Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10713/13
Secção:CA-2ºJUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:COMPENSAÇÃO – CADUCIDADE – CONTRATO A TERMO CERTO – DOCENTE UNIVERSITÁRIA
Sumário:I – A circunstância de o pessoal docente universitário se encontrar sujeito às particulares especificidades decorrentes do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), não impede nem afasta a aplicação do regime geral aplicável aos trabalhadores em funções pública, na parte em que não seja com ele incompatível.

II - Na falta de norma contida no ECDU, enquanto lei especial, a resposta à questão de saber se caducado o contrato de trabalho em funções públicas a termo certo, celebrado ao abrigo do ECDU para a categoria de assistente convidada, por a universidade o ter denunciado para o fim do respetivo prazo, há-de ser encontrada nos normativos contidos na lei geral, no caso no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pelo DL. nº 59/2008, de 11 de Setembro.

III – Cessando o contrato de trabalho em funções públicas a termo certo por denúncia operada pela Universidade para o fim do respetivo prazo assiste à docente o direito à compensação por caducidade do contrato, nos termos previstos no nº 3 do artigo 252º do RCTFP.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Universidade de Évora (devidamente identificada nos autos), ré na ação administrativa comum instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (Proc. nº 293/12.0BEBJA) por Clara ………………… (igualmente devidamente identificada nos autos), no qual esta peticionou a condenação daquela no pagamento da quantia de 5.073,60 € referente à compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo que vigorou nos anos letivos de 2009/2010 e de 2010/2011, inconformada com a sentença de 03/12/2012 (de fls. 89 ss.), pela qual foi julgada procedente a ação, vem dela interpor o presente recurso.

Nas suas alegações a Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:
«1ª - A sentença recorrida aplicou ao caso em apreço o art. 252º, nºs 3 e 4, do RCTFP (aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro ).

2ª - A sentença recorrida deu por provado que entre A. e R. foi celebrado contrato de trabalho para o exercício de funções docentes.

3ª - Tal contrato cessou os seus efeitos, por denúncia da R./recorrente, em 31.08.2011.

4ª - O contrato de trabalho em causa está sujeito a lei especial ( o Estatuto da Carreira Docente Universitária - ECDU ), conforme aliás expressamente consta do mesmo: nºs. 1 e 2 do art. , nºs 1e 2 do art. 16º e nºs. 1,2 e 3 do art. 34º da Lei nº 19/80, de 16 de Julho .

5ª - Consequentemente, as normas da denúncia contratual a aplicar ao caso em apreço são as fixadas no art. 36º do ECDU.

6ª - O contrato em causa foi renovado «pelo período de um ano, ao abrigo da al. e) do nº 2 do art. 8º do regime transitório constante do Dec-Lei nº 205/2009, de 31 de Agosto e nos termos da Lei nº 19/80, de 16 de Julho».

7ª - A A./recorrida viu renovado o seu contrato de trabalho docente ao abrigo das normas do ECDU: os arts. 34º e 36º, na redacção da Lei nº 19/80.

8ª - Não pode sustentar-se, como o faz a douta sentença recorrida, que no caso vertente se aplica o ECDU para a celebração e renovação do contrato e não para a respectiva denúncia .

9ª - É irrecusável que no caso em apreço existe norma especial, só se aplicando supletivamente o RCTFP.

10ª - Por comando expresso da al. c) do nº 2 do art. 8º do Regime Transitório fixado no Dec-Lei nº 205/2009 aplica-se ao contrato em causa o art. 36º do ECDU, na redacção anteriormente vigente.

11ª - Assim, o contrato celebrado em 24.08.2009 e renovado em 30.08.2010 até 30.08.2011 podia ser extinto por denúncia da R./recorrente, atento o disposto na al. a) do nº 1 do art. 36º do ECDU, na redacção anterior à introduzida pelo Dec-Lei nº 205/2009.

12ª - Não conferindo a Lei à A./recorrida o direito a qualquer indemnização .

13ª - O contrato em causa foi denunciado em 5 de Maio de 2011, isto é, dentro do prazo fixado no referido art. 36º do ECDU.

14ª - A ora recorrente fundamentou a sua actuação na existência de lei especial que afasta a aplicação, neste particular, do RCTFP.

15ª Porém, a douta sentença recorrida não se pronunciou sequer sobre o regime fixado no art. 8º do Dec-Lei nº 205/2009 (regime transitório), nem sobre a natureza supletiva do RCTFP.

16ª - A sentença recorrida não se pronunciou sobre questão que deveria ter conhecido e que é fundamental para a decisão da matéria sub judice, a saber, a existência de um regime legal próprio para os contratos dos docentes universitários .

17ª - Tal circunstância acarreta a nulidade da sentença recorrida - al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.

18ª - A sentença recorrida violou ainda o disposto no nº 3 do art. 7º do Código Civil, o art. 8º do Dec-Lei nº 205/2008 e o art . 36º do ECDU, na redacção da Lei nº 19/80.

19ª - Deve, pois, ser declarada nula ou revogada, julgando -se a acção improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!.»


Notificada a Recorrida contra-alegou (fls. 131 ss.) pugnando pela improcedência do recurso.

Proferido despacho pela Mmª Juiz do Tribunal a quo (fls. 150) pelo qual foi indeferida a arguição da nulidade da sentença e mantida a mesma, subiram os autos a este Tribunal em 09/12/2013.


Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o Ministério Público emitiu o Parecer de 09/01/2014 (de fls. 157 ss.) no sentido da improcedência do recurso, sendo que dele notificadas as partes, nenhuma respondeu (cfr. fls. 160-161).

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO (das questões a decidir)
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, são colocadas a este Tribunal as seguintes questões:
1. - saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronuncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC antigo (em vigor à data da prolação da sentença recorrida), por não se ter pronunciado sobre o regime (transitório) previsto no artigo 8º do DL. nº 205/2009, enquanto regime legal próprio para os contratos dos docentes universitários, nem sobre a natureza supletiva do RCTFP, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro - (conclusões 1ª a 14ª, 15ª a 17ª e 19ª das alegações de recurso);
2. - saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito), com violação do nº 3 do artigo 7º do Código Civil, do artigo 8º do DL. nº 205/2008 e do artigo 36º do ECDU, na redação da Lei nº 19/80, ao considerar que à recorrida assistia direito a compensação por caducidade do contrato para o exercício de funções docentes por aplicação do artigo 252º, nºs 3 e 4, do RCTFP, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro - (conclusões 1ª a 14ª, 18ª e 19º das alegações de recurso).

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
A) Em 2009-08-24, a R., na qualidade de 1º outorgante ou Entidade Empregadora Pública e a A., na qualidade de 2º outorgante ou trabalhador, acordaram, e assinaram, os termos do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, para o exercício de funções docentes, a termo resolutivo certo: cfr. Doc. nº 1 junto com a Petição Inicial – PI;

B) No acima identificado contrato ficou contratualizado que a ora A. auferiria o vencimento mensal ilíquido de €2.291,56: cfr. Doc. n.º 4 junto com a PI;

C) Em 2010-08-30, a R. e a A. acordaram, e assinaram, a renovação do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, para o exercício de funções docentes, a termo resolutivo certo: cfr. Doc. nº 2 junto com a PI;

D) Em 2011-08-31, cessaram os efeitos do supra referido contrato: cfr. Doc. nº 2 e doc. n.º 3 juntos com a PI;

E) A A. requereu à R. o pagamento da compensação que considera devida pela caducidade do identificado contrato: cfr. por acordo;

F) Em Dezembro de 2011 e em Junho de 2012, a Ré comunicou à A. que aguardava parecer externo solicitado sobre o referido pedido de pagamento da compensação por caducidade de contrato: cfr. Doc. nº 5 e n.º 6 juntos com a PI;

G) Em 2012-08-08, a A. intentou a presente acção neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: cfr. fls. 1.


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Ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013, (correspondente ao artigo 712º do CPC antigo), adita-se ainda a seguinte factualidade (decorrente dos documentos integrados nos autos), relevante para a decisão:
H) Nos termos da sua Cláusula Primeira, pelo contrato celebrado em 2009-08-24 (referido em A) supra) a Autora comprometeu-se, a prestar serviço docente no Departamento de História da Ré, Universidade de Évora, com a categoria de Assistente Convidada a 100% sem dedicação exclusiva (cfr. Doc. nº 1 junto com a Petição Inicial).

I) Nos termos da sua Cláusula Segunda, o contrato celebrado em 2009-08-24 (referido em A) supra) destinou-se a vigorar de 01/09/2009 a 31/08/2010 (cfr. Doc. nº 1 junto com a Petição Inicial).

J) A renovação do contrato, acordada em 2010-08-30 (referida em C) supra) foi efetuada pelo período de um (1) ano, com efeitos a partir de 2010-09-01 (cfr. Doc. nº 2 junto com a Petição Inicial).

K) O contrato (celebrado em 2009-08-24 e objeto de renovação em 2010-08-30) foi denunciado pela Ré, Universidade de Évora por comunicação de 04/05/2011 (junta sob Doc. nº 3 com a Petição Inicial), com efeitos à data do termo da sua renovação (2011-08-31).



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B – De direito

Da sentença recorrida
Pela sentença recorrida, de 03/12/2012 (de fls. 89 ss.), foi julgada procedente a ação administrativa comum na qual a recorrida Clara …………………. peticionou a condenação da recorrente Universidade de Évora a pagar-lhe a quantia de 5.073,60 € referente à compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo que vigorou nos anos letivos de 2009/2010 e de 2010/2011.
Decisão de procedência que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Uma vez desenhado o quadro fáctico ao qual se aplicará o direito importa agora saber se a caducidade do contrato celebrado entre as partes origina, ou não, o dever de compensação à A. por parte da R..

Para responder a tal questão, importa, por um lado, chamar à colação o disposto no art. 252º n.º 3 do RCTPP, que dispõe: “… a caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela idade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vinculo, consoante o contrato tenha durado por um período que respectivamente, não exceda ou seja superior a seis meses…”.

E, por outro lado, o disposto no art. 344º do Código do Trabalho – CT que, prescreve que quando a caducidade do contrato a termo não decorrer da sua vontade, o trabalhador tem sempre direito à respectiva compensação.

Ora, tal como resulta do confronto entre o teor da Circular n.º B11075804B, de 2011-06-08 e o direito e a recomendação contida na Recomendação n.º 8/A/2011, de 2011-09-13, disponível em www.provedor-jus.pt, nem as exigências de interesse público, nem a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública colidem com o regime legal da compensação pela caducidade do contrato consagrado no CT e que era, à data da entrada em vigor do RCTFP, aplicável à Administração Pública, nos termos da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho.

O que foi determinado, por razões de interesse público e de conformação com o direito constitucional de acesso à função pública, foi a impossibilidade de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, daí resultando a necessidade de adaptar a essa circunstância as regras de renovação e de caducidade do contrato, previstas no CT.

Atento o supra aduzido, como resulta dos autos e o probatório elege, a razão está com a A., na medida em que a requerida compensação pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo é devida por força das disposições legais acima identificadas, nomeadamente com o citado art. 252º do RCTFP: cfr. alínea A) a G) supra.

Na verdade, nem o invocado art. 8º n.º 1 ou n.º 2 al. c) do D.L. n.º 205/2009, de 31 de Agosto – Diploma que alterou o acima referido ECDU, em nada altera o entendimento supra exposto, porquanto, a interpretação da Ré, que alicerçada na disposição supra sugere que não há lugar à indemnização, não pode ser acolhida, sob pena de conduzir a uma total desprotecção do trabalhador, na medida em que ignora o fim subjacente à consagração daquela norma (art. 252º do RCTFP) e subverte a intenção do legislador ao deixar sem tutela situações que este quis, claramente, acautelar.

O direito à compensação, a que se refere o nº 3 do art. 252º e nº 4 do art. 253º do RCTFP, tem por finalidade, tal como a correspondente norma do CT, acorrer à perda do posto de trabalho e, ainda, em conjugação com outros aspectos do regime de contrato a termo certo, garantir a harmonização da situação precária de trabalho emergente com o princípio da estabilidade e segurança do emprego, ínsito no art. 53º da Constituição da República Portuguesa - CRP.

Assim, como anteriormente expendido, nomeadamente, nas Sentenças proferidas nos Processos n.º 426/11.8BEBJa; 406/11.0BEBJA; 405/11.1BEBJA; 386/11.1BEBJA; 25/12.3BEBJA, 24/12.3BEBJA e 12/12.1BEBJA, que neste Tribunal correram termos - : “… Nas palavras de GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, in CRP Anotada, 3ª Edição, 1993, p 289, “… o trabalho a termo é por natureza precário, o que é o contrário de segurança (...). O direito à segurança no emprego pressupõe assim que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente indeterminada…”.(…) Não havendo continuidade da relação jurídica de emprego público mostra-se quebrada a situação de segurança no emprego e, como tal, é devida a compensação legalmente prevista…”.

Deste modo, não só é efectivamente devida a compensação pela caducidade do contrato de trabalho da A., como tendo o referido contrato durado mais de seis meses, a compensação devida deve corresponder a dois dias por cada mês de trabalho completo, aplicando-se ainda a fórmula de 1/30 para se alcançar a retribuição diária, acrescida de juros à taxa legal e até ao seu efectivo e integral pagamento: cfr. alínea A) a G) supra; art. 252º n.º 3 e n.º 4 do RCTFP.»



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1. Da questão de saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC antigo (em vigor à data da prolação da sentença recorrida), por não se ter pronunciado sobre o regime (transitório) previsto no artigo 8º do DL. nº 205/2009, enquanto regime legal próprio para os contratos dos docentes universitários, nem sobre a natureza supletiva do RCTFP, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro - (conclusões 1ª a 14ª, 15ª a 17ª e 19ª das alegações de recurso).
As situações de nulidade da sentença encontram-se legalmente tipificadas no artigo 668º nº 1 do CPC antigo, em vigor à data em que a sentença recorrida foi prolatada (correspondente ao atual artigo 615º nº 1 do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos, as de carácter formal (alínea a)) e as respeitantes ao conteúdo da decisão (alíneas b) a e)), neste último grupo se integrando a omissão de pronuncia, dispondo a alínea d) que é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do nº 2 do artigo 660º do CPC antigo (a que corresponde o atual artigo 608º do CPC novo), de acordo com o qual o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”.
Tal nulidade serve assim de cominação ao desrespeito de tal dever e só ocorre quando o juiz não conheça de questões essenciais para dirimir a lide que as partes tenham submetido à sua apreciação, traduzidas no binómio pedido/causa de pedir e cujo conhecimento não esteja prejudicado pela decisão dada a outras (vide a este respeito, entre outros, os Acórdãos deste TCA de 11/02/2010, Proc. 05531/09 e de 09/07/2009, Proc. 03804/08, in, www.dgsi.pt/jtcas e o Acórdão do STA de 11/02/2009, Proc. 0217/08, in, www.dgsi.pt/jsta).
Trata-se, como diz Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221, do “corolário do princípio da disponibilidade objetiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte)” que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.”
Porém, como acrescenta este autor “o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa”.
Como é bom de ver, e desde logo foi explicitado pela Mmª Juiz do Tribunal a quo na sentença recorrida, a questão a decidir nos autos era a de saber se a caducidade do contrato de trabalho para o exercício de funções docentes celebrado entre a recorrida e a recorrente, respetivamente autora e ré na ação, originava ou não o direito à compensação, peticionada pela autora. E como decorre do teor da sentença recorrida essa questão foi apreciada e decidida, por aplicação do artigo 252º do RCTFP, tendo-se ali também considerado que “nem o invocado art. 8º n.º 1 ou n.º 2 al. c) do D.L. n.º 205/2009, de 31 de Agosto” alteravam o entendido, explanando ainda que “a interpretação da Ré, que alicerçada na disposição supra sugere que não há lugar à indemnização, não pode ser acolhida, sob pena de conduzir a uma total desproteção do trabalhador, na medida em que ignora o fim subjacente à consagração daquela norma (art. 252º do RCTFP) e subverte a intenção do legislador ao deixar sem tutela situações que este quis, claramente, acautelar.”
Tem pois de concluir-se que não incorreu a sentença recorrida em qualquer omissão de pronúncia sobre questão que devesse conhecer, não ocorrendo, por conseguinte, a invocada nulidade da sentença.
Não merece, pois, provimento o recurso nesta parte.

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2. Da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito), com violação do nº 3 do artigo 7º do Código Civil, do artigo 8º do DL. nº 205/2008 e do artigo 36º do ECDU, na redação da Lei nº 19/80, ao considerar que à recorrida assistia direito a compensação por caducidade do contrato para o exercício de funções docentes por aplicação do artigo 252º, nºs 3 e 4, do RCTFP, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro - (conclusões 1ª a 14ª, 18ª e 19º das alegações de recurso).
Pugna a recorrente pela revogação da sentença recorrida, defendendo que ao contrário do decidido, à recorrida não assiste direito a compensação pela caducidade do contrato nos termos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, por o concreto contrato de trabalho em funções públicas em causa (o celebrado entre a recorrente e a recorrida em 24/08/2009) estar sujeito a lei especial, o Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), que não lhe confere direito a qualquer indemnização pela caducidade do contrato.
Ora diga-se desde já que não assiste razão à recorrente, devendo ser mantida a sentença recorrida, pelo que se verá.
Antes do mais importa precisar que o contrato em causa constitui um Contrato de Trabalho em Funções Públicas (designação que desde logo foi adotada pelas partes - cfr. Doc. nº 1 junto com a Petição Inicial) que foi celebrado em 24/08/2009 entre a recorrente, Universidade de Évora, e a recorrida, para prestação de serviço docente no Departamento de História da Ré, Universidade de Évora, com a categoria de Assistente Convidada a 100% sem dedicação exclusiva. Contrato que foi celebrado a termo certo resolutivo, destinando-se a vigorar pelo período de 1 ano (de 01/09/2009 a 31/08/2010), mas que veio a caducar em 31/08/2011, cessando então os seus efeitos, por denúncia operada pela recorrente Universidade de Évora através de comunicação de 04/05/2011 (junta sob Doc. nº 3 com a Petição Inicial).
Tendo presente este contexto factual, atentemos, agora no quadro normativo então vigente, a que se reporta a situação dos autos, no qual se há-de buscar-se a solução jurídica do caso.
A disciplina aplicável aos contratos de trabalho em funções públicas constava da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que aprovou o Regime de Contrato em Funções Públicas (RCTFP), a qual se mostra entretanto atualmente revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Na sua redação original o artigo 252º do RCTFP dispunha, sob a epígrafe “caducidade do contrato a termo certo”, que “a caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respetivamente, não exceda ou seja superior a seis meses” (nº 3), sendo que para tais efeitos “a duração do contrato que corresponda a fração de mês é calculada proporcionalmente.” (nº 4).
Sendo que a redação dos nºs 3 e 4 daquele artigo 252º do RCTFP foi alterada pela Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro (cuja data de entrada em vigor ocorreu em 01/01/2013 – cfr. artigo 17º), passando a dispor que “a caducidade do contrato a termo certo confere ao trabalhador o direito a uma compensação, exceto quando aquela decorra da vontade do trabalhador.” (nº 3), correspondendo a mesma “a 20 dias de remuneração base por cada ano completo de antiguidade, sendo determinada do seguinte modo: a) O valor da remuneração base mensal do trabalhador a considerar para efeitos de cálculo da compensação não pode ser superior a 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida; b) O montante global da compensação não pode ser superior a 12 vezes a remuneração base mensal do trabalhador; c) O valor diário de remuneração base é o resultante da divisão por 30 da remuneração base mensal; d) Em caso de fração de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente.” (nº 4).
Resultando dos autos que a caducidade do contrato de trabalho a termo certo ocorreu por iniciativa da recorrente Universidade de Évora, feita operar através da comunicação de 04/05/2011 à recorrida, ter-se-á de concluir estar-se perante situação que confere direito à compensação prevista no nº 3 do artigo 252º do RCTFP, na sua redação original, em vigor à data.
As partes não manifestaram, aliás, qualquer divergência quanto à interpretação deste normativo. O que é objeto de dissidio é a sua aplicação à situação dos autos, pugnando a recorrente que por estar em causa um regime especial – o do Estatuto da Carreira Docente Universitária – não é de aplicar tal normativo ao contrato em causa.
Não há dúvida que a relação jurídica emergente do contrato celebrado entre recorrente e recorrida se encontra abrangida pelo Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), o qual foi aprovado pelo DL. n.º 448/79, de 13 de Novembro, e posteriormente alterado pela Lei n.º 19/80, de 16 de Julho, e pelos DL. nº 316/83, de 2 de Julho, nº 35/85, de 1 de Fevereiro, nº 48/85, de 27 de Fevereiro, nº 243/85, de 11 de Julho, nº 244/85, de 11 de Julho, nº 381/85, de 27 de Setembro, nº 245/86, de 21 de Agosto, nº 370/86, de 4 de Novembro, nº 392/86, de 22 de Novembro, pela Lei n.º 6/87, de 27 de Janeiro, e pelos DL. nºs 145/87, de 24 de Março, nº 147/88, de 27 de Abril, nº 359/88, de 13 de Outubro, nº 412/88, de 9 de Novembro, nº 456/88, de 13 de Dezembro, nº 393/89, de 9 de Novembro, nº 408/89, de 18 de Novembro, nº 388/90, de 10 de Dezembro, nº 76/96, de 18 de Junho, nº 13/97, de 17 de Janeiro, nº 212/97, de 16 de Agosto, nº 252/97, de 26 de Setembro, nº 277/98, de 11 de Setembro, nº 373/99, de 18 de Setembro, e n.º 205/2009, de 31 de Agosto. Sendo que esta última alteração entrou em vigor no dia 01/09/2009 (dia seguinte ao da sua publicação, cfr. artigo 22º do DL. nº 205/2009).
Mas a circunstância de ali se encontrar previsto um regime especial aplicável aos docentes do ensino superior universitário não impede nem afasta a aplicação do regime geral aplicável aos trabalhadores em funções pública, na parte em que não seja com ele incompatível. Bem pelo contrário, exige-se tal aplicação. E o RCTFP aprovado pelo DL. nº 59/2008, de 11 de Setembro tinha precisamente essa vocação e alcance, como decorre das disposições conjugadas dos artigos 1º nºs 1 e 2, 2º nº 1, 3º e 87º da Lei nº 12-A/2008 e artigos 1º e 3º da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, devendo aplicar-se a todos os trabalhadores que exerçam funções públicas ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas a que aludiam os artigos 9º nº 1 e 3 e 20º da Lei nº 12-A/2008. Como era o caso.
Assim, dentro dos princípios base de aplicação das leis, a lei especial que é o ECDU aplicar-se-á no seu campo particular, convivendo com a lei geral que é o RCTFP.
O que de todo o modo decorre também do explicitado no artigo 81º nº 1 da Lei nº 12-A/2008, nos termos do qual “as fontes normativas do regime jurídico-funcional aplicável aos trabalhadores que, enquanto sujeitos de uma relação jurídica de emprego público diferente da comissão de serviço, se encontrem em condições diferentes das referidas no artigo 10.º são, por esta ordem:
a) A presente lei e a legislação que o regulamenta, na parte aplicável;
b) As leis gerais cujo âmbito de aplicação subjetivo abranja todos os trabalhadores, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções, na parte aplicável;
c) As leis especiais aplicáveis às correspondentes carreiras especiais, nas matérias que, face ao disposto na lei, possam regular;
d) O RCTFP;
e) Subsidiariamente, as leis gerais cujo âmbito de aplicação subjetivo se circunscreva aos então designados funcionários e agentes;
f) Subsidiariamente, as disposições do contrato.”
Tem, pois, que concluir-se que no que não está especialmente regulado no ECDU se aplica o RCTFP.
Assim, na falta de norma contida no ECDU, enquanto lei especial, a resposta à questão de saber se caducado o contrato de trabalho a termo certo celebrado ao abrigo do ECDU para a categoria de assistente convidado por a universidade o ter denunciado para o fim do respetivo prazo há-de ser encontrada nos normativos contidos na lei geral, no caso no RCTFP.
Pelo que é de aplicar o normativo do nº 3 do artigo 252º do RCTFP ao contrato de trabalho em funções pública em causa nos autos tal como o fez a Mmª Juiz do Tribunal a quo. Não se vendo em que medida o assim decidido possa violar o disposto no artigo 7º nº 3 do Código Civil, já que o que ali se dispõe é que “a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador”, e o ECDU, quer na redação à que lhe foi dada pelo DL. n.º 205/2009, de 31 de Agosto, quer nas redações anteriores nada dispõe ou dispunha a respeito da compensação pela caducidade do contrato a termo.
Por outro lado, e como bem foi entendido na sentença recorrida, também o invocado no artigo 8º do DL. n.º 205/2009, de 31 de Agosto em nada altera o assim entendimento. Na verdade, o que o artigo 8º do DL. nº 205/2009, de 31 de Agosto, previu foi a transição “sem outras formalidades”, por conseguinte, ope legis, dos então professores visitantes e convidados, assistentes convidados e monitores (que prestavam serviço ao abrigo de contrato administrativo de provimento) para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato de trabalho a termo resolutivo, ficando sujeitos às regras previstas para estas categorias no ECDU na sua nova redação dada por aquele DL. n.º 205/2009, de 31 de Agosto (cfr. nº 1 do artigo 8º do DL. nº 205/2009), ainda que salvaguardando-se um regime transitório, mormente no que tange à duração do contrato, à contabilização do tempo já decorrido e limites das renovações (cfr. alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 8º do DL. nº 205/2009).
Pelo que, também não acolhe a invocação feita pela recorrente de que a sentença recorrida ao decidir como decidiu violou o disposto no artigo 36º do ECDU na redação anterior ao DL. 205/2009, de 31 de Agosto, já que para tais contratos (os contratos administrativos de provimento para aquela categoria de docentes) que estivessem em vigor à data deixou de ser aplicado o artigo 36º do EDCU na redação anterior ao DL. nº 205/2009 (norma que dispunha que tais contratos apenas podiam ser rescindidos por “a) denúncia, por qualquer das partes, até trinta dias antes do termo do respetivo prazo; b) aviso prévio de sessenta dias por parte do contratado; c) mútuo acordo, a todo o tempo; d) por decisão final proferida na sequência de processo disciplinar”), normativo que aliás foi revogado pelo DL. nº 205/2009, de 31 de Agosto, para passar a ser aplicado regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato de trabalho a termo resolutivo (cfr. artigo 8º nº 1 do DL. nº 205/2009). E se assim foi para os antigos contratos administrativos de provimento que já vigoravam em 01/09/2009, data em que entrou em vigor o DL. nº 205/2009, de 31 de Agosto, dúvidas não existem para os novos contratos de trabalho em funções públicas destinados a vigorar a partir de 01/09/2009, como foi o caso dos autos, tem de aplicar-se o ECDU na sua nova redação, conjugada com o regime do contrato de trabalho em funções públicas (RCTFP) aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro.
Como se sabe, e em homenagem ao princípio da estabilidade e segurança do emprego constitucionalmente previsto no artigo 53º da CRP, a contratação a termo deve ter um caráter residual. O que foi consagrado, entre outros preceitos legais, no artigo 93º do RCTFP.
Sendo neste contexto, que se justifica o direito à compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo previsto no artigo 252º nº 3 do RCTFP, cuja função é então a de conceder uma recompensa material ao trabalhador colocado numa situação de precariedade laboral, proporcional à efetiva duração do contrato, como reconhecimento e compensação pela referida situação precária de trabalho em que exerceu funções, garantindo-se dessa forma a harmonização da referida falta de perdurabilidade contratual com o princípio da estabilidade e segurança do emprego, plasmado no artigo 53º da CRP.
E a circunstância de o pessoal docente universitário se encontrar sujeito às particulares especificidades decorrentes do ECDU, não implica que não devam ser aplicadas as regras gerais contidas no RCTFP no que não haja dissonância, como já se viu.
Posto isto, constatando-se que na situação dos autos o contrato foi celebrado entre a recorrente Universidade de Évora e a recorrida para a categoria de Assistente Convidada, destinando-se a vigorar a partir de 01/09/2009 pelo período de 1 ano, e que tendo sido objeto de renovação por mais 1 ano (ou seja até 31/08/2011) veio a caducar naquela data (31/08/2011), cessando então os seus efeitos, por denúncia operada pela recorrente Universidade de Évora, tem de reconhecer-se que à recorrida assistia o direito à compensação por caducidade do contrato nos termos previstos no nº 3 do artigo 252º do RCTFP, como se decidiu na sentença recorrida.
Não merecendo, pois, também neste ponto, provimento o presente recurso, devendo confirmar-se a sentença recorrida. O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar total provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)


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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos



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Pedro José Marchão Marques