Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1284/12.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:IVA: AUTOLIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO E ENTREGA DO TRIBUTO AO ESTADO.
EXTRACÇÃO DE CERTIDÃO DE DÍVIDA EM CASO DE FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO ASSIM LIQUIDADO.
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IMPOSTO : CASO DE CORRECÇÃO DOS ELEMENTOS DECLARADOS.
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO COMO CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO ASSIM LIQUIDADO.
Sumário:I) Em caso de auto liquidação do imposto pelo respectivo s.p., deve o tributo ser entregue juntamente com a D.P.. Não sendo o mesmo acompanhado do respectivo meio de pagamento , é extraído certidão de dívida que determina a instauração da execução por dívidas assim liquidadas;

II) Nas situações em que a ATA procede à correcção dos elementos declarados pelo s.p., liquidando adicionalmente o imposto devido, o mesmo deve ser notificado ao interessado , verdadeira condição de eficácia do acto tributário e da sua exigibilidade ao devedor.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório

J....., com os sinais nos autos, vem deduzir recurso da sentença proferida pelo TAF de Leiria, que considerou improcedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal n.º ..... do Serviço de Finanças da Marinha Grande instaurada para pagamento de IVA de 2007 de que é devedora originária a executada “T..... Lda.”, com consequente absolvição da Fazenda Pública do pedido, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões:

A. Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nos autos de processo de Oposição n.º 1284/12.7BELRA, que correu termos na 4.ª Unidade Orgânica daquele Tribunal, a qual julgou improcedente a Oposição deduzida, referente a nota de Citação dos autos de execução fiscal n.º ....., constando como executada a extinta sociedade comercial por quotas T....., Lda., com fundamento em que a liquidação em causa resulta de auto liquidação do contribuinte, não sendo uma liquidação oficiosa nem adicional, pelo que carece de sentido notificá-la ao contribuinte;
B. Com base e fundamento na factualidade apurada em sede de Sentença, julgou o Tribunal o quo verificar-se que a liquidação n.º ....., referente ao 1.º trimestre de IVA de 2007, fora entregue pelo próprio sujeito passivo e que "sendo esta a obrigação do sujeito passivo, carece de sentido notifica-lo para proceder ao pagamento do imposto que o próprio liquidou e cujo montante deveria ter entregue oportunamente, e por conseguinte também não tem sentido a afirmação do Oponente quando refere que no artigo 43.º da p.i. que "ainda que validamente notificada, não foi realizada no prazo concedido pelo artigo 45.º da lei Geral tributária";
C. Mais condenou o Tribunal a quo o então Oponente em litigância de má-fé por, alegadamente, ter omitido "que a liquidação em causa era uma autoliquidação";
D. Ora, salvo o devido e reconhecido respeito, entende o Recorrente que a Sentença proferida, e aqui recorrida, enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter assim decidido com esses fundamentos, razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal, e substituída por outra que faça uma correcta interpretação dos factos e do direito aplicável;
E. Com efeito, e contrariamente ao entendimento sufragado na Sentença recorrida, o Recorrente entende que julgou mal o douto Tribunal a quo como factualidade provada que a liquidação n.º ....., referente ao 1.º trimestre de IVA de 2007, fora entregue pelo próprio sujeito passivo;
F. Resulta absolutamente inequívoco do sistema informático da Autoridade Tributária, consultado quer pelos funcionários do Serviço de Finanças da Marinha Grande, quer pela funcionária dos Serviços do IVA, que a referida Declaração, submetida em 21.09.2011, foi uma rectificação oficiosa feita pelos próprios Serviços de Fiscalização e não uma autoliquidação do sujeito passivo já extinto;
G. Mais, segundo a explicação dada pelos funcionários do Serviço de Finanças da Marinha Grande e corroborada pela funcionária dos Serviços do IVA, as liquidações de imposto que se iniciam pelo código 105 correspondem às liquidações feitas oficiosamente pelo Serviço de Fiscalização;
H. Sendo que, a liquidação subjacente aos autos - a Declaração periódica de IVA n.º .....- começando pelo código 105, é uma declaração de substituição feita oficiosamente pela Autoridade Tributária;
I. Assim, o Tribunal a quo nunca deveria ter considerado como factos provados que “B) Em 21/09/2011, foi remetido pelo sujeito passivo “T....., Lda.” para a Administração Fiscal, via internet, a declaração periódica de IVA n.º ....., referente ao 1º trimestre de 2007 – cfr. fls. 162 dos Autos...”, devendo ter diligenciado, no âmbito da descoberta da verdade material, oficiando o serviço de Finanças de Marinha Grande, os Serviços do IVA, ou quem melhor entendesse competente, para vir aos autos esclarecer qual o tipo de declaração em causa e assim se fazendo o necessário contraditório;
J. Com efeito, não resulta sequer dos documentos juntos aos autos pela Fazenda Pública qualquer indicação inequívoca e absoluta de que a extinta sociedade T....., Ida., volvidos três anos sobre a sua extinção e sem qualquer actividade, tivesse entregue uma declaração periódica;
K. Pelo contrário, resulta inequívoco e absoluto que a Declaração com o n.º .....é uma declaração oficiosa realizada pelos próprios Serviços de Fiscalização;
L. Assim, o acto de liquidação em causa não é uma autoliquidação mas uma liquidação adicional oficiosa realizada pelos Serviços de Fiscalização;
M. Mais, no caso sub judice, o acto de liquidação de imposto efectuado em 2011, pelos Serviços de Fiscalização, e referente ao ano de 2007, não foi dado a conhecer ao seu legal destinatário, não tendo o mesmo sido notificado à extinta sociedade T....., Lda., ao seu gerente ou a qualquer pessoa;
N. Conforme legalmente previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e atendendo ao entendimento sufragado pela mais reconhecida Jurisprudência, tal consubstancia fundamento bastante para a dedução de Oposição,
O. O Recorrente invocara tal fundamento na Oposição deduzida, pelo que, atenta a factualidade apurada e contrariamente ao entendimento sufragado na Sentença recorrida, deverá reconhecer-se a falta de notificação da liquidação em causa;
P. Com efeito, tendo a execução fiscal sido instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, esse acto é ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos em relação ao seu destinatário, nem podendo ser legalmente aceite que se exija coercivamente o pagamento da dívida liquidada;
Q. In casu, condenou o Tribunal a quo o então Oponente em litigância de má-fé por, alegadamente, omitir um facto que, na verdade é falso, decorrendo da Sentença recorrida que o Recorrente havia desenvolvido "todos os argumentos factuais e jurídicos evitando deliberadamente expor a verdade dos factos relevantes para a decisão";
R. Ora, entende o Recorrente que haverá aqui que refutar a alegada existência de litigância de má-fé da parte do Recorrente, sendo inelutável que, na realidade, com má-fé actuou a Fazenda Pública que, com dolo ou negligência distorceu a realidade dos factos por si conhecida, em violação consciente dos seus deveres;
S. Sendo que, no caso dos presentes autos, de forma incorrecta, descuidada e falsa alegou a Fazenda Pública na Contestação apresentada, nomeadamente invocando o artigo 28.º do Código do IVA, refente a pagamento do imposto liquidado pela Administração, para depois, contraditoriamente e induzindo o Tribunal a quo em erro, dar a entender que a obrigação da entrega da declaração era do contribuinte e que, por tal motivo, sendo uma autoliquidação, "resulta perfeitamente inócuo e sem consistência" a falta de notificação alegada pelo Recorrente;
T. Ora, face ao contraditório texto da Contestação, e que induziu o Tribunal a quo em erro de julgamento de facto, haverá que concluir que a falta de coerência da argumentação da Fazenda Pública teve graves consequências na esfera jurídica do Recorrente, não só pela errónea improcedência da Oposição deduzida, como também pela condenação do mesmo em litigância de má-fé;
U. Por outro lado, haverá igualmente que reconhecer que, com má-fé não actuou o ora Recorrente, o qual não omitiu nenhum facto que não praticou, nem se fez valer de informação contrária à realidade fáctica ou desenvolveu argumentos factuais e jurídicos evitando deliberadamente expor a verdade dos factos relevantes para a boa decisão da causa;
V. Pelo contrário, foi a Fazenda Pública quem tentou, de forma dolosa, induzir o julgador em erro;
W. Aliás, alegando a Fazenda Pública que o Recorrente entregara uma autoliquidação de IVA, de tal facto não fez qualquer prova, ainda que tal informação estivesse, o tempo todo, ao seu alcance no seu sistema informático;
X. Mais, não apreende o Recorrente, do teor das fls. 162 a 165 dos autos, como pudera o douto Tribunal ter chegado à conclusão de facto a que chegou;
Y. De todo o exposto haverá que concluir que a decisão ora recorrida, por errado julgamento de matéria de facto, não interpretou ou aplicou correctamente o regime jurídico da litigância de má-fé, não vislumbrando o Recorrente, da sua actuação, um comportamento intencional, consciente e tendente a induzir ou manter o Tribunal a quo em erro;
Z. Conforme argumentado pelo Recorrente nos artigos 41.º a 67.º da Oposição Judicial, e disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade consubstancia fundamento de oposição à Citação, fundamento oportunamente invocado pelo Recorrente e que o douto Tribunal a quo não chegou a conhecer;
AA. Ora, reitera-se o sustentado na Oposição deduzida quando se invocou que, ainda que admitindo que a liquidação teria sido validamente notificada ao sócio da sociedade dissolvida e liquidada, o que apenas por mero dever de ofício se admitira e que não se concedera, posição que se mantém, haveria sempre que atentar que a liquidação não fora validamente realizada no prazo de quatro anos concedido no artigo 45.º da Lei Geral Tributária;
BB. Sendo a notificação ao contribuinte relevante em termos de eficácia do acto tributário e determinante da perfeição da liquidação, não tendo a mesma ocorrido no prazo de caducidade, haverá que considera-se a obrigação tributária extinta e ferido o acto de liquidação de vício de violação de lei, conforme entendimento sufragado pela mais reconhecida Doutrina e Jurisprudência;
CC. In casu, a ter ocorrido validamente, o que o Recorrente refuta, a notificação da liquidação do tributo em causa terá ocorrido em 2012, como indicia o quadro junto à Citação recebida pelo Recorrente, quando, em cumprimento do prazo de caducidade legalmente previsto, deveria a notificação da liquidação ter ocorrido, no máximo, até ao ano de 2011;
DD. Destarte, na opinião do Recorrente, a douta Sentença recorrida violou o artigo 45.º da Lei Geral Tributária e 204.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ignorando a falta de notificação da liquidação de IVA no prazo de caducidade, pelo que deverá ser revogada;
EE. EE. Por fim, e de acordo com o oportunamente sustentado na Oposição deduzida, haverá ainda que concluir pelo errado entendimento sufragado na douta Sentença, segundo o qual a invocada nulidade da Citação, por alegada dissolução e liquidação da sociedade devedora originária T....., Lda., não poderia ser conhecida nessa sede;
FF. Ora, enquanto factos indissociáveis da consequente ilegitimidade do Recorrente, entende o Recorrente que sendo inelutável que a sociedade T....., Lda. se encontra dissolvida e liquidada desde 2007, conforme apresentação .....do registo de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade junto da Conservatória do Registo Comercial competente, não se pode considerar que se possa validamente remeter a Citação àquele que outrora fora gerente da sociedade;
GG. Sendo que, tendo a Citação subjacente à Oposição deduzida sido efectuada "Na pessoa do Gerente J.....", que não é gerente da sociedade executada, tal Citação padece de nulidade, por absoluta ilegitimidade do notificado;
HH. Assim, nos termos conjugados do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 195.º do Código de Processo Civil, na redacção à data da apresentação da Oposição, in casu, há falta de notificação porquanto se mostra que esta foi efectuada depois da extinção da sociedade, considerada como tal, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, pelo registo do encerramento da liquidação, o que, no caso sub judice, havia já ocorrido;
II. Consequentemente, deverá admitir-se que a nulidade da Citação é indissociável da absoluta ilegitimidade do Recorrente, sendo este um fundamento legalmente previsto para a dedução de oposição, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que o Recorrente fez no artigo 4.º da Oposição deduzida, e facto que a douta Sentença descurou;
JJ. JJ. Face a todo o exposto, deverá concluir-se pela procedência do Recurso ora interposto.

TERMOS EM QUE, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ORA RECORRENTE, POR PORVADO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Exmª Sra. Procuradora Geral Adjunta emitiu douto Parecer no qual refere que:

A douta sentença encontra-se bem fundamentada de facto e de direito, entendemos ter feito uma correcta e suficiente análise da matéria de facto e correcta foi a sua subsunção jurídica, mostrando-se apoiada em adequada jurisprudência e doutrina, citadas a propósito.

4- Nestes termos, o recurso deve improceder, devendo manter-se o julgado por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe vêm imputados.

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Atenta a necessidade de celeridade no julgamento do recurso e obtendo a anuência dos Adjuntos, vão dispensados os vistos legais, cabendo apreciar e decidir. – cfr nº4, do artº 657º, do CPC.

Na sentença proferida nos autos o Mo Juiz apurou os seguintes factos:

A) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Marinha Grande, a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “T....., Lda.” em 28/02/2007 – cfr. Ap. ....., constante na certidão do registo comercial de fls. 26 e 27 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso aos Autos;

B) Em 21/09/2011, foi remetido pelo sujeito passivo “T....., Lda.” para a Administração Fiscal, via internet, a declaração periódica de IVA n.º ....., referente ao 1º trimestre de 2007 – cfr. fls. 162 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

C) A nota de liquidação referida na alínea anterior não foi paga no prazo para pagamento voluntário – cfr. fls. 164 dos Autos;

D) Em 25/02/2012, foi emitida a nota de liquidação de juros compensatórios referente ao 1º trimestre de 2007, no valor de 14.077,18€ - cfr. fls. 165 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

E) A nota de liquidação referida na alínea anterior não foi paga no prazo para pagamento voluntário – cfr. fls. 165 dos Autos;

F) Em data não concretamente apurada durante o ano de 2011, foi instaurado o Processo de Inquérito n. .....pelos Serviços do Ministério Público de Leiria no qual o Oponente foi constituído Arguido – cfr. fls. 104 a 111 dos Autos;

G) Em 26/02/2012 foi instaurado em nome da sociedade “T....., Lda.”, portadora do NIPC ....., no Serviço de Finanças de Marinha Grande, o processo de execução fiscal nº .....relativo ao IVA do 1º trimestre de 2007, no valor de 94.866,05€ - cfr. fls. 1 a 6 do Processo Executivo (PEF) apenso aos Autos;

H) Em 16/08/2012 o Serviço de Finanças de Marinha Grande remeteu para o Oponente, na qualidade de gerente da “T....., Lda.”, por carta registada, com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 24 do PEF, denominado de “Citação”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, referente ao PEF n.º ....., relativo ao IVA no valor de 94.866,05€;

I) Em 03/09/2012, o “Aviso de Recepção” referido na alínea anterior foi assinado – cfr. aviso de recepção junto a fls. 25 do PEF e por confissão, cfr. p.i.;

J) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Marinha Grande, a nomeação da Oponente enquanto gerente da sociedade “T....., Lda.” desde 04/03/2005 juntamente com outro gerente – F..... – cfr. Ap. 02/20050304, constante na certidão do registo comercial de fls. 26 e 27 do PEF;

K) A p.i. foi apresentada em 3/10/2012 junto do Serviço de Finanças da Marinha Grande - cfr. fls. 3 dos autos.


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Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos autos e no Processo Executivo apenso aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes.

Em relação à prova testemunhal, nomeadamente da testemunha F....., comercial, ex-mulher do Oponente, o seu depoimento nada aditou, uma vez que referiu que não estava “muito a par do funcionamento” da sociedade devedora originária.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

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[Fundamentação de direito 1.ª instância]

Na sequência da reversão efectuada contra o Oponente, este veio alegar em primeiro lugar, que a citação é nula por não ser nem o era à data da citação, o legal representante da sociedade executada.

Mais alega que a sociedade T....., Lda. encontra-se dissolvida e liquidada há vários anos.

A Fazenda Nacional defende que a falta de citação ou a nulidade de citação não constituem fundamento de oposição.

Cumpre apreciar.

Ora, se bem atentarmos, o Oponente lança mão daqueles fundamentos para defender a nulidade da citação.

Concretamente, aponta vários aspectos e várias omissões que foram, no seu entender, cometidos pelo Órgão de Execução Fiscal na realização da citação.

Acontece, porém, tal como o RFP alega, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais superiores, a nulidade da citação não é invocável em sede de oposição à execução fiscal mas antes no próprio processo de execução fiscal, podendo a decisão que sobre ela recair ser contenciosamente sindicada por meio de reclamação do acto do órgão da execução fiscal.

No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 3/12/08, Rec. 671/08, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro LÚCIO BARBOSA, o qual nos ensina o seguinte: « A eventual nulidade de citação do executado deve ser conhecida no processo de execução fiscal e não no processo de oposição à execução».

Quer isso dizer que a invocada nulidade da citação efectuada ao Oponente não pode ser conhecida nesta sede.


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Em segundo lugar, o Oponente alega que a notificação da liquidação do imposto não foi sequer notificada à T....., Lda., ao seu gerente, ou a qualquer outra entidade competente pelo que se sabe.

Refere também que não pode a AF considerar que ocorrer uma válida e eficaz notificação de liquidação de IVA.

E por último, a alega que ocorrência da notificação intempestiva, por ter decorrido o prazo de caducidade, redunda, antes de mais, numa liquidação ilegal.

Neste aspecto, a Fazenda Pública responde que por se tratar de IVA, os contribuintes são obrigados a enviar aos SIVA a declaração de que constem os elementos de base ao apuramento do imposto, acompanhada do meio de pagamento.

Vejamos.

Dispunha o art.40º do CIVA, com a redacção à data dos factos, o seguinte: «

1 - Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º, a declaração periódica deve ser enviada por transmissão electrónica de dados, nos seguintes prazos:

a) Até ao dia 10 do 2.º mês seguinte àquele a que respeitam as operações, no caso de sujeitos passivos com um volume de negócios igual ou superior a € 650 000 no ano civil anterior;

b) Até ao dia 15 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações, no caso de sujeitos passivos com um volume de negócios inferior a € 650 000 no ano civil anterior.».

Por outro lado, estabelecia a alínea c) do n.º 1 do art. 28º do CIVA, com a redacção à data dos factos o seguinte: «

1 - Para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º1 do artigo 2.º são obrigados, sem prejuízo do previsto em disposições especiais, a:

c) Enviar mensalmente uma declaração relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respectivo cálculo;».

Ora, de acordo com o legislador do CIVA, as obrigações declarativas dos sujeitos passivos de IVA dividem-se em dois grandes grupos em função da periocidade – as não periódicas e as periódicas.

No tocante às obrigações periódicas, o sujeito passivo de IVA, como é o caso da sociedade devedora originária dos presentes autos, deve enviar trimestralmente uma declaração relativa às operações efectuadas em cada um dos trimestres de cada exercício, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respectivo cálculo.

O prazo para envio da declaração trimestral ocorre até dia 15 do segundo mês seguinte ao final de cada trimestre.

Dito isto, ficou provado que a sociedade devedora originária – a T....., Lda. – remeteu pela internet a declaração de IVA n.º ....., referente ao 1º trimestre de 2007.

Quer isso dizer que do probatório resulta que a liquidação referente 1º trimestre de 2007 foi entregue pelo próprio sujeito passivo.

Assim sendo, a liquidação em causa resulta de auto liquidação do contribuinte, não é uma liquidação oficiosa nem adicional.

Por outras palavras, não é uma liquidação dos Serviços, mas sim do próprio sujeito passivo que apura e liquida o montante de imposto a pagar mediante dedução ao imposto incidente sobre as operações tributáveis por ele praticadas em cada período de imposto, o imposto que durante o mesmo período lhe foi exigido nas aquisições de bens ou serviços (art.º 19º e seguintes do CIVA), ficando, então, obrigado a entregar o montante do imposto exigível, simultaneamente com as declarações a que se refere o art.º 41 do CIVA.

Sendo esta a obrigação do sujeito passivo, carece de sentido notificá-lo para proceder ao pagamento do imposto que o próprio liquidou e cujo montante deveria ter entregue oportunamente, e por conseguinte também não tem sentido a afirmação do Oponente quando refere que no artigo 43º da p.i. que “ainda que validamente notificada, não foi realizada no prazo concedido no artigo 45º da Lei Geral Tributária (LGT)”.

Tudo isto é matéria conhecida e jurisprudencialmente estabelecida, tal como é exemplo o Acórdão citado pelo RFP (Acórdão do STA, de 7/05/2003, Rec. 0316/03, disponível em www.dgsi.pt).

Desta feita, a Oposição não pode proceder com base neste fundamento.


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Da Litigância de Má Fé:

Estabelece a alínea b) do n.º 2 do art. 542º do CPC o seguinte: « Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

b) - tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; »

Nos termos do referido preceito, a má fé processual não exige que a parte actue com dolo, basta que actue com negligência grave ou grosseira.

Este regime ampliou substancialmente o dever de boa fé das partes no processo, ao elencar o tipo de comportamentos que podem ser objecto daquela censura, sendo que a sanção por má fé processual, tanto pode ser imposta à parte que actue dolosamente, como àquela que se comporta com negligência grave ou grosseira, desrespeitando, desse modo os seus deveres processuais de verdade, lealdade e cooperação.

Na sua actuação processual, estão, assim, as partes vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, bem como, a agir de boa-fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio nos termos dos artigos 266º e 266º-A do C.P.C.

Considera-se, pois, que actua com má-fé a parte que, com dolo ou negligência grave, e no intuito de convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe ilegítima, distorce ou deturpa a realidade dos factos por si conhecida ou omite factos relevantes, também por si conhecidos, para a decisão, em violação consciente do dever de verdade, ou, ainda quando deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar ou fizer do processo uso reprovável.

O que releva, em sede de determinação da litigância de má-fé, é que as circunstâncias devam levar o tribunal a concluir que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundada (cfr. ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, II Vol., pág. 263).

Dito isto vejamos o caso dos autos.

O Oponente na petição inicial omitiu que a liquidação em causa era uma autoliquidação.

Aliás, desenvolveu todos os argumentos factuais e jurídicos evitando deliberadamente expor a verdade dos factos relevantes para a decisão.

Tal cuidado na omissão de exposição dos factos relevantes para a decisão revela que o Oponente sabia perfeitamente estar a deduzir pretensão sem qualquer fundamento nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 542º do CPC.

Por conseguinte, a litigância assim empreendida é uma litigância de má fé, material, na modalidade mais censurável: a dolosa, na medida em que representou a ilegalidade da sua conduta e mesmo assim não se absteve da acção (cfr. art.º 14º do Código Penal).

Nestas condições, tendo litigado de má fé na modalidade mais grave, a dolosa, ao abrigo do disposto no art.º 27º/3 do RCP condeno o Oponente na multa de 5 UC.

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Suscita-se nos autos um erro de facto e de direito da sentença proferida nos autos, que se consubstanciaria , por um lado , no erro na fixação dos factos materiais da causa, por entender que a liquidação de imposto controvertida, não resultou de qualquer autoliquidação de IVA do1º trimestre do ano de 2007 por parte da devedora originária do tributo, pelo que o tribunal “A Quo” errou ao julgar que tendo o s.p. autoliquidado o imposto não carecia o mesmo de ser notificado ao contribuinte, já que em tal caso, liquidado o imposto pelo s.p. , a falta de entrega do mesmo no prazo legal apenas determina a extracção da respectiva certidão de dívida – cfr artº 27º, nº 1 e nº 5, “in fine”,do CIVA e artº 1º alínea a), nº 2 e 3, do artº 3º, e artº 5 do Dec.-Lei nº 229/95, de 11.09. Sustenta o recorrente tal erro, porquanto a liquidação de imposto efectuada ao devedor originário , não resultou de qualquer apresentação de uma D.P. de imposto, ainda que relativa ao Modelo “B”, de imposto, relativa àquele período, tendo então apurado o imposto devido, não o tendo entregue nos cofres do Estado, porquanto a liquidação do mesmo resulta de uma correcção ao imposto anteriormente declarado naquele 1º trimestre do ano de 2007, tendo a ATA procedido à alteração dos elementos declarados e procedido a uma liquidação adicional de imposto, e correspondente liquidação de juros compensatórios devidos pelo retardamento da liquidação do imposto, pelo que se impunha a notificação de tal liquidação do tributo dentro do prazo de caducidade do direito á liquidação do imposto, não podendo o recorrente ser condenado em má-fé por ter omitido aquela referida circunstância de prévia autoliquidação do tributo, pelo que não poderia ignorar que em tal caso não se impunha a prévia notificação da mesma por esta resultar do próprio apuramento do contribuinte, o que o recorrente contesta em razão da inexistência de qualquer auto- liquidação do imposto efectuada pela referida devedora originária. Vejamos,

Sustenta-se a decisão de facto da 1ª Instância, na seguinte factologia vertida nas alíneas B) a E), do probatório, que ora se reproduz:

“B) Em 21/09/2011, foi remetido pelo sujeito passivo “T....., Lda.” para a Administração Fiscal, via internet, a declaração periódica de IVA n.º ....., referente ao 1º trimestre de 2007 – cfr. fls. 162 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

C) A nota de liquidação referida na alínea anterior não foi paga no prazo para pagamento voluntário – cfr. fls. 164 dos Autos;

D) Em 25/02/2012, foi emitida a nota de liquidação de juros compensatórios referente ao 1º trimestre de 2007, no valor de 14.077,18€ - cfr. fls. 165 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

E) A nota de liquidação referida na alínea anterior não foi paga no prazo para pagamento voluntário – cfr. fls. 165 dos Autos; “

Analisado o extracto de conta corrente do IVA enviado pela ATA ao Tribunal de 1ª Instância , o que se constata é que, ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal “A Quo”, do mesmo apenas resulta que o s.p. , tendo enviado a respectiva D.P. , neste caso o Modelo “B”, por falta de envio da Modelo “A” emitida pela ATA para efeitos de cumprimento do disposto no artº 40º do CIVA, da mesma não resultou uma pretensa auto -liquidação do imposto nos termos contidos no respectivo preenchimento pelo contribuinte, porque o que do mesmo resulta são os seguintes factos que ora são acrescidos ao probatório. Assim

Alinea “B – 1”.

Os valores aí considerados ( os referidos € 80.788,87), foram objecto de correcção pela Adm. Fiscal, que procedeu a uma liquidação adicional de imposto e nesse montante, tendo procedido igualmente à liquidação de juros compensatórios devidos pelo atraso na liquidação do tributo devido, no valor de € 14.077,18- cfr fls 162 a 165, dos autos.

Alinea “B-2”

A liquidação efectuada ao contribuinte, com o nº 11163874, de 19.11.2011, resultou dos elementos considerados pela AT, que procedeu à rectificação da D.P. de imposto apresentada pelo s.p., resultante das transmissões de bens indevidamente considerados como de transmissões intracomunitárias isentas de imposto , apurando o imposto devido que lhe correspondia atento a base tributável de tais operações assim desconsideradas –cfr fls 162 a 165, dos autos.

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Factos Não Apurados

Dos elementos constantes dos autos nada se apurou quanto ao envio da correspondência postal da nota de liquidação do imposto e dos juros compensatórios ao contribuinte, decorrentes das ditas correcções de imposto adicionalmente liquidadas, sendo que a simples menção da elaboração de nota de liquidação e sua notificação ao interessado, com a indicação de um número de registo dos “CTT”, nada prova quanto ao seu envio e recebimento pelo devedor principal..

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Motivação dos factos ora apurados e dados como não demonstrados

Os elementos mencionados nas alíneas “B-1 a “B-2”, resultaram da análise dos elementos informáticos detidos pela Adm. Fiscal quanto à conta-corrente do recorrente constante dos autos

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Expostos os factos ora levados ao probatório , em complemento dos elementos colhidos pela 1ª Instância , fácil se torna a afirmação de que no caso não se tratou de qualquer auto liquidação do imposto pelo devedor originária e tornada definitiva em razão da sua sedimentação na ordem jurídica, antes se verificou que a mesma foi objecto de rectificação pela ATA, que procedeu a uma liquidação adicional de imposto, por haver entendido que determinadas operações não estariam isentas de imposto ( especificamente as transmissões intracomunitárias de bens), por se entender que as mesmas teriam sido consideradas indevidamente como tal, pelo que se impunha a sua consideração como de operações sujeitas a imposto no território nacional, assim liquidando o imposto devido pela referida transmissão face ao valor de base das operações assim consideradas, assim como apurando e liquidando os juros compensatórios devidos, tudo nos termos do disposto no artº 87º do CIVA e artº 96º, nº 1, do mesmo Compêndio legal, pelo que da mesma cabia a notificação do contribuinte de tais notas de liquidação,, sendo certo que dos autos não se apurou das circunstâncias relativas à sua notificação ao interessado, assim se impondo ao Tribunal “A Quo”, que procede às diligências tendo em vista aquilatar da sua concretização ao contribuinte, pelo que vai assim anulada a sentença, nos termos do disposto na alínea c), do nº2, do artº 662º do CPC , procedendo à ampliação dos factos e julgando em conformidade com o apurado – cfr alínea c), do nº3, do artº 662º do CPC.

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Dispositivo


Nos termos expostos concede-se provimento ao recurso, anulando-se a decisão recorrida, sendo os autos remetidos à 1ª Instância para proferir nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova e diligências instrutórias, conforme acima se indica.

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Custas pela F.P.

Notifique.

Notifique

[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires ]