Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2366/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PROVISÕES PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA
DATIO PRO SOLVENDO
RISCO DE INCOBRABILIDADE
DILIGÊNCIAS DE COBRANÇA
DENSIDADE E EXTENSÃO DA PROVA
Sumário:I-São admissíveis quaisquer meios de prova, incluindo testemunhal, para efeitos de demonstração da realização das diligências para efeitos de constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa.

II-Da convocação das regras da experiência resulta, desde logo, que muitas dessas diligências não revestem a forma escrita, podendo consistir, designadamente, em reuniões e contactos telefónicos.

III-Encontra-se demonstrado o risco para a Impugnante quanto ao valor final das transações, e ao pagamento integral da dívida assumida na confissão, na medida em que esta assunção não integrou a sua totalidade, e bem assim porque os imóveis encontram-se onerados com hipoteca cujo expurgo em função de eventual venda assume natureza prevalente, e desde logo, clausulada.

IV-Enquanto através da datio in solutum (cfr. artigo 837.º, do CC), o devedor pretende, com a prestação diversa da devida, extinguir imediatamente a obrigação, na datio pro solvendo ( cfr. artigo 840º, do CC), o devedor visa facilitar o cumprimento, fornecendo ao credor os meios necessários para este obter a satisfação futura do seu crédito, o que significa que a obrigação subsiste e só se vem a extinguir com a satisfação do direito do credor, caso exista e apenas na medida em que for satisfeito.

V-Resultando demonstrada a realização de diligências de cobrança das dívidas e integrando o visado contrato uma datio pro solvendo, donde sem capacidade de subversão e eliminação do risco de incobrabilidade, há que admitir a dedutibilidade fiscal das visadas provisões.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas(IRC) e respetivos Juros Compensatórios (JC) do exercício de 2005, no valor de € 93.738,45.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por M., Lda., com o número de identificação fiscal 503…, melhor identificado nos autos, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado na sequência do anterior despacho de indeferimento da reclamação graciosa que visou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativa ao exercício de 2005, determinando a sua anulação.

B. Em causa nos autos está a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativa ao exercício de 2005, que na sequência da ação inspetiva levada a cabo através da ordem de serviço n.º OI200705476 procedeu à desconsideração de provisões constituídas por créditos da “I., Lda.”, no montante de € 315.525,44.

C. Esta desconsideração foi devidamente fundamentada porquanto não estavam preenchidos os pressupostos dos artigos 34.º e 35.º do CIRC, conforme designado no RIT:

“Não obstante ter sido solicitado, não foi apresentado até á presente data mapa dos saldos devedores por antiguidade relativamente à devedora I. LDA, nipc 502….

Desconhece-se portanto a origem da dívida, sendo certo que são fiscalmente dedutíveis as provisões para créditos resultantes da actividade normal da empresa. O valor da divida é segundo o TOC, anterior aos anos de 2001 e 2002.

Tendo sido solicitados os documentos comprovativos das diligências efectuadas no decurso do ano de 2005 para o recebimento da divida, constata-se que os documentos apresentados de que se juntam fotocópias em anexo V fls 2 a 4, são 2 e:mails dirigidos a F. F. / M./ MADRID, e a T. Q. / M. /Lisbon.

Foi apresentado um “Contrato Promessa de dação em cumprimento” celebrado entre I. Lda e o contribuinte em 29-12-2003, em que por declaração de confissão de dívida a I.DA, confessou-se devedora da quantia de 1.365.286,61 €.

Para pagamento da dívida, emitiu declaração com poderes bastantes, relativamente às fracções autónomas A, D, E, F e G do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana freguesia S. Nicolau sob o artº 9.. e inscrito na 2ª Conservatória Registo Predial do Porto. Não obstante, efectuado o respectivo pedido da totalidade das inscrições nos aludidos prédios, à 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, verifica-se que não existe qualquer inscrição registada da citada “Promessa de dação” relativamente às fracções autónomas A, D, E, F e G do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana freguesia S. Nicolau sob o artº 9.., fracções autónomas constantes das clausulas III, IV, e V do “Contrato Promessa de dação em cumprimento”.

O risco de incobrabilidade não se considera justificado, visto que não existem meios de prova de terem sido efectuadas diligências para o recebimento da divida no decurso do ano de 2005, donde não é aceite fiscalmente o custo com a provisão, nos termos dos artº 34º nº 1 a) e artº 35º nº 1 al c) ambos do Código do IRC, o que constitui infracção ás mencionadas disposições legais.

Junta-se em anexo V fls 1 a 29, extracto da conta corrente 21800037- I., e.mails apresentados dirigidos a F. F. / M./ MADRID, e a T. Q. / M. /Lisbon a fotocópia do Contrato Promessa de Dação, Confissão de dívida, e os elementos remetidos pela 2ª Conservatória Registo Predial do Porto.”

D. A lei enquadra as provisões como custos, isto é, como componentes negativas da atividade comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora (cf. artigo 23.º alínea h), do Código do IRC).

E. Assim, o Código do IRC não só fixou com carácter taxativo o tipo de provisões fiscalmente aceites, como estabeleceu limites apertados quanto aos efeitos fiscais das provisões constituídas (vide artigo 34. º e 35.º ambos do Código do IRC).

F. Conforme prova testemunhal (da 1 e 2 testemunhas) foi referido que a dívida era muito anterior a 2002 e que “passou” para ser cobrada por advogados, no entanto nada foi junto como meio prova sobre esta situação.

G. A última testemunha referiu que era controlo financeiro do grupo, disse que a I., no ano em causa já não era cliente da Impugnante, e que a dívida não foi possível ser cobrada, no entanto a prova testemunhal neste caso, não é suficiente para dar como provado que foram efetivamente levadas a cabo diligências concretas no sentido da recuperação dos créditos, sendo necessário juntar prova documental, o que não foi feito.

H. Entende-se que a prova testemunhal terá de ser sempre valorada em consonância com a prova documental apresentada, não tendo a virtualidade de provar factos apenas justificáveis documentalmente, como sucede no caso concreto. Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objeto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos – Acórdão do TRP de 04/07/2016, no âmbito do processo n.º 197/14.2TTOAZ.P1, in www.dgsi.pt

I. Para efeitos de IRC, consideram-se, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, CIRC, custos ou perdas “os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Seguem-se, complementarmente, os artigos 33.º e 34.º do CIRC fixam os contornos do regime de constituição das provisões suscetíveis de funcionarem como custos em cada exercício e de serem, por tal motivo, fiscalmente dedutíveis.

J. Enquanto a alínea a) do n.º 1 do artigo 33.º considera provisões fiscalmente dedutíveis “as que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”, o n.º 1 do artigo 34.º dá-nos uma definição de créditos de cobrança duvidosa, para cuja cobertura podem ser criadas provisões, que “são aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado”, apontando-se, de seguida, três núcleos de situações/casos em que se verifica o relevante “risco de incobrabilidade”. De entre elas, importa considerar a da alínea c), considerando que se verifica risco de incobrabilidade devidamente justificado, quando “os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento”.

K. A constituição e tratamento de provisões (para créditos de cobrança duvidosa) tem, necessariamente, ainda, de conformar-se com outros princípios e regras básicas de funcionamento do quadro legal do IRC, com destaque para o princípio da especialização dos exercícios (cf. artigo 18.º, n.º 1, do CIRC) e a regra da organização da contabilidade de acordo com a normalização contabilística (cf. artigo 17.º, n.º 3, alínea a) do mesmo CIRC).

L. Quanto à questão controvertida, o Tribunal entendeu que os factos assentes nos ponto 3) e 4) suficientes para demonstrar os pressupostos prescritos na lei, no entanto discordamos frontalmente com essa asserção, visto que conforme ínsito no RIT, o contrato de dação em cumprimento não deu lugar a qualquer registo na Conservatória do Registo Predial, nem foi efetivamente vendida qualquer fração; quanto ao documento particular da confissão da dívida não foi refletida no balanço, considerando que estamos perante elementos não justificativos da constituição da provisão no exercício de 2005, não olvidando que nos termos do artigo 18.º, há ofensa do princípio da especialização dos exercícios, além de não preencher os pressupostos conforme exposto do artigo 33.º, 34.º e 35.º do CIRC, a justificar o não atendimento da provisão como custo fiscal do exercício.

M. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.

N. Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que a Autoridade Tributária cometeu uma ilegalidade ao corrigir as provisões, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.

Termos em que se peticiona pelo provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”


***


A Recorrida apresentou contra-alegações:

“Vem a Fazenda Pública, aqui Recorrente, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo que, dando provimento à impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida, determinou a anulação da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do exercício de 2005 na parte correspondente às correcções relativas à provisão da I. Lda. (“I.”).

No entender da Recorrente, a sentença proferida pelo Tribunal a quo “(…) padece de erro de julgamento, pois não traduz uma acertada valoração e interpretação da matéria fáctica, nem tão pouco uma acertada interpretação e aplicação da Lei e de Direito, prejudicando a parte vencida”.

A Recorrente começa por reproduzir os fundamentos da decisão de correcção efectuada pela Autoridade Tributária (“AT”) em sede de inspecção, reiterando o entendimento de que a provisão “(…) não foi aceite por falta de prova documental da realização de diligências para recebimento dos créditos em mora”.

Sobre este ponto cumpre, antes de mais, realçar que, contrariamente ao alegado, para efeitos do disposto no art. 34.º do Código do IRC, a lei não restringe a prova das diligências de cobrança à prova documental sob pena de se violar o princípio inscrito no art. 72.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e transposto para o procedimento tributário por via do art. 50.º do CPPT.

Isso mesmo é reconhecido pela jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul de que é exemplo o acórdão de 22/10/2020, proferido no proc. n.º 1037/04.6BESNT, que concluiu que: “Não estabelecendo a alínea c), do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC qualquer restrição quanto à prova das diligências para o recebimento dos créditos, significa que são admissíveis todos os meios de prova admissíveis em direito adequados a demonstrar a realização dessas diligências.”

Entendimento também subscrito no acórdão daquele mesmo Tribunal de 28/1/2019, proc. n.º 24/18.1BCLSB que concluiu que: “O contribuinte pode utilizar todos os meios de prova que o ordenamento jurídico lhe faculta, nomeadamente a prova testemunhal, no que se refere à prova dos requisitos legais de constituição das provisões para créditos de cobrança duvidosa.”

E é exactamente com base neste entendimento que se deverá considerar totalmente infundada a posição da Recorrente quanto ao ponto 13) do elenco de factos provados quanto, novamente, alega que “(…) a prova testemunhal neste caso não é suficiente para dar como provado que 3 foram efectivamente levadas a cabo diligências concretas no sentido da recuperação dos créditos, sendo necessário efectivamente juntar prova documental, o que não foi feito”.

De referir, quanto a este aspecto, que apesar de Recorrente parecer concluir pela insuficiência da prova produzida para sustentar o ponto 13) do elenco de factos provados, a verdade é que as alegações e conclusões do recurso interposto não constituem uma verdadeira impugnação da matéria da facto, não tendo sido dado cumprimento ao exigido no art. 640.º do Código do Processo Civil (“CPC”), aplicável por remissão do CPPT.

Nessa medida, a alegação da Recorrente quanto à alegada insuficiência da prova produzida - por ausência de prova documental - para o efeito pretendido não deverá ter qualquer implicação quanto ao elenco de factos provados e que estão na base da decisão de deferimento da impugnação deduzida.

No mais, as alegações e conclusões da Recorrente em nada contendem com o decidido pelo Tribunal a quo que, tendo por base o elenco de factos provados, decidiu bem, aplicando correctamente o direito ao caso em apreço pelo que a sentença não merece qualquer censura.

Subscreve-se, assim, integralmente a posição do Meritíssimo Juiz a quo quando conclui que:

“Atento o exposto e, de acordo com as regras contabilísticas acima referidas, maxime o princípio da especialização dos exercícios, a Impugnante constituiu a provisão considerando que os créditos em dívida estavam em risco, conforme ficou demonstrado nos autos, tendo ainda feito prova das diligências que realizou com vista à cobrança dos mesmos, nomeadamente reuniões, sendo o contrato e a confissão da dívida, descritos nos factos em 3) e 4), também elementos neste sentido. 4

Por assim ser, nos termos expostos, não poderia a AT ter procedido à correção nos termos em que o fez, pelo que, tendo-a feito, incorreu na violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC.

Termos em que procede o vício de ilegalidade da correção da provisão.”

Em face do exposto, é totalmente improcedente a pretensão da Recorrente quanto à provisão constituída pela Recorrida em 2005 com referência à I., pelo que a sentença se deverá manter na ordem jurídica.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vs. Ex.as certamente suprirão, deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, e consequentemente, ser mantida a sentença proferida em 1.ª instância, com as demais consequências legais.

Assim, farão V. Ex.ªs a já costumada JUSTIÇA!”


***


A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

1) Nos exercícios de 2000 a 2003 a Impugnante realizou diversas operações com a sociedade “I., Lda.” (I.) (cf. conta-corrente a fls. 1 a 41 do ficheiro n.º 005488990 do Magistratus);

2) Em fevereiro de 2003 constava na contabilidade da Impugnante um saldo devedor da I. no montante de € 1.684.525,42 (cf. conta-corrente a fls. 1 a 41 do ficheiro n.º 005488990 do Magistratus);

3) Em 24-09-2004 foi outorgado um documento com o seguinte conteúdo, por extrato:

«CONTRATO PROMESSA DE DAÇAO EM CUMPRIMENTO

1. I., Lda. [...] adiante designada por Primeira Outorgante.

2. C., S.A [...] adiante designada por Segunda Outorgante. [...]

Considerando que:

I - A Primeira Outorgante, por declaração de Confissão de Divida assinada subscrita nesta data (que integra o anexo I ao presente contrato) declarou-se e confessou-se devedora para com a Segunda na quantia de € 1.365.286,61 [...] doravante denominada dívida.

II - Para pagamento de tal dívida, os outorgantes acordam na celebração do presente Contrato Promessa de Dação em Cumprimento que terá a natureza de Dação “pro solvendo” ou Dação em função do Cumprimento, ou seja: a Primeira Outorgante conferiu à Segunda Outorgante, mandato, através de uma procuração e de um substabelecimento [...] para que esta possa realizar o seu crédito com o provento da venda de um conjunto de fracções autónomas, facilitando, por essa via, o cumprimento total ou parcial da obrigação; [...]

III - Os bens objecto dos poderes conferidos pelo mandato consistem num conjunto de fracções pertencentes a Primeira Outorgante e a outra a [...], relativamente a qual a Primeira Outorgante está mandatada a dispor a favor de terceiros [...]

VII -Cada uma das mencionadas fracções autónomas encontra-se onerada por hipoteca [...]

1. A Primeira Outorgante promete dar a título de Dação em Cumprimento nos termos acordados e previstos no presente contrato, as Fracções para pagamento total ou parcial da dívida declarada e confessada, Dação que a Segunda declara aceitar.

2. Enquanto o presente contrato se mantiver válido eficaz entre as partes a Segunda Outorgante obriga-se a não recorrer a outros meios de tutela judicial ou extrajudicial destinados a obter a cobrança da divida. [...]

Para o efeito da Dação agora acordada as partes estipulam que as Fracções poderão ser alienadas, prometidas alienar ou negociadas pela Segunda no exercício do mandato até um limite mínimo que não poderá ser inferior aos valores atribuídos a cada uma das fracções e que resulta da avaliação efectuada por acordo entre as partes [...]

1. As Outorgantes acordam que as importâncias que a Segunda vier a receber, a título de sinal ou reforços em Contrato Promessa de Compra e Venda ou Contrato económico de efeito similar e respectivos contratos definitivos respectivos a alienação de cada uma das aludidas fracções autónomas, destinar-se-ão exclusivamente ao expurgo da hipoteca que incida sobre a fracção em causa bem como ao pagamento das despesas inerentes e à concretização das correspondentes vendas. [...]

Obtido o expurgo e consequente cancelamento das hipotecas as quantias que a Segunda Outorgante vier a receber, sejam a título de reforço do sinal passado, sejam respeitantes ao montante do preço acordado nos Contratos Promessa de Compra e Venda celebrados ou Contratos económicos de efeito similar, reverterão inteiramente a seu favor, por conta da dívida declarada e confessada. [...]

Caso o produto das vendas das fracções assim realizadas, venha a atingir um valor igual ao montante da dívida, os Outorgantes aceitam que tal dívida se considera paga e extinta.

Se, porém, o produto das vendas das fracções, realizadas nos termos das cláusulas anteriores, for inferior ao montante em dívida, a Primeira Outorgante responderá directamente pela diferença aritmética obtida entre o montante assim realizado e o montante da dívida. [...]

14°

1. No caso de ocorrer qualquer incumprimento às obrigações decorrentes deste contrato imputável à Primeira Outorgante e não sanado no prazo de 15 dias após ter sido notificada para o efeito, fica reciprocamente aceite que a Segunda Outorgante poderá resolver o presente contrato ficando a Primeira obrigada a indemnização em quantia correspondente aos juros contados sobre o montante da dívida, desde a presente data, é a aplicação de sanção que corresponde ao agravamento da dívida declarada e confessada na proporção de 25%, que acrescerão ao montante da dívida. [...]»

(cf. contrato a fls. 1 a 11 do ficheiro n.º 005488991 do Magistratus);

4) Na mesma data foi outorgado um documento designado “Confissão de Dívida” do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:

«I., LDA., [...] declara-se e confessa-se devedora para com a C., S.A [...] da quantia de € 1.365.286,62 [...]»

(cf. documento a fls. 12 a 14 do ficheiro n.º 005488991 do Magistratus);

5) Em 05-01-2009 os serviços da Administração Tributária (AT) elaboraram em nome da Impugnante o relatório de inspeção tributária (RIT) referente à inspeção ao exercício de 2005 titulada pela ordem de serviço n.º OI200705476, constando do mesmo, além do mais, o seguinte:

«[...] II - C- 1) - Caracterização do contribuinte e da actividade efectivamente exercida

[...] O contribuinte é uma Sociedade anónima [...] designada de

M., SA até 28-06-2007, data em que ocorre transformação para sociedade por quotas, com aumento de capital ( em espécie, por uma nova sócia), e alterações ao contrato de sociedade [...]

III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS Á MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III -1- IRREGULARIDADES VERIFICADAS RELATIVAMENTE AO EXERCÍCIO DE 2005 [...]

III- 1.2. EM SEDE DE IRC [...]

A) Custos não aceites fiscalmente- Provisões para créditos cobrança duvidosa contabilizadas como custo no exercício de 2005 [...]

Quanto à provisão no valor de 315.525,44 €, relativa a I. LDA, nipc 502…, não é aceite fiscalmente como custo do exercício de 2005 pelos seguintes factos:

• Não obstante ter sido solicitado, não foi apresentado até á presente data mapa dos saldos devedores por antiguidade relativamente á devedora I. LDA, nipc 502..

Desconhece-se portanto a origem da divida, sendo certo que são fiscalmente dedutíveis as provisões para créditos resultantes da actividade normal da empresa. O valor da divida é segundo o TOC, anterior aos ano de 2001 e 2002.

• Tendo sido solicitados os documentos comprovativos das diligências efectuadas no decurso do ano de 2005 para o recebimento da divida, constata-se que os documentos apresentados de que se juntam fotocopias em anexo V fls 2 a 4, são 2 e: mails dirigidos a F. F. / M./ MADRID, e a T. Q. / M. /Lisbon.

Foi apresentado um “Contrato Promessa de dação em cumprimento ” celebrado entre I. Publicidade Lda e o contribuinte em 29-12-2003, em que por declaração de confissão de divida a I. LDA, confessou-se devedora da quantia de 1.365.286,61 €.

Para pagamento da divida, emitiu declaração com poderes bastantes, relativamente às fracções autónomas A, D, E, F e G do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana freguesia S. Nicolau sob o artº 9. e inscrito na 2 a Conservatória Registo Predial do Porto.

Não obstante, efectuado o respectivo pedido da totalidade das inscrições nos aludidos prédios, à 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, verifica-se que não existe qualquer inscrição registada da citada “ Promessa de dação ” relativamente às fracções autónomas A, D, E, F e G do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana freguesia S. Nicolau sob o art° 9.., fracções autónomas constantes das clausulas III, IV, e V do “ Contrato Promessa de dação em cumprimento ” .

O risco de incobrabilidade não se considera justificado, visto que não existem meios de prova de terem sido efectuadas diligências para o recebimento da divida no decurso do ano de 2005, donde não é aceite fiscalmente o custo com a provisão, nos termos dos art º 34° n° 1 a) e artº 35° n° 1 al c) ambos do Código do IRC, o que constitui infracção ás mencionadas disposições legais.

Junta-se em anexo V fls 1 a 29, extracto da conta corrente 21800037- I., e.mails apresentados dirigidos a F. F. / M./ MADRID, e a T. Q. / M. /Lisbon a fotocopia do Contrato Promessa de Dação, Confissão de divida, e os elementos remetidos pela 2 a Conservatória Registo Predial do Porto. [...]

VIII - DIREITO DE AUDIÇÃO [...]

No tocante à correcção fiscal do custo contabilizado, relativo à provisão para créditos de cobrança duvidosa –I.- no valor de € 315.525,44, vem alegar o seguinte:

VIII -2-1. Que o mapa dos saldos devedores por antiguidade relativamente à devedora I., não foi apresentado no decurso da acção de inspecção por mero lapso, o qual vem anexar á petição em Doc. 4. Vem alegar também que foi considerado pelos Serviços de Inspecção Tributária “ que o risco de incobrabilidade não se considera justificado, visto que não existem meios de prova de terem sido efectuadas diligências para o recebimento da divida no decurso do ano de 2005 ” , ( Itens n° 12 a 17° da petição)

Quanto a este ponto VIII - 2 - 1., há a referir o seguinte:

Para ser aceite fiscalmente o custo com a provisão para créditos de cobrança duvidosa de € 315.525,44 contabilizado no exercício de 2005, têm de verificar-se cumulativamente 3 requisitos: [...]

Quanto ao facto da divida resultar da actividade normal da empresa, há a referir que só em sede do exercício do direito de audição prévia do projecto de relatório aos exercícios de 2005,2006, 2007 e 2008, foi apresentado o mapa dos saldos devedores por antiguidade.

Por outro lado, se a divida efectivamente resultou da actividade normal da empresa, então já estava suportada com documentos com forma legal, nomeadamente facturas, as quais nunca foram apresentadas para análise, e apenas em sede do exercício de direito de audição foi apresentada uma relação. [...]

Não existe risco de incobrabilidade da dívida, porquanto do “Contrato Promessa de dação em cumprimento” celebrado na mesma data da “confissão de divida” e que nos foi apresentado no decurso da acção inspectiva, contrato a que nos referimos no ponto III- 1.2 A) do projecto de relatório, do qual se juntou fotocopia, bem como da “ Confissão de Divida “ que faz parte integrante do projecto de relatório ( em anexo V fls 1 a 29 ), e que faz também parte integrante deste relatório final, resulta uma garantia real acordada entre as partes, a I. e o contribuinte. [...]

De conformidade com o disposto no n° 3 al b) do Código do IRC não são considerados de cobrança duvidosa, os créditos cobertos por qualquer espécie de garantia real. [...]

VIII - 2 -2. Alega o contribuinte no seu articulado, (itens n° 18° a 21° da petição), que facultou cópias de e-mails através dos quais é possível constatar que foram efectuadas as necessárias diligências com vista á recuperação dos créditos, e que não obstante ter junto ao processo a prova documental dos esforços encetados para a realização das diligências de cobrança junto do cliente I., a não ser aceite como diligências válidas, encontra-se em posição de apresentar prova testemunhal; [...]

Não obstante pelo conteúdo dos mesmos, que a seguir se transcreve, constata-se que estes 2 emails não são dirigidos nem à I., nem ao seu administrador Sr A. M. [...]Quanto ao alegado relativamente aos meios de prova previstos no artº 72º da LGT cabe ao órgão instrutor a definição dos meios de prova e das diligências a realizar.

É este o sentido quer doutrinal quer jurisprudencial do referido no art° 72° da LGT.

Porque por força do art° 115° n° 3 al. a) do Código do IRC todos os registos contabilísticos têm de estar suportados em documentos.

Ora a constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa consubstancia-se através de um registo contabilístico, logo tem de estar suportado com documentos.

Dai que a prova das diligências efectuadas para a cobrança da divida tem de ser documental [...]»

(cf. RIT a págs. 3 a 35 do ficheiro n.º 005488984 do Magistratus)

6) Em 19-10-2009 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRC do exercício de 2005 n.º 2009 8310017316 no valor total de €93.738,45 (cf. liquidação a págs. 1 do ficheiro n.º 005488984 do Magistratus);

7) Em 30-03-2010 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista reclamar graciosamente da liquidação descrita em 6) (cf. requerimento a fls. 1 a 27 do ficheiro n.º 005488986 do Magistratus);

8) Em 30-11-2010 os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante uma informação sobre a reclamação descrita em 7), no sentido do seu indeferimento (cf. informação a fls. 29 a 36 do ficheiro n.º 005488986 do Magistratus);

9) Em 11-03-2011 foi proferido despacho a concordar com a informação descrita em 8) no sentido do indeferimento da reclamação graciosa descrita em 7) (cf. despacho a fls. 29 do ficheiro n.º 005488986 do Magistratus);

10) Em 15-04-2011 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista apresentar recurso hierárquico do despacho descrito em 9) (cf. requerimento a fls. 1 a 27 do ficheiro n.º 005488987 do Magistratus);

11) Em 09-04-2012 os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante uma informação sobre o recurso descrito em 10), no sentido do seu indeferimento (cf. informação a fls. 40 a 46 do ficheiro n.º 005488987 do Magistratus);

12) Em 19-04-2012 foi proferido despacho a concordar com a informação descrita em 11) no sentido do indeferimento do recurso hierárquico descrito em 10) (cf. despacho a fls. 40 do ficheiro n.º 005488987 do Magistratus);

13) Existiram contactos e reuniões para cobrança da dívida da I. (cf. depoimento de T. Q.);

14) As frações descritas no documento assente em 3) não foram vendidas (cf. depoimento de T. Q.);

15) Em 04-09-2012 deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF).


***


A decisão recorrida fixou como factualidade não provada o seguinte:

“a) A Impugnante efetuou o pagamento da liquidação descrita em 6).

Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.”


***


A decisão recorrida consignou como motivação da matéria de facto o seguinte:

“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.

Quanto à prova testemunhal, os depoimentos de J. C. e de J. P. não serviram para fixar qualquer facto pois, pese embora ambos fossem funcionários da Impugnante, não assistiram às negociações a que alude o acordo e a confissão descritos nos factos em 3) e 4), nada sabendo também quanto às tentativas de venda das referidas frações nem das tentativas de cobrança das dívidas.

Já o depoimento de T. Q., controller financeiro da Impugnante à data, serviu para fixar os factos descritos em 13) e 14) uma vez que deles teve conhecimento direto, tendo participado nas referidas reuniões, e testemunhou com segurança, assertividade e sem hesitações.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

16) A 20 de junho de 2005 e 24 e 25 de novembro de 2005, foram expedidos emails pela sociedade Impugnante, subordinados ao assunto Dívida da I., com o fito de cobrança da aludida dívida e melhor evidenciada em 3) e 4) (cfr. emails constantes do anexo V, apenso ao RIT, e doc. 18 junto à p.i, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

17) A 27 de novembro de 2008, foi emitido documento pela sociedade de mediação imobiliária A., do qual se extrai, designadamente, o seguinte, “[d]esde o ano de 2004 em relação à propriedade sita na R. F. B., ..4, freguesia São Nicolau, Porto, vimos por este meio informar que a mesma tem vindo a ser apresentada a diversos investidores, não tendo, até ao momento, sido encontrado interessado na compra da mesma.” (cfr. doc. junto ao PA instrutor e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido),

18) Na sequência de correções realizadas ao IRC, do exercício de 2003, relativamente à sociedade Impugnante, e em resultado de apresentação de reclamação graciosa respeitante a ato de liquidação reportado a esse exercício, entendeu a AT relativamente à dedutibilidade fiscal de provisão, designadamente, o seguinte:

“Na confissão de dívida, também se pode ler “verificada a circunstância de o produto da venda das aludidas fracções autónomas ser insuficiente para total pagamento da dívida ora declarada e confessada, obriga-se a ora declarante a proporcionar à credora outros meios de pagamento que permanecer em dívida. Pela leitura destes dois extractos dos documentos emitidos e aceites pelas partes, se verifica que ficou assente que a obrigatoriedade do pagamento da dívida; se não fosse possível pelo valor da alienação das fracções, o devedor assumira a responsabilidade de encontrar outra solução.

Trata-se, contudo, de uma situação que comporta algum risco ou insegurança para o requerente/credor quanto ao valor da transacção final das fracções consignadas no Contrato Promessa de Dação em Cumprimento; o valor mínimo aí considerado, não é suficiente para o pagamento integral da dívida assumida na Confissão de Dívida.

Embora o devedor se mostre interessado em cumprir essa sua obrigação, parece não dispor de meios suficientes para o fazer, pelo menos em tempo útil.

Daí que, temendo pela incobrabilidade da parte restante, o sujeito passivo tenha decidido constituir uma provisão para acautelar o citado diferencial.

Parece, pois, poder ser entendida a necessidade da constituição da Provisão para Cobranças Duvidosas.

Em conclusão: será de alterar a decisão constante do despacho da Reclamação. No sentido de aceitar como custo a constituição da provisão no valor de 700.000,00€, para fazer face à incobrabilidade do crédito em análise, tendo em conta as circunstâncias próprias e os conceitos acima referenciados.” (cfr. informação instrutora apensa ao PA instrutor e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, do exercício de 2005, e respetivos juros compensatórios.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se ocorre o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto no sentido de não resultarem demonstradas as diligências de cobrança da dívida, porquanto assente em prova testemunhal, e com base nesse julgamento, se deve ser revogada a sentença na medida em que, por virtude desse erro, conclui pela subsunção e cumprimento dos requisitos constantes nos artigos 34.º, 35.º e 36.º todos do CIRC.

Vejamos, então.

A Recorrente convoca erro de julgamento de facto, atinente à valoração da prova testemunhal porquanto não obstante as testemunhas terem afirmado que a dívida era muito anterior a 2002 e que foi remetida para cobrança aos advogados, e, inclusivamente, o controller financeiro tenha afirmado que a dívida não foi objeto de cobrança, a verdade é que não foi carreada qualquer prova documental atinente a essa demonstração, sendo, por conseguinte, insuficiente, nesse e para esse efeito, a consideração de prova testemunhal.

Adensando, neste concreto particular, que a prova testemunhal terá de ser sempre valorada em consonância com a prova documental apresentada, não tendo a virtualidade de provar factos apenas justificáveis documentalmente, como sucede no caso concreto.

A Recorrida, neste concreto particular, avança, desde logo, com a falta de preenchimento dos requisitos para a impugnação da matéria de facto constantes no artigo 640.º do CPC, advogando, outrossim, que a lei não restringe a prova das diligências de cobrança à prova documental sob pena de se violar o princípio inscrito no artigo 72.º da LGT,

Apreciando.

Para o efeito, importa, então, começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida. (1)

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

In casu, conforme se extrai do teor das alegações recursivas e suas conclusões, dimana inequívoco que a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita.

Com efeito, verifica-se que, in casu, a Recorrente não impugna a matéria de facto decorrente da prova documental, não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, sendo que no atinente à prova testemunhal, não procede à transcrição de qualquer depoimento ou excerto do mesmo, nem, tão-pouco, indica, com exatidão, as passagens de gravação dos depoimentos que pretende ver analisados, não requerendo, por conseguinte, qualquer alteração ou supressão atinente ao acervo probatório. Pelo que, não impugna a matéria de facto de acordo com os requisitos supra evidenciados.
Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo. (2)

Não podendo, nessa medida, a Recorrente limitar-se a evidenciar, de forma genérica, que os depoimentos das testemunhas não podem servir para fixar a factualidade em contenda, carecendo da convocação de ulterior prova documental.

Ademais, e pese embora a Recorrente não substancie, com o devido pormenor, porque motivo os depoimentos prestados não podem ser valorados e qual a factualidade que reputa ser de suprimir, alterar ou mesmo aditar, sempre importa relevar que, in casu, e conforme resulta da motivação da matéria de facto, a testemunha valorada apresentava conhecimento direto da realidade em contenda, na medida desempenhava funções de controller financeiro da Impugnante à data da prática dos factos tributários, tendo, por conseguinte, participado nas referidas reuniões.

De resto, como é consabido os depoimentos das testemunhas quando, críveis, com razões de ciência perfeitamente evidenciados e devidamente ponderados, podem e devem ser valorados na exata medida da convicção do julgador e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

De todo o modo, sempre importa sublinhar que atentando no recorte fático dos autos, não se vislumbra que os factos fixados tendo por base a produção de prova testemunhal não pudessem fundar-se na mesma. Noutra formulação, dir-se-á que não nos encontramos no domínio da prova vinculada, decorrente da aplicação de normas imperativas de direito probatório material e sem qualquer margem de apreciação de liberdade por parte do julgador.

Ademais, importa ter presente que há muito que é Jurisprudência assente que se um dado movimento contabilístico não se encontrar comprovado, por um documento externo, ou mesmo se a densificação de uma determinada realidade cuja efetividade não é colocada em crise, tal não pode, sem mais, afastar a sua dedutibilidade fiscal em sede de IRC.

Até porque, a densidade de suporte documental em termos de IRC é distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio.
Como doutrina Rui Duarte Morais, “julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva”.(3)

Entende-se, assim, que a prova das diligências de cobrança pode ser efetuada por recurso a qualquer meio de prova, que permita atestar que o sujeito passivo diligenciou na cobrança das dívidas, sendo certo que decorre, desde logo, das regras da experiência que muitas dessas diligências não revestem a forma escrita, designadamente reuniões e contactos telefónicos.

Destarte, conclui-se que são admissíveis quaisquer meios de prova, incluindo testemunhal, para efeitos de demonstração da realização das diligências para efeitos de constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa. (4)

Ademais, e conforme analisaremos, em sede própria, dimana do probatório a existência de prova documental a adensar essas mesmas diligências de cobrança.

Assim, em face do exposto, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.


***


Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

No atinente ao erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito sustenta a Recorrente que contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo os factos assentes nos pontos 3) e 4) não suficientes para demonstrar os pressupostos prescritos na lei, porquanto, por um lado, o contrato de dação em cumprimento não deu lugar a qualquer registo na Conservatória do Registo Predial, nem foi efetivamente vendida qualquer fração, e por outro lado, o documento particular da confissão da dívida não foi refletido no balanço, com clara ofensa do princípio da especialização dos exercícios.

Mais sustenta que, não resultou demonstrada a prova das diligências de cobrança das dívidas, donde não estão preenchidos os pressupostos constantes nos artigos 33.º, 34.º e 35.º do CIRC, encontrando-se, assim, legitimada a não atendibilidade da provisão como custo fiscal do exercício.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida porquanto fez uma adequada interpretação do regime normativo à realidade fática em contenda permitindo, inequivocamente, o acervo probatório dos autos concluir que os créditos em dívida estavam em risco, e bem assim que foram realizadas diligências com vista à cobrança dos mesmos, nomeadamente reuniões, sendo o contrato e a confissão da dívida, descritos nos factos em 3) e 4), também elementos neste sentido.

O Tribunal a quo esteou a procedência relevando, designadamente, o seguinte:

“Considerando os factos assentes em 1) e 2), podemos concluir que os créditos em causa resultaram da atividade normal da Impugnante, existindo uma extensa conta corrente que evidencia a materialidade das operações, pelo que o primeiro critério para a constituição de provisões mostra-se verificado.

No que respeita à dúvida quanto à cobrança dos créditos, resulta dos factos 13) e 14) que, para além de terem existido contactos e reuniões nesse sentido, as frações a que se alude no contrato de dação em pagamento, assente em 3), nunca foram vendidas.

Face a um juízo de prognose é possível, assim, entender o motivo pelo qual, volvido mais de um ano sobre a data do referido contrato sem que tenha existido qualquer pagamento, a Impugnante considerou que os créditos em dívida seriam de cobrança duvidosa, tendo, como tal, evidenciado isso mesmo na contabilidade, o que a AT não questiona.

(…) tendo ainda feito prova das diligências que realizou com vista à cobrança dos mesmos, nomeadamente reuniões, sendo o contrato e a confissão da dívida, descritos nos factos em 3) e 4), também elementos neste sentido.”

Atentemos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é gizada, começando por traçar o quadro normativo que para os autos releva.


A base de incidência do IRC encontra-se contemplada no artigo 3.º, do CIRC definindo-se, no seu nº 2, que o lucro tributável é resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código”.

Por sua vez, nos artigos 17.º e seguintes do CIRC estão contempladas as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artigo 23.º quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.

Dispunha, à data, o artigo 23.º, nº1, al. h) do CIRC, sob a epígrafe “Custos ou perdas”, que, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente as provisões.

Mais preceituava o artigo 33.º, nº1, alínea a), do CIRC, sob a epígrafe de “Provisões fiscalmente dedutíveis” que:

“1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:

a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.

No concernente aos créditos de cobrança duvidosa encontrava-se contemplado no artigo 34.º, nº1, do CIRC, que:

“Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará, nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento”.

Resulta, assim, que é regulamentada, como regra geral, no citado artigo 23.º, nº1, alínea h), a dedutibilidade fiscal das provisões. Regra essa que, contudo, sofre as limitações qualitativas consignadas no evidenciado artigo 33.º, e do ponto de vista quantitativo as restrições contempladas nos artigos 34.º a 36.º do citado diploma legal.
Sendo que quanto à atividade normal da empresa é entendido que a mesma, simplificadamente, pode ser aferida por reporte ao objeto social da empresa, abrangendo, por conseguinte, os atos que permitem a realização direta ou indireta do seu objeto estatutário. (5)

De relevar, neste particular, que subjacente à constituição das provisões encontram-se os princípios do balanceamento dos custos com os inerentes proveitos, e da prudência, determinando, à data, o POC no seu ponto 2.9 que a mesma “deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de passivo certo”. (6)

Com efeito, o princípio da prudência “conduz à inserção nas contas de um determinado grau de precaução para fazer face a situações de incerteza, de tal forma que os activos e os resultados não sejam sobredimensionados. (7)

Conforme doutrina Rui Duarte Morais (8) a propósito da noção de provisão:

“As provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto. Tal como uma pessoa cautelosa, quando confrontada com uma despesa previsível, põe antecipadamente de lado o dinheiro necessário para a satisfazer, também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis.”

Concretizando, ulteriormente, que a “[c]onsideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade: - o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido); - o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo).
Em bom rigor, poder-se-á dizer na linha doutrinal de Teixeira Ribeiro (9) que a “[p]rovisão é uma conta em que se inscreve a verba destinada a fazer face a encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado, mas de montante indeterminado (…)”.

Feitos estes considerados, atentemos, então, na fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária do qual resultam as seguintes asserções:

“Para ser aceite fiscalmente o custo com a provisão para créditos de cobrança duvidosa de € 315.525,44 contabilizado no exercício de 2005, têm de verificar-se cumulativamente 3 requisitos: [...]

Quanto ao facto da dívida resultar da actividade normal da empresa, há a referir que só em sede do exercício do direito de audição prévia do projecto de relatório aos exercícios de 2005,2006, 2007 e 2008, foi apresentado o mapa dos saldos devedores por antiguidade.

Por outro lado, se a dívida efectivamente resultou da actividade normal da empresa, então já estava suportada com documentos com forma legal, nomeadamente facturas, as quais nunca foram apresentadas para análise, e apenas em sede do exercício de direito de audição foi apresentada uma relação. [...]

Não existe risco de incobrabilidade da dívida, porquanto do “Contrato Promessa de dação em cumprimento”, bem como da “Confissão de Divida “resulta uma garantia real acordada entre as partes, a I. e o contribuinte. [...]

Não obstante a junção aos autos de e-mails tendentes a demonstrar a realização de diligências, a verdade é que os mesmos não são dirigidos nem à I., nem ao seu administrador Sr A. M. [...]

Quanto à requerida prova testemunhal cabe ao órgão instrutor a definição dos meios de prova e das diligências a realizar.

É este o sentido quer doutrinal quer jurisprudencial do referido no art° 72° da LGT.

Porque por força do art° 115° n° 3 al. a) do Código do IRC todos os registos contabilísticos têm de estar suportados em documentos.

Ora a constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa consubstancia-se através de um registo contabilístico, logo tem de estar suportado com documentos.

Dai que a prova das diligências efectuadas para a cobrança da divida tem de ser documental [...]»

In casu, e atentando nas alegações de recurso verifica-se que não é sindicado que os créditos se coadunam com a atividade normal da empresa, mas apenas que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado.

Atentemos, ora, no probatório.

Do probatório resulta, desde logo, que no exercício de 2003, encontrava-se registada uma dívida da I. no montante total de € 1.684.525,42.

Sendo que, a 24 de setembro de 2004, foram outorgados um contrato promessa de dação em cumprimento e um contrato de confissão de dívida do qual deriva que a I. se confessou devedora da quantia de €1.365.286,61 e que para efeitos de pagamento de tal dívida, se outorgava -mediante mandato, através de uma procuração e de um substabelecimento- que a Recorrida pudesse realizar o seu crédito com o provento da venda de um conjunto de frações autónomas, oneradas por hipoteca facilitando, por essa via, o cumprimento total ou parcial da obrigação.

Dimanando, igualmente, do probatório que foram realizadas diligências tendentes à cobrança dos créditos, consistentes quer em contactos e reuniões, quer em documentos escritos com esse desiderato, e bem assim que as frações autónomas objeto dos visados contratos não foram vendidas.

Ora, tal realidade fática é per se suficiente e apta a demonstrar o risco de incobrabilidade, desde logo, porque a assunção e confissão da dívida não integrou a sua totalidade, existindo um valor diferencial de €319.238,81, e bem assim porque os imóveis encontravam-se onerados com hipoteca cujo expurgo em função de, eventual, valor de venda assume natureza prevalente, e desde logo, clausulada tal obrigação, no sentido de que “a alienação de cada uma das aludidas fracções autónomas, destinar-se-ão exclusivamente ao expurgo da hipoteca que incida sobre a fracção em causa bem como ao pagamento das despesas inerentes e à concretização das correspondentes vendas”.

Donde, a questão atinente à falta de inscrição e registo não assume o relevo que lhe é apontado para efeitos de supressão do risco de incobrabilidade, porquanto, há, efetivamente risco para a Impugnante quanto ao valor da transação final das transações, e ao pagamento integral da dívida assumida na confissão.

Aliás, a AT relativamente ao IRC do exercício de 2003, reconheceu, expressamente, que se trata de uma situação que comporta risco e insegurança para o credor, aceitando, assim, a dedutibilidade fiscal das respetivas provisões.

Note-se, ademais, que enquanto através da datio in solutum (cfr. artigo 837.º, do CC), o devedor pretende, com a prestação diversa da devida, extinguir imediatamente a obrigação, na datio pro solvendo ( cfr. artigo 840º, do CC), o devedor visa facilitar o cumprimento, fornecendo ao credor os meios necessários para este obter a satisfação futura do seu crédito, o que significa que a obrigação subsiste e só se vem a extinguir com a satisfação do direito do credor, caso exista e apenas na medida em que for satisfeito.
Como doutrina, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, (10) “[a] datio pro solvendo tem como característica a circunstância de não se pretender extinguir imediatamente a obrigação. A obrigação subsiste e só se vem a extinguir com a satisfação do direito do credor e na medida em que for satisfeito. Por isso se afirma que a dação em função do cumprimento “é, no fundo, um mandato conferido pelo devedor ao credor para liquidar a coisa ou o crédito dados pro solvendo» Vaz Serra, dação em função di cumprimento e dação em cumprimento, nº1, Bol., nº 39”

Daí que, integrando o visado contrato uma datio pro solvendo, não logra mérito a sua argumentação concatenado com o âmbito e qualificação dos visados contratos, em nada podendo subverter e apartar o risco de incobrabilidade, bem pelo contrário, na medida em que justificam, inclusive, esse risco e insegurança de cobrança. Sendo certo que, a adensar o supra exposto, e secundando-se o evidenciado pelo Tribunal a quo, os bens imóveis nunca foram objeto de venda, portanto nunca foi possível a cobrança da dívida (cfr. ponto 17, ora, aditado).

De relevar in fine, que é inequívoca a realização de diligências de cobrança das dívidas, conforme dimana perentório dos pontos 13, 14, 16 e 17, da factualidade provada, sendo certo que em nada releva a circunstância dos visados e-mails não terem sido endereçados para a empresa e para o seu administrador, na medida em que o importa é que dos mesmos se extraía, como in casu, que foram realizadas diligências tendentes, justamente, a essa cobrança.

Duas notas finais se impõem, uma atinente à aduzida violação do princípio da especialização dos exercícios e concreta irregularidade de inscrição contabilística, salientando, para o efeito, que carece de relevância qualquer alegação com esse alcance e arguição, porquanto não contemporânea do ato.

E uma outra coadunada com a violação do inquisitório, porquanto não obstante a Recorrente faça alusão à mesma, a verdade é que nada substancia, nesse e para esse efeito, sendo certo que não se vislumbra, de todo, que o Tribunal a quo tenha incorrido em qualquer preterição a esse nível, porquanto realizadas todas as diligências que se impõe para o efeito e bem assim porque não se vislumbra qualquer deficit instrutório.

E por assim ser, a sentença recorrida não padece da censura que lhe é endereçada e deve ser, integralmente, confirmada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Segunda Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em Negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Registe e notifique.

Lisboa, 18 de maio de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)















1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013
2) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31.05.2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07.06.2018.
3) in Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pág. 80
4)Vide, designadamente, Acórdãos TCAS, 1037/04, de 22.10.2020 e 9467/16, de 14.11.2019.
5) Neste âmbito, doutrinam, designadamente, os Arestos deste TCA, proferidos nos processos números 23/17.0 e 133/17.4, datados de 07.05.2020 e 05.06.2019.
6) Vide, neste sentido, F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, CIRC anotado e comentado:4ª edição-1994, p.306
7) In ob. Cit., anotação ao artigo 33.º, p. 306.
8) In Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 119-120.
9) J.J. Teixeira Ribeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3684, pág. 84.
10) Código Civil anotado, Vol. II, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, página 127.