Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04690/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/07/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. COMPROVAÇÃO DE CUSTOS.
I.R.C. NOÇÃO DE CUSTOS.
CUSTOS NÃO DOCUMENTADOS. TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA.
PROVISÕES. NOÇÃO E REQUISITOS DO RELEVO CONTABILÍSTICO ENQUANTO CUSTOS.
Sumário:1. Em sede de I.R.C, atento o disposto nos artºs.17, nº.3, e 98, do C.I.R.C., no que respeita às obrigações contabilísticas a que estão submetidos todos os sujeitos passivos de imposto, para se concluir quanto ao efectivo suporte de custos constante de documento interno, teria o contribuinte que fazer prova documental dos mesmos, nomeadamente das facturas e recibos emitidos que possibilitassem a comprovação definitiva do pagamento a terceiros das despesas associadas a cada um dos contratos em que foi parte. Mais se dirá que um único depoimento testemunhal não pode fazer prova do efectivo suporte dos custos em causa, atenta a natureza e força probatória da prova testemunhal (cfr.artºs.392 e 393, do C.Civil).
2. Os custos ou perdas da empresa constituem os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa (cfr.artº.23, do C.I.R.C.). A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. Desta forma nos aparecem, devido à rigidez da lei fiscal, os encargos que, embora classificados e contabilizados como custos, não assumem essa natureza em sede de I.R.C., razão por que não são considerados para efeitos de determinação do lucro fiscal. Esses encargos são os constantes do artº.41, do C.I.R.C. A al.h), do nº.1, deste preceito (artº.41, do C.I.R.C.), concretamente, não permite a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação.
4. Os encargos identificados no nº.3 não podem ser dedutíveis como custos para efeitos de determinação do lucro tributável do sujeito passivo de imposto, e sobre os mesmos devendo incidir a tributação autónoma prevista no citado artº.4, do dec.lei 192/90, de 9/6.
5. As contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais de provável processamento futuro ou apenas de montante actualmente incerto. A provisão cria-se com um fim imediato em vista, nomeadamente o de fazer face a um ou mais créditos que se crêem mal parados.
6. As provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e, bem assim, as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos na lei fiscal, considerar-se-ão proveitos ou ganhos do respectivo exercício (cfr.artº.33, §2, do antigo C.C.I.; artº.33, nº.2, do C.I.R.C.).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.479 a 493 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada tendo por objecto liquidação de I.R.C. e juros compensatórios, relativa ao ano de 1999.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.518 a 525 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por “A...- A..., S.A.”, tendo por objecto a liquidação de I.R.C. e de Juros Compensatórios do exercício de 1999;
2-A douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorrecta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei;
3-Considerou a douta sentença que a listagem junta pela impugnante, não obstante tratar-se de documento interno, é apta a comprovar os custos, porquanto consta da mesma a identificação dos custos plurianuais imputados ao exercício de 1999, a identificação dos beneficiários, a data e o prazo de celebração do contrato de exclusividade, e os montantes das comparticipações pagas;
4-Sendo que, na opinião da Meritíssima Juíza “a quo” o testemunho prestado em audiência comprova a efectividade dos custos;
5-Mencionando, ainda, a douta sentença, que a Administração Fiscal não solicitou à impugnante quaisquer elementos justificativos dos valores constantes do documento interno, aderindo sem reservas ao alegado na petição inicial no sentido de que deveria a Administração Fiscal notificar os beneficiários dos pagamentos para obter informação e confirmação sobre os dados constantes da contabilidade;
6-A correcção controvertida fundamentou-se na existência de custos declarados que não foram aceites porque a listagem interna de distribuição plurianual dos gastos não é, por si só, suficiente para comprovar a veracidade dos lançamentos contabilísticos, nem o cumprimento dos contratos, bem como o pagamento que a impugnante alega ter efectuado;
7-A Administração Fiscal limitou-se a não reconhecer o direito que a impugnante se arroga de ver aqueles “custos” relevados negativamente no lucro tributável, tendo notificado a impugnante para se pronunciar sobre o projecto de correcções, sendo que na resposta ao direito de audição veio a impugnante justificar alguns valores atinentes a contratos de exclusividade devidamente comprovados o que resultou na anulação das correcções aos mesmos subjacentes;
8-Ora, à Administração Fiscal não cabe suprir as deficiências de que possa padecer a contabilidade dos sujeitos passivos, aos quais compete o ónus da prova da existência das operações que alegam como fundamento dos custos declarados;
9-Com efeito, o lucro tributável para efeitos de tributação em I.R.C. tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, nos termos do artº.17, nº.1, do C.I.R.C., a qual deverá estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do lucro tributável (artº.98, nº.1, do C.I.R.C.);
10-Acresce que, de acordo com o que dispõe a artº.98, nº.3, al.a), do CIRC, “todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de ser apresentados sempre que necessário”;
11-E quanto à noção de custo para efeitos fiscais, dispõe o artº.23, do C.I.R.C., que só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, sendo que o artº.41, nº.1, al.h), do mesmo diploma, impede a dedução fiscal dos encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos;
12-Por outro lado, não se desconhece que a jurisprudência e a doutrina, designadamente a mencionada pela Meritíssima Juíza, é unânime em considerar que a comprovação de custos pode ser efectuada, no caso de inexistência de documento de origem externa, mediante documento interno, desde que este contenha os elementos essenciais das facturas e desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova;
13-Não obstante, “in casu” andou mal a douta sentença ao julgar comprovados os custos, determinando que as listagens internas possuíam todos os elementos exigíveis, quando não possuem, sequer, os números de identificação fiscal dos beneficiários dos pagamentos;
14-Não tendo sido efectuada prova adicional que permita confirmar a efectiva realização da despesa, designadamente, os contratos, os recibos e as facturas ou qualquer outro elemento que demonstre a saída dos meios de pagamento da esfera jurídica da impugnante;
15-Concluindo-se que a douta sentença incorreu em erro na valoração da prova e na interpretação das disposições legais citadas ao dar como provados os custos com os contratos de exclusividade;
16-Sendo que tal erro na valoração da prova se projectou, igualmente, na decisão de julgar inaplicável o artº.41, nº.1, do C.I.R.C., bem como na não sujeição a tributação autónoma tal como previsto no artº.4, do dec-lei 192/90, de 9/6;
17-Com efeito, a prova produzida não permite a confirmação das operações, incluindo a sua origem, natureza e finalidade, concluindo-se pela confidencialidade dos encargos e pela sujeição a tributação autónoma;
18-Já no que concerne à redução das provisões tributadas refere a douta sentença que não se poderá deixar de acolher a posição da impugnante, sem fundamentar tal posição, designadamente com as disposições legais aplicáveis e limitando-se, apenas, a transcrever parte da petição inicial relativa à alegação em análise;
19-A correcção efectuada pela inspecção resultou da divergência entre os elementos da contabilidade, designadamente, o valor inscrito na conta de proveitos e o valor deduzido na declaração Modelo 22, sendo que a dedução extra contabilística ao resultado líquido do exercício dependia dos montantes em causa terem sido considerados proveitos;
20-Ora, não logrou a impugnante provar, ónus que sobre si impende atento ao disposto no artº.74, da L.G.T., a razão de ser da divergência detectada, tendo a mesma procedido a uma dedução indevida, pelo que a correcção efectuada é perfeitamente legal, nos termos do artº.17, do C.I.R.C.;
21-Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida, por padecer a mesma de um erro de julgamento de facto e de direito por violação dos artºs.17, nº.1, 23, nº.1, 41, nº.1, al.h), e 98, nºs.1 e 3, todos do C.I.R.C., dos artºs.74 e 75, da L.G.T., e do artº.4, do dec.lei 192/90, de 9/6;
22-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.
X
Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.562 a 591 dos autos), sustentando, nas Conclusões, o seguinte:
1-O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que decidiu julgar totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrida da liquidação adicional nº.8310005856, referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.) do exercício de 1999, no montante de € 4.357.428,66;
2-A posição sustentada pela recorrente nas suas doutas alegações de recurso carecem de qualquer suporte jurídico ou factual, pelo que a sentença ora recorrida não merece qualquer censura, requerendo-se a sua confirmação por parte deste Venerando Tribunal, bem como a total improcedência do presente recurso;
3-Na óptica da Administração Tributária, como resulta da posição exposta no relatório final de inspecção, os custos suportados com os contratos de exclusividade não estão suportados com documentos válidos para efeitos de aceitação da respectiva dedutibilidade fiscal no exercício de 1999, pelo que se tratariam de custos não documentados na acepção do disposto no artº.41, do C.I.R.C., na redacção à data dos factos tributários;
4-Conforme resulta do depoimento da testemunha Dr. Paulo Cerveira, os contratos de exclusividade eram celebrados com as empresas revendedoras de combustíveis e lubrificantes por prazos que variavam entre 5 e 20 anos, tudo dependendo da capacidade do revendedor e o interesse da recorrida na zona de actividade do revendedor;
5-Como contrapartida da exclusividade concedida pelos revendedores, a recorrida efectuava o pagamento de uma contribuição fixa;
6-A remuneração paga pela recorrida consistia numa contribuição fixa por todo o período de vigência do contrato, a ser paga pela totalidade aquando da celebração do contrato, facto confirmado pela testemunha Dr. Paulo Cerveira;
7-Os custos suportados pela recorrida com o pagamento da remuneração fixa acordada com os revendedores foram imputados pela recorrida numa base anual, na proporção da vigência do contrato, uma vez que os mesmos tinham reflexo em mais de um exercício;
8-Conforme resulta da prova produzida pela recorrida e como expressamente reconhecido pelo Tribunal “a quo”, a Administração Tributária nunca solicitou expressamente a junção de cópias dos contratos de exclusividade, no decorrer do procedimento de inspecção;
9-Em sede de I.R.C., o artº.18, nº.5, do C.I.R.C., impunha o diferimento dos custos plurianuais, pelo que o registo/imputação do custo dividido pelo número de anos de vigência do contrato mostra-se o único procedimento consentâneo com a normalização contabilística em vigor, dispondo igualmente de cobertura na legislação fiscal aplicável;
10-Os custos suportados estão titulados por contratos, tendo a recorrida junto aos autos cerca de 30 cópias de contratos;
11-Todos os custos estão devidamente registados na contabilidade da recorrida, em contas de terceiros, que permitem evidenciar os montantes pagos e respectivos beneficiários;
12-Inexiste prova de que a inspecção tributária tenha solicitado cópia dos contratos celebrados pela recorrida, nem tal factualidade resulta dos documentos anexos ao procedimento administrativo tributário;
13-O Representante da Fazenda Pública não logrou evidenciar que a inspecção tributária tenha contactado ou solicitado informação aos revendedores e beneficiários dos pagamentos efectuados pela recorrida;
14-Alguns dos contratos foram celebrados há mais de 10 anos, não estando a recorrida legalmente obrigada a manter cópia dos mesmos;
15-Na óptica da ora recorrida, esta fez prova - por amostragem relevante - da efectividade e materialidade do custo suportado com estes contratos de natureza plurianual, sendo manifestamente ilegal, por violação do princípio da proporcionalidade previsto no artº.7, do R.C.P.I.T., exigir a um sujeito passivo que reúna cópias de centenas de contratos, alguns deles celebrados há mais de 10 anos;
16-Ao contrário do alegado pela Fazenda Pública, os lançamentos contabilísticos efectuados pela ora recorrida estão apoiados em documentos justificativos, documentos estes apresentados e disponibilizados à Administração Tributária, o que se invoca para efeitos de cumprimento do disposto no artº.98, do C.I.R.C., e de improcedência das alegações da Fazenda Pública sobre a matéria;
17-A posição defendida pela Fazenda Pública no presente recurso carece de base legal, por violação do artº.23, do C.I.R.C., das regras de repartição do ónus de prova previstas no artº.74, da L.G.T., padecendo ainda de vício de falta de fundamentação, uma vez que a Administração Tributária não logrou apresentar elementos concretos susceptíveis de afastar a presunção de veracidade de que gozam os elementos de suporte apresentados pela recorrida nos presentes autos;
18-Nos termos dos artºs.6, do R.C.P.I.T., e 58, da L.G.T., a Administração Tributária está adstrita à busca da verdade material e à prática de todos os actos necessários tendentes a apurar a situação tributária dos sujeitos passivos;
19-No caso em apreço, a Administração Tributária limitou-se a recusar a dedutibilidade de um custo com fundamento na ausência de um documento externo, contudo não cuidou de notificar a ora recorrida para a sua apresentação, nem tão pouco notificou os beneficiários de tais pagamentos para efeitos de cruzamento de informação com os dados constantes da sua contabilidade;
20-Inexistindo prova de tais diligências, parece claro que a Administração Tributária não logrou assim cumprir o ónus de prova que lhe cabia, não tendo realizado no presente procedimento de inspecção prova suficiente para concluir no sentido da não dedutibilidade dos custos, o que determina a existência de uma situação de insuficiência probatória da presente acção de inspecção tributária passível de pôr em crise as correcções efectuadas em sede inspectiva, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
21-A inspecção tributária estava assim adstrita à adopção de outras diligências de prova, o que implica uma clara violação do princípio do inquisitório conforme preceituado nos artºs.6, do R.C.P.I.T., e 58, da L.G.T.;
22-Como resulta da prova dada por assente - ou, pelo menos, o contrário não foi evidenciado pela ora recorrente - a ora recorrida sempre colaborou com a equipa de inspecção no sentido da entrega da documentação solicitada, bem como no sentido da prestação das informações/esclarecimentos sobre o enquadramento factual das operações subjacentes aos custos em causa;
23-Em sede judicial, a recorrida juntou cópia de cerca de 30 contratos de exclusividade, sendo, assim, falso que a recorrida não tenha logrado produzir qualquer elemento de prova para comprovação dos custos;
24-Não pode é a antiguidade dos contratos, e sua valorização plurianual servir para o Fisco encontrar mecanismos automáticos de obtenção de receita fiscal;
25-Tendo a recorrida, em sede dos presentes autos, apresentado prova documental e testemunhal passível de comprovar a efectividade dos custos suportados em 1999, nenhuma dúvida restará que a presente correcção deve ser anulada, tal como determinado pelo Tribunal “a quo”, sob pena de manifesta violação do artº.23, do C.I.R.C., e dos princípios da legalidade, da justiça, da boa-fé e da tributação segundo o lucro real;
26-Não logrando a recorrente pôr em crise a bondade e credibilidade da prova testemunhal produzida em audiência, parece claro que inexiste qualquer base legal ou factual passível de sustentar a argumentação da recorrente e o alegado erro na valoração da prova por parte do Tribunal “a quo”;
27-Da análise da prova carreada para os autos - documental e testemunhal - parece evidente que a recorrida logrou fazer prova da materialidade dos custos e sua relevância para os efeitos consignados no artº.23, do C.I.R.C.;
28-A correcção efectuada aos custos contabilizados pela ora recorrida padece de manifesto vício de lei, o que importará a sua anulação e consequente anulação da tributação autónoma, por falta de pressupostos legais;
29-Não é verdade que as despesas não estejam documentadas, pois, como resulta assente nos presentes autos, todos os custos em causa estão registados contabilisticamente, com concreta identificação do respectivo beneficiário, datas dos contratos e identificação dos montantes imputados nos termos do artº.18, do C.I.R.C.;
30-Mesmo que admitíssemos que os custos relacionados com os contratos de exclusividade não se encontravam suficientemente documentados, o que se invoca sem conceder, face a toda prova efectuada pela recorrida nos presentes autos, nunca tal situação seria por si só suficiente para preencher os requisitos previstos no dec.lei 192/90 e sujeitar tais custos a tributação autónoma;
31-O conceito de despesa indevidamente documentada não cabe no dec.lei 192/90, uma vez que a sanção para o incumprimento das regras de contabilização e evidenciação dos custos passa pela sua desconsideração para efeitos fiscais e não a sua sujeição a tributação autónoma, ao contrário da posição assumida pela Administração Tributária nos presentes autos;
32-Os valores pagos pela recorrida no âmbito dos referidos contratos estão perfeitamente identificados, sendo absolutamente clara a sua natureza, finalidade e origem, bem como os respectivos beneficiários, conforme resulta amplamente da documentação recolhida pela Administração Tributária e apensa ao relatório de inspecção;
33-Não resta nenhuma dúvida de que estamos perante despesas documentadas, mostrando-se, em absoluto, ferida de ilegalidade a sua sujeição a tributação autónoma ao abrigo do dec.lei 192/90, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de anulação da respectiva correcção no valor de € 1.081.727,70, no sentido já defendido pelo Tribunal “a quo” na douta decisão ora recorrida, e da consequente improcedência do presente recurso;
34-Conforme amplamente demonstrado no presente processo, em particular a partir do testemunho do Dr. Paulo Cerveira, a recorrida não procedeu a qualquer utilização de provisões não tributadas no exercício de 1999, pois do que se tratou foi de um mero erro material no preenchimento do mapa de provisões do ano de 2000, o qual não tem qualquer impacto no resultado fiscal apurado pela recorrida no exercício de 1999;
35-O valor registado pela recorrida no quadro 7, da declaração Modelo 22, do exercício de 1999, reflecte de forma adequada os movimentos das provisões registadas no referido exercício, não tendo existido qualquer utilização de uma provisão não tributada;
36-Como resulta do relatório final de inspecção e do despacho que contém a decisão sobre a reclamação graciosa previamente apresentada pela recorrida, o fundamento invocado pela Administração Tributária para fundamentação da presente correcção resume-se ao facto de a verba de Esc.643.008.400$00 - constante da coluna 4 do mapa de provisões do exercício de 1999 - já não constar da mesma coluna no mapa relativo ao exercício de 2000;
37-Como se constata da análise comparativa entre o valor da coluna 10 do mapa de 1999 e a coluna 2 do mapa de 2000, existe uma total correspondência entre o valor do saldo final e o valor do saldo inicial reportado para o ano de 2000, ou seja, Esc. 3.646.947.896$00, o qual corresponde a Esc.2.716.523.410$00 (provisões referentes a benefícios de reforma), Esc.2.535.545$00 (provisões para acidentes de trabalho) e Esc. 1.369.770.941$00 (provisões para outros riscos);
38-Acresce, ainda, que da análise dos quadros 2 e 3 do mapa de 2000 constata-se que os valores são exactamente idênticos, o que consubstancia um erro no preenchimento do referido mapa, erro este imputável à ora recorrida, é certo, mas sem que daí se possam extrair as conclusões sustentadas pela recorrente nas suas doutas alegações;
39-É assim evidente que não existiu qualquer utilização de provisão não tributada no exercício de 1999, nem a Administração Tributária logrou apresentar qualquer prova neste sentido, o que se invoca para efeitos de improcedência do presente recurso;
40-A sentença ora recorrida não padece de qualquer vício, uma vez que resulta claro da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” os motivos e fundamentos subjacentes à decisão tomada, “in casu”, a adesão aos argumentos factuais invocados pela recorrida para sustentar a anulação da presente correcção, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
41-Termos em que deverá ser anulada a presente correcção ao saldo de provisões do exercício de 1999, devendo subtrair-se à matéria colectável do exercício a quantia de € 3.207.312,28, tal como efectuado pela recorrida, o que implicará a anulação parcial da liquidação de imposto objecto dos presentes autos, e a confirmação da sentença ora recorrida;
42-Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes Desembargadores deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu mui douto juízo, deve o recurso interposto pela recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença ora recorrida no sentido da anulação da liquidação de I.R.C. do exercício de 1999 objecto dos presentes autos, e assim fazendo, Vossas Excelências, a costumada Justiça!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total procedência do presente recurso, desde logo aderindo ao conteúdo do parecer do M. P. exarado em 1ª. Instância a fls.476 e 477 dos autos, mais chamando à colação o ónus da prova que impende sobre a sociedade impugnante e ora recorrida, o qual não foi satisfeito no caso concreto (cfr.fls.602 e 603 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.604 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.480 a 484 dos autos):
1-A ora impugnante, “A...- A..., S.A.” (anteriormente denominada “B...- B..., L.da.”), exerce a sua actividade na área do comércio por grosso de combustíveis líquidos e lubrificantes (cfr.factualidade constante do artº.1 da p.i.);
2-Na sequência das ordens de serviço nº.02/1/213 e nº.02/1/214, de 23 de Agosto de 2002, foi determinada pela Administração Tributária uma inspecção geral externa aos exercícios de 1999 e 2000 da “B...- B..., L.da.” (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.84 a 124 dos presentes autos);
3-Mediante ofício nº.01397, foi a impugnante notificada para, querendo e no prazo de dez dias, exercer o direito de audição, sobre o projecto de conclusões do Relatório de Inspecção (cfr.documento nº.1 junto à p.i. de fls.41 a 73 dos presentes autos);
4-No dia 25 de Fevereiro de 2003, a impugnante exerceu a faculdade a que alude o nº.3 do probatório (cfr.documento nº.2 junto à p.i. de fls.75 a 81 dos presentes autos);
5-No dia 14 de Maio de 2003, a impugnante foi notificada do relatório final de inspecção do qual se destaca:
“(…)
3.1.1.3. – Reduções de provisões tributadas
Verificou-se que, relativamente às provisões fiscalmente não dedutíveis, transitou em 1998 para o exercício de 1999 uma provisão de 643.008 400$00 que não foi tributada em 1998, pelo facto de no ano da sua constituição, não ter afectado o apuramento desse exercício.
Mapa das Provisões Fiscalmente Não Dedutíveis – Exercício de 1999
    (2)
(3)(4)(5)(7)(9)(10)
Impostos s/
Lucros
495.724$495.724$53.842.000$441.882.00$
Outros riscos e encargos3.650.274.645$3.007.266.245$643.008.400$803.442.670$169.425.000$969.540.921$3.646.947.896$

No entanto, no exercício de 1999, deu-se uma redução das provisões anteriormente tributadas colunas 5 e 7) da qual apenas 223 267 000$00 ( total da coluna 7) foram levados a proveitos ( Conta POC 796), tendo o Sujeito Passivo, no entanto, deduzido 1 020 624 748$00, no quadro o7, do campo 228, da declaração M/22, e apresentado um saldo final no campo 30, de 4.088 8296$00 ( total da coluna 10), como provisões anteriormente tributadas, confirmado no exercício seguinte. Com efeito, em 2000, já não constam os 643.008.400$00, na coluna 4 do mapa 30, como a seguir se evidencia:
Mapa das Provisões Fiscalmente Não Dedutíveis – Exercício de 2000
(2)
(3)
(4)
(5)
(7)
(9)
(10)
Provisão ORE – Benef. de reforma2.716.523.410$2.716.523.410$119.010$85.782.050$2.683.295.411$
Provisão ORE – Benef. de Trabalho2.535.545$2.535.545$145.800$2.389.755$
Provisão ORE –Outros riscos1.369.770.941$1.369.770.941$47.634.677$441.882.000$212.690.858$1.092.945.122$

Notificado para se pronunciar sobre esta questão, o contribuinte não avançou com qualquer explicação para o sucedido, embora, consultado o dossier referente à inspecção, anteriormente efectuada à sua escrita, para o exercício de 1998, constasse o esclarecimento de que esta provisão não fora constituída tendo “por contrapartida uma conta 67 – Provisões do exercício, mas antes por contrapartida da conta outros devedores e credores”. Por conseguinte, agora pela sua utilização (em 1999), para a deduzir extra - contabilisticamente ao resultado líquido do exercício, teria que a considerar proveito e tal não sucedeu.
Nestas circunstâncias, concluímos que o Sujeito Passivo incluiu indevidamente na dedução do Campo 228, da referida declaração, do exercício de 1999, uma provisão não tributada de 3.207 312,38 € (643.008.400$00), sem que a respectiva utilização/reposição tenha afectado os proveitos da empresa.
Constata-se assim, uma dedução indevida de 2 207 312,38€ no campo 228, do Modelo 22, não prevista no Código do IRC, e como tal não considerada, nos termos do artigo 17º do CIRC, para efeitos de apuramento do lucro tributável. Por esse motivo, corrige-se o lucro tributável, neste valor.
(…)
3.1.1.6 – Custos não documentados
Correcções à matéria tributável: 3.380.399,07€
O Sujeito Passivo não apresentou os documentos identificados no quadro 3, do anexo 2, que suportam os lançamentos efectuados na sua contabilidade, na conta POC n.º 6223200 – Contratos de Exploração, os quais perfazem 3 380.399,07€.
Os encargos não documentados não são deste modo aceites como custo, nos termos do disposto na alínea h), nº1 do artº 41º e na alínea a), do n.º3 do artigo 98º ambos do CIRC, pelo que vão ser objecto de correcção, para efeitos de apuramento do lucro tributável.
(…)
3.1.1.8 – Tributação autónoma
Imposto em Falta: 1.081.727,70 €
O contribuinte não apresentou os documentos referidos no ponto 3.1.1.6. e identificados no quadro 3 do anexo 2.
Assim, não tendo o contribuinte apresentado os documentos referentes à despesa de 3.380.399,070 € este valor é sujeito a tributação autónoma à taxa de 32%, como previsto pelo n.º1 do art. 4º do Decreto – Lei n.º 192/90, de 9 de Junho (com a redacção do art. 31º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro – OGE/99), donde resulta imposto em falta de 1 081 727,70€. (…)
(cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.84 a 124 dos presentes autos);
6-Na decorrência das correcções efectuadas, no dia 2 de Junho de 2003, a impugnante foi notificada da liquidação adicional de I.R.C. nº.8310005856, referente ao exercício de 1999, no montante de € 4.357.428,66 (cfr.documento nº.4 junto à p.i. a fls.132 dos presentes autos);
7-No dia 30 de Setembro de 2003, a impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 4.499.096,00, no âmbito do processo de execução fiscal instaurado com vista ao pagamento coercivo do montante aposto na liquidação a que alude o nº.6 do probatório (cfr.documento nº.5 junto à p.i. a fls.134 dos presentes autos);
8-No dia 10 de Outubro de 2003, a impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação adicional a que alude o nº.6 do probatório, na qual questionou as seguintes correcções: redução de provisões tributadas, realizações de utilidade social e custos não documentados (cfr.documento nº.6 junto à p.i. de fls.136 a 144 dos presentes autos);
9-No dia 25 de Novembro de 2005, a impugnante foi notificada do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa a que alude o nº.8 do probatório (cfr.documento nº.9 junto à p.i. de fls.159 a 165 dos presentes autos);
10-A impugnante celebrou com “Sobreiro e Jorge, L.da.” e “Carcais - Comércio e Reparação de Viaturas e Barcos, L.da.”, dois acordos, denominados “Contrato de Exclusividade”, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido (cfr.documentos nºs.10 e 11 juntos à p.i. de fls.167 a 171 e de 173 a 177 dos presentes autos, respectivamente);
11-A impugnante celebrou com as entidades: “C..., L.da.”, “D..., L.da.”, “E..., L.da.”, “F..., L.da.”, “G..., L.da.”, “H...& Filhos, L.da.”, “I..., L.da.”, “J..., L.da.”, “K..., L.da.”, “L...- Minho, S.A.”, “L...(Caldas da Rainha), L.da.”, “M...”, “N... (Coimbra) S.A.”, “O..., L.da.”, “P..., S.A. - Oliveira de Azeméis”, “P... - Prior Velho”, “Q... - Comércio Automóvel, S.A.”, “R..., L.da.”, “S..., C.R.L.”, “M...”, “T...- Sociedade de Transportes, L.da.”, “U... L.da.”, “V...- Importação de Automóveis, S.A.”, e “X..., L.da.”, os acordos, denominados “Contrato de Exclusividade”, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido (cfr.documentos juntos a fls.338 a 473 dos presentes autos);
12-É prática do mercado, no sector de actividade da impugnante, existirem contratos de exclusividade com revendedores de combustíveis e lubrificantes (cfr.depoimento da testemunha Z...gravado em CD apenso aos presentes autos);
13-Na data da celebração dos contratos de exclusividade é dada uma contra participação para fidelizar o revendedor à marca de maneira ao aumento das vendas da impugnante (cfr.depoimento da testemunha Z...gravado em CD apenso aos presentes autos);
14-Os contratos de exclusividade constituem um factor de dinamização da própria actividade da impugnante (cfr.depoimento da testemunha Z...gravado em CD apenso aos presentes autos);
15-Não existe um padrão de duração dos contratos de exclusividade, variando o seu período entre 5 a 10 anos, tudo dependendo da capacidade do revendedor e do interesse da impugnante naquela zona (cfr.depoimento da testemunha Z...gravado em CD apenso aos presentes autos);
16-A impugnante, em sede de procedimento de inspecção, apresentou junto da Administração Tributária o documento titulado “Gastos Plurianuais com fomento de vendas - Contratos de Exclusividade” que aqui se dá como integralmente reproduzido (cfr.documento nº.12 junto à p.i. de fls.179 a 195 dos presentes autos; depoimento da testemunha Z...gravado em CD apenso aos presentes autos);
17-No âmbito do procedimento de inspecção a Administração Tributária não solicitou à impugnante a apresentação dos contratos de exclusividade identificados no documento a que alude o nº.16 do probatório (cfr.depoimento da testemunha Z...gravado em CD apenso aos presentes autos);
18-A impugnante, ainda hoje, continua a celebrar contratos de exclusividade (cfr. depoimento da testemunha Z...gravado em CD apenso aos presentes autos);
19-A impugnante suportou os custos enunciados no documento interno a que alude o nº.16 do probatório (cfr.depoimento da testemunha Z...em confronto com os documentos a que aludem os nºs.10 e 11 do presente probatório);
20-No dia 13 de Dezembro de 2005, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos presentes autos);
21-No dia 17/05/2006, o Sr. Director de Finanças de Lisboa, por delegação, procedeu à revogação parcial do acto tributário de liquidação em crise, em concreto da correcção relativa a realizações de utilidade social (cfr.documento junto a fls.253 a 286 do processo administrativo e de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com interesse para a decisão de mérito, dado que inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar já que as asserções da douta petição integram antes conclusões de facto e/ou de direito…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra e depoimento prestado pela testemunha Z..., que se revelou claro e seguro quanto à matéria de facto ao qual foi chamado a responder…”.
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Ao abrigo dos artºs.646, nº.4, e 712, nº.1, al.a), ambos do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário), o Tribunal “ad quem”, fazendo uso de poderes de revisão (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.274 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.225 e seg.), considera como não escrito o nº.19 da matéria de facto supra exarada do qual consta:
“19-A impugnante suportou os custos enunciados no documento interno a que alude o nº.16 do probatório (cfr.depoimento da testemunha Z...em confronto com os documentos a que aludem os nºs.10 e 11 do presente probatório)”.
As razões para assim deliberar são as seguintes:
1-O número do probatório, ora anulado, somente contém matéria conclusiva e não matéria de facto, mais sendo bastante deficiente a fundamentação efectuada pelo Tribunal de 1ª. Instância, exigível ao abrigo do artº.653, nº.2, do C.P.Civil e no artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário, tanto no que respeita à análise crítica das provas, como à indicação dos vectores que foram decisivos para a convicção do julgador;
2-Do depoimento prestado pela testemunha única Z..., o qual está gravado em CD apenso aos presentes autos, não se podem extrair as conclusões a que chegou o Tribunal de 1ª. Instância, dado que nos encontramos perante um depoimento genérico e que não concretiza qualquer custo concretamente dispendido pela sociedade recorrida durante o ano de 1999 e em virtude da vigência dos contratos de exclusividade identificados nos nºs.10 e 11 da matéria de facto provada;
3-Para se concluir quanto ao efectivo suporte de custos mencionados no documento identificado no nº.16 da matéria de facto provada, no ano de 1999 e por parte da sociedade impugnante, teria a recorrida que fazer prova documental dos mesmos, nomeadamente das facturas e recibos emitidos que possibilitassem a comprovação efectiva do pagamento a terceiros das despesas associadas a cada um dos contratos de exclusividade ainda a vigorar no ano de 1999;
4-Um único depoimento testemunhal não pode fazer prova do efectivo suporte dos custos em causa, assim não merecendo qualquer credibilidade a alegação da sociedade impugnante/recorrida de que efectuou prova, por amostragem relevante, dos mesmos custos.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida declarou a extinção parcial da lide devido a inutilidade superveniente no que se refere ao segmento do acto tributário revogado (correcção relativa a realizações de utilidade social - cfr.nº.21 da matéria de facto provada), mais tendo julgado totalmente procedente a impugnação que originou os presentes autos, no que diz respeito às duas outras fracções do acto tributário em causa, quanto aos custos não documentados, e respectiva tributação autónoma, tal como em relação à redução de provisões tributadas.
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Antes de mais, refere-se que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 685-A, do C.P.Civil; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
Levando em consideração o trânsito em julgado da sentença da 1ª. Instância nesta parte (cfr.artº.684, nº.4, do C.P.Civil) não deve este Tribunal apreciar a sentença recorrida no trecho que declarou a extinção parcial da lide devido a inutilidade superveniente, no que se refere ao segmento do acto tributário revogado (correcção relativa a realizações de utilidade social - cfr.nº.21 da matéria de facto provada).
A recorrente discorda do decidido sustentando, antes de mais e como supra se alude, que considerou a sentença recorrida que a listagem junta pela impugnante, não obstante tratar-se de documento interno, é apta a comprovar os custos, porquanto consta da mesma a identificação dos custos plurianuais imputados ao exercício de 1999, mais tendo o testemunho prestado em audiência comprovado a efectividade dos mesmos. Ora, a correcção controvertida fundamentou-se na existência de custos declarados que não foram aceites porque a listagem interna de distribuição plurianual dos gastos não é, por si só, suficiente para comprovar a veracidade dos lançamentos contabilísticos, nem o cumprimento dos contratos, bem como os pagamentos que a impugnante alega ter efectuado. Pelo que, não tendo sido efectuada prova adicional que permita confirmar a efectiva realização da despesa, designadamente, os contratos, os recibos e as facturas ou qualquer outro elemento que demonstre a saída dos meios de pagamento da esfera jurídica da impugnante, deve concluir-se que a douta sentença incorreu em erro na valoração da prova e na interpretação das disposições legais citadas ao dar como provados os custos com os contratos de exclusividade. Sendo que tal erro na valoração da prova se projectou, igualmente, na decisão de julgar inaplicável o artº.41, nº.1, do C.I.R.C., bem como na não sujeição a tributação autónoma tal como previsto no artº.4, do dec-lei 192/90, de 9/6. Com efeito, a prova produzida não permite a confirmação das operações, incluindo a sua origem, natureza e finalidade, concluindo-se pela confidencialidade dos encargos e pela sujeição a tributação autónoma (cfr.conclusões 2 a 17 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto e de direito da decisão recorrida, tanto na vertente da incorrecta valoração da factualidade dada como assente, como também da errónea interpretação e aplicação da lei.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Quanto ao erro de julgamento de facto, este Tribunal já supra se pronunciou, tendo considerado como não escrito o nº.19 da matéria de facto provada.
Passemos ao exame do alegado erro de julgamento de direito.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1999; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Desta forma nos aparecem, devido à rigidez da lei fiscal, os encargos que, embora classificados e contabilizados como custos, não assumem essa natureza em sede de I.R.C., razão por que não são considerados para efeitos de determinação do lucro fiscal. Esses encargos são os constantes do artº.41, do C.I.R.C., na redacção introduzida pela Lei 87-B/98, de 31/12 (versão aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil). Actualmente ver o artº.42, nº.1, al.g), do C.I.R.C.
A al.h), do nº.1, deste preceito (artº.41, do C.I.R.C.), concretamente, não permite a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, ob.cit., pag.347). Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C.) constitui um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não pode ser dispensada (cfr.artºs.364 e 393, do C.Civil; artº.655, nº.2, do C.P.Civil; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/99, Ac.Dout., nº.463, pág.969 e seg.).
Mais se dirá que devem considerar-se despesas confidenciais ou não documentadas as que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/12/2003, rec.1283/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.219 e seg.).
“In casu”, da análise da matéria de facto provada, deve concluir-se que a sociedade impugnante/recorrida não apresentou os documentos que suportavam os lançamentos efectuados na sua contabilidade, na conta POC nº.6223200 - Contratos de Exploração, os quais perfaziam € 3 380.399,07 (cfr.nº.5 da matéria de facto provada).
De tal factualidade facilmente se conclui que os custos em causa se devem considerar não documentados, porquanto o único suporte documental existente (um documento interno) não obedece aos requisitos legalmente exigidos, mais não tendo sido suprida tal falta de prova por qualquer outro meio probatório, contrariamente ao defendido pela recorrida.
De facto, as despesas em causa devem considerar-se não documentadas, dado não se encontrarem acompanhadas das facturas e recibos respectivos, porquanto somente com estes documentos contabilísticos seria possível a verificação da efectiva execução da despesa. Demonstrada que ficou a falta destes elementos, deve ter-se por comprometida a comprovação da veracidade das operações subjacentes, assim se violando, nomeadamente, o disposto nos artºs.17, nº.3, e 98, do C.I.R.C., no que respeita às obrigações contabilísticas a que estão sujeitos todos os sujeitos passivos de I.R.C.
Nestes termos, não podem os encargos sob apreciação ser dedutíveis como custos para efeitos de determinação do lucro tributável da empresa impugnante/recorrida, tendo, portanto, a Fazenda Pública procedido nos termos da lei ao decidir neste sentido, e sobre os mesmos devendo incidir a tributação autónoma prevista no citado artº.4, do dec.lei 192/90, de 9/6, assim se apurando imposto em falta no montante de € 1.081.727,70 (cfr. nº.5 da matéria de facto provada).
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, deve julgar-se procedente este fundamento do recurso.
Mais argúi a recorrente que, no que concerne à redução das provisões tributadas, refere a douta sentença que não se poderá deixar de acolher a posição da impugnante, sem fundamentar tal posição, designadamente com as disposições legais aplicáveis e limitando-se, apenas, a transcrever parte da petição inicial relativa à alegação em análise. Ora, a correcção efectuada pela inspecção resultou da divergência entre os elementos da contabilidade, designadamente, o valor inscrito na conta de proveitos e o valor deduzido na declaração Modelo 22, sendo que a dedução extra contabilística ao resultado líquido do exercício dependia dos montantes em causa terem sido considerados proveitos. Não logrando a impugnante provar, ónus que sobre si impende atento ao disposto no artº.74, da L.G.T., a razão de ser da divergência detectada, tendo a mesma procedido a uma dedução indevida, a correcção efectuada é perfeitamente legal, nos termos do artº.17, do C.I.R.C. (cfr.conclusões 18 a 20 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Segundo a A. Fiscal, a correcção sob análise tem por fundamento a factualidade constante do nº.5, da matéria de facto provada, a qual se dá aqui por reproduzida.
O imperativo constitucional da tributação dos sujeitos passivos de I.R.C. segundo o seu lucro real produz distintas consequências, num equilíbrio dos direitos das empresas na opção pela tributação de acordo com a sua contabilidade, estruturada segundo princípios de balanço comercial, e das limitações especificamente previstas para a passagem daquele balanço para o balanço fiscal, enquanto base da determinação do lucro tributável. A lei portuguesa tem encontrado na via normativa a solução para a transformação dos princípios destinados a servir as necessidades comerciais das empresas em normas geradoras de uniformidade no apuramento do lucro tributável. Nesta sede, a provisão, caracterizada como uma reserva de determinada quantia destinada a prever uma incomprovada e futura despesa, no acautelar de riscos especiais prováveis do negócio, encontra um regime normativo estruturado na enumeração taxativa das provisões legalmente dedutíveis, assente em princípios gerais (v.g.obrigações e encargos derivados de processos judicias em curso) e normas de aplicação específica (v.g.provisões para créditos de cobrança duvidosa), e sendo vocacionado à prevenção do uso abusivo destes processos contabilísticos que visem o adiamento do pagamento do imposto (cfr. J.L.Saldanha Saches, Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2002, pág.245 e seg.).
Mais se dirá que, ao abrigo do princípio contabilístico da prudência, os agentes económicos devem adoptar uma postura de cepticismo perante todos os proveitos não realizados e, bem assim, incluir nas respectivas demonstrações financeiras os efeitos que traduzam a compensação das possíveis perdas daqueles montantes. Nestes termos, aos activos que traduzam créditos sobre terceiros devem ser associados os efeitos das incertezas que sobre eles venham a recair. A estas componentes negativas do rédito, reflectidas nas demonstrações financeiras para compensação de prováveis perdas no valor dos activos, era dada a designação de provisões, realidades que actualmente se designam por imparidades.
Atento o anteriormente expendido, a relevância das provisões, adentro cálculos inerentes ao lucro tributável, no duplo aspecto (positivo e negativo) da dotação e reposição, sempre mereceu por parte do legislador fiscal prescrições que visam o seu correcto tratamento.
As contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais de provável processamento futuro ou apenas de montante actualmente incerto. A provisão cria-se com um fim imediato em vista, nomeadamente o de fazer face a um ou mais créditos que se crêem mal parados (cfr.Rogério Fernandes Ferreira, Gestão Financeira, 4ª. edição, I, pág.351 e seg.; A. Álvaro Dória, Reservas e Provisões, Comentário contabilístico, 2ª.edição, Livraria Cruz, Braga, 1983, pág.33 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno, 27/2/85, Ap. D.R. de 12/1/87, pág.125 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2001, rec.26080; ac.T.C.A-2ª.Secção, 2/10/2001, proc.4668/00).
Mais se deve referir que as provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e, bem assim, as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos na lei fiscal, considerar-se-ão proveitos ou ganhos do respectivo exercício (cfr.artº.33, §2, do antigo C.C.I.; artº.33, nº.2, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1999).
O artº.33, nº.1, do C.I.R.C., consagrava as espécies de provisões que podiam ser aceites como custos para efeitos fiscais, devendo quaisquer outras que sejam contabilizadas como custos pelas empresas ser acrescidas no quadro 17, campo 8, da declaração m/22. Igualmente as provisões dedutíveis podem ser acrescidas por não terem sido constituídas nas condições legais ou por terem excedido os respectivos limites impostos por lei.
“In casu”, de acordo com a factualidade provada, a impugnante/recorrida não produziu prova que ponha em causa as conclusões a que chegou a A. Fiscal (cfr.nº.5 da matéria de facto provada), apenas se limitando a alegar que não procedeu a qualquer utilização de provisões não tributadas no exercício de 1999, pois do que se tratou foi de um mero erro material no preenchimento do mapa de provisões do ano de 2000, o qual não tem qualquer impacto no resultado fiscal apurado no exercício de 1999.
Ora, verificada a divergência entre os elementos constantes da contabilidade da sociedade impugnante e a declaração de rendimentos apresentada, mais tendo presente a obrigação legal (cfr.artº.96, nº.10, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1999) de concordância entre os elementos constantes da declaração de rendimentos e os obtidos na contabilidade, competia à impugnante a demonstração de factos relevantes para justificar as divergências detectadas (cfr.artº.75, da L.G.Tributária; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª.edição, 2003, pág.364 e seg.). As explicações avançadas pela impugnante recorrida, as quais se reconduzem ao alegado erro praticado no preenchimento do mapa anexo de mod.30, relativo à declaração de rendimentos do ano 2000, não responde à questão de fundo que tem a ver com a prova da dupla tributação (no ano de constituição e no ano da redução de provisões, o ano de 1999), a partir de elementos da sua contabilidade e da declaração mod.22, de modo a justificar a pretendida dedução, extra-contabilidade, no campo 228, da mod.22, de 1999, nomeadamente fazendo relevar tal situação na conta 796-Redução de provisões (cfr.António Borges e Outros, Elementos de Contabilidade Geral, Rei dos Livros, 14ª. edição, 1995, pág.665), factualidade que nem sequer foi carreada para o processo pela sociedade recorrida, muito menos sendo objecto de prova.
Concluindo, verifica-se uma dedução indevida de € 2.207.312,38, no ano de 1999 e por parte da sociedade impugnante, a qual para ser utilizada no mesmo ano teria que se considerar um proveito, o que não sucedeu. Pelo que, também nesta parte, a liquidação efectuada pela Administração Fiscal deve ser mantida, considerando-se provado também este fundamento do recurso.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida a qual padece dos vícios que lhe são imputados pela recorrente, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, NA PARTE NÃO TRANSITADA EM JULGADO, MAIS JULGANDO IMPROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO QUE ORIGINOU O PRESENTE PROCESSO.
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Condena-se a impugnante/recorrida em custas, em ambas as instâncias.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2012


(Joaquim Condesso - Relator)

(Pereira Gameiro - 1º. Adjunto)

(Lucas Martins - 2º. Adjunto)