H. e O. do recurso do Recorrente improceder.
N. O presente recurso foi interposto, apenas, da sentença de 22.05.2018, pelo que a pretensão do Recorrente de obter, neste recurso, a revogação do despacho liminar de 28.11.2017 é inadmissível por extravasar o objecto do recurso (cfr. artigo 635/2 do CPC).
O. O despacho liminar de 28.11.2017, que decretou provisoriamente as medidas cautelares requeridas, é irrecorrível (cfr. artigo 131º/4 do CPTA) e, caso assim não se entendesse, o recurso de tal despacho sempre seria totalmente extemporâneo (cfr. artigos 144º/1 e 147º/2 do CPTA).
P. A sentença de 22.05.2018 pronuncia-se exclusivamente sobre a excepção de incompetência material sendo absolutamente irrelevante saber se a Recorrida possui ou não título válido e eficaz para a actividade económica da indústria transformadora ou se labora ou não em condições de risco ambiental grave.
Q. Não obstante a Recorrida dispõe de título de laboração provisória válido, obtido ao abrigo do DL 165/2014, consubstanciado no comprovativo do pedido de regularização apresentado no dia 24.07.2017, o qual não padece de qualquer nulidade por impossibilidade de objecto, pois teve por base o pedido de regularização apresentado pela Recorrida.
R. A alegação do Recorrente (Conclusão 1. e O.) de que a ora Recorrida opera o seu estabelecimento em condições de risco ambiental grave pois é totalmente falsa e encerra um juízo meramente conclusivo que não tem por base quaisquer factos concretos que tenham sido demonstrados no âmbito do presente processo cautelar.
*
RECURSO Nº 2 (da requerente C....)
Inconformada com tal decisão, também a requerente C.... interpôs recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é interposto da Sentença de 22.05.2018, na parte em que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco se julgou materialmente incompetente para o conhecimento do procedimento cautelar de suspensão de eficácia dos despachos proferidos pela IGAMAOT, em 20.11.2017 e 21.11.2017.
B. Os Despachos sub judice constituem actos administrativos através dos quais a IGAMAOT, no uso de poderes de autoridade que lhe são conferidos por normas de direito administrativo, ordenou, entre outras medidas, a cessação imediata da actividade de recepção, secagem e armazenagem do bagaço de azeitona pela C...., pelo que compete aos Tribunais Administrativos conhecer da providência cautelar de suspensão de eficácia requerida pelas Recorrentes nos termos do disposto nos artigos 212/3 da CRP e do artigo 4/1 al. a) do ETAF.
C. O artigo 41/1 al. a) da LQCA, além de prever a possibilidade de aplicação de medidas preventivas no âmbito de um processo de contra-ordenação, atribui também, na segunda parte desta norma, competência às autoridades administrativas para aplicarem medidas preventivas de protecção quando estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente, independentemente de qualquer processo de contra-ordenação em curso (cfr., no mesmo sentido, artigo 43 da do Decreto-Lei n. 73/2009, de 31.03).
D. Na sentença recorrida foi totalmente ignorado o segundo segmento normativo da norma constante artigo 41/1 al. a) da LQCA, tendo o douto Tribunal a quo assumido erradamente que qualquer medida decretada ao abrigo desta norma está sempre necessariamente relacionada com um processo contra-ordenacional, o que não corresponde nem ao espirita nem à letra desta disposição legal, pelo que a Sentença incorreu num erro de interpretação do artigo 41/1 al. a) da LQCA.
E. Os Tribunais Administrativos são materialmente competentes para apreciar e julgar a legalidade das medidas preventivas decretadas por autoridades administrativas, maxíme ao abrigo do artigo 41/1 al. a), 2ª parte, da LQCA, quando estas não estejam relacionadas com um processo de contra­ordenação (cr. Acórdão do STA de 11.09.2012, Processo n 185/11-12), tal como se verifica no caso sub judíce.
F. Apesar de mencionar o artigo 41/1 al. a) da LQCA, nada no Despacho de 20.11.2017 permite concluir que o mesmo foi praticado no âmbito de um processo de contra-ordenação, não sendo indicado qualquer processo dessa natureza.
G. Perante a total ausência de indicação de um processo contra-ordenacional ou indício da existência de um processo de contra-ordenação, a Sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento ao concluir que o Despacho de 20.11.2017 teria sido proferido no âmbito de um processo dessa natureza pelo simples facto de no mesmo ter sido invocado o artigo 41/1 al. a) da LQCA.
H. No Despacho de 21.11.2017, não foi invocada qualquer norma habilitante da LQCA, nem feita qualquer referência a um processo de contra-ordenação; foi apenas sublinhado que a sua prática era urgente, dada a gravidade ambiental da situação alegadamente detectada e invocadas normas da Lei orgânica da IGAMAOT, que prevêem que podem ser aplicadas medidas preventivas para prevenção e eliminação de situações de perigo grave para a saúde, segurança das pessoas, dos bens e do ambiente.
I. A Sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento na parte em que concluiu que o Despacho de 21.11.2017 teria sido proferido no âmbito de um processo de contra-ordenação, pois naquele Despacho não é feita qualquer referência a um processo de contra-ordenação, nem foi sequer invocada qualquer norma da LQCA que permitisse fundamentar esse entendimento.
J. Caso tivesse interpretado correctamente os actos sub judice praticados pela IGAMAOT, a Sentença recorrida não poderia ter deixado de concluir que os mesmos não foram efectivamente proferidos no âmbito de um qualquer processo de contra-ordenação e que, portanto, os Tribunais Administrativos são materialmente competentes para o conhecimento da acção principal e do presente procedimento cautelar para suspensão de eficácia dos actos impugnados, por força do disposto no artigo 212.º da CRP e artigo 4.º/1 al. a) do ETAF.
K. A Sentença recorrida, ao decidir que os Tribunais Administrativos são materialmente incompetentes, enferma assim de claro erro de julgamento e violou o disposto no artigo 212.º da CRP e artigo 4.º/1 al. a) do ETAF, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que considere a Jurisdição Administrativa competente para o conhecimento do procedimento cautelar.
L. Ainda que os actos sub judice tivessem sido proferidos no âmbito de um processo de contra­ordenação, os Tribunais Administrativos sempre seriam materialmente competentes para conhecer da providência cautelar, uma vez a LQCA o RGCO a lei processual penal não asseguram a tutela cautelar dos particulares destinatários de medidas preventivas como aquelas que foram aplicadas à C...., pelo que a Sentença recorrida, ao remeter o presente processo para a Jurisdição Comum, violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, que pressupõe sempre um meio cautelar adequado e célere para reagir contra a actuação administrativa, nos termos dos artigos 20.º e 268/4.º da CRP.
*
O recorrido MINISTÉRIO DO AMBIENTE contra-alegou aos cits. 2 recursos, concluindo assim:
Por todo o exposto, e acompanhando a decisão em crise na parte que declarou o TAF de Castelo Branco materialmente incompetente para o conhecimento dos despachos em apreço, que em nosso entender não merece qualquer reparo, apresentam-se os recursos de improceder, o da Requerente em toda a sua extensão e o do Ministério Público na parte em que pugna pela competência do TAF de Castelo Branco para conhecer da suspensão de eficácia do Despacho de 21/11/2017, como de improceder se apresentam, assim, todas e cada uma das conclusões formuladas a final dos mesmos, respetivamente no que diz respeito ao recurso da Requerente em A) a L), e no que diz respeito ao Ministério Público, em J) a N).
*
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
*
DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, artigos 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.
Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES
1
O r.i. tem o seguinte teor:
(Texto no Original)


2
O TAC decretou provisoriamente a providência cautelar solicitada, ao abrigo do artigo 131º do CPTA.
3
O posterior despacho ora recorrido tem o seguinte teor:
“Considerando que a Entidade Requerida suscitou a questão da incompetência material deste Tribunal para dirimir a presente providência cautelar;
Atendendo que o artigo 13º do CPTA estatui que “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos presentes autos encontra-se em causa a suspensão da eficácia de dois despachos proferidos pela Entidade Requerida:
1) o primeiro, de 20-11-2017, determinou a cessação imediata da atividade de secagem de bagaço de azeitona;
2) o segundo, de 21-11-2017, determinou a cessação de toda e qualquer receção de bagaço de azeitona na lagoa utilizada para o efeito e a remoção e encaminhamento do bagaço de azeitona contido na lagoa mencionada no ponto anterior e das águas ruças contidas num tanque e numa lagoa quadrada, segundo um plano de calendarização a enviar à Entidade Requerida no prazo de cinco dias úteis e da respetiva implementação no prazo de vinte dias úteis.
A Entidade Requerida sustenta que esses dois despachos configuram atos sancionatórios de direito públicos praticados no âmbito da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais, cuja validade/impugnação é da competência material dos Tribunais Judiciais.
Por seu lado, a Requerente pugna que a jurisdição administrativa é materialmente competente para decidir a presente providência cautelar, dado que:
i. Os despachos em causa revestem a natureza de atos administrativos;
ii. Não é possível requerer aos Tribunais Judiciais a suspensão de eficácia de atos proferido no âmbito de procedimentos contra-ordenacionais de natureza ambiental, na medida em que tal não foi previsto pelo legislador, pelo que não lhe pode ser negado a possibilidade de requerer a respetiva suspensão da eficácia, sob pena de violação dos princípios do Estado de Direito Democrático e da tutela jurisdicional efetiva;
iii. Apenas o despacho de 20-11-2017 foi proferido no âmbito da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais, enquanto o proferido em 21-11-2017 nenhuma referência faz a esse diploma legal: deste modo – mesmo seguindo o entendimento da Entidade Requerida – o Tribunal Administrativo e Fiscal sempre seria competente para conhecer deste segundo.
Vejamos.
Analisando o despacho proferido em 20-11-2017, constata-se que o mesmo consiste numa “Notificação” e encontra-se subscrito pelo Inspetor da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante, IGAMAOT), no qual se refere expressamente que a ordem de cessar de imediato a atividade de secagem de bagaço de azeitona é efetuada “… ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art. 41º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, …”.
Ora, a Lei n.º 50/2006, de 29-08 (a qual “… estabelece o regime aplicável às contraordenações ambientais e do ordenamento do território”, de acordo com o seu artigo 1º, n.º1 – doravante LQCOA), prevê, na Parte II – “Do Processo de contraordenação” (artigos 41º a 61º), Título I – “Das medidas cautelares” (artigos 41º e 42º), artigo 41º, alínea a), que “Quando se revele necessário para a instrução do processo de contraordenação ambiental ou quando estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente, a autoridade administrativa pode determinar uma ou mais das seguintes medidas: … o encerramento preventivo no todo ou em parte da unidade poluidora”.
Deste modo, constata-se que o despacho proferido em 20-11-2017 é uma medida cautelar adotada pela Entidade Requerida no âmbito de um processo de contraordenação ambiental.
Importa desde já atentar que, como expendido pelo Tribunal da Relação do Porto, a propósito da adoção de uma medida cautelar de suspensão imediata do exercício da atividade de um estabelecimento, “Independentemente da data de registo dos autos e da aplicação daquela medida, esta tem de se considerar tomada já no âmbito do processo de contra-ordenação (entendido este não no sentido restrito de suporte material, mas como conjunto de diligências tendentes a investigar a prática de contraordenações e a sancionar os respetivos agentes), iniciado com a notícia da infração, e ao qual está indissociavelmente ligada, na medida em que a contra-ordenação verificada constitui o único fundamento para a aplicação daquela” (conforme acórdão proferido no processo n.º 0811019, de 09-04-2008, disponível em www.dgsi.pt).
Isto porque não consta dos presentes autos qualquer auto de notícia específico que tenha sido levantado à Requerente: contudo, e como é salientado pelo acórdão citado, tal não implica que não nos situemos já no âmbito de um processo contraordenacional (aliás – e como visto – o artigo 41º da LQCOA insere-se sistematicamente na Parte II, que regula, precisamente, o processo de contraordenação).
Por seu lado, o despacho de 21-11-2017 assumiu a forma de “Mandado” e foi subscrito pelo Subinspetor-Geral do IGAMAOT, no uso de competências delegadas, tendo sido proferido “… nos termos e para os efeitos das disposições conjuntas da alínea e) do n.º 2 do artigo 2º e alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 23/2012, de 1 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 153/2015, de 7 de agosto, …”.
Ora, o Decreto-Lei n.º 23/2012, de 01-02 (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 153/2015, de 07-08), definiu a orgânica da IGAMAOT, prevendo, no artigo 2º, n.º 2, alínea e), que uma das suas atribuições seria “Assegurar a realização de ações … de inspeção a entidades públicas e privadas em matérias de incidência ambiental, …, e impor as medidas que previnam ou eliminem situações de perigo grave para a saúde, segurança das pessoas, dos bens e do ambiente”.
Por seu lado, o artigo 4º, n.º 1, alínea b) estabeleceu que uma das competências do Inspetor-Geral da IGAMAOT seria “Determinar as medidas preventivas previstas na alínea e) do n.º 2 do artigo 2.º ou outras que se revelem necessárias, bem como emitir os mandados necessários para a execução das referidas medidas”, sendo que “Os subinspetores-gerais exercem as competências que lhes sejam delegadas ou subdelegadas pelo inspetor –geral” (de acordo com o n.º 2 do artigo citado).
Ora, o mandado é uma das formas que pode revestir uma ordem da Entidade Requerida (nos termos do artigo 25º da LQCOA).
Por outro lado, se compararmos as ordens que a Entidade Requerida proferiu com as medidas cautelares previstas na LQCOA, constatamos que, igualmente no caso do despacho de 21/11/2017, nos encontramos perante uma medida cautelar adotada no âmbito de um processo de contraordenação ambiental.
Assim, a cessação de toda e qualquer receção de bagaço de azeitona na lagoa utilizada para o efeito, corresponde à “Notificação do arguido para cessar as atividades desenvolvidas em violação dos componentes ambientais” prevista no artigo 41º, n.º 1, alínea b) da LQCOA; já a remoção e encaminhamento do bagaço de azeitona contido na lagoa e das águas ruças contidas num tanque e numa lagoa quadrada, corresponde à “Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma”, prevista no artigo 41º, n.º 1, alínea g) da LQCOA.
Daí que, mesmo não tendo sido expressamente referido no despacho de 21-11-2017, se tomarmos em conta as atribuições e competências invocadas, o conteúdo das ordens proferidas e o quadro legal circunstancialmente pertinente, concluímos – como já referido - que nos encontramos perante uma medida cautelar adotada no âmbito de um processo de contraordenação ambiental.
Vejamos, então, quais as implicações que um tal entendimento (de ambos os despachos proferidos serem enquadráveis no âmbito de um processo de contraordenação ambiental) tem quanto à questão da competência material deste Tribunal.
Na Exposição de Motivos do anteprojeto de revisão do CPTA e ETAF submetido a discussão pública em fevereiro de 2014, foi assumido que “… porque aos tribunais administrativos deve ser conferida a competência para julgar todos os litígios que, pela sua natureza, são verdadeiras relações jurídico-administrativas, optou-se por fazer ingressar na jurisdição administrativa matérias que, só por razões meramente pragmáticas e já sem fundamento histórico, estavam atribuídas à jurisdição comum, como sejam … as impugnações judiciais de decisões administrativas que apliquem coimas no âmbito dos ilícitos de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de ambiente, urbanismo, ordenamento do território, património cultural e bens do Estado”.
Daí que se previa que o artigo 4º, n.º 1, alínea n) do ETAF tivesse a seguinte redação: “Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas, no âmbito do ilícito de mera ordenação social, por violação de normas de direito administrativo em matéria de ambiente, ordenamento do território, urbanismo, património cultural e bens do Estado”.
Contudo, na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 331/XII, já se refere que “… a partir do entendimento de que o quadro legislativo deve evoluir no sentido de atribuir aos tribunais administrativos a competência para julgar os litígios que, pela sua natureza, têm por objeto verdadeiras relações jurídico-administrativas, mas também numa perspetiva equilibrada, que salvaguarde ponderosas razões de ordem prática, propõe-se que se faça ingressar no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal às ações … de impugnação de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. Entendeu-se, nesta fase, não incluir no âmbito desta jurisdição administrativa um conjunto de matérias que envolvem a apreciação de questões várias, tais como as inerentes aos processos que têm por objeto a impugnação das decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social noutros domínios. Pretende-se que estas matérias sejam progressivamente integradas no âmbito da referida jurisdição, à medida que a reforma dos tribunais administrativos for sendo executada” (disponível em http://www.parlamento.pt/) e, em consonância, propôs-se que a redação da alínea em causa do ETAF tivesse o seguinte teor: ” Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo” (conforme artigo 3º, alínea c), subalínea xi) da mencionada Proposta de Lei).
Daí que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais tenha constatado, “… desde logo, que se trata de um retrocesso em relação à proposta inicial de alargamento do âmbito da jurisdição …” (no Parecer que juntou à Proposta de Lei em causa, a solicitação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, igualmente disponível em http://www.parlamento.pt/).
E foi esta redação que foi consagrada tanto no artigo 3º, alínea c), subalínea xi) da Lei n.º 100/2015, de 19-08 (que concedeu autorização legislativa ao Governo para rever, entre outros, o CPTA e o ETAF), como é a que atualmente consta no artigo 4º, n.º 1, alínea l) do ETAF revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10 (o qual fez uso da autorização legislativa mencionada) e que entrou em vigor em 01-09-2016 (conforme artigo 15º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 214-G/2015).
Deste modo, verifica-se que foi uma clara opção legislativa não conferir à jurisdição administrativa e fiscal a competência para julgar as questões relacionadas com o domínio contraordenacional no âmbito ambiental.
Pelo que, atendendo que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” (conforme artigo 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa – CRP), ou seja, “… têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (conforme artigo 40º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26-08 - Lei da Organização do Sistema Judiciário [LOSJ]) e, especificamente, que compete aos juízos locais cíveis, criminais e de competência genérica “Julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação,…” (conforme artigo 130º, n.º 2, alínea d) da LOSJ), mantém-se plenamente em vigor a jurisprudência que entende, e que – como vimos – sufragamos, que “… a impugnação daquela medida cautelar tem de ser feita nos Tribunais comuns por serem estes [que] são os competentes para conhecer da aplicação de sanções contra-ordenacionais e das medidas acessórias ou cautelares que lhe estão associadas” (conforme expendido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido no processo n.º 0689/07, de 28-11-2007, disponível em www.dgsi.pt).
Daí que, quando no artigo 55º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (que aprovou o Ilícito de Mera Ordenação Social – doravante, RGCO – aplicável subsidiariamente ao caso dos autos por força do artigo 2º, n.º 1 da LQCOA) se refere que “É competente para decidir do recurso o tribunal previsto no artigo 61.º, …” e, no artigo 61º, n.º 3 do RGCO, que “É competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infração”, o Tribunal em causa é o que pertence à jurisdição comum e não à jurisdição administrativa e fiscal.
De facto, “… resultaria numa incompreensível e intolerável quebra da unidade do sistema, permitir, como quer a recorrente, que fosse da competência da jurisdição comum julgar a verificação ou não de um determinado ilícito contra-ordenacional, mas já fosse da competência administrativa apreciar uma medida tomada precisamente com base na ocorrência desse mesmo ilícito” (conforme sustentado no acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 02062/07.0BEPRT, de 10-01-2008, disponível em www.dgsi.pt).
A explicação reside no facto de “… logo no preâmbulo do primeiro diploma que introduziu o ilícito de mera ordenação social na nossa ordem jurídica (DL nº 232/79 de 24/7) e embora reconhecendo que o processo de contra-ordenação, na fase em que é tramitado pelas autoridades administrativas, é um verdadeiro processo administrativo, o legislador - que não deixou de manifestar algumas hesitações - optou por atribuir essa competência aos tribunais comuns [E justificou-a nos seguintes termos: “Reconhece-se de boamente que a pureza dos princípios levaria a privilegiar a competência dos tribunais administrativos. Ponderadas, contudo, as vantagens e desvantagens que qualquer das soluções irrecusavelmente comporta, considerou-se mais oportuna a solução referida, pelo menos como solução imediata e eventualmente provisória. E isso por ser a solução normal em direito comparado. E ainda por se revelar mais adequada a uma fase de viragem tão significativa como a que a introdução do direito de ordenação social representa. Além do mais, afiguram-se mais facilmente vencíveis as naturais resistências ou reservas da comunidade dos utentes do novo meio de impugnação judicial.”]. Essa opção, que foi sendo mantida nos diplomas que posteriormente regularam a matéria, suscitou, perante a distribuição de jurisdição entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais consagrada na Constituição, algumas dúvidas acerca da possibilidade de o legislador ordinário atribuir aos primeiros a competência para dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais ou aos segundos a de dirimir litígios emergentes de relações jurídicas de outra natureza, prevalecendo o entendimento, aceite pelo Tribunal Constitucional, de que “o legislador dispõe (…) de uma certa margem de liberdade de conformação, no respeito pelo núcleo essencial caracterizador do âmbito material de cada uma das jurisdições, pelo que pode proceder à atribuição pontual a uma das jurisdições do poder de dirimir litígios que, na ausência de tal determinação, corresponderiam à outra jurisdição”[ cfr. Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. III, pág. 149]” (conforme explicado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 0811019, de 09-04-2008, disponível em www.dgsi.pt).
E – como refere este último acórdão citado - o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar quanto a esta questão, tendo sustentado que “… a “remissão” para os tribunais judiciais das impugnações judiciais no âmbito de processos de contra-ordenação (ambiental) não se afigura atentatória do figurino típico que a Constituição quis consagrar quanto ao âmbito material da justiça administrativa”, para concluir pela “… não inconstitucionalidade do artigo 55.º, n.º 3, do RGCO, na parte em que atribui aos tribunais judiciais competência para julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas tomadas no âmbito dos processos de contra-ordenação” (conforme acórdão n.º 522/2008, proferido no processo n.º 253/08, de 29-10-2008, disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).
Por outro lado, este entendimento não põe em causa o direito à tutela jurisdicional efetiva da Requerente, dado que o artigo 55º, n.º 1 do RGCO, prescreve que “As decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo são suscetíveis de impugnação judicial por parte do arguido ou da pessoa contra as quais se dirigem”, e o respetivo n.º 2 especifica que “O disposto no número anterior não se aplica às medidas que se destinem apenas a preparar a decisão final de arquivamento ou aplicação da coima, não colidindo com os direitos ou interesses das pessoas”.
Ou seja, conjugando os dois números citados do artigo 55º do RGCO, conclui-se que os despachos em causa nos presentes autos, tendo sido proferidos no âmbito de processo contraordenacional e pondo em causa os direitos e interesses legítimos da Requerente, são suscetíveis de impugnação perante os Tribunais Judiciais.
É que “Ambas as jurisdições têm de por si próprias de dispor dos mecanismos processuais necessários e pertinentes para assegurar meios de defesa compatíveis, céleres e eficazes com vista a defender os direitos e interesses legítimos dos cidadãos. Não podemos dizer que para a apreciação/decisão de uma medida cautelar seja competente uma jurisdição (in casu, a administrativa) - por alegadamente deter maiores meios de defesa - e essa apreciação/análise seja deferida aos tribunais comuns (in casu, aos tribunais criminais) quando se aprecia/decide o processo principal, sendo que, no caso sub judice, inexistem dúvidas de que estamos perante processo contra-ordenacional, tenha ou não sido notificado o Auto de Notícia que o instaura e esteja ou não eivado das maiores ilegalidades” (conforme acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 01283/10.3BEBRG-A, de 25-02-2011, disponível em www.dgsi.pt).
Ou – dito de uma forma ainda mais incisiva – “… não se diga que a tutela judicial efetiva dos particulares está comprometida, pois os tribunais comuns também podem averiguar da legalidade da medida preventiva aplicada” (de acordo com o acórdão proferido igualmente pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º02968/10.0BEPRT, de 20-01-2011, disponível em www.dgsi.pt).
Ou ainda, “… o facto da competência para dirimir o litígio desenhado nestes autos estar sediada nos Tribunais comuns não compromete o princípio da tutela jurisdicional efetiva na medida em que a impugnação da aplicação medida ora em causa encontra-se salvaguardada pela possibilidade da sua impugnação também poder sentença recorrida feita nesses Tribunais. Poder-se-á dizer que o processo contra-ordenacional não prevê expressamente a existência de providências cautelares, designadamente a suspensão de eficácia das decisões de aplicação de medidas acessórias, e que, portanto, o mesmo não assegura as mesmas garantias do procedimento administrativo. Todavia, isso não significa que tal constitua uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva uma vez que, por um lado, a sindicância judicial não se faz – nem tem que fazer-se - sempre pela mesma forma e através dos mesmos meios e, por outro, não se vê que se não possa solicitar no Tribunal comum o decretamento de uma providência que acautele provisoriamente os seus interesses” (conforme acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, na revista n.º 0679/07, de 13-11-2007, disponível em www.dgsi.pt).
Por fim, tenha-se em conta que a qualificação das medidas cautelares adotadas pela Entidade Requerida como atos administrativos ou como atos sancionatórios de direito públicos, não releva de forma decisiva quanto à questão da competência material, dado que “… independentemente da ordem proferida pelo Sr. Diretor Regional da ASEA constituir um ato administrativo e de a mesma ter precedido a decisão de aplicação de uma coima e de, por isso, se configurar como uma medida preventiva e antecipatória certo é que essa realidade não altera as regras de competência para a apreciação da sua legalidade. E isto porque existe lei expressa a atribuir essa competência aos Tribunais comuns” (conforme expresso pelo Supremo Tribunal Administrativo, na revista n.º 0679/07 citada no parágrafo precedente).
Em todo o caso, sempre se dirá – em abono da aplicação das disposições do RGCO citadas - que “Iniciado um processo de contra-ordenação existe a possibilidade de atos da Administração - que fora desse contexto seriam atos administrativos tout court (sujeitos, portanto, ao regime e garantias próprias do direito administrativo) - passarem a ser regulados por outro sector do sistema jurídico. Nestes termos, quando um ato de uma autoridade administrativa possa ser visto simultaneamente como um ato administrativo e um ato integrador de um processo de contra-ordenação, o seu regime jurídico, nomeadamente para efeitos de impugnação, deverá ser em princípio o do ilícito de mera ordenação social e subsidiariamente o regime do processo penal, mas não o regime do Código do Procedimento Administrativo. Uma solução diferente criaria o risco de um bloqueio completo da atividade sancionatória da administração por cruzamento de regimes e garantias jurídicas.»” (conforme explicitado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Assento n.º 1/2003, publicado no Diário da República n.º 21/2003, Série I-A de 2003-01-25 – citando, conforme refere na nota 19 - Frederico de Lacerda da Costa Pinto, «O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal», RPCC, VII, janeiro-março 1997, pp. 14 e segs).
E acrescenta: “Mas será justamente na «devida adaptação» dos «preceitos reguladores do processo criminal» à atividade das autoridades administrativas no «processo de aplicação da coima» que «devem» considerar-se - sob pena de «adaptação indevida» - os preceitos correspondentes do procedimento administrativo”.
Conclui-se, deste modo – e prejudicadas demais considerações – que deverá ser declarada a incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal para o conhecimento da suspensão da eficácia dos despachos proferidos pela Entidade Requerida em 20-11-2017 e em 21-11-2017, absolvendo-se a Entidade Requerida da instância cautelar (artigo 89º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4, alínea a) do CPTA e artigos 96º, alínea a), 278º, n.º 1, alínea a), 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA).
No presente processo cautelar foi requerido e decretado provisoriamente pelo Tribunal a suspensão da eficácia dos despachos em causa, nos termos do artigo 131º do CPTA (o qual foi confirmado pelo acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, neste processo n.º 538/17.0BECTB, de 19-04-2018 - encontrando-se o mesmo disponível em www.dgsi.pt).
Pelo que, e até os autos serem conclusos ao Juiz materialmente competente, dever-se-á manter o efeito suspensivo decretado, nos termos conjugados do artigo 373º, n.º 1, alínea d) do CPC (que dispõe que “… o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca: Se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova ação em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior”) e artigo 14º, n.º 2 do CPTA (que estatui que “Quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa e fiscal, pode o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo”).“
*
II.2 – APRECIAÇÃO DOS RECURSOS
São as seguintes AS QUESTÕES A RESOLVER contra a decisão jurisdicional ora impugnada:
- Erros de direito quanto à incompetência em razão da jurisdição relativamente a cada um dos administrativos suspendendos;
- Erro de direito quanto à manutenção do decretamento provisório da providência cautelar solicitada, apesar da falta de competência jurisdicional declarada pelo TAC e apesar da extinção da instância cautelar.
Passemos, assim, à análise do recurso de apelação. Portanto, considerada a factualidade dada por assente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso.

1 – Da incompetência em razão da jurisdição
1.1.
A competência material da Jurisdição Administrativa está sobretudo prevista nos artigos 212º/3 CRP (Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.) e 4º/1/2 ETAF (vd., por ex., as als. a)(1) ., b)(2), e k)(3). e l(4).
Naturalmente sem prejuízo do previsto em leis avulsas, até porque existe a al. o) do artigo 4º/1 ETAF, segundo o qual compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a “relações administrativas que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores”.
1.2.
O ato administrativo de 20-11-2017 (encerramento imediato de unidade de indústria transformadora - secagem de bagaço de azeitona – por falta de licença de exploração de exploração industrial), a que estranhamente o TAC chamou de notificação, enquadra-se claramente no âmbito do procedimento contraordenacional previsto nos artigos
-41º/1-a) (Quando se revele necessário para a instrução do processo de contraordenação ambiental ou quando estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente, a autoridade administrativa pode determinar uma ou mais das seguintes medidas: a) Suspensão da laboração ou o encerramento preventivo no todo ou em parte da unidade poluidora) – na “PARTE II Do processo de contraordenação, TÍTULO I Das medidas cautelares” -,
-43º/1 (As notificações em processo de contraordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, sempre que se impute ao arguido a prática de contraordenação da decisão que lhe aplique coima ou admoestação, sanção acessória ou alguma medida cautelar, bem como a convocação para este assistir ou participar em atos ou diligências.)
-e 49º (Direito de audiência e defesa do arguido) da LQCA (Lei nº 50/2006, lei quadro das contraordenações ambientais) e no Sistema da Indústria Responsável regulado no DL 169/2012 alterado pelo DL 73/2015 (vd. artigos 71º/2/5(5) , 75º/2-j)(6)º e 77º/2(7) ; Anexo III).
Trata-se de uma medida cautelar no âmbito contra-ordenacional (artigo 41º/1 LQCA.(8)
Como tal, o litígio consequente parece não caber em nenhuma das alíneas do nº 1 do artigo 4º ETAF.
Pelo que se lhe aplica o artigo 211º/1 CRP (Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais) e o artigo 40º/1 LOSJ (Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.).
E, ao contrário do referido pela requerente, e se estivessemos aqui fora do ilícito de mera ordenação social, sempre poderia haver tutela cautelar nos termos do CPC.
Porém, estamos em sede contraordenacional, para cujas medidas cautelares administrativas regem especificamente a LGCO e a cit. LQCA, bem como garantias similares às do processo penal, não se lhes aplicando os artigos 112º ss CPTA ou os artigos 362º ss CPC.
1.3.
O 2º ato administrativo, o de 21-11-2017 (medidas preventivas quanto ao exercício da atividade não licenciada, para evitar danos ambientais futuros: não receber mais bagaço, enviar à IGAMOT um plano, implementar várias medidas nos locais da atividade), a que estranhamente o TAC chamou de mandado, enquadra-se claramente numa atividade administrativa não contraordenacional (cf. artigos 2º/1/2-e)-h)(9) e 4º/1-b)-c)(10) do DL 23/2012 alt. pelo DL 153/2015 - orgânica da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, artigos 266º e 272º/2 da CRP, artigo 10º/2-d)-g) do DL 17/2014 - Lei Orgânica do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia(11), artigo 3º/c) da Lei 19/2014 - bases da política de ambiente(12), e o CPA/2015).
Como tal, trata-se daquilo a que se pode chamar de polícia administrativa, como refere o MP. Fora da área das sanções, incluindo das contraordenações ou coimas, ao contrário do brevemente entendido pelo TAC.
Portanto, o litígio consequente cabe no âmbito da Jurisdição Administrativa, de acordo com os artigos 212º/3 CRP e 4º/1-b) -k) ETAF.
Pelo que o TAC errou e deveria conhecer deste concreto litígio.
Cf., sobre esta matéria em geral, os Acs.:

- do TCA Sul de 24-05-2018, p. nº 1336/17…: “i) Nos termos do previsto na alínea l) do nº 1 do art. 4º, do ETAF é atribuída competência aos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. ii) Estando a contra-ordenação em causa tipificada em diploma que regulamenta a instalação e funcionamento de recintos de espetáculos (no âmbito das competências das câmaras municipais, em desenvolvimento do regime previsto na alínea s) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), não é a mesma uma contra-ordenação urbanística – no sentido estrito do conceito (art. 4.º, nº 1, al. l), do ETAF) – e como tal encontra-se subtraída ao âmbito da jurisdição administrativa. iii) A violação das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, exceção que determina a remessa do processo ao tribunal declarado competente, a menos que este se tenha também já declarado incompetente por decisão transitada em julgado, caso em que se verificará um conflito negativo de competência (cfr. arts. 33.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, do CPP, aplicável ex vi do art. 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro).”;
- do STA de 13-11-2007, p. nº 0679/07;
- confirmando a contrario sensu, do STA de 11-09-2012, p. nº 0185/11.
2 – Da manutenção do decretamento provisório da providência cautelar solicitada, apesar da falta de competência jurisdicional declarada pelo TAC e apesar da extinção da instância cautelar
2.1.
Como se sabe, o artigo 131º/1/2/3/4/5/6 do CPTA (com o artigo 116º/5) tem em vista prevenir o periculum in mora do próprio processo cautelar, numa concretização dos artigos 268º/4 e 20º/5 CRP – cf. MÁRIO AROSO/C.C., Comentário ao CPTA, 4ª ed., pp. 1036 ss; PAULO PEREIRA GOUVEIA, As realidades…, in CJA, 55, pp. 13-14.
É claro que valem ali os obstáculos previstos no artigo 116º/2 CPTA, designadamente a al. f): “manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal”.
Ora, no caso sub judice, paradoxalmente o TAC declarou-se sem competência jurisdicional para apreciar as providencias cautelares solicitadas e, ao mesmo tempo, não viu nenhuma ilegalidade do decretamento provisório.
Também, paradoxalmente, extinguiu a instância, com base na sua incompetência jurisdicional, mas afirmou manter-se o despacho liminar que decretara provisoriamente as providencias cautelares.
Porém, como é lógico, se o TAC não tinha competência para julgar o processo cautelar (quanto a um ou aos dois atos administrativos suspendendos), também não tinha competência para aplicar o artigo 131º CPTA. É que tudo se encontra no âmbito da mesma relação jurídica administrativa (ou relações), valendo globalmente o previsto nos artigos 211º/1 e 212º CRP, 4º ETAF e 40º/1 LOSJ.
Por outro lado, extinguindo-se a instância com o julgamento pela incompetência jurisdicional (cf. artigo 277º/a) CPC), é evidente que se extingue o decretamento provisório, os seus efeitos, até porque não há mais processo cautelar que possa padecer ele próprio de periculum in mora.
Note-se, ainda, que no CPC, a aplicar pelos tribunais judiciais cíveis, não existe um dispositivo semelhante ao artigo 131º CPTA.
2.2.
Assim e tendo ainda em consideração o explanado supra em 1., deve manter-se o decretamento provisório da providência cautelar quanto ao ato administrativo de 21-11-2017, por haver competência jurisdicional do TAC.
Mas já o mesmo não se pode dizer quanto ao decretamento provisório da providência quanto ao ato administrativo de 20-11-2017, pois este é alheio à autorização constitucional e infraconstitucional sobre o âmbito da Jurisdição Administrativa.
Não se tratou de uma nulidade processual, mas sim de um erro de direito consequente a uma falta de competência jurisdicional (vd. ainda o cit. artigo 116º/2-f) CPTA).

3 - Em síntese:
- O TAC errou ao declarar-se sem competência jurisdicional relativamente ao pedido cautelar referente ao ato administrativo de 21-11-2017;
- O TAC errou ao decidir manter o despacho previsto no artigo 131º CPTA, apesar de se declarar sem competência jurisdicional para apreciar o pedido cautelar e apesar de se extinguir a instância.
*
III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
- Conceder provimento ao recurso do MP e conceder provimento parcial ao recurso da Requerente,
- Declarar a competência material desta Jurisdição para apreciar o pedido cautelar referente ao ato administrativo de 21-11-2017,
- Revogar, assim, a decisão cautelar recorrida
- na parte em que declarou a incompetência jurisdicional do TAC relativamente ao cit. ato administrativo de 21-11-2017 e
- na parte em que manteve o decretamento provisório da suspensão de eficácia, adotado ao abrigo do artigo 131º CPTA, com referência ao 1º ato administrativo, o de 20-11-2017.
Pelo que o processo cautelar baixará ao TAC a fim de ser tramitado para, se nada mais obstar a isso, se apreciar o pedido cautelar referente ao ato administrativo de 21-11-2017.
Custas do recurso do MP a cargo dos contra-alegantes em partes iguais.
Custas do recurso da requerente a cargo desta e do ministério em partes iguais.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 11-07-2018


Paulo H. Pereira Gouveia – Relator


Catarina Jarmela


Conceição Silvestre


(1) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais.
(2) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.
(3) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas.
(4) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
(5) Artigo 71.º Fiscalização
1 - A fiscalização do cumprimento do disposto no SIR incumbe:
a) À Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE); e
b) À câmara municipal territorialmente competente nos estabelecimentos relativamente aos quais esta última é a entidade coordenadora.
c) (Revogada.)
2 - A competência para a fiscalização atribuída ao abrigo do número anterior não prejudica as competências próprias de outras entidades e a possibilidade de realização de ações de fiscalização conjunta.
3 - Para o exercício das competências previstas no n.º 1 e por forma a evitar divergências de critérios na aplicação da lei e no exercício de competências de fiscalização, o IAPMEI, I. P., elabora, em articulação com as entidades aí referidas, linhas orientadoras não vinculativas para o exercício das ações de fiscalização, as quais devem incluir a lista dos aspetos concretos a considerar nas mesmas, sendo objeto de publicação no «Balcão do empreendedor».
4 - O industrial deve facultar às entidades fiscalizadoras a entrada nas suas instalações, bem como fornecer as informações que por aquelas lhe sejam solicitadas, de forma fundamentada, sempre que tais informações não se encontrem já disponíveis no «Balcão do empreendedor».
5 - Quando, no decurso de uma ação de fiscalização, qualquer das entidades fiscalizadoras detetar o incumprimento das medidas por ela prescritas, deve desencadear as ações adequadas, nomeadamente através do levantamento do competente auto de notícia, dando conhecimento de tal facto à entidade coordenadora.
(6) 2 - Constitui contraordenação punível com coima de (euro) 250 a (euro) 2500, tratando-se de pessoa singular, ou de (euro) 2500 a (euro) 44 000, tratando-se de pessoa coletiva:
a) A execução de projeto de instalação de estabelecimento industrial de tipo 1, sem que tenha sido emitido o título digital de instalação referido no artigo 24.º;
b) (Revogada.)
c) A execução de projeto de instalação de estabelecimento industrial de tipo 2, sem que tenha sido emitido o título digital de instalação e exploração referido no artigo 32.º;
d) A execução de projeto de instalação ou o início da exploração de ZER, sem que tenham sido emitidos o título digital de instalação e de exploração por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º;
e) A execução de projeto de alterações de estabelecimento industrial sujeito ao procedimento com vistoria prévia, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 39.º, sem que tenha sido emitido o título de alteração correspondente;
f) A execução de projeto de alterações de estabelecimento industrial sujeito ao procedimento sem vistoria prévia ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 39.º, sem que tenha sido emitido o título de alteração correspondente;
g) A execução de projeto de alterações de estabelecimento industrial sujeito a mera comunicação prévia ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 39.º, sem que tenha sido emitido o título de alteração correspondente;
h) A execução de projeto de alterações de ZER sujeito aos procedimentos previstos no artigo 54.º, sem que tenha sido emitido o título de alteração correspondente;
i) O início da exploração de um estabelecimento industrial de tipo 1 ou de tipo 2 sem que tenha sido emitido o título digital de exploração a que se refere o artigo 25.º-B ou o título digital de instalação e exploração a que se refere o artigo 32.º, respetivamente;
j) O início da exploração de estabelecimento industrial de tipo 3, em violação do disposto no artigo 34.º;
k) A inobservância das condições de exploração do estabelecimento industrial fixadas no título digital de exploração ou no título digital de instalação e exploração, respetivamente, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 25.º-B ou no n.º 2 do artigo 32.º e no n.º 6 do artigo 37.º;
l) A inobservância das condições de exploração de ZER fixadas no título digital de exploração nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 50.º, ou ainda, aquando da respetiva atualização, nos termos do n.º 6 do artigo 52.º;
m) A infração ao dever de comunicação previsto no n.º 3 do artigo 3.º e nos n.os 1 e 4 do artigo 38.º;
n) A inobservância do disposto no artigo 4.º;
o) (Revogada.)
p) A infração ao disposto no artigo 51.º;
q) A infração ao disposto no n.º 4 do artigo 71.º
(7) Artigo 77.º Competência sancionatória
1 - Compete à ASAE a instrução dos processos de contraordenação por infração ao disposto no SIR e ao seu inspetor-geral a aplicação das respetivas coimas e sanções acessórias.
2 - Compete às câmaras municipais territorialmente competentes, quando as mesmas sejam entidade coordenadora, a instrução dos processos de contraordenação por infração ao disposto no SIR e aos seus presidentes a aplicação das respetivas coimas e sanções acessórias.
(8) 1 - Quando se revele necessário para a instrução do processo de contraordenação ambiental ou quando estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente, a autoridade administrativa pode determinar uma ou mais das seguintes medidas:
a) Suspensão da laboração ou o encerramento preventivo no todo ou em parte da unidade poluidora;
b) Notificação do arguido para cessar as atividades desenvolvidas em violação dos componentes ambientais;
c) Suspensão de alguma ou algumas atividades ou funções exercidas pelo arguido;
d) Sujeição da laboração a determinadas condições necessárias ao cumprimento da legislação ambiental;
e) Selagem de equipamento por determinado tempo;
f) Recomendações técnicas a implementar obrigatoriamente quando esteja em causa a melhoria das condições ambientais de laboração;
g) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma.
2 - A determinação referida no número anterior vigora, consoante os casos:
a) Até à sua revogação pela autoridade administrativa ou por decisão judicial;
b) Até ao início do cumprimento de sanção acessória de efeito equivalente às medidas previstas no artigo 30.º da presente lei;
c) Até à superveniência de decisão administrativa ou judicial que não condene o arguido às sanções acessórias previstas no artigo 30.º, quando tenha sido decretada medida cautelar de efeito equivalente;
d) Até à ultrapassagem do prazo de instrução estabelecido pelo artigo 48.º
(9) Artigo 2.º Missão e atribuições
1 - A IGAMAOT tem por missão avaliar o desempenho e a gestão dos serviços e organismos do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia (MAOTE) e do Ministério da Agricultura e do Mar (MAM), ou sujeitos à tutela dos respetivos ministros, através de ações de auditoria e controlo, bem como assegurar o permanente acompanhamento e avaliação do cumprimento da legalidade nas áreas do ambiente, do ordenamento do território e da conservação da natureza e, ainda, exercer o controlo e auditoria no âmbito da segurança alimentar e o controlo de apoios financiados por fundos nacionais e da União Europeia, a favor da agricultura, das florestas, do desenvolvimento rural e da política do mar.
2 - A IGAMAOT prossegue, designadamente, as seguintes atribuições:
a) Realizar, com caráter sistemático, auditorias, inspeções e outras ações de controlo à atividade prosseguida pelos organismos, serviços e entidades dependentes do MAOTE e do MAM, ou sujeitos à tutela dos respetivos ministros;
b) Realizar inquéritos, averiguações e outras ações que lhe sejam superiormente determinadas;
c) Exercer o controlo financeiro sectorial ao nível do MAOTE e do MAM, no quadro dos objetivos e metas anuais e plurianuais traçadas no âmbito do Sistema de Controlo Interno (SCI) da Administração Financeira do Estado;
d) Efetuar de forma sistemática o acompanhamento e avaliação do grau de implementação das recomendações formuladas aos organismos, serviços e entidades auditados no âmbito das ações levadas a cabo pela IGAMAOT;
e) Assegurar a realização de ações de auditoria administrativa e financeira, bem como de inspeção a entidades públicas e privadas em matérias de incidência ambiental, incluindo as relativas ao cumprimento das normas tributárias de taxas e contribuições ambientais, e impor as medidas que previnam ou eliminem situações de perigo grave para a saúde, segurança das pessoas, dos bens e do ambiente;
f) Proceder a ações de inspeção no âmbito do MAOTE e junto de entidades integradas na administração central e local, de modo a acompanhar e avaliar o cumprimento da legalidade no âmbito do ordenamento do território e conservação da natureza;
g) Exercer funções próprias de órgão de polícia criminal relativamente aos crimes que se relacionem com o cumprimento da sua missão em matérias de incidência ambiental, sem prejuízo das atribuições de outras entidades;
h) Instaurar, instruir e decidir processos de contraordenação ambiental, nos termos da lei-quadro das contraordenações ambientais, bem como nos demais casos previstos na lei, e levantar auto de notícia relativo às infrações legalmente definidas.
..
(10) Artigo 4.º Inspetor-geral
1 - Sem prejuízo das competências que lhe estão conferidas por lei ou que nele sejam delegadas ou subdelegadas, compete ao inspetor-geral:
a) Representar e assegurar as relações da IGAMAOT junto de outros serviços e entidades nacionais e internacionais;
b) Determinar as medidas preventivas previstas na alínea e) do n.º 2 do artigo 2.º ou outras que se revelem necessárias, bem como emitir os mandados necessários para a execução das referidas medidas;
c) Determinar e decidir os processos relativos a ilícitos de mera ordenação social cuja competência caiba à IGAMAOT.
2 - Os subinspetores-gerais exercem as competências que lhes sejam delegadas ou subdelegadas pelo inspetor-geral, devendo este identificar a quem compete substituí-lo nas suas faltas e impedimentos.

(11) 1 - A Inspeção-Geral dos Ministérios do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e da Agricultura e do Mar, abreviadamente designada por IGAMAOT, tem por missão avaliar o desempenho e a gestão dos serviços e organismos do MAOTE e do MAM, ou sujeitos à tutela dos respetivos ministros, através de ações de auditoria e controlo, aferir a correta atribuição de apoios financeiros nacionais e comunitários e, nas áreas do ambiente e do ordenamento do território, assegurar o permanente acompanhamento e avaliação do cumprimento da legalidade.
2 - A IGAMAOT prossegue, designadamente, as seguintes atribuições:
a) Realizar, com carácter sistemático, auditorias, inspeções e outras ações de controlo à atividade prosseguida pelos organismos, serviços e entidades dependentes ou tutelados pelo MAOTE e pelo MAM;
b) Realizar inquéritos, averiguações e outras ações que lhe sejam superiormente determinadas;
c) Exercer o controlo financeiro sectorial ao nível do MAOTE e do MAM, no quadro dos respetivos objetivos e metas anuais e plurianuais traçadas no âmbito do Sistema de Controlo Interno (SCI) da Administração Financeira do Estado;
d) Assegurar a realização de ações de inspeção a entidades públicas e privadas em matérias de incidência ambiental, impondo as medidas que previnam ou eliminem situações de perigo grave para a saúde, segurança das pessoas, dos bens e do ambiente;
e) Proceder a ações de inspeção no âmbito do MAOTE e junto de entidades integradas na administração central e local, de modo a acompanhar e avaliar o cumprimento da legalidade no âmbito do ordenamento do território;
f) Exercer funções próprias de órgão de polícia criminal relativamente aos crimes que se relacionem com o cumprimento da sua missão em matérias de incidência ambiental, sem prejuízo das atribuições de outras entidades;
g) Instaurar, instruir e decidir processos de contraordenação ambiental, nos termos da lei-quadro das contraordenações ambientais, bem como nos demais casos previstos na lei, e levantar auto de notícia relativo às infrações legalmente definidas;
(12) Artigo 3.º Princípios materiais de ambiente
A atuação pública em matéria de ambiente está subordinada, nomeadamente, aos seguintes princípios:

c) Da prevenção e da precaução, que obrigam à adoção de medidas antecipatórias com o objetivo de obviar ou minorar, prioritariamente na fonte, os impactes adversos no ambiente, com origem natural ou humana, tanto em face de perigos imediatos e concretos como em face de riscos futuros e incertos, da mesma maneira como podem estabelecer, em caso de incerteza científica, que o ónus da prova recaia sobre a parte que alegue a ausência de perigos ou riscos;