Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3740/08.2BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO DE LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO
ATOS DE EXECUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:- Na sequência da declaração de nulidade de ato de licenciamento e da reapreciação do pedido de licenciamento, que culminou com o indeferimento, nomeadamente, por violação de normas do PDM, o Município, em execução do julgado, devia ter avançado para a demolição das construções erigidas ao abrigo do licenciamento declarado nulo.
- Sobre o Município recai o dever específico de atuar, no respeito pelos limites impostos pelo caso julgado da referida sentença, relativamente à situação que ele próprio criou através da adoção de um ato administrativo ilegal.
- A construção erigida a coberto de deliberação camarária nula que causa ensombramento dos terrenos, habitações e logradouros dos recorrentes, bem como devassa da sua intimidade pessoal e privacidade e violação do seu direito ao ambiente e qualidade de vida gera na esfera jurídica destes lesados o direito à indemnização.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:



Relatório


M……., A……., G……. (recorrentes), nos termos dos arts 173º e segs do CPTA, requereram execução da sentença proferida a 22.4.2002, confirmada por acórdão do STA de 9.10.2003, que declarou a nulidade da deliberação da CM de Sintra de 27.7.1994, que aprovou o licenciamento de construção de um edifício destinado a cobertura desmontável sobre piscina e campo de ténis existentes na «Q……..», propriedade de I…….., contra o Município de Sintra e I…….. – Gestão e Planeamento Imobiliário, SA, (recorridos), requerendo a prática dos seguintes atos e operações:
a) Reapreciação do pedido de licenciamento apresentado pela requerida particular, considerando as vinculações legais decorrentes das decisões judiciais e demais legislação aplicável, notificando-se os exequentes do novo ato ou atos que venham a ser praticados;
b) Reparação de todos os danos suportados pelos exequentes, com a prática do ato ilegal;
c) Pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da decisão judicial, em valor diário não inferior a 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor à data da decisão condenatória que vier a ser proferida.

A 4.7.2007 foi proferida sentença que absolveu a I………. do pedido e indeferiu os pedidos formulados contra a CMS.

Inconformado com o decidido, os exequentes interpuseram recurso da sentença. Para tanto, nas alegações, formularam as seguintes conclusões:
«1ª. Em sede de execução de sentença anulatória, a CM de Sintra deve reconstituir a situação em que os ora recorrentes estariam hoje se o ato ilegal nunca tivesse sido praticado – deliberação daquela entidade, de 27.7.1994, que licenciou a construção de edifícios entretanto erigidos no imóvel da ora recorrida I…….., SA – nº 1 e 2.
2ª. A reconstituição da situação atual hipotética em execução das decisões judiciais que declararam nula a deliberação da CM de Sintra, de 27.7.1994, impõe a supressão de todos os efeitos daquele ato ilegal e a eliminação dos respetivos atos e efeitos consequentes (arts 20º, 205º, 268º, nº 4 da CRP; arts 173º e segs do CPTA e arts 5º e segs do DL nº 256-A/77, de 17.6) – nº 2 e 3.
3ª. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, a CM de Sintra estava inculada a eliminar todos os efeitos produzidos pelo ato ilegal, bem como a praticar todos os atos necessários e adequados à reconstituição da situação hipotética atual dos ora recorrentes (arts 173º e segs do CPTA), não bastando a simples notificação à proprietária da construção ilegal de uma mera proposta de indeferimento do pedido de licenciamento apresentado, em sede de audiência prévia, sem qualquer decisão definitiva ulterior (nº 12 e 13 dos factos provados – arts 100º e segs do CPA) – nº 4 e 5.
4ª. Por decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas no processo principal, foi declarada a nulidade da deliberação de 27.7.1994, da CMS, que licenciou a construção de edifícios entretanto erigidos no imóvel da ora recorrida I…….., SA.
5ª. No caso sub judice nunca poderia assim considerar esgotada a presente execução com a simples notificação à referida recorrida de uma mera proposta de indeferimento do pedido de licenciamento apresentado por I…….., SA, em sede de audiência prévia e sem caráter definitivo (fls 7 a 9 da sentença recorrida – nº 12 e 13 dos factos provados e arts 100º e segs do CPA), pois tal equivale a negar efeitos práticos à declaração judicial de nulidade do licenciamento inicial, abstendo-se o douto tribunal a quo de impor à entidade recorrida os atos e operações materiais adequados à reintegração da ordem jurídica violada – indeferimento definitivo do pedido de licenciamento apresentado e consequente demolição da construção ilegal erigida – em clara violação do princípio da tutela judicial efetiva dos direitos e interesses dos ora recorrentes (art 20º da CRP) bem como do disposto nos arts 173º e segs do CPTA – nº 7 a 9.
6ª. A douta sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto no art 177º, nº 4 do CPTA, pois a falta de apresentação de réplica à contestação apresentada no presente processo executivo pela Administração não exprime qualquer concordância com a contestação (art 203º da CRP – cfr Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, 2ª edição, pág. 998) – nº 10 a 12.
7ª. A douta sentença recorrida violou frontalmente o disposto no art 177º, nº 1 do CPTA, sendo manifesta a legitimidade passiva de I………, SA, na qualidade de contrainteressada, à semelhança do que sucedeu no processo principal, na medida em que a satisfação da pretensão dirigida pelos ora recorrentes contra a CM de Sintra é suscetível de prejudicar os seus interesses e de se projetar diretamente na sua esfera jurídica, pois implica, além do mais, a reapreciação do licenciamento de que eram titulares, com a possibilidade de este vir a ser indeferido e de a construção por si realizada poder ser demolida (art 57º do CPTA e 36º, nº 1, al b) da LPTA) – nº 13 a 16.
8ª. Os recorrentes invocaram nos arts 13º, 19º, 20º, 21º, 47º do r.i. os factos suscetíveis de revelar a existência dos prejuízos cuja indemnização foi genericamente reclamada, referindo expressamente que tais danos se consubstanciaram na violação pela recorrida de afastamentos legais, ensombramento para os seus prédios, devassa da sua intimidade pessoal e privacidade, e violações do seu direito ao ambiente e qualidade de vida, pelo que a douta sentença recorrida violou frontalmente o disposto nos arts 569º do CC e 471º, nº 1, al b) do CPC – nº 17 e 18.
9ª. A eventual insuficiência ou imprecisão da causa de pedir invocada nunca poderia implicar a improcedência do pedido deduzido nesta parte, pois nesse caso sempre se imporia convite do tribunal a quo aos ora recorrentes, ao abrigo dos princípios da cooperação e pro actione, consagrados nos arts 6º e 7º do CPTA, a «aperfeiçoar os articulados, mormente mediante o suprimento de insuficiências ou imprecisões da explanação da matéria de facto e a remover certos obstáculos que comprometam o êxito da ação ou da defesa» (Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, 2ª edição, pág. 59) – nº 19.
10ª. No presente processo a CM de Sintra procedeu apenas à notificação à proprietária da construção ilegal – I……., SA – de uma simples proposta de indeferimento do pedido de licenciamento apresentado, em sede de audiência prévia (fls 8 e 9 da sentença, nº 12 e 13 dos factos provados), o que não integra qualquer execução dos arestos exequendos, pelo que se verificam os pressupostos de que depende a aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no art 169º do CPTA – nº 13 a 16.
11ª. A douta sentença recorrida enferma assim de erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts 20º, 22º, 203º, 205º e 268º, nº 4 da CRP; art 569º do CC e 471º, nº 1, al b) do CPC, bem como nos arts 6º, 7º, 57º, 169º, 173º e segs do CPTA e 177º, nº 1 e 4 do CPTA (arts 5º e segs do DL nº 256-A/77, de 17.6)».

Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, nada disse.

O Município de Sintra foi notificado para informar os autos se já havia proferido decisão final no procedimento administrativo. Em 18.9.2015 comunicou que não foi praticado qualquer ato além da notificação da contrainteressada para efeitos de audiência prévia em 28.9.2005. Em 24.1.2017, o Município informou que o pedido de licenciamento foi, entretanto, indeferido.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


O objeto do recurso:
Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 e nº 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa, por determinar se a decisão recorrida, que absolveu do pedido a I……. e indeferiu os pedidos deduzidos contra a Câmara Municipal de Sintra, incorreu em erro de julgamento de direito:
i) «na parte em que considerou esgotada a execução com a simples notificação à proprietária da construção ilegal de uma proposta de indeferimento do pedido de licenciamento apresentado, em sede de audiência prévia»;
ii) «ao decidir que a falta de dedução de réplica à contestação apresentada no processo executivo pela Administração exprime concordância com a contestação»;
iii) «ao absolver a I……… por entender que nenhum pedido foi formulado contra esta»;
iv) «na parte em que decidiu julgar improcedente o pedido de indemnização genericamente formulado no requerimento inicial, por considerar que os recorrentes não teriam tido o cuidado de enunciar qualquer dano causado pelo ato recorrido e, por maioria de razão, também não o demonstram»;
v) Ao julgar «não verificados os pressupostos de que depende a aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no art 829º do Código Civil».

Fundamentação de Facto:
I. A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
1) «A 1ª exequente é proprietária da habitação unifamiliar, sita na Rua Dr. F….., nº 23, no L……, confinante a nascente com a Q……… .
2) O 2º exequente é proprietário da habitação unifamiliar, sita na Rua J……., nº 8, no L…….., confinante a poente com a Q…… .
3) O 3º exequente é proprietário do prédio urbano, sito na Rua Dr. F……., no L……, confinante a sul com a Q…… .
4) As moradias e o terreno supra referenciados situam-se no limite do Parque Natural de S…… – C……, rodeados de outras edificações habitacionais, todos elas executadas com materiais e cores tradicionais, servidas de logradouros ocupados com jardins e zonas verdes.
5) Em 5.7.1994 a sociedade I…… – Gestão e Planeamento Imobiliário, SA, na qualidade de proprietário da Q………, requereu na CM de Sintra a concessão de licença pelo prazo de 3 meses para construir um edifício destinado a cobertura desmontável sobre piscina e campo de ténis existentes.
6) Juntamente com este requerimento, a I…… apresentou projetos de dois edifícios a construir sobre a piscina e o campo de ténis, nos termos constantes a fls 15 a 28 do processo instrutor, aqui dados por reproduzidos.
7) As construções a edificar na Q……… estão implantadas dentro dos limites da Área Protegida S…… – C…….. .
8) Em 5.7.1994 o Departamento de Urbanismo da CMS proferiu a seguinte informação: «julga-se de deferir a construção da cobertura desmontável sobre a piscina».
9) Em 7.7.1994 o Serviço de Apreciação de Projetos da CMS pronunciou-se nos seguintes moldes: «Nos termos da Informação de 5.7.1994, julga-se de deferir nas condições abaixo indicadas, sendo a vistoria final apenas concedida depois de concluídas as obras de urbanização.
10) Em 27.7.1994, a CMS deliberou por unanimidade aprovar este processo nos termos das informações dos Serviços.
11) Por sentença proferida nos autos de recurso contencioso interposto pelos ora exequentes, e confirmada por acórdão do STA, a deliberação de 27.7.1994 foi declarada nula por não ter sido precedida de parecer da autoridade sanitária, violando o art 1º do DL nº 569/76.
12) Em 23.9.2005 o Departamento de Urbanismo da CMS, em sede de reapreciação do projeto de arquitetura formulado pela I……..., propôs o indeferimento do pedido de licenciamento da obra, com os fundamentos descritos na informação, cujos termos constam a fls 63 a 67 aqui se dão por reproduzidos na integra.
13) Por ofício datado de 28.9.2005, a I………. foi notificada do projeto de indeferimento para se pronunciar em sede de audiência prévia de interessados».

*
II. Adita-se ao probatório, nos termos do art 662º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, por resultarem documentalmente provados na tramitação do processo, os factos seguintes:
· A 12.1.2007 os Serviços do Município de Sintra propuseram o indeferimento do pedido de licenciamento da obra da I…….., com os fundamentos descritos na informação de 23.9.2005, a saber:
1 – Os edifícios propostos excedem a altura máxima de fachada prevista no nº 4.2, al d) do art 25º do PDM (6,5 metros).
2 – O projeto não respeita os valores ou enquadramentos arquitetónicos assim como as caraterísticas da malha urbana envolvente, contrariando o disposto no nº 4.1.
3 – O projeto contraria o disposto no art 121º do REGEU. Os edifícios propostos, pela sua volumetria, são suscetíveis de comprometer as características da povoação onde se inserem.
4 – O processo não vem devidamente instruído (de acordo com o previsto no DL nº 445/91 e Portaria nº 1115-B/94): deverá ser apresentada uma planta de implantação à escala no mínimo de 1/500 onde estejam devidamente indicados os limites do terreno, representadas as acessibilidades, parqueamento e linhas de água devendo as construções aí existentes aparecerem devidamente representadas e identificadas (nº de processo camarário, nº de licença de utilização, se são anteriores a 1951). Deverá esclarecer na memória descritiva se os edifícios em questão irão ter utilização exclusivamente privada.
5 – No processo deverá constar o projeto de segurança contra incêndio ou o parecer do SNB – docs juntos a 26.1.2017.
· A 13.1.2007 foi proferido despacho de indeferimento do pedido de licenciamento da obra da I……. – docs juntos a 26.1.2017.
· A 5.2.2007 a I…….. foi notificada da decisão de 13.1.2007 – docs juntos a 26.1.2017.
· Os edifícios objeto do licenciamento foram, entretanto, erigidos.


Fundamentação de Direito
Do erro de julgamento de direito da decisão recorrida «na parte em que considerou esgotada a execução com a simples notificação à proprietária da construção ilegal de uma proposta de indeferimento do pedido de licenciamento apresentado, em sede de audiência prévia».

A presente foi instaurada, nela se pedindo, primeiro, que o executado, Município execução de sentença de declaração de nulidade de ato administrativo, seja compelido a reapreciar o pedido de licenciamento apresentado pela I……., de construção de cobertura sobre a piscina e campo de ténis existente na Q………, face à declaração de nulidade do ato de aprovação por sentença transitada em julgado.

Tal como a presente execução foi instaurada e configurada em juízo, mediante a alegação que é feita da causa de pedir e do pedido formulado, é manifesto que vem na sequência da anterior ação declarativa, que declarou a nulidade do ato impugnado, ou seja, vêm os exequentes requerer que, em face da omissão da Administração em dar voluntário cumprimento à sentença administrativa que declarou a nulidade do ato de licenciamento, que o Tribunal condene à prática dos atos de execução.

Analisemos.
Resulta do título executivo – sentença de 22.4.2002 e acórdão de 9.10.2003 – que foi declarada a nulidade da deliberação da CMS, de 27.7.1994, nos termos da qual foi licenciada a construção de uma cobertura desmontável sobre uma piscina e respetivos anexos, por a mesma não ter sido precedida de parecer favorável pela Autoridade Sanitária de Sintra, em desrespeito pelo estipulado no art 1º do DL nº 569/76, de 19.7 e art 7º do DL nº 64/90, de 21.2 (cfr arts 18º, 43º, 45º e 52º, nº 1, al a) do DL nº 445/91, de 20.11 e art 133º, nº 2, al b) do CPA).
A necessidade de parecer da autoridade sanitária no caso foi explicada pelo STA, no acórdão de 9.10.2003 que confirmou a decisão de 1ª instância, do modo seguinte:
«Efetivamente, as construções em causa, embora podendo ser desmontadas, porque feitas com elementos metálicos que poderão não ver a sua substância essencialmente afetada com essa operação, apresentam as características de edifícios.
… o projeto que a requerente sujeitou a aprovação camarária respeita a construções com as seguintes características, que se retiram da conjugação das peças desenhadas e da memória descritiva que instruíram o requerimento de licenciamento:
Uma delas consiste na execução de uma cobertura metálica desmontável sobre a piscina e construção de instalações sanitárias de apoio, com casas de banho para ambos os sexos (como melhor se vê no projeto de estabilidade, os sanitários das senhoras têm 8 bacias de lavatório e 8 sanitas e as dos homens 7 bacias de lavatório, 7 mictórios e 4 sanitas; estas consideráveis dimensões dos sanitários fazem supor uma frequência de utentes muito superior ao que é comum numa piscina de uso particular). As paredes laterais, de alumínio termo-lacado, são parcialmente fechadas e apresentam janelas. A área coberta é de 320m2 (60m x 22m), com um pé direito livre de 5m.
A outra, apresentando as mesmas características de construção, cobre um campo de ténis (e um «jardim de inverno»), tem uma área coberta de 320m2 e um pé direito livre de 9m.
Ambas as obras exigem fundações e sapatas que suportem a estrutura metálica de sustentação da cobertura e das paredes. E a sua execução, como resulta da calendarização dos trabalhos (fls 18 do instrutor) implica, além do mais, movimentos de terras, fundações, alvenarias, rede de águas, instalação de esgotos e instalação elétrica.
Uma obra com estas características, com paredes, cobertura e ligação permanente ao solo, é uma edificação para efeito de sujeição a licenciamento – … - e é-o, consequentemente, para efeito de sujeição a parecer da autoridade sanitária, segundo a al a) do art 1º do DL nº 569/76, então vigente. Não se vislumbram razões para uma interpretação restritiva do art 1º do DL nº 569/76, excluindo deste conceito os edifícios construídos com materiais amovíveis, as razões de saúde pública que justificam a exigência desta formalidade (…) não estão menos presentes pelo facto de se tratar de uma «construção desmontável». A maior ou menor facilidade com que os elementos que compõem o edifício sejam suscetíveis de ser removidos sem perda da substância é indiferente no que respeita àquele interesse – o perigo real ou potencial para a saúde pública – para cuja salvaguarda o legislador entendeu que se justificava continuar a exigir a intervenção de um órgão da Administração Central no procedimento municipal de licenciamento de obras».
Com a declaração de nulidade do ato de licenciamento, de 27.7.1994, da construção da cobertura desmontável sobre a piscina e campo de ténis existentes na Q…….., o Município ficou com o dever de reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal, de aprovação do licenciamento de construção de cobertura, não tivesse sido praticado, retomando o procedimento administrativo com a consulta da Autoridade de Saúde de Sintra e prosseguindo depois os seus ulteriores termos até à decisão final, de deferimento ou de indeferimento do licenciamento.

Este dever de executar a sentença, a cargo da Administração, encontra-se previsto no art 173º do CPTA e implica «a prática de atos jurídicos e a realização de operações materiais necessárias para colocar a situação, tanto no plano do Direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida» (Mário Aroso de Almeida, em Anulação de atos administrativos, pág. 39).

O cumprimento do dever de executar (a que se refere o artigo 173º) é da responsabilidade do órgão que tenha praticado o ato anulado (cfr. art 174º nº 1 do CPTA), sendo que, de acordo com o artigo 175º do CPTA, o dever de executar deve ser integralmente cumprido no prazo de três meses, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução (nº 1).
E prevê o artigo 176º, nº 1 do CPTA que
quando a Administração não dê execução espontânea à sentença de anulação no prazo estabelecido no nº 1 do artigo anterior, o interessado … pode exigir o cumprimento do dever de execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição

Deste modo, a execução duma decisão judicial anulatória de ato administrativo ilegal consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado.
A decisão judicial anulatória possui, por um lado, um efeito constitutivo o qual, por regra, consiste na invalidação do ato impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento. A decisão judicial anulatória elimina assim
direta e imediatamente do mundo jurídico o ato administrativo anulado, repristinando automaticamente ex tunc ou statu quo ante, sem que para tal fim ocorra qualquer intervenção da autoridade administrativa (Mário Aroso de Almeida, em Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina, 2002, pág. 225).
Mas detém igualmente o denominado de efeito conformativo, preclusivo ou inibitório, que proíbe a reincidência, excluindo a possibilidade da Administração reproduzir o ato com as mesmas ilegalidades individualizadas e assim declaradas pelo juiz administrativo sob pena de incorrer em nulidade.
A decisão judicial anulatória goza, ainda de um outro efeito, que é o da reconstituição da situação hipotética atual, também chamado de efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo, à luz do qual a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou se o ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade. Na verdade no âmbito da execução de decisões judiciais anulatórias a Administração deve procurar reconstituir a situação atual hipotética, ou seja, deve procurar repor a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado de molde a que a ordem jurídica seja reintegrada, atividade que passa pela realização, agora, do que se deveria ter realizado se a ilegalidade não tivesse inquinado o procedimento, isto é, passa pela prática dos atos jurídicos e das operações materiais necessárias à mencionada reconstituição e pela eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.
Com efeito, a este propósito refere M. Aroso Almeida, em
Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina, 2002, pág. 510, 512, 514, reportando-se às situações de admissibilidade de atos impositivos de execução de efeito repristinatório, que se afigura «… de admitir que a circunstância objetiva de ter havido um ato ilegal e de ter sido judicialmente decretada a sua anulação - em termos que automaticamente tornaram evidente e indiscutível que a situação criada ao abrigo daquele ato é hoje uma situação de mero facto, destituída de fundamento jurídico, e que a sua manutenção, no presente e para o futuro, é lesiva de quem recorreu e obteve a anulação - é suficiente para restringir, no caso concreto, o componente de apreciação valorativa quanto à oportunidade de agir que a previsão normativa abstrata da competência da Administração para intervir sobre construções ilegais porventura comporte.

A circunstância de a Administração ser corresponsável pela situação ilegal, por ter contribuído para a lesão do interessado, constitui um evidente facto delimitador dessa eventual discricionariedade. Por conseguinte, se, à partida, o poder de intervenção sobre construções clandestinas envolvia um espaço de apreciação discricionária quanto ao an, a circunstância da anulação do ato no qual se baseava a situação constitui a Administração numa verdadeira obrigação de agir para com o recorrente que obteve a anulação daquele ato.
Isto deve-se ao facto, …, de não estar, aqui, em causa o normal exercício, por parte da Administração, dos seus poderes de intervenção sobre construções ilegais, mas o cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação. …. Justifica-se, por isso, que, neste contexto, se acentue o dever de a Administração atuar relativamente às situações que ela própria criou através da adoção de um ato administrativo ilegal. Sobre ela recai, nesses casos, um
dever qualificado de intervenção, uma vez que já não se trata de cumprir uma obrigação pública genérica de pôr cobro aos ilícitos que outros cometem, mas de eliminar um ilícito público, imputável a si própria....»
E continuando, diz ainda aquele Professor «… no que, entretanto, se refere à determinação do concreto conteúdo das medidas a adotar, a execução do
efeito repristinatório da anulação apenas exige a demolição na medida em que outra definição não a venha legitimamente afastar.

Ao lado da demolição - ou seja, ao lado da execução do efeito repristinatório, que a sentença anulatória, à partida, reclama - permanecem, assim, intactos os poderes de valoração de que a Administração disporia mesmo que a construção tivesse sido, ab initio, clandestina e não tivesse sido, pois, edificada ao abrigo de uma licença inválida. Com o que se transita para o plano da redefinição da situação, no (re)exercício de poderes autónomos de definição jurídica, no respeito pelos limites impostos pelo caso julgado da sentença de anulação.

Por conseguinte, se o ato puder e dever ser renovado, é isso, naturalmente, que a Administração deve fazer.

Dependendo do caso concreto, pode ser que a simples realização de obras de adaptação baste para assegurar, entretanto, a legalidade da construção. A emissão, nesse caso, de uma ordem de demolição seria incompatível com o princípio da proporcionalidade e com a própria Bestandsgarantie inerente ao direito de propriedade, devendo a Administração dar ao interessado a possibilidade de requerer a legalização da construção e, nessa perspetiva, escolher, de entre as correções indispensáveis, mas suficientes para repor a legalidade, aquela que para ele seja menos onerosa, de acordo com os critérios de aptidão, necessidade e proibição do excesso que decorrem do princípio da proporcionalidade.
Na sequência da anulação, a Administração deverá, assim, ponderar se a reintegração da legalidade e da esfera jurídica do recorrente que obteve a anulação pode ser alcançada através de soluções menos onerosas para o proprietário da construção edificada e, porventura, para o próprio interesse público, do que seria a pura e simples demolição. Tudo depende do conteúdo das normas materiais cuja violação esteve na base da anulação da licença. A demolição só deve ser, desde logo, imposta nas situações em que, dadas as circunstâncias concretas, a
legalização não seja possível.

Por via de regra, a Administração deve, assim, na sequência da anulação, mandar notificar de imediato o proprietário do prédio para que proceda à demolição ou, sendo isso possível, requeira a sua legalização. Na primeira das hipóteses, a imposição à Administração do dever de proceder, ela própria, à demolição poderá ser pedida pelo recorrente no processo impugnatório ou, se necessário, no processo de execução da sentença de anulação. Neste último caso, o recorrente terá a oportunidade de acompanhar os ulteriores desenvolvimentos do eventual procedimento de legalização. Se, no entanto, ele não vier a ser desencadeado ou não tiver seguimento, ele poderá exigir, no processo de execução de sentença, que o tribunal fixe o prazo razoável dentro do qual a Administração deve proceder à demolição, sem prejuízo ainda, dentro do mesmo prazo, da eventual legalização do edificado. Se a Administração nada fizer dentro do prazo fixado, o recorrente será indemnizado pelo facto de a construção não ter sido demolida, sem que, para esse efeito, possa já relevar a possibilidade da sua legalização.
Deste modo se parece conseguir a mais adequada conciliação dos valores que, neste domínio, se defrontam: o da segurança jurídica e da proteção da confiança do proprietário, e o da tutela da legalidade material e dos direitos e interesses do recorrente que obteve a anulação.

No pressuposto, desde o início assumido, de que, nos casos em que deva ter lugar, a demolição ainda se inscreve na execução do efeito repristinatório da anulação, mediante a qual cumpre remover a situação de perturbação criada pelo ato que foi anulado, na medida em que ele não venha a ser renovado nem objeto de medidas alternativas.»

No caso, à data da prolação da sentença recorrida, em 4.7.2007, portanto no curso da execução entrada em juízo a 30.6.2004, foi considerado, com base em prova documental, que o procedimento de licenciamento foi já encetado, tendo sido lavrada informação em 23.9.2005, no sentido do indeferimento do pedido de licenciamento, com os fundamentos seguintes:

1 – Os edifícios propostos excedem a altura máxima de fachada prevista no nº 4.2, al d) do art 25º do PDM (6,5 metros).
2 – O projeto não respeita os valores ou enquadramentos arquitetónicos assim como as caraterísticas da malha urbana envolvente, contrariando o disposto no nº 4.1.
3 – O projeto contraria o disposto no art 121º do REGEU. Os edifícios propostos, pela sua volumetria, são suscetíveis de comprometer as características da povoação onde se inserem.
4 – O processo não vem devidamente instruído (de acordo com o previsto no DL nº 445/91 e Portaria nº 1115-B/94): deverá ser apresentada uma planta de implantação à escala no mínimo de 1/500 onde estejam devidamente indicados os limites do terreno, representadas as acessibilidades, parqueamento e linhas de água devendo as construções aí existentes aparecerem devidamente representadas e identificadas (nº de processo camarário, nº de licença de utilização, se são anteriores a 1951). Deverá esclarecer na memória descritiva se os edifícios em questão irão ter utilização exclusivamente privada.
5 – No processo deverá constar o projeto de segurança contra incêndio ou o parecer do SNB.
Destes factos, a decisão recorrida extraiu «ter a Administração iniciado a execução do julgado posteriormente à propositura dos presentes autos executivos, não merecendo a sua atuação qualquer oposição ou reparo por parte dos exequentes quando notificados para, querendo, replicar». E, em consequência, o tribunal a quo indeferiu o pedido dos exequentes.
Mas, como alegam os recorrentes, a presente execução não se pode considerar esgotada com a mera notificação à proprietária da construção ilegal – I…… – de uma proposta de indeferimento do pedido de licenciamento, em sede de audiência prévia.
A notificação, para efeitos de audiência prévia, no decurso da execução, de proposta de indeferimento do licenciamento, não decidiu o pedido da I……. . E este ato foi o praticado e levado ao probatório da decisão recorrida. Ou seja, o ato de 23.9.2005, notificado a 28.9.2005, ao contrário do que decidiu o tribunal recorrido, não cumpre na integra o dever de execução do julgado anulatório e a falta de apresentação de réplica não bole com esse mesmo cumprimento.
E a esta realidade fáctica, de notificação de proposta de indeferimento do licenciamento para efeitos de audiência prévia, seguiu-se, a 13.1.2007, o despacho de indeferimento do pedido de licenciamento da obra da I........., e, a 5.2.2007, a notificação da decisão à I..........
O que significa que a construção da cobertura sobre a piscina e campo de ténis existentes na não está licenciada, porque, por um lado, o seu licenciamento foi declarado nulo por sentença declarativa e, depois, a Administração ao reapreciar o pedido de licenciamento, em cumprimento daquela decisão judicial, indeferiu o pedido, com os fundamentos:
1 – Os edifícios propostos excedem a altura máxima de fachada prevista no nº 4.2, al d) do art 25º do PDM (6,5 metros).
2 – O projeto não respeita os valores ou enquadramentos arquitetónicos assim como as caraterísticas da malha urbana envolvente, contrariando o disposto no nº 4.1.
3 – O projeto contraria o disposto no art 121º do REGEU. Os edifícios propostos, pela sua volumetria, são suscetíveis de comprometer as características da povoação onde se inserem.
A esta realidade soma-se ainda o dever específico do Município atuar relativamente à situação que ele próprio criou através da adoção de um ato administrativo ilegal. Sobre ele recai, neste caso, um dever qualificado de execução do efeito repristinatório da sentença anulatória, no respeito pelos limites impostos pelo caso julgado da referida sentença, que culmina com a demolição da construção ilegal.
Por conseguinte, na sequência da declaração de nulidade do ato de licenciamento e da reapreciação do pedido de licenciamento da I........., que culminou com o indeferimento, nomeadamente, por violação de normas do PDM, o Município de Sintra devia ter avançado para a demolição das construções erigidas ao abrigo do licenciamento declarado nulo, por decisão de 22.4.2002, confirmada por acórdão de 9.10.2003.

Com o indeferimento do pedido de licenciamento e, a consequente, demolição das construções entretanto erigidas o Município removerá a situação de perturbação criada a cada um dos exequentes pelo ato que foi declarado nulo.

Dito de outro modo, a decisão recorrida enferma do erro de julgamento de direito na parte em que considerou esgotada a execução com a notificação à proprietária da construção ilegal para efeitos de audiência prévia. Cumprindo ainda ao Município de Sintra, nos termos do art 173º, nº 1 do CPTA, determinar a notificação da I......... para proceder à demolição das construções erigidas sobre a piscina e campo de ténis existentes na Q.......... .

Resulta, assim, do exposto que a execução da decisão anulatória, isto é, a reconstituição da situação que existiria se o licenciamento ilegal não tivesse sido praticado passa por condenar o Município a, no prazo de 10 dias, ordenar a demolição da totalidade da construção, a ser realizada no prazo de 30 dias, com a cominação de que se tal não acontecer a Câmara mandá-la-á demolir em 30 dias.

Do erro de julgamento de direito «ao absolver a I......... do pedido por entender que nenhum pedido foi formulado contra esta».
Nos termos do art 177º, nº 1 do CPTA, o processo executivo também deve ser requerido contra os interessados particulares a quem o provimento da execução possa prejudicar.
No caso, a reapreciação do pedido de licenciamento da I........., por força da sentença anulatória, com a substituição do ato ilegal por um ato legal que reconstitua a situação que existiria se aquele ato não tivesse sido praticado, é suscetível de prejudicar os interesses da titular do licenciamento, nomeadamente, porque o pedido foi indeferido e, a plena execução do julgado, implica a demolição das construções erigidas sem licença.
Portanto, a I......... assumiu a qualidade de contrainteressada no recurso contencioso de anulação e, também aqui, na execução deve assumir a mesma qualidade, pois trata-se da beneficiária do ato administrativo nulo.
Neste sentido, não foi nem tinha de ser a destinatária de qualquer pedido de execução, estando o seu interesse e legitimidade passiva assegurada na instância executiva pela circunstância do provimento da execução determinar a reapreciação do seu pedido de licenciamento e, em caso de indeferimento, como sucedeu no curso desta instância, levar à demolição da construção executada pela I......... na sua propriedade, Q......... (sobre a existência de litisconsórcio necessário passivo entre a entidade demandada e os contrainteressados, cfr Ac do STA, de 3.11.2004, processo nº 46233-A).
Pelo que a decisão recorrida, ao absolver a I......... do pedido, incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no art 177º, nº 1 do CPTA.

Do erro de julgamento de direito da decisão recorrida «ao decidir que a falta de dedução de réplica à contestação apresentada no processo executivo pela Administração exprime concordância com a contestação».
A decisão recorrida também errou nesta parte, porque, nos termos do art 177º, nº 4 do CPTA, a falta de réplica não significa concordância com a contestação.
A manifestação de concordância do exequente com a contestação terá de ser expressa para que o processo não prossiga para a fase de instrução.
Pois, se o exequente não manifestar a sua concordância com a eventual contestação o processo prossegue, com abertura de instrução e depois vai a vistos, seguindo-se a decisão.


Do erro de julgamento da decisão recorrida «na parte em que decidiu julgar improcedente o pedido de indemnização genericamente formulado no requerimento inicial, por considerar que os recorrentes não teriam tido o cuidado de enunciar qualquer dano causado pelo ato recorrido e, por maioria de razão, também não o demonstram».
Os recorrentes pediram a reparação de todos os danos por si suportados, com a prática do ato ilegal, datado de 27.7.1994, alicerçados nos factos alegados nos arts 2, 5, 6, 13, 19, 20, 21, 47 da petição de execução, ou seja, como expressamente referem na 8ª conclusão das alegações de recurso, nos danos que a construção ilegal – de cobertura sobre a piscina e campo de ténis existentes na propriedade Q.........– lhes causou, ao provocar ensombramento nos prédios e habitações dos recorrentes, devassa da sua intimidade pessoal e privacidade e violação do seu direito ao ambiente e qualidade de vida.
Para tanto assumem ter formulado pedido genérico, nos termos dos arts 471º, nº 1, al b) do CPC de 1961 (cfr art 556º, nº 1, al b) do CPC de 2013) e 569º do Código Civil.
Afirmam ainda que, na eventual situação de se entender existir insuficiência ou imprecisão da causa de pedir, sempre se imporia convite do tribunal a quo aos recorrentes, ao abrigo do princípio da cooperação e pro actione, consagrados nos arts 6º e 7º do CPTA, a «aperfeiçoar os articulados, mormente mediante o suprimento das insuficiências ou imprecisões da explanação da matéria de facto e a remover certos obstáculos que comprometam o êxito da ação ou da defesa».
Vejamos.
Nos pedidos genéricos, mesmo que não tenha sido pedida ab initio uma quantia exata para ressarcimento dos danos, os factos consubstanciadores desses danos tem de ser alegados e provados.
Como ensina o Prof. Alberto dos Reis, em Comentário ao CPC, 3º vol., pág. 170, o pedido genérico é o que é indeterminado no seu quantitativo, ou seja, é a formulação de um pedido sem determinar rigorosamente sobre que incide a pretensão.
Anselmo de Castro concebe o pedido genérico como o que a lei faculta que seja formulado sempre que o conteúdo da relação jurídica é ainda insuscetível de determinação no momento da instauração da ação (vide Lic. Proc. Civil, 1974-I-274).
No caso, os factos alegados nos arts 2, 5, 6, 13, 19, 20, 21, 47, als c), d), e), f), h), i) da petição de execução constituem a densificação da existência de danos na esfera jurídica de cada um dos recorrentes, no sentido de a construção levada a cabo sobre a piscina e o campo de ténis existentes na Q........., propriedade da I........., causar ensombramento dos terrenos, habitações e logradouros dos recorrentes, bem como devassa da sua intimidade pessoal e privacidade e violação do seu direito ao ambiente e qualidade de vida.
Ou seja, os recorrentes alegaram na petição de execução factos consubstanciadores de danos na respetiva esfera jurídica, que a decisão recorrida desatendeu, sem que os recorrentes tivessem impugnado a matéria de facto no recurso.
O que significa que a matéria de facto fixada na decisão recorrida padece de insuficiência, sendo necessária a respetiva ampliação, nos termos previstos no art 662º, nº 2, al c) do CPC.
Admite-se, no entanto, dever ser dirigido convite aos recorrentes para que os mesmos concretizem a extensão dos prejuízos e, neste momento, sendo-lhes possível, ao abrigo do princípio da economia processual, os quantifiquem (até ser executada a demolição), bem como indiquem os respetivos meios probatórios (cfr art 177º, nº 4, art 358º do CPC, art 5º, nº 4 da Lei nº 41/2013, de 26.6).
Assim sendo, anula-se oficiosamente a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização formulado na petição inicial, nos termos do art 662º, nº 2, al c) do CPC, e, tendo ainda em conta o princípio da plenitude da execução, ordena-se a baixa dos autos para ser proferido despacho de convite aos exequentes para que os mesmos concretizem a extensão dos prejuízos e, neste momento, sendo-lhes possível, ao abrigo do princípio da economia processual, os quantifiquem (até ser executada a demolição), bem como indiquem os respetivos meios probatórios. De seguida, fixados os temas de prova, sejam os autos submetidos a audiência final e a decisão final.


Do erro de julgamento de direito da decisão recorrida «ao julgar não verificados os pressupostos de que depende a aplicação da sanção pecuniária compulsória».
O tribunal recorrido decidiu pelo indeferimento do pedido de condenação da CM de Sintra no pagamento de sanção compulsória por cada dia de atraso no cumprimento, por não preenchidos os pressupostos do art 829º do CC, na sequência do decidido quanto aos dois primeiros pedidos, de reapreciação do pedido de licenciamento e de reparação de todos os danos suportados pelos exequentes com a prática do ato declarado nulo.
Cumpre saber, se revogada a decisão recorrida, na parte em que considerou esgotada a execução com a notificação à proprietária da construção ilegal para efeitos de audiência prévia, se verificam os pressupostos de que depende a aplicação da sanção pecuniária compulsória do art 169º do CPTA aqui aplicável por força do disposto no art 179º, nº 3 do CPTA.
A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença. – cfr art 169º ex vi art 179º, nº 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Este preceito deve ser compaginado com o disposto no art 3º, nº 2 do CPTA, nos termos do qual:
Por forma a assegurar a efetividade da tutela, os tribunais administrativos podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponham à Administração e aplicar, quando tal se justifique, sanções pecuniárias compulsórias.
A sanção pecuniária compulsória, e como sanção que é, não pode ser aplicada de forma automática para assegurar a execução do julgado anulatório. Apenas pode – e deve ser aplicada – quando tal se justifique, o mesmo é dizer quando exista um incumprimento culposo da obrigação de executar, ou uma certeza razoável de que tal irá acontecer, pois só nessa situação se justifica a aplicação de uma sanção.
Ora no caso concreto não existe qualquer factualidade que nos permita concluir que a entidade executada, fixado em definitivo que a obra da I......... deve ser demolida (dado a execução do julgado se resumir, neste momento, a esta operação, pois o pedido de licenciamento já foi reapreciado no curso desta instância) e qual o prazo em que a demolição deve ocorrer, não o irá fazer.
Termos em que também nesta parte não procede o recurso.



Decisão
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a) revogar a decisão recorrida, na parte em que absolveu a I......... do pedido e na parte em que considerou esgotada a execução e

a. b) condenar o Município de Sintra a, no prazo de 10 dias, ordenar a demolição da totalidade da construção, a ser realizada no prazo de 30 dias, com a cominação de que se tal não acontecer a Câmara mandá-la-á demolir em 30 dias, mantendo a I......... a qualidade de contrainteressada nos autos.

b) Anular a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da Câmara Municipal de Sintra na reparação dos danos causados pela deliberação nula aos exequentes e

b. a) determinar a baixa dos autos em ordem a ser ampliada a matéria de facto, aos factos alegados nos arts 2, 5, 6, 13, 19, 20, 21, 47, als c), d), e), f), h), i) da petição de execução, com prévio convite aos exequentes para que os mesmos concretizem a extensão dos prejuízos e sendo-lhes possível, ao abrigo do princípio da economia processual, os quantifiquem (até ser executada a demolição) e indiquem os respetivos meios probatórios, seguindo os ulteriores termos até decisão final deste pedido.
c) Manter-se a decisão recorrida na parte em que julgou não verificados os pressupostos de que depende a aplicação da sanção pecuniária compulsória.
Custas a cargo dos recorridos.
Registe e notifique, sendo aos recorrentes também o requerimento e docs com carimbo de entrada de 26.1.2017.
*
Lisboa, 2019-05-09,

(Alda Nunes),

(José Gomes Correia),

(António Vasconcelos).