Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1401/18.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:IMPUGNAÇÃO DOS DOCUMENTOS CONFORMADORES DO PROCEDIMENTO
TEMPESTIVIDADE DA AÇÃO – ARTIGO 103.º, N.º 3, DO CPTA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONHECIMENTO DE FACTOS INSTRUMENTAIS
PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E DA CONCORRÊNCIA
DISCRICIONARIEDADE
ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS
Sumário:I. A impugnação dos documentos conformadores do procedimento pode ser apresentada enquanto se mantiver pendente o procedimento a que os documentos em causa respeitam, conforme decorre do disposto no artigo 103.º, n.º 3, do CPTA, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, e não no prazo de 30 dias previsto no artigo 101.º, n.º 1, do CPTA, independentemente do momento em que o interessado toma conhecimento dos mesmos ou de reclamação que aí tenha apresentado.
II. Ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto, não podendo limitar-se a questionar a fundamentação da decisão de facto apresentada pelo julgador, mas sim a decisão sobre determinado facto, conforme impõe o artigo 640.º do CPC.
III. Não constitui impugnação válida da decisão de facto limitar-se o recorrente a dizer que determinados factos não podem considerar-se assentes porque utilizou na contestação a expressão tabelar 'por não corresponderem à realidade e/ou não serem do conhecimento do réu'. Se o tribunal deu factos como provados com base em documentos constantes do processo, ao abrigo do princípio da livre apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, ao recorrente competia alegar no recurso o motivo pelo qual entende que os documentos em causa não são suficientes para que se considerem provados os factos, ou que outro meio de prova impõe se considerem não provados, assim dando cumprimento ao ónus previsto na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
IV. Conforme decorre do artigo 5.º, n.º 2, do CPC, é distinto o regime legal quanto ao conhecimento dos factos instrumentais e dos factos que sejam complemento ou concretização dos alegados, apenas se impondo quanto a estes que seja assegurado prévio contraditório às partes. São factos instrumentais aqueles que não se mostram decisivos para a procedência da ação, no caso a declaração de ilegalidade de determinadas especificações técnicas constantes do Caderno de Encargos
V. Se apenas um concorrente comercializa determinado produto com as dimensões exatas descritas em anexo ao Caderno de Encargos, sem que exista justificação para que aí se preveja a necessidade de serem cumpridas tais medidas, a entidade contratante criou um obstáculo ilegítimo à abertura do contrato à concorrência, em violação do artigo 49.º do CCP, e bem assim dos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
VI. A entidade contratante goza de uma certa margem de discricionariedade na fixação das especificações técnicas, que se encontra delimitada pelos parâmetros legais definidos naquele artigo 49.º do CCP.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
P……………, Lda., instaurou ação de contencioso pré-contratual, tramitada sob a forma de processo urgente, contra o Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E., na qual apresentou pedido de declaração de ilegalidade de um conjunto de especificações técnicas constantes do procedimento designado “Concurso Público n.º 22/01218/2018. Diverso Material Clínico – Sistema de Tratamento de Feridas por Vácuo”, designadamente as posições 2, 4 e 6 do Lote A do procedimento e, em consequência, invalidando todos os atos praticados no referido concurso.
Alega, em síntese, que naquele concurso foi definido um conjunto de “Produtos em procedimento de compra” cujas especificações são importadas do catálogo da S……….. Lda., o que carrearia, assim, in casu, a que apenas esta entidade se visse em condições de aceder ao procedimento concursal; dirigiu reclamação ao júri do concurso, que não recebeu resposta; conclui ter sido violado o disposto no artigo 49.º do CCP, condicionando o procedimento à contratação de um único fornecedor possível, bem como os princípios da transparência, igualdade e concorrência.
Citado, o réu apresentou contestação, alegando, em síntese, a intempestividade da ação e no mais inexistir correspondência entre o catálogo da S……….. e as especificações técnicas do Caderno de Encargos, formuladas de acordo com o artigo 49.º, n.º 7, al. a), do CCP, estando em causa produtos muito específicos, e o PHMB não é uma substância antimicrobiana exclusiva dos produtos comercializados por aquela empresa; acresce que a composição dos kits assenta num juízo técnico dos médicos e enfermeiros, sendo insindicável pelo Tribunal, sendo que a autora não argui a ostensiva desrazoabilidade ou desproporcionalidade das especificações delineadas, nem apresentou proposta evidenciando que os produtos por si propostos correspondiam ao desempenho ou requisitos funcionais pretendidos, nos termos do artigo 49.º, n.º 10, do CCP.
Por despacho saneador de 09/10/2018, o TAC de Lisboa julgou improcedente a exceção dilatória de intempestividade do direito de ação, arguida pelo réu na contestação.
Por sentença de 10/01/2019, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou procedente o pedido impugnatório formulado pelo autor e declarou a ilegalidade das especificações técnicas contidas nas posições 2, 4 e 6 do lote A do procedimento de concurso público com a designação “22/01218/2018 - Diverso Material Clínico – Sistema de Tratamento de Feridas por Vácuo”, aberto pelo Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E., bem como de todos os atos ali por si praticados.
Inconformado, o réu Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E., interpôs recurso desta decisão, assim como do despacho saneador proferido em 09/10/2018, que julgou improcedente a exceção de intempestividade do direito de ação do autor, pugnando pela respetiva revogação, terminando as suas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1) Não podemos concordar com interpretação do Digno Tribunal a quo no sentido de que o pedido de ilegalidade dos documentos do procedimento pode ser feito em qualquer momento do procedimento, até à celebração do contrato.
2) Em primeiro lugar, tendo em conta uma interpretação histórica e teleológica da norma, concluímos que o n.º 3 do art. 103.º não se reporta ao prazo (certo) para os interessados impugnarem os documentos do procedimento, mas tão-somente ao momento até ao qual o pedido de declaração de ilegalidade dos mesmos é admissível, por ser ainda admissível e comportável a reintegração in natura em termos procedimentais, caso seja procedente o pedido.
3) Isto em conformidade com a Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/12/2007, que tem como uma das principais preocupações que os recursos sejam “eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível” (cfr. art. 1.º, n.º 1, par. 3 da Diretiva), de molde a impedir que quaisquer ilegalidades do procedimento se comuniquem ao contrato e que, uma vez celebrado, exista a estabilidade necessária ao seu cumprimento.
4) Assim, para encontrarmos o prazo dentro do qual pode ser exercido o direito de ação em concreto, numa interpretação sistemática da lei, temos que recorrer ao art. 101.º, concluindo que o prazo será de um mês desde o conhecimento dos documentos (com a publicitação, com a disponibilização das peças aos interessados, ou até posteriormente, se forem violadas as regras de publicitação e acesso à informação pelos interessados, situações que a norma visa salvaguardar).
5) Nem se diga que o n.º 1, 1.ª parte, do art. 103.º afasta esta aplicação, pois o mesmo pretende reportar-se apenas à tramitação processual e o próprio art. 101.º não distingue entre os diversos tipos e processos pré-contratuais a que se aplica, ou seja, não dispõe que só se aplica aos casos de impugnação de atos administrativos – ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus. Assim sucede no direito comparado, em Espanha e Itália, em que o legislador define um prazo uniforme para todas as reações que cabem neste tipo de contencioso, contado desde a notificação da decisão ou desde o conhecimento dos documentos.
6) A não se entender assim, no sentido da aplicabilidade do art. 101.º do CPTA, então deveria aferir-se se o interessado veio impugnar os documentos em prazo razoável, considerando o momento em que deles teve conhecimento, a fase procedimental em que se está e, assim, tomando em devida conta todos os interesses envolvidos, conforme melhor diremos infra.
7) Uma interpretação diversa daquela que defendemos não é sustentável, do ponto de vista da razoabilidade, da proporcionalidade, da boa-fé e dos interesses envolvidos, tudo isto determinante na interpretação da lei.
8) É que, a entender-se que um pretenso interessado em concorrer pode pôr em causa os documentos concursais até à celebração do contrato, estamos a admitir que a estabilidade concursal fica na disponibilidade do mesmo, que pode inclusive decidir só impugnar já após a adjudicação, quando já conhecia as pretensas ilegalidades, pelo menos, desde que acedeu às peças e, assim, em prazo mais alargado que do aquele que os candidatos excluídos ou preteridos têm para impugnar os atos de exclusão e/ou adjudicação!
9) Não pode, numa interpretação cega da lei, presumir-se que o legislador quis esse resultado. O que se exige ao intérprete é que enquadre e sopese a solução legal, ponderando as consequências da interpretação que leva a efeito quanto a todos os interesses públicos e privados envolvidos, assim aferindo a vontade justa e equilibrada do legislador.
10) A solução a que o Tribunal a quo chegou não é suportada pelo Direito e pela ética jurídica, na medida em que dá acolhimento a atuações abusivas e violadoras da boa-fé e da segurança jurídica, admitindo que pretensos interessados que conhecem as peças concursais desde o início deixem tramitar todo o procedimento, inclusive a adjudicação, para só aí virem assacar ilegalidades aos documentos!
11) Trata-se de uma solução juridicamente irracional, desproporcional e desrazoável, que prejudica o interesse público (com a deseconomia e ineficiência que isto comporta para as entidades adjudicantes que tramitam todo o procedimento) e os interesses privados dos concorrentes (com todos os custos que a tramitação do procedimento comporta também para os mesmos), concedendo uma posição de vantagem aos interessados não concorrentes sem qualquer fundamento material legítimo.
12) Em suma, considerando o que se vem de alegar, tem que entender-se que a reação contra os documentos do procedimento, por um interessado não concorrente, não pode ir além do prazo de um mês desde o conhecimento, pelo mesmo, desses documentos, admitindo-se a uniformidade do prazo do art. 101.º para todos os processos de contencioso pré-contratual.
13) A não se entender assim, no sentido da aplicabilidade do prazo do art. 101.º do CPTA, então deveria aferir-se se o prazo dentro do qual o interessado veio impugnar os documentos pode considerar-se razoável, atendendo ao momento em que deles teve conhecimento, a fase procedimental em que se está e, assim, tomando em devida conta todos os interesses envolvidos.
14) Assim, no caso concreto, a A. conhecia o teor das disposições do Caderno de Encargos cuja ilegalidade invoca, pelo menos, desde 04/06/2018 (cfr. ponto 2 dos factos provados), logo, nunca podia aguardar quase dois meses para intentar a presente ação, em 28/07/2018 (cfr. ponto 3 dos factos provados) – num juízo de razoabilidade, parece-nos mesmo, como já dissemos nos autos, que o interessado deveria ter que impugnar até ao prazo para apresentação das candidaturas, por todos os motivos expostos.
15) A presente ação é intempestiva, pelo que, ao decidir diversamente, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento por violação dos arts. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. k), 101.º e 103.º do CPTA, bem como dos princípios jurídicos mencionados que alicerçam a interpretação que defendemos, não podendo o despacho saneador recorrido manter-se na ordem jurídica.
16) Quanto ao segundo fundamento de intempestividade invocado, não podemos também concordar com o raciocínio gizado pelo Digno Tribunal a quo, pois o fundamento de ilegalidade invocado pela A. é o mesmo, quer na reclamação, quer na presente ação.
17) Logo, tendo ocorrido a rejeição (tácita) da reclamação, impunha-se à A. que reagisse contra a mesma no prazo previsto no art. 101.º do CPTA, o que não fez, razão pela qual a presente ação é intempestiva.
18) Deste modo, ao decidir diversamente, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento por violação dos arts. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. k) e 101.º do CPTA, devendo revogar-se o despacho saneador recorrido.
19) O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quanto à fundamentação de facto da sentença, pelos seguintes motivos:
a) Jamais pode dar-se por provado o facto inserto no ponto 13 da fundamentação de facto, alicerçado nos documentos referenciados, porque o R. impugnou os factos que tais documentos pretendem traduzir (cfr. arts. 22.º e 23.º da contestação), logo, não pode ter-se por provado o que neles vem escrito, vertido naquele ponto 13;
b) Acresce que tal facto é despiciendo para o julgamento, na medida em que, por um lado, não resulta dos autos que essas empresas esgotem o universo de potenciais fornecedoras do tipo de bens em causa, e, por outro lado, como resulta provado no ponto 11, nenhuma das Contrainteressadas referidas em 13 foi excluída pelo motivo aí aduzido - cfr. pa. junto aos autos, a fls… e, a propósito, art. 70.º, n.º 2, al. d) e art. 146.º, n.º 2, al. o) do CCP;
c) Pelos mesmos motivos que vimos de referir, no facto consignado no ponto 18, deve aditar-se que existe “pelo menos” um outro fornecedor que comercializa gazes impregnadas com PHMB;
d) E, bem assim, não pode dar-se por provado o facto consignado no ponto 19, uma vez que, questionada sobre a matéria, a testemunha cujo depoimento formou a convicção do Tribunal a este passo remete para os documentos 6 e 7 juntos com a pi., dizendo que foram questionados outros fornecedores e remetendo para as respostas dos mesmos (cfr. gravação da audiência constante do SITAF, minutos 39:27 a 39:40) – contudo, já o dissemos, não pode ter-se por provado o que nestes documentos vem escrito.
20) Deste modo, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento referente à apreciação e valoração da prova apresentada nos autos, concretamente, dando por provados factos que não podem ter-se como assentes, que não podem ter-se como assentes nos exatos termos consignados na sentença, atentas as posições das Partes e a prova firmada nos autos, ou que não são sequer pertinentes, necessários nem essenciais à boa decisão da causa.
21) Relativamente aos factos dos pontos 15, 17, 21, 22 e 23, os mesmos não foram alegados pelas Partes, reconduzindo-se portanto a factos instrumentais (pontos 21, 22 e 23) e a factos complementares ou concretizadores dos alegados (pontos 15 e 17), que não podem ser considerados, dados por provados e relevados na decisão, como, em erro de julgamento, o Tribunal a quo fez, sem ter concedido “previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a atendibilidade desses factos”,
22) o que pressupõe, cumulativamente, que: i) o tribunal anuncie, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar usar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto; ii) a parte que beneficiará desses factos manifeste a concordância ou a vontade de que esses factos sejam considerados pelo tribunal; iii) se permita à parte contrária requerer novos meios de prova para, consoante o caso, prova ou contraprova desses factos. (cfr. Ac. do TRP de 30/04/2015, proc. 5800/13.9TBMTS.P1), nada disto tendo sucedido, inclusive em violação do art. 5.º do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA, impondo-se a revogação da decisão a este passo, com todas as legais consequências.
23) Sem conceder quanto ao que vimos de alegar, a não se entender assim, então sempre teriam que ser dados como assentes os seguintes factos, também eles factos instrumentais e/ou factos complementares ou concretizadores dos alegados, resultantes da instrução da causa, mas omitidos pela sentença recorrida:
a) A A. não comercializa gazes impregnadas com PHMB – cfr. depoimento da testemunha R……………., prestado em audiência de julgamento, minutos 39:15 a 39:26 da gravação constante do SITAF;
b) Os kits que a A. comercializa, para tratamento de feridas por pressão negativa, são compostos por espuma, filtros e dreno – cfr. depoimento da testemunha R……………, prestado em audiência de julgamento, minutos 34:15 a 34:25 da gravação constante do SITAF;
c) Os kits que o R. pretende adquirir, correspondentes às posições 2, 4 e 6 do lote em questão nos autos, têm uma composição acessível a qualquer fornecedor do mercado, já que todos os elementos que os compõem estão, separadamente, disponíveis no mercado – cfr. depoimento da testemunha R……………., prestado em audiência de julgamento, minutos 8:02 a 8:45 da gravação constante do SITAF;
d) Os diferentes kits - kits de gaze ou kits de espuma e diferentes medidas de cada um deles – são escolhidos e utilizados tendo em conta o tamanho e profundidade das feridas – cfr. depoimento da testemunha V……………., prestado em audiência de julgamento, minutos 1:01:20 a 1:03:06 da gravação constante do SITAF;
e) É essencial para garantir a eficácia do tratamento que a gaze que compõe o kit venha já impregnada com substância antimicrobiana, de molde a evitar mistura de produtos, manipulação e manuseamento em ambiente não antissético – cfr. depoimento da testemunha V……………., prestado em audiência de julgamento, minutos 50:57 a 51:32, 1:00:50 a 1:01:17 da gravação constante do SITAF;
f) No tipo de concursos como o presente, que visam o fornecimento dos bens consumíveis para tratamento de feridas por pressão negativa, os hospitais não compram os aparelhos (também designados por máquinas) aos quais são conectados os drenos e reservatórios (estes fazem parte dos produtos consumíveis necessários ao tratamento de feridas por pressão negativa, constando do anexo A do CE), pois os mesmos são emprestados pelo fornecedor que ganha o concurso e que, a final do contrato, os recolhe – cfr. depoimento da testemunha R…………….., minutos 23:52 a 24:02, 24:55 a 25:20 e 41:42 a 41:56; e cfr. depoimento da testemunha V……………., minutos 58:25 a 59:17, ambos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, gravação constante do SITAF;
g) No caso vertente, o Caderno de Encargos do presente procedimento concursal prevê, na sua cláusula 27.ª, sob a epígrafe “Características, especificações técnicas e equipamentos: “(…) A adjudicação pressupõe a cedência em regime de comodato de equipamentos que deverão garantir as seguintes características mínimas (…)” – cfr. CE a pp. 38, constante do pa. junto aos autos a fls…
24) Incorre, assim, o Tribunal a quo em erro de julgamento, por insuficiência da fundamentação de facto, omitindo dos factos provados os sobreditos factos instrumentais e/ou factos complementares ou concretizadores dos alegados pelas Partes, resultantes da instrução da causa e relevantes para a decisão da mesma, devendo os factos enunciados ser aditados à matéria de facto provada, para todos os efeitos e com todas as legais consequências.
25) Quanto ao direito, em primeiro lugar e determinantemente, o que resulta provado nos autos é que nada impedia a A. de adquirir os diversos componentes enunciados nas posições do lote impugnadas e, assim, fornecer os kits com gaze de acordo com o exigido no concurso – os produtos que compõem os kits das posições 2, 4 e 6 do lote são produtos acessíveis a qualquer operador do mercado, logo, também a A. poderia, querendo, compor esses kits e comercializá-los.
26) Em segundo lugar, o que é também evidente é que nada impedia a A. de concorrer ao procedimento, apresentando as pretensas soluções alternativas aos bens descritos no CE que comercializa, e que alegadamente servem os mesmos desideratos, explicitando e comprovando isso mesmo, pois, a ser assim, o júri do procedimento estava legal e absolutamente vinculado a admitir a proposta – conclusão esta que é inequívoca e à qual não obstam quaisquer prescrições do CE, pois a Administração está, antes de tudo o mais, vinculada à legalidade, como bem sabe a A..
27) Ou seja, se a A. entendia dispor de bens que serviam os mesmos fins dos enunciados pelo R., podia e devia ter apresentado a sua proposta – se assim fosse, inexistiria razão para o R. excluir a A., em legalidade, a não ser que, como sucedeu com a Contrainteressada J….., os preços-base da A. ultrapassassem os do CE.
28) Sucede que o que ostensivamente resulta dos autos, basta ter alguma experiência de vida para perceber isso mesmo, é que tal não sucede – isto é, os produtos comercializados pela A. não são equivalentes aos pedidos pelo R., antes são soluções diversas, em termos técnicos (daí que a A. tenha tentado mitigar a questão através da divisão do lote, em sede procedimental).
29) O que vimos de concluir retira-se facilmente das seguintes circunstâncias: a A. impugnou as especificações técnicas contidas nas posições 2, 4 e 6 do lote A do procedimento, mas nada disse quanto às posições 1, 3 e 5, as quais contêm também especificações quanto às dimensões dos componentes;
30) Resulta provado nos autos, nos termos expostos, que os produtos que compõem os kits das posições 2, 4 e 6 do lote são produtos acessíveis a qualquer operador do mercado, logo, também a A. poderia, querendo, compor esses kits e comercializá-los – eventualmente tal não lhe seria conveniente, em termos de competitividade, isto é, de preço de venda;
31) Não resulta provado nos autos (nem sequer vem alegado pela A., aliás, como dissemos supra) que a A. comercialize kits para o tratamento de feridas por pressão negativa com gaze impregnada em substância antimicrobiana – o que resulta provado é que os kits comercializados pela A. contêm espuma, filtros e dreno (cfr. supra), aliás em consonância com a posição assumida em sede procedimental no sentido de ser constituído lote sem as posições 2, 4 e 6 (gazes).
32) Ora, se existem no mercado operadores que fornecem, além dos kits com espuma, simultaneamente (e, assim, usando o mesmo sistema operativo, isto é, os mesmos reservatórios e máquinas, o que é absolutamente essencial), kits com gazes para o tratamento em questão, se o R. entende que deve adquirir ambos os kits, naturalmente e como resulta provado, de molde a garantir uma maior adaptabilidade dos produtos às feridas a tratar – questão ou opção esta que é, ademais, do âmbito médico e técnico e que não cabe ao Tribunal conhecer ou validar -, se esses kits não são sequer exclusivos de um fornecedor e, ademais, são compostos por produtos acessíveis a todos, não pode a A. exigir que o R. não utilize essa solução para o tratamento em causa e utilize outra solução, por lhe ser mais conveniente e atrativo em termos do preço pelo qual consegue colocar os produtos no mercado.
33) Rectius: as questões de âmbito médico e técnico que foram levadas à discussão – quais as soluções possíveis para o tratamento visado e se as soluções comercializadas pela A. eram idóneas a esse tratamento - só poderiam ser dirimidas mediante a produção de prova pericial, que não foi produzida nem sequer requerida pela A. nem pelo Tribunal.
34) A A. não prova que estaria em condições, rectius, que pretendia e podia fornecer os produtos das posições 2, 4 e 6 do lote, mais cm menos cm de gaze, com uma ou outra substância antissética e, portanto, a sentença proferida pelo Digno TAC, a manter-se, não passará, salvo o merecido respeito, de letra morta.
35) É que, ainda que aditando a expressão “ou equivalente” nas especificações contidas nas sobreditas posições, ainda assim a A. não estará em condições de concorrer ou não quererá mesmo concorrer.
36) E não compete à A., que atua no caso enquanto titular de direitos e interesses concretos alegadamente violados, nem, aliás, compete ao Digno Tribunal, defender e aferir da legalidade das atuações administrativas em abstrato – o que se pode e visa equacionar são lesões concretas de posições jurídicas e é isso que a lei também visa, inclusive o art. 49.º do CCP, e é assim que as normas têm que ser interpretadas, em último termo, recorrendo ao princípio do favor do procedimento (cfr., mutatis mutandis, Acs. do TCA-N de 07/10/2016, proc. 00819/14.5BELSB, e de 08/01/2016, proc. 02366/14.6BEBRG, e do TCA-S de 16/01/2018, proc. 572/17.0 BELRA);
37) Isto é, não pode admitir-se que seja invalidado o procedimento se não há nenhum interesse concreto e comprovado em que tal suceda, ou, por outras palavras, não pode invalidar-se o procedimento para que, uma vez refeito o mesmo, tudo fique igual e, no que aos interesses concretamente prosseguidos nos autos, a Impugnante continue a não poder ou querer concorrer por motivos perfeitamente alheios aos interesses públicos prosseguidos pelo legislador, sem que qualquer ilegalidade persista – tudo em perfeito alheamento aos princípios jurídicos do interesse público, da proporcionalidade, da razoabilidade, que têm que nortear a interpretação das normas legais e aos quais o julgador não pode ser alheio.
38) Em suma, ao decidir conforme decidiu, o Tribunal a quo erra no julgamento, violando o art. 49.º do CCP ou a interpretação que dele deve ser feita no caso concreto atendendo aos princípios sobreditos, no sentido de não invalidar o procedimento em questão e, assim, viola esses mesmos princípios da favor do procedimento, do interesse público, da proporcionalidade e da razoabilidade, não podendo manter-se na ordem jurídica.”
A recorrida P……………, Lda., apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. A recorrida coloca em crise especificações técnicas que, em seu entendimento, se afiguram contrárias à lei e a ação foi proposta antes de ter sido praticado o ato de adjudicação;
2. O artigo 103.º do CPTA aplica-se aos “processos dirigidos à declaração de ilegalidade de disposições contidas no programa do concurso, no caderno de encargos ou em qualquer outro documento conformador do procedimento de formação de contrato, designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos”
3. Dispondo o Art. 103.º n.º 3 do CPTA que o pedido de declaração de ilegalidade “pode ser deduzido durante a pendência do procedimento a que os documentos em causa se referem, sem prejuízo do ónus da impugnação autónoma dos respetivos atos de aplicação”;
4. O artigo 103.º vem, assim, erigir um conjunto de regras especiais aplicáveis à impugnação dos documentos que conformam o procedimento concursal – não lhe sendo, aplicável o disposto no artigo 101.º do CPTA, como se extrai do seu n.º 1, regulando-se o prazo de propositura da ação ou a legitimidade à luz do que aí é especialmente referido.
5. A exceção dilatória de repetição de fundamentos, invocada pela recorrente não existe no direito português;
6. Não é extemporâneo o inexistente pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação a que a recorrente alude nem o inexistente pedido de condenação à prática de algum ato devido pela razão, muito clara e simples, de que não existem e não pode ser extemporâneo o que nem sequer existe;
7. Deve manter-se integralmente a decisão de facto, em particular, o facto 19, para que a recorrente invoca a insuficiência da prova gravada porque, não obstante a ilustre mandatária da recorrente ter interrompido a testemunha, a mesma afirmou, de modo audível na gravação, que apenas o adjudicatário fornecia aquele produto com aquelas medidas (cfr. minutos 39:24 a 40:00);
8. Os factos das alíneas c) e e) são enganadores;
9. As especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não devem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.
10. Com referido a fls. 15 e ss. da douta sentença, que com a devida vénia se transcreve:
a. “tendo ficado acima demonstrado que existem soluções alternativas à utilização de gazes impregnadas com PHMB, como sejam gazes impregnadas com cristais de prata ou compressas de prata com gordura impregnada, as quais detêm igualmente uma acção antibacteriana (cf. facto 16. e 17. firmados supra), que apenas a S……….. Lda., dispõe de gazes impregnadas com PHMB com as exactas medidas especificadas pelo R. (cf. factos 11., 13., 14., 18. e 19. firmados supra) e que, de resto, não existe justificação médica para que essas medidas não possam comportar uma ligeira margem de variação (cf. facto 20. firmado supra), curial se torna concluir que, ao definir as especificações técnicas ora em crise nos termos em que o fez, o R. criou um obstáculo ilegítimo à abertura do contrato ora em crise à concorrência, revelando-se, como tal, ilegais”.
b. “[…] e a declaração da ilegalidade das especificações técnicas contestadas sempre decorreria das demais regras consignadas no artigo 49.º do CCP” [cfr. Art. 49.º n.º 7 CCP e 8 e 9 do mesmo artigo]
11. “Na verdade, e atenta a integralidade da matéria de facto que retro se deu por assente (designadamente, os seus pontos 11., 13., 14., 18. e 19.), a definição das especificações técnicas das posições 2, 4 e 6 do lote A do concurso sub judice antes encontra guarida no n.º 8 do artigo 49.º do CCP, na parte respeitante “a um procedimento específico que caracterize os produtos ou serviços prestados por determinado fornecedor”, pelo que sempre caberia ao R. fazer acompanhar tal formulação da expressão “ou equivalente”, em cumprimento do disposto no n.º 9 daquele preceito legal: não o tendo feito, ficam tais especificações, como se antecipa, votadas a um juízo de ilegalidade”.
12. “Em face do que antecede, entende-se, assim, que, ao formular as especificações técnicas das posições 2, 4 e 6 do lote A do procedimento concursal em apreço nos termos em que o fez – id est, definindo que os kits a adquirir deviam ser compostos por gazes antimicrobianas impregnadas de PHMB e outras componentes de uma determinada e exacta dimensão, os quais apenas são comercializados pela S……….., Lda., cf. factos 11., 13., 14., 18. e 19. firmados supra – o R. violou o disposto no artigo 49.º do CCP, bem como o princípio da transparência, igualdade e concorrência que lhe subjazem, devendo, por isso, tais especificações (bem como todos os actos praticados no âmbito do sobredito concurso) ser anuladas”.
*

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as seguintes questões:
- aferir do erro de julgamento do despacho saneador recorrido, ao decidir pela tempestividade da ação;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida na decisão da matéria de facto;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir que as especificações técnicas atinentes às posições 2, 4 e 6 do lote A do procedimento concursal violam o artigo 49.º do CCP, e os princípios da transparência, igualdade e concorrência, sem recurso a prova pericial.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 17.05.2018, o Conselho de Administração do R. deliberou a decisão de contratar, tendo em vista a aquisição de “DIVERSO MATERIAL CLINICO – SISTEMA DE TRATAMENTO DE FERIDAS POR VACUO” (cf. artigo 3.º do Programa de Concurso, ou “PC”, do concurso público n.º 22/01218/2018, cuja cópia se encontra junta a fls. 25-48 dos autos no SITAF, bem como cópia do despacho exarado a fls. 177 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
2. Em 01.06.2018, foi publicado em Diário da República, II Série, Parte L, o anúncio de procedimento n.º 3988/2018, através do qual o R. dá conta da abertura de procedimento concursal com a designação “22/01218/2018- DIVERSO MATERIAL CLINICO – SISTEMA DE TRATAMENTO DE FERIDAS POR VACUO”, do tipo de contrato de “Aquisição de Bens Móveis”, em contratação por lotes, com um preço base de EUR 15.650,00, aí indicando como o prazo para a apresentação de propostas “Até às 17:30 do 15º dia a contar da data de envio do presente anúncio” (cf. cópia do anúncio de procedimento junta a fls. 235-237 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
3. Em data que não foi possível apurar com total exatidão, o R. disponibilizou online as peças contratuais do procedimento concursal referido no ponto anterior, estabelecendo no respetivo PC que:
“ (…) ARTIGO 7.º - PROPOSTA
(…) 2.1. A proposta é constituída, sob pena de exclusão, pelos seguintes documentos:
(…) b) Proposta de fornecimento contendo todos os atributos, detalhes dos bens e condições comerciais propostas a concurso;
(…) 13. Não é admitida a apresentação de propostas com alterações de cláusulas do caderno de encargos.
14. Não são admitidas, no contexto de cada lote, propostas parciais que representam insuficiência de atributos face ao conjunto de bens que constituem cada lote” (cf. cópia do PC junta a fls. 25-48 dos autos no SITAF).
4. Em data que não foi possível apurar com total exatidão, o R. disponibilizou online as peças contratuais do procedimento concursal referido no ponto 2. supra, estabelecendo no respetivo CE que:
“CLÁUSULA 1.ª - OBJETO E PRAZO DE VIGÊNCIA
Fornecimento dos bens conforme descritos no Anexo A deste Caderno de Encargos, para as quantidades que se venham a revelar necessárias e previstas no mesmo anexo, estimadas para o prazo de 12 meses, com possibilidade de prorrogação até 36 meses. (…)
ANEXO A – BENS A CONTRATAR

(cf. cópia do CE junta a fls. 49-63 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
5. Em 04.06.2018, a A. apresentou um requerimento junto do júri do procedimento concursal a que se alude no ponto 2. supra, aí dando conta de que “Os kits cuja composição indique que devem incluir “gaze antimicrobiana ”, como é expressamente solicitado nas posições 2, 4 e 6, e exija as características técnicas inerentes a estas posições, são pertença a um único concorrente”, sugerindo, então, “que estas posições sejam incluídas num único lote alternativo, que para além de terem um valor de preço base de 1380,0000€ (no total das posições indicadas), oferece a oportunidade ao concorrente que a detém, caso seja vencedor, de poder fornecer a mesma ao Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E.”, aí pugnando, assim, pela “correção “Anexo A – Bens a Contratar”, com a inclusão de mais um lote com estas posições” (cf. cópias do requerimento e respectivo comprovativo de entrega juntas entre fls. 131 e 133 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
6. Em 04.06.2018, a C……………, S.A., apresentou uma proposta no âmbito do procedimento concursal a que se alude no ponto 2. firmado supra, sem que tenha apresentado qualquer detalhe acerca dos produtos a fornecer (cf. separador junto a fls. 396-401 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
7. Em 12.06.2018, a S…………, Lda., apresentou uma proposta no âmbito do procedimento concursal a que se alude no ponto 2. firmado supra, tendo em vista, entre outros, o fornecimento dos produtos “230011034 // 66800935 Renasys G grande soft port // Kit Gaze p/terapia pressão negativa”, “230011032 // 66800934 Renasys G médio soft port // Kit Gaze p/terapia pressão negativa” e “230011030 // 66800933 Renasys G pequeno soft port // Kit Gaze p/terapia pressão negativa” para as posições 2, 4 e 6 do lote A, respectivamente, cujo conteúdo se enuncia de seguida:
(“texto integral no original; imagem”)

(cf. cópias dos documentos que integram a proposta juntas a fls. 283-284 e 310-311 dos autos no SITAF, as quais se dão por integralmente reproduzidas).
8. Em 14.06.2018, a J………….., Lda., apresentou uma proposta no âmbito do procedimento concursal a que se alude no ponto 2. firmado supra, tendo em vista, entre outros, o fornecimento dos produtos “230011034 // EXG-SGA-L // Kit de Mudança de Penso (gaze) GR // Descrição técnica: 1 Tubo Exsudex com Almofada de Drenagem // 6 Esponjas Kerlix AMD 15x17cm // 3 Filmes Poliuretano 20x30cm // 2 Filmes Poliuretano 10x10cm”, “230011032 // EXG-SGA-M // Kit de Mudança de Penso (gaze) MD // Descrição técnica: 1 Tubo Exsudex com Almofada de Drenagem // 4 Esponjas Kerlix AMD 15x17cm // 2 Filmes Poliuretano 20x30cm // 2 Filmes Poliuretano 10x10cm” e “230011030 // EXG-SGA-S // Kit de Mudança de Penso (gaze) PQ // Descrição técnica: 1 Tubo Exsudex com Almofada de Drenagem // 2 Esponjas Kerlix AMD 15x17cm // 1 Filme Poliuretano 20x30cm // 2 Filmes Poliuretano 10x10cm” para as posições 2, 4 e 6 do lote A, respectivamente (cf. cópias dos documentos que integram a proposta juntos a fls. 404-409 dos autos no SITAF, as quais se dão por integralmente reproduzidos).
9. A A. não apresentou proposta no âmbito do procedimento concursal referido no ponto 2. supra (facto admitido por acordo, cf. artigos 25.º e 2.º das doutas p.i. e contestação apresentadas, respetivamente).
10. Em 20.06.2018, foi proferido despacho por vogal executivo do R., sancionando o teor da informação de 05.06.2018, na qual, relativamente ao requerimento a que se alude no facto 5. firmado supra, se expende que:
1. As peças procedimentais consideram como objetos a contratar a constituição de um único lote a adjudicar em virtude da relação técnica e compatibilidade funcional dos bens a contratar, acrescendo o facto da gestão técnica e logística de um único contrato revela-se [sic] mais eficiente para o CHTV;
2. A elaboração das peças foi efetuada com a pré-auscultação e validação dos elementos técnicos/utilizadores responsáveis, considerando-se que os requisitos exigidos garantem os resultados esperados nos respetivos tratamentos;
3. São dispositivos que têm sido recontratos [sic] na mesma disposição e que, segundo nosso conhecimento de procedimentos anteriores, existe no mercado mais do que um operador económico capaz de preencher este requisito técnico, garantindo-se o princípio da concorrência subjacente no Código dos Contratos Públicos;
4. Acresce também o facto de os dispositivos dependerem de equipamentos para a sua utilização, em que, a constituição de dois lotes a contratar, conforme sugere o interessado, poderá fazer resultar contratos com dois fornecedores diferentes, forçando a coexistência de duas tecnologias distintas, dificultando a operacionalidade e gestão material, obrigando também a contratação replicada dos reservatórios previstos nas posições 7 e 8 do Anexo A;
Pelo exposto e sendo da responsabilidade do órgão competente para a decisão de contratar pronunciar-se sobre os erros e as omissões identificados pelos interessados, submete-se à consideração superior para os devidos efeitos.
Nos termos da alínea b), do n.° 5, do Artigo 50.° do CCP, são considerados rejeitados todos os erros e omissões que, até ao dia 08/06/2018, não sejam expressamente aceites.” (cf. cópia da informação junta a fls. 362-363 dos autos no SITAF bem como do despacho aí exarado, documento que se dá por integralmente reproduzido).
11. Em 25.07.2018, o júri do procedimento concursal referido no ponto 2. supra deliberou desqualificar a C…………, S.A., por os documentos por si apresentados não preencherem “os requisitos exigidos no Artigo 7.º do programa de Concurso, não reunindo as condições de proposta”, não admitir a proposta apresentada pela J……….., Lda., com a menção “Proposta excluída, sendo que se verifica que a proposta do concorrente apresenta atributos que violam os parâmetros base fixados e/ou outras condições do caderno de encargos em outros produtos que compõem o lote a contratar, que a sua exclusão constitui uma insuficiência de atributos face às condições e/ou aspetos do contrato a celebrar previstos no caderno de encargos e não submetidas à concorrência - exclusão nos termos da alínea b), do n.° 2, do Artº 70.° e alínea o), do n.° 2, do Artigo 146° do CCP”, e admitir e ordenar em primeiro lugar a proposta remanescente, apresentada pela S………., Lda. (cf. cópias do relatório final e respectivos anexos 1, 2 e 3 juntas a fls. 336-344 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
12. No âmbito da “Terapia de Feridas por Pressão Negativa”, a S……….., Lda., dispõe de uma solução que designa de “RENASYS G com Soft Port” (“Sistema de gaze com PHMB com Soft Port flexível e fácil de aplicar em feridas irregulares, tunelizadas e dolorosas”), aí comercializando dois produtos a que atribui os números 66800933 e 66800934, compostos nos seguintes termos:
“RENASYS-G Pequeno Kit Gaze Conteúdo do Kit:
1 penso Soft Port
1 gaze não aderente 7.5cm x 7.5cm
1 gaze antimicrobiana 15cm x 17cm
1 película transparente 20cm x 30cm
1 soro fisiológico em monodose
1 toalhete para limpar a pele
1 régua para feridas
RENASYS-G Médio Kit Gaze
Conteúdo do Kit
1 penso Soft Port
2 gazes não aderentes 7.5cm x 20cm
2 gazes antimicrobiana 15cm x 17cm
1 película transparente 20cm x 30cm
1 soro fisiológico em monodose
1 toalhete para limpar a pele
1 régua para feridas” (cf. cópias dos documentos juntas a fls. 70-71 e 496 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
13. A C……….., S.A., e a J……….., Lda., não comercializam produtos com as exactas características das posições 2, 4 e 6 do lote A dos bens a contratar a que se alude no ponto 4. firmado supra (cf. cópias das mensagens eletrónicas juntas a fls. 72-75 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
14. A A. não comercializa produtos com as exatas características das posições 2, 4 e 6 do lote A dos bens a contratar a que se alude no ponto 4. firmado supra (cf. prova testemunhal).
15. A A. comercializa soluções para sistemas de terapia de feridas por pressão negativa contendo espuma ou compressas de prata (cf. prova testemunhal).
16. As gazes impregnadas com PHMB detêm uma ação antibacteriana (cf. prova testemunhal).
17. Existem soluções alternativas à utilização de gazes impregnadas com PHMB, como sejam gazes impregnadas com cristais de prata ou compressas de prata com gordura impregnada, as quais detêm igualmente uma ação antibacteriana (cf. prova testemunhal).
18. Além da S……….., Lda., existe um outro fornecedor que comercializa gazes impregnadas com PHMB (cf. prova testemunhal).
19. Esse outro fornecedor não dispõe de gazes com as dimensões descritas no anexo A ao CE a que se alude no ponto 4. firmado supra (cf. prova testemunhal).
20. Não existe justificação médica para que as gazes tenham de ter as exatas medidas descritas no anexo A ao CE a que se alude no facto 4. firmado supra sem qualquer variação (cf. prova testemunhal).
21. Os sistemas de terapia de feridas por vácuo carecem da utilização de um aparelho, ao qual os produtos descritos no anexo A do CE a que se alude no ponto 4. supra são ligados (cf. prova testemunhal).
22. Os drenos e os reservatórios de determinada fabricante apenas são conectáveis a aparelhos do mesmo fabricante (cf. prova testemunhal).
23. Atualmente, o R. encontra-se a utilizar aparelhos da S………., Lda. (cf. prova testemunhal).
A prova dos factos 1. a 13. fixados supra assenta no teor dos documentos juntos aos autos, bem como das declarações produzidas pelas partes, conforme referido a respeito de cada facto.
Já a prova dos factos 14., 15., 18. e 19. assentou exclusivamente no depoimento da testemunha R……………, o qual, até por força das funções que desempenha enquanto responsável pela divisão hospitalar da A., logrou responder às questões que lhe foram colocadas nesse âmbito, com credibilidade e conhecimento de causa.
Por seu turno, a prova dos factos 20. e 23. decorre do depoimento da testemunha V……………, médico cirurgião hospitalar nos serviços do R., o qual confirmou a factualidade ali inscrita, com a inequívoca razão de ciência que lhe advém da sua formação e ocupação profissional.
Concretamente no que tange ao ponto 20. da matéria de facto dada por assente, a testemunha afirmou sem margem para dúvidas que os tamanhos das gazes não colocariam problemas de maior, já que a diferença de uma gaze de 10x10cm para uma outra de 7,5x7,5xm não seria significativa.
Quanto à prova dos factos 16., 17., 21. e 22. acabados de fixar, resulta a mesma dos depoimentos das referidas testemunhas R…………….. e V…………….., os quais se mostraram absolutamente convergentes a esse respeito, tendo ambos respondido de forma isenta e credível às questões suscitadas.
Relativamente ao ponto 17. da matéria de facto, não pode deixar de se assinalar que a testemunha V…………… afirmou mesmo que o importante seria que a gaze fosse antimicrobiana e que no procedimento concursal em apreço não era exigido que tal valência fosse assegurada através da impregnação de PHMB, podendo, de igual modo, ser efetivada através da impregnação com cristais de prata.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se:
- ocorre erro de julgamento do despacho saneador recorrido, ao decidir pela tempestividade da ação;
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida na decisão da matéria de facto;
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir que as especificações técnicas atinentes às posições 2, 4 e 6 do lote A do procedimento concursal violam o artigo 49.º do CCP, e os princípios da transparência, igualdade e concorrência, sem recurso a prova pericial.


a) da tempestividade da ação

Nesta sede, alega o recorrente, em síntese:
- o artigo 103.º, n.º 3, do CPTA não se reporta ao prazo para os interessados impugnarem os documentos do procedimento, mas apenas até quando pode ser admitido o pedido de declaração de ilegalidade, pelo que o prazo aplicável será o de um mês previsto no artigo 101.º, desde o conhecimento dos documentos;
- a não se entender assim, deveria aferir-se se o prazo dentro do qual o interessado veio impugnar os documentos, quase dois meses, pode considerar-se razoável, atendendo ao momento em que deles teve conhecimento, a fase procedimental em que se está e, assim, tomando em devida conta todos os interesses envolvidos;
- por outro lado, a autora não reagiu contra a rejeição (tácita) da reclamação no prazo previsto no artigo 101.º do CPTA, o que igualmente implica a intempestividade da ação.

Prevê o artigo 101.º do CPTA, que “[o]s processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês, por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos gerais, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.º 3 do artigo 58.º e nos artigos 59.º e 60.º”.
Já o artigo 103.º, sob a epígrafe ‘impugnação dos documentos conformadores do procedimento’, prevê o seguinte:
“1 - Regem-se pelo disposto no presente artigo e no artigo anterior, os processos dirigidos à declaração de ilegalidade de disposições contidas no programa do concurso, no caderno de encargos ou em qualquer outro documento conformador do procedimento de formação de contrato, designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos.
2 - O pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa, podendo ser cumulado com o pedido de impugnação de ato administrativo de aplicação das determinações contidas nos referidos documentos.
3 - O pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido durante a pendência do procedimento a que os documentos em causa se referem, sem prejuízo do ónus da impugnação autónoma dos respetivos atos de aplicação.
4 - O disposto no presente artigo não prejudica a possibilidade da impugnação, nos termos gerais, dos regulamentos que tenham por objeto conformar mais do que um procedimento de formação de contratos.”
Não tem razão a recorrente.
No despacho saneador sob recurso entendeu-se, e bem, que o prazo aplicável ao caso dos autos era o do n.º 3 deste artigo 103.º, posto que se trata de normativo especial, que rege a impugnação dos documentos conformadores do procedimento, enquanto o normativo mais abrangente do artigo 101.º se refere genericamente aos processos do contencioso pré-contratual.
Como observam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, o prazo previsto no n.º 3 do artigo 103.º “constitui, pois, o prazo a observar nos processos de impugnação de documentos conformadores do procedimento”, enquanto “o prazo de um mês previsto no artigo 101.º não é aplicável a estes processos, não só porque o n.º 1 exclui expressamente a aplicação desse prazo neste domínio, como também porque, no n.º 3, se encontra especialmente previsto um limite temporal próprio para a entrada em juízo deste tipo de processos” (CPTA anotado, 2017, págs. 830/831).
Está em causa uma das inovações introduzidas com a mais recente revisão do CPTA, através do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, sendo que a argumentação apresentada apenas teria sustento ao abrigo do regime pretérito.
Quanto ao argumento da autora não ter reagido contra a rejeição (tácita) da reclamação no prazo previsto no artigo 101.º do CPTA, do que fica dito igualmente resulta que não assiste razão à recorrente.
Como já assinalado, este preceito não rege a impugnação dos documentos conformadores do procedimento, pelo que o prazo de 30 dias não era aplicável, mas sim o termo previsto no n.º 3 do artigo 103.º.
Improcede, pois, o recurso, quanto à questão da tempestividade da ação.


b) da impugnação da decisão da matéria de facto

Em primeiro lugar, o recorrente insurge-se quanto a dar-se como provado o facto constante do ponto 13 da fundamentação de facto, por ter impugnado o mesmo, para além de o considerar despiciendo para o julgamento, por não resultar dos autos que essas empresas esgotem o universo de potenciais fornecedoras do tipo de bens em causa, e por resultar provado no ponto 11 que nenhuma das contrainteressadas ali referidas foi excluída pelo motivo aí aduzido.
Defendendo que, pelas mesmas razões, ao facto do ponto 18 deve aditar-se que existe “pelo menos” um outro fornecedor que comercializa gazes impregnadas com PHMB, e não pode dar-se por provado o facto do ponto 19, pois a testemunha cujo depoimento formou a convicção do Tribunal remete para os documentos 6 e 7 juntos com a PI, dizendo que foram questionados outros fornecedores e remetendo para as respostas dos mesmos.
Consta do ponto 11 que as propostas da C…… e da J…… foram excluídas por violarem os parâmetros base fixados e/ou outras condições do caderno de encargos em outros produtos que compõem o lote a contratar, constituindo a sua exclusão uma insuficiência de atributos face às condições e/ou aspetos do contrato a celebrar previstos no caderno de encargos e não submetidas à concorrência.
Consta do ponto 13, que aquelas empresas não comercializam produtos com as exatas características das posições 2, 4 e 6 do lote A dos bens a contratar.
Para fundamentar a prova deste facto, o Tribunal remeteu para as cópias das mensagens eletrónicas juntas a fls. 72-75 dos autos no SITAF.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
O artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’, prevê o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
Não se pode limitar a questionar a fundamentação da decisão de facto apresentada pelo julgador, mas sim a decisão sobre determinado facto.
Por outro lado, haverá que ter presente que, de acordo com o artigo 607.º, n.º 5, do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; e esta livre apreciação apenas não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Relativamente a determinados factos alegados na PI, o réu utilizou na contestação a expressão tabelar 'por não corresponderem à realidade e/ou não serem do conhecimento do réu', pretendendo agora que essa afirmação impedia o julgador de os dar como assentes.
Como é evidente, não é assim, nem sequer se pode concluir que, nesta parte, o que vem invocado pelo réu constitua uma impugnação válida da decisão de facto.
Se o tribunal deu os factos como provados com base nos documentos, os quais estão sujeitos à livre apreciação da prova, ao recorrente competia alegar no recurso o motivo pelo qual entende que os documentos em causa não são suficientes para que se considerem provados os factos, ou que outro meio de prova impõe se considerem não provados, assim dando cumprimento ao ónus previsto na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Improcede, pois, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Impugna também o recorrente o facto constante do ponto 19, requerendo neste ponto a reapreciação da prova gravada, por entender que a testemunha cujo depoimento formou a convicção do Tribunal a este passo remete para os documentos 6 e 7 juntos com a PI, que impugnou.
Consta do ponto 19 do probatório que “esse outro fornecedor [que tal como a S………. comercializa gazes impregnadas com PHMB – ponto 18] não dispõe de gazes com as dimensões descritas no anexo A ao Caderno de Encargos”.
O Tribunal a quo fundamentou este ponto afirmando que a testemunha R……………, com funções de responsável pela divisão hospitalar da autora, logrou responder às questões que lhe foram colocadas nesse âmbito, com credibilidade e conhecimento de causa, o que aqui não se disputa.
Ora, por um lado, novamente se constata que o invocado pelo réu não constitui uma impugnação válida da decisão de facto, posto que se o tribunal deu os factos como provados com base nos documentos, os quais estão sujeitos à livre apreciação da prova, ao recorrente competia alegar no recurso o motivo pelo qual entende que os documentos em causa não são suficientes para que se considerem provados os factos, ou que outro meio de prova impõe se considerem não provados, conforme já assinalado.
Por outro lado, verifica-se que a testemunha em causa afirmou claramente não existir qualquer outro fornecedor, para além da S………., que dispusesse de gazes com as dimensões descritas no anexo A ao Caderno de Encargos – 39m23s a 39m35s do registo de gravação.
Como tal, encontra-se tal facto devidamente assente, pelo que também aqui improcede a impugnação do recorrente.

Prossegue o recorrente, afirmando que os factos constantes dos pontos 15, 17, 21, 22 e 23, não foram alegados pelas partes, reconduzindo-se a factos instrumentais (pontos 21, 22 e 23) e a factos complementares ou concretizadores dos alegados (pontos 15 e 17), que não podem ser considerados, dados por provados e relevados na decisão, como, em erro de julgamento, o Tribunal a quo fez, sem ter concedido “previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a atendibilidade desses factos”.
No ponto 15 consta que a autora comercializa soluções para sistemas de terapia de feridas por pressão negativa contendo espuma ou compressas de prata, ao passo que no ponto 17 consta que existem soluções alternativas à utilização de gazes impregnadas com PHMB, como sejam gazes impregnadas com cristais de prata ou compressas de prata com gordura impregnada, as quais detêm igualmente uma ação antibacteriana.
Do ponto 21 consta que os sistemas de terapia de feridas por vácuo carecem da utilização de um aparelho, ao qual os produtos descritos no anexo A do CE a que se alude no ponto 4 são ligados, do ponto 22 que os drenos e os reservatórios de determinada fabricante apenas são conectáveis a aparelhos do mesmo fabricante, e do ponto 23 que o réu se encontra a utilizar aparelhos da S………., Lda.
Tais factos não constam dos articulados, nem foi dada possibilidade às partes de se pronunciarem sobre os mesmos.
Contudo, conforme decorre do artigo 5.º, n.º 2, do CPC, é distinto o regime legal quanto ao conhecimento dos factos instrumentais e dos factos que sejam complemento ou concretização dos alegados:
“Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”
Ou seja, ao contrário do que sucede com os factos notórios e com os factos instrumentais, o conhecimento dos factos complementares ou concretizadores depende de ser assegurado prévio contraditório às partes.
Nas palavras de Lopes do Rego (Comentário do Código de Processo Civil, 1999, págs. 200/201), “[o]s factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da ação”, enquanto os factos instrumentais se destinam “a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”.
Estando em causa factos que não foram alegados por qualquer das partes, cumpre saber em que categoria se enquadram, para definir o regime aplicável.
O que se afere em função da causa de pedir invocada pelo autor, plasmada nos factos vertidos na petição inicial, e da pretensão ali veiculada.
Ora, tanto o ponto 15 como o ponto 17 do probatório não se mostram decisivos para a procedência da ação, com a declaração de ilegalidade de determinadas especificações técnicas constantes do Caderno de Encargos, à luz dos princípios cuja violação vem invocada, da transparência, igualdade e concorrência, plasmados no artigo 49.º do Código dos Contratos Públicos.
Com efeito, os factos aí vertidos, a autora comercializar soluções para sistemas de terapia de feridas por pressão negativa contendo espuma ou compressas de prata, e existirem soluções alternativas à utilização de gazes impregnadas com PHMB, não contendem com a legalidade das especificações técnicas do Caderno de Encargos, pelo que devem ser tidos como factos instrumentais.
Quanto aos quais não se impunha a necessidade de contraditório prévio, tal como sucede quanto aos pontos 21, 22 e 23 do probatório.
São, assim, de manter tais factos no probatório, improcedendo a impugnação da respetiva decisão.

Subsidiariamente, pretende o recorrente que se tenham como assentes outros factos instrumentais e/ou factos complementares ou concretizadores dos alegados, resultantes da instrução da causa, mas omitidos pela sentença recorrida:
a) A A. não comercializa gazes impregnadas com PHMB – cfr. depoimento da testemunha R……………., prestado em audiência de julgamento, minutos 39:15 a 39:26 da gravação constante do SITAF;
b) Os kits que a A. comercializa, para tratamento de feridas por pressão negativa, são compostos por espuma, filtros e dreno – cfr. depoimento da testemunha R……………, prestado em audiência de julgamento, minutos 34:15 a 34:25 da gravação constante do SITAF;
c) Os kits que o R. pretende adquirir, correspondentes às posições 2, 4 e 6 do lote em questão nos autos, têm uma composição acessível a qualquer fornecedor do mercado, já que todos os elementos que os compõem estão, separadamente, disponíveis no mercado – cfr. depoimento da testemunha R……………, prestado em audiência de julgamento, minutos 8:02 a 8:45 da gravação constante do SITAF;
d) Os diferentes kits - kits de gaze ou kits de espuma e diferentes medidas de cada um deles – são escolhidos e utilizados tendo em conta o tamanho e profundidade das feridas – cfr. depoimento da testemunha V……………, prestado em audiência de julgamento, minutos 1:01:20 a 1:03:06 da gravação constante do SITAF;
e) É essencial para garantir a eficácia do tratamento que a gaze que compõe o kit venha já impregnada com substância antimicrobiana, de molde a evitar mistura de produtos, manipulação e manuseamento em ambiente não antissético – cfr. depoimento da testemunha V………….., prestado em audiência de julgamento, minutos 50:57 a 51:32, 1:00:50 a 1:01:17 da gravação constante do SITAF;
f) No tipo de concursos como o presente, que visam o fornecimento dos bens consumíveis para tratamento de feridas por pressão negativa, os hospitais não compram os aparelhos (também designados por máquinas) aos quais são conectados os drenos e reservatórios (estes fazem parte dos produtos consumíveis necessários ao tratamento de feridas por pressão negativa, constando do anexo A do CE), pois os mesmos são emprestados pelo fornecedor que ganha o concurso e que, a final do contrato, os recolhe – cfr. depoimento da testemunha R…………, minutos 23:52 a 24:02, 24:55 a 25:20 e 41:42 a 41:56; e cfr. depoimento da testemunha V…………., minutos 58:25 a 59:17, ambos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, gravação constante do SITAF;
g) No caso vertente, o Caderno de Encargos do presente procedimento concursal prevê, na sua cláusula 27.ª, sob a epígrafe “Características, especificações técnicas e equipamentos: “(…) A adjudicação pressupõe a cedência em regime de comodato de equipamentos que deverão garantir as seguintes características mínimas (…)” – cfr. CE a pp. 38, constante do pa. junto aos autos a fls…
A autora/recorrida nada obsta a esta inclusão, com duas precisões:
Quanto ao facto c), pois o réu não se propôs adquirir lotes, isto é, partes separadas, mas kits completos em que todos os componentes têm medidas exatas sem que o CE admita a tolerância de um milímetro sequer, os quais são apenas disponibilizados pelo adjudicatário, pelo que é enganador afirmar que os interessados podem comprar componentes se o kit que teriam de fornecer apenas poderia ser comprado ao adjudicatário.
E quanto ao facto e), por aqui não se discutir a virtude da prévia impregnação da gaze que compõe o kit, mas a impossibilidade da gaze, impregnada ou não impregnada, vir a ser fornecida por outro concorrente que não o adjudicatário, dada a necessidade da gaze ser fornecida em kits e ter dimensões exatas sem qualquer tolerância e sem que o CE permita a qualquer interessado a possibilidade de procurar cumprir o ónus que lhe cabe de demonstrar a igual aptidão das soluções que poderia propor – p. ex., propondo tamanhos ligeiramente distintos dos referidos no CE.
Analisados os pontos da gravação que vêm invocados, resulta assente a materialidade fáctica invocada pelo recorrente, sendo certo que se tratam de factos secundários, não essenciais para a procedência ou improcedência da ação.
Com efeito, nenhum dos referidos factos contende com a legalidade das especificações técnicas do Caderno de Encargos, pelo que devem ser tidos como factos instrumentais.
Por outro lado, os pontos c) e e) invocados pela recorrida, factos instrumentais, não contradizem os factos provados nos pontos 18 e 19 do probatório, dos quais resulta que apenas a S………… comercializa gazes impregnadas com PHMB com as dimensões descritas no anexo A ao Caderno de Encargos.
Procede, com tal precisão, a impugnação da matéria de facto neste ponto, pelo que vão aditados os seguintes factos, por referência aos elementos de prova supra indicados:
24. A A. não comercializa gazes impregnadas com PHMB.
25. Os kits que a A. comercializa, para tratamento de feridas por pressão negativa, são compostos por espuma, filtros e dreno.
26. Os kits que o R. pretende adquirir, correspondentes às posições 2, 4 e 6 do lote em questão nos autos, têm uma composição acessível a qualquer fornecedor do mercado, já que todos os elementos que os compõem estão, separadamente, disponíveis no mercado.
27. Os diferentes kits - kits de gaze ou kits de espuma e diferentes medidas de cada um deles – são escolhidos e utilizados tendo em conta o tamanho e profundidade das feridas.
28. É essencial para garantir a eficácia do tratamento que a gaze que compõe o kit venha já impregnada com substância antimicrobiana, de molde a evitar mistura de produtos, manipulação e manuseamento em ambiente não antisséptico.
29. No tipo de concursos como o presente, que visam o fornecimento dos bens consumíveis para tratamento de feridas por pressão negativa, os hospitais não compram os aparelhos (também designados por máquinas) aos quais são conectados os drenos e reservatórios (estes fazem parte dos produtos consumíveis necessários ao tratamento de feridas por pressão negativa, constando do anexo A do CE), pois os mesmos são emprestados pelo fornecedor que ganha o concurso e que, a final do contrato, os recolhe.
30. No caso vertente, o Caderno de Encargos do presente procedimento concursal prevê, na sua cláusula 27.ª, sob a epígrafe “Características, especificações técnicas e equipamentos: “(…) A adjudicação pressupõe a cedência em regime de comodato de equipamentos que deverão garantir as seguintes características mínimas”.


c) da ilegalidade de especificações técnicas constantes do CE

Sustenta ainda o recorrente que ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao decidir que as especificações técnicas atinentes às posições 2, 4 e 6 do lote A do procedimento concursal violam o artigo 49.º do CCP, e os princípios da transparência, igualdade e concorrência, sem recurso a prova pericial.
Alegando que:
- nada impedia a autora de adquirir os diversos componentes enunciados nas posições do lote impugnadas e comercializá-los;
- nada a impedia de concorrer ao procedimento, apresentando as pretensas soluções alternativas aos bens descritos que comercializa;
- as questões de âmbito médico e técnico só poderiam ser dirimidas mediante a produção de prova pericial, que não foi produzida nem sequer requerida;
- não compete ao Tribunal defender e aferir da legalidade das atuações administrativas em abstrato.

Vejamos se lhe assiste razão.
Como já se notou, o Tribunal a quo deu resposta positiva à verificação por parte do réu/recorrente de violação do disposto no artigo 49.º do CCP, bem como dos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, ao formular determinadas especificações técnicas dos produtos a adquirir, especificamente quanto às gazes antimicrobianas impregnadas de PHMB, que apenas são comercializados por um dos concorrentes.
Conforme se anuncia no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos (CCP) e estabeleceu a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo, estiveram na sua génese duas preocupações conexas a que o CCP procurou dar resposta cabal: (i) por um lado, garantir que a enunciação e publicitação dos fatores e eventuais subfactores que densificam o critério de adjudicação, bem como dos respetivos coeficientes de ponderação, se faça em moldes conformes com os princípios da igualdade, da concorrência, da imparcialidade, da proporcionalidade, da transparência, da publicidade e da boa fé, parâmetros que reconhecidamente dominam as tramitações procedimentais pré-contratuais; (ii) por outro lado, assegurar a observância daqueles mesmos princípios ao longo da fase de avaliação das propostas, assim como durante as diligências que a preparam ou que se lhe seguem.
Como tal, no artigo 1.º-A do CCP, erigem-se, nomeadamente, os princípios da concorrência, da transparência e da igualdade de tratamento como princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, que se impõe respeitar na formação e na execução dos contratos públicos (n.º 1).
Mais ali se prevendo que as entidades adjudicantes devem adotar as medidas adequadas para evitar qualquer distorção da concorrência e garantir a igualdade de tratamento dos operadores económicos (n.º 3).
O princípio da concorrência assume-se, pois, como a verdadeira trave-mestra da contratação pública, implicando que o procedimento concorrencial se realize “pública ou abertamente no mercado, dirigindo-se à concorrência aí existente, para que o maior e melhor número de pessoas ou empresas se interessem pela celebração do contrato em causa e, para tanto, concorram ou licitem umas contra as outras, oferecendo as contrapartidas necessárias para superar as que presumidamente os seus opositores serão capazes de oferecer” (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Almedina, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, págs. 185/186).
Essencial na concretização dos apontados princípios, surge o regime legal das especificações técnicas do caderno de encargos, previsto no artigo 49.º do CCP, que dispõe como segue:
“1 - As especificações técnicas, tal como definidas no anexo vii ao presente Código, do qual faz parte integrante, devem constar no caderno de encargos e devem definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços.
2 - As características exigidas para as obras, bens móveis e serviços podem também incluir uma referência ao processo ou método específico de produção ou execução das obras, bens móveis ou serviços solicitados ou a um processo específico para outra fase do seu ciclo de vida, mesmo que tais fatores não façam parte da sua substância material, desde que estejam ligados ao objeto do contrato e sejam proporcionais ao seu valor e aos seus objetivos.
3 - As especificações técnicas podem concretizar se é exigida a transmissão de direitos de propriedade intelectual.
4 - As especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não devem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.
5 - Em relação a todos os contratos cujo objeto se destine a ser utilizado por pessoas singulares, quer seja o público em geral quer o pessoal da entidade adjudicante, as especificações técnicas devem, salvo em casos devidamente justificados, ser elaboradas de modo a ter em conta os critérios de acessibilidade para as pessoas com deficiência ou de conceção para todos os utilizadores.
6 - Sempre que existam normas de acessibilidade obrigatórias adotadas por ato legislativo da União Europeia, as especificações técnicas devem ser definidas por referência a essas normas, no que respeita aos critérios de acessibilidade para as pessoas com deficiência ou de conceção para todos os utilizadores.
7 - Sem prejuízo das regras técnicas nacionais vinculativas, na medida em que sejam compatíveis com o direito da União Europeia, as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das seguintes modalidades:
a) Em termos de desempenho ou de requisitos funcionais, que podem incluir critérios ambientais, desde que os parâmetros sejam suficientemente precisos para permitir que os concorrentes determinem o objeto do contrato e que a entidade adjudicante proceda à respetiva adjudicação;
b) Por referência a especificações técnicas definidas e, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais e a outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização ou, quando estes não existam, a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, cálculo e execução das obras e de utilização dos fornecimentos, devendo cada referência ser acompanhada da menção «ou equivalente»;
c) Em termos do desempenho ou dos requisitos funcionais a que se refere a alínea a), com referência às especificações técnicas a que se refere a alínea b) como meio de presunção de conformidade com esse desempenho ou com esses requisitos funcionais;
d) Por referência às especificações técnicas a que se refere a alínea b), para determinadas características, e por referência ao desempenho ou aos requisitos funcionais a que se refere a alínea a), para outras.
8 - A menos que o objeto do contrato o justifique, as especificações técnicas não podem fazer referência a determinado fabrico ou proveniência, a um procedimento específico que caracterize os produtos ou serviços prestados por determinado fornecedor, ou a marcas comerciais, patentes, tipos, origens ou modos de produção determinados que tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas empresas ou produtos.
9 - As referências mencionadas no número anterior só são autorizadas, a título excecional, no caso de não ser possível uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objeto do contrato nos termos do n.º 7, devendo, no entanto, ser acompanhada da menção «ou equivalente».
10 - Sempre que a entidade adjudicante recorra à possibilidade de remeter para as especificações técnicas a que se refere na alínea b) do n.º 7, não pode excluir uma proposta com o fundamento de que as obras, bens móveis ou serviços dela constantes não estão em conformidade com as suas especificações técnicas de referência, se o concorrente demonstrar na sua proposta por qualquer meio adequado, nomeadamente os meios de prova referidos no artigo seguinte, que as soluções propostas satisfazem de modo equivalente os requisitos definidos nas especificações técnicas.
11 - Sempre que a entidade adjudicante recorra à possibilidade, prevista na alínea a) do n.º 7, de formular especificações técnicas em termos de exigências de desempenho ou de requisitos funcionais, não deve excluir uma proposta que esteja em conformidade com uma norma nacional que transponha uma norma europeia, uma homologação técnica europeia, uma especificação técnica comum, uma norma internacional ou um sistema técnico de referência estabelecido por um organismo de normalização europeu, quando essas especificações corresponderem aos critérios de desempenho ou cumprirem os requisitos funcionais impostos.
12 - O concorrente pode demonstrar na sua proposta, por qualquer meio adequado, incluindo os meios referidos no artigo 49.º-A, que a obra, bem móvel ou serviço em conformidade com a norma em questão corresponde ao desempenho exigido ou cumpre os requisitos funcionais da entidade adjudicante.”
Em função do previsto no presente artigo, enquadrado pelos princípios já enunciados, temos que “[a] seleção das especificações técnicas a incluir no caderno de encargos não é uma tarefa do livre alvedrio do órgão adjudicante (a quem cabe a aprovação das peças do procedimento), estando juridicamente sujeita a determinados requisitos legais” (op. cit., pág. 363).
Ou seja, ao definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços que pretende adquirir, cabe à entidade adjudicante cumprir as regras estabelecidas no citado artigo 49.º, agindo de forma a evitar qualquer distorção da concorrência e a garantir a igualdade de tratamento dos operadores económicos.

Encontra-se provado, ponto 4 do probatório, que no anexo A do Caderno de Encargos, bens a contratar, o réu fez constar do respetivo lote A:
Ponto 2 - Composição: 2 Pack de Gaze Antimicrobiana (PHMB) de 15cmx17cm, 1 penso anti-aderente de 7,5cmx20cm, protetor cutâneo copolimero de acrilato em toalhita, 1 dreno aspirativo suave com duplo lumen, 1 Película de selagem impermeável de 20cmx30cm.
Ponto 4 - Composição: 2 Pack de Gaze Antimicrobiana (PHMB) de 15cmx17cm, 1 penso anti-aderente de 7,5cmx20cm, protetor cutâneo copolimero de acrilato em toalhita, 1 dreno aspirativo suave com duplo lumen, 1 Película de selagem impermeável de 20cmx30cm.
Ponto 6 - Composição: 1 Pack de Gaze Antimicrobiana (PHMB) de 15cmx17cm, 1 penso anti-aderente de 7,5cmx7,5cm, protetor cutâneo copolimero de acrilato em toalhita, 1 dreno aspirativo suave com duplo lumen, 1 Película de selagem impermeável de 20cmx30cm.
Mais se encontra provado, ponto 12 do probatório, que a S………… dispõe de uma solução designada “RENASYS G com Soft Port”, sistema de gaze com PHMB com soft port flexível e fácil de aplicar em feridas irregulares, tunelizadas e dolorosas, aí comercializando dois produtos a que atribui os números 66800933 (pequeno kit com 1 gaze não aderente 7.5cm x 7.5cm, 1 gaze antimicrobiana 15cm x 17cm, 1 película transparente 20cm x 30cm, 1 soro fisiológico em monodose, 1 toalhete para limpar a pele, 1 régua para feridas) e 66800934 (médio kit com 2 gazes não aderentes 7.5cm x 20cm, 2 gazes antimicrobiana 15cm x 17cm, 1 película transparente 20cm x 30cm, 1 soro fisiológico em monodose, 1 toalhete para limpar a pele, 1 régua para feridas).
Encontra-se igualmente provado, pontos 18 e 19 do probatório, que apenas a S……….. comercializa gazes impregnadas com PHMB com as dimensões descritas no anexo A ao Caderno de Encargos.
E que não existe justificação médica para que as gazes tenham de ter as exatas medidas descritas no anexo A ao Caderno de Encargos, ponto 20 do probatório.
Como é bom de ver, o réu/recorrente fez constar das especificações técnicas do Caderno de Encargos a descrição de produtos que apenas são comercializados por determinada sociedade. Que, coincidentemente, viu a sua proposta ordenada em primeiro lugar no procedimento concursal em causa.
Irreleva, pois, que a autora pudesse adquirir os diversos componentes enunciados nas posições do lote impugnadas e comercializá-los, ou concorrer ao procedimento com soluções alternativas, posto que o réu criou aqui um obstáculo ilegítimo à abertura do contrato à concorrência, tal como discerniu o Tribunal a quo, em violação dos citados n.os 8 e 9 do artigo 49.º do CCP, e bem assim dos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
Como ali se sustentou, estamos perante situação semelhante à apreciada por este TCAS, em acórdão de 12/04/2012 (proc. n.º 08648/12, disponível em http://www.dgsi.pt), em que “a determinação das dimensões dos contentores por referência a medidas concretas, escolhidas pela entidade adjudicante, sem referência a nenhuma regra de normalização conhecida, nem por desempenho ou exigências funcionais, não cumpr[ia] com as exigências do artº 49”, ainda que ali o produto com as medidas em causa apenas fosse comercializado por uma empresa que não concorreu.
E bem assim, na situação apreciada por este TCAS, em acórdão de 29/10/2015 (proc. n.º 11938/15, disponível em http://www.dgsi.pt), estando em causa o fornecimento de testes laboratoriais, no qual se verificou que determinadas cláusulas do Caderno de Encargos infringiam os princípios da concorrência e da proporcionalidade, bem como o n.º 1 do artigo 49.º do CCP, na medida em que impunham um requisito que se revelou desproporcional e limitador da concorrência, por ser suscetível de limitar o universo dos potenciais concorrentes.

Sustenta ainda o réu/recorrente que as questões de âmbito médico e técnico só poderiam ser dirimidas mediante a produção de prova pericial, que não foi produzida nem sequer requerida.
Sem olvidar que só nesta fase processual vem levantar tal questão, comportamento processual anómalo, ponto é que o Tribunal a quo, caso o entendesse necessário, podia ter ordenado a sua realização.
Importa aqui realçar que o princípio da livre apreciação da prova vigora também no domínio da prova pericial, nos termos atualmente previstos no já citado artigo 607.º, n.º 5, do CPC, permitindo inclusivamente a sua rejeição. Cabendo ao juiz apreciar a prova pericial segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, pág. 340).
No caso vertente, assinale-se que, para além de nunca ter suscitado tal questão anteriormente, o recorrente nem sequer indica os pontos da matéria de facto relativamente aos quais cumpria recorrer a prova pericial.
De todo o modo, novamente se constata que bem andou o Tribunal a quo, posto que não se vislumbra necessidade de produção de prova pericial. Com efeito, todas as questões de facto eram suscetíveis de demonstração através de depoimento testemunhal, como o foram, através de testemunhas com razão de ciência, que lhes advinha da sua formação e ocupação profissional, conforme devida fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo.
Assim habilitando o julgador a decidir a matéria de facto como o fez.
Finalmente, quanto ao argumento avançado pelo réu/recorrente de não competir ao Tribunal defender e aferir da legalidade das atuações administrativas em abstrato, perante o que já ficou dito, evidentemente soçobra.
Não é de disputar que, na fixação das especificações técnicas, a entidade contratante goze de uma certa margem de discricionariedade, tal como decorre do previsto no citado artigo 49.º do CCP, que evidentemente se enquadra nos parâmetros legais que aí se encontram definidos.
O que não pode é prever especificações técnicas como as agora em causa, exigindo um procedimento específico que caracteriza os produtos de determinado fornecedor, sem fazer acompanhar a formulação da expressão “ou equivalente”, em manifesta violação do disposto nos n.os 8 e 9 do artigo 49.º do CCP, e bem assim dos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
Improcede, pois, também aqui, a argumentação avançada pelo réu/recorrente.

Tudo isto serve para concluir que, perante os factos provados, não merece censura a decisão recorrida, que se pronunciou no sentido da ilegalidade das especificações técnicas contidas nas posições 2, 4 e 6 do lote A do procedimento de concurso público n.º 22/01218/2018, aberto pelo réu/recorrente, bem como de todos os atos por si ali praticados.

Em suma, o presente recurso improcede.
*


III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, julgando-o improcedente.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 6 de junho de 2019

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Carlos Araújo)


(Paulo Pereira Gouveia)