Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:556/20.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PER
EXECUÇÃO
TAXAS DE PORTAGEM
COIMAS
CRÉDITOS VENCIDOS
NATUREZA DÍVIDAS
Sumário:I-O Procedimento Especial de Revitalização permite aos devedores em situação económica difícil ou insolvência eminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.
II-No âmbito dos processos de execução fiscal existe norma especial (180.º do CPPT), nada obstando que após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação (despacho judicial de nomeação do administrador provisório no âmbito do PER) sejam instauradas execuções fiscais contra essa sociedade.
III-Para a cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, ou do prosseguimento do PER, deverá prosseguir a execução, seguindo-se os termos normais até à extinção da execução (180.º, nº6 do CPPT).
IV-Tal preceito deve, contudo, ser interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo.
V- A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário (cfr. art. 36.º, n.º 1, da LGT), contudo as obrigações tributárias só se vencem no termo do prazo legal para pagamento voluntário, à semelhança do que sucede com as obrigações jurídicas.
VI- Vencendo-se os créditos exequendos em momento ulterior à prolação liminar do despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório, nada obsta à instauração e prossecução de execução fiscal para cobrança dos mesmos.
VII- Sendo as taxas de portagem (e os seus juros e custas) e as coimas aplicadas por falta de pagamento das taxas de portagem (e as custas associadas) qualificadas como créditos tributários, inexistem motivos para aplicar a estes créditos o plano aprovado para os créditos comuns no plano de recuperação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

L....., UNIPESSOAL, LDA, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, através da qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças da Batalha, proferido no âmbito do processo de execução fiscal nº ..... , contra si instaurados para cobrança coerciva de dívidas referentes a taxas de portagens, respetivas coimas e encargos legais, no valor global de €438.760,14, que determinou que decorrido o prazo de pagamento ou oposição sem que a dívida exequenda tenha sido paga ou garantida, os processos devem prosseguir seus termos com penhora de bens ou direitos de valor suficiente para cobrança da dívida, determinando a manutenção do ato reclamado, por legal.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

 “A. A sentença de que se recorre padece de erro na valoração, interpretação e apreciação dos factos bem como de erro de julgamento da matéria de facto, em violação de basilares princípios processuais, da lei processual e substantiva, e erro de julgamento da matéria de direito, violando os art.ºs 17º-F n.º 6 e n.º 10, e 17º-C n.º 4 do CIRE, art.º 3º da LGT, art.º 4º n.º 3 e 10º n.º 1 da Lei 25/2006, artº 13º da Constituição da República Portuguesa ( CRP ) e art.ºs 47º n.º 4 e 194º do CIRE;

B. Normas que, corretamente interpretadas e aplicadas aos factos provados, contrariamente ao decidido pelo M. Juiz a quo, teriam como consequência a procedência da reclamação e a subsequente condenação da recorrida Fazenda Pública nos pedidos formulados pela recorrente, nomeadamente com a anulação do despacho reclamado.

C. Não pode a recorrente concordar com a apreciação da matéria de facto efetuada pelo Juiz a quo desde logo, porque a Fazenda Nacional ao avançar com os processos de execução fiscal dos autos agiu em violação da sentença proferida em 11/11/2019 transitada em julgado em 3/12/2019, que homologou o plano de recuperação e que foi notificada em 12/11/2019 à Fazenda Nacional, como se verá;

D. No entendimento da recorrente, os créditos cobrados nos PEF aqui em discussão, e que não foram reconhecidos em sede de listagem provisória de credores, estavam vencidos há largo período, nomeadamente desde 2018, na esfera jurídica das entidades concessionárias, no que toca pelo menos às taxas de portagens.

E. Consta do facto A) dos factos dados como provados na decisão a quo o seguinte: “A) No período de 17/09/2020 e 21/10/2020, o Serviço de Finanças de Batalha instaurou contra a sociedade L....., Lda., os processos de execução fiscal n.º ....., todos por dívidas de taxas de portagem, respetivas coimas e custas, no montante total de € 438.889,72, cuja data limite de pagamento terminou no período entre 16/07/2019 e 15/10/2019. – (cfr. certidões de dívida de fls. 241 a 1521 e informação de fls. 1 a 11 dos autos);.

F. Analisando aquelas certidões de dívida juntas de fls. 241 a 1521 e informação de fls. 1 a 11 dos autos, nas páginas que apresentam os quadros das “quantias exequendas” é perfeitamente percetível qual o período de tributação - a vários meses dos anos de 2018, 2019 e 2020 - e qual o ano da dívida, existindo inclusive uma coluna com a denominação “ano da dívida”, em que constam os mesmos anos de 2018,2019 e 2020.

G. Pelo menos no que toca às taxas de portagens relativas aos anos de 2018 e 2019, tais dívidas venceram-se na esfera jurídica das concessionárias nesses anos, nesses meses, assim que cada veículo passava na respetiva portagem, o valor era apurado e não era pago, pelo que vencia automaticamente na esfera jurídica do respetivo titular, que poderia de imediato avançar com a respetiva cobrança, o que não fez, optando por comunicar as mesmas à AT.

H. Pelo que, tanto em 05.06.2019, data da nomeação do Sr. APJ e início do prazo para reclamar créditos, como em 02.07.2019, data da publicação da lista provisória de credores para efeitos de impugnação, o crédito das concessionárias já se tinha constituído, já existia, àquelas datas.

I. Também quanto às contraordenações, há quem defenda que o crédito decorrente da prática de uma contraordenação nasce e constitui-se no momento da prática da mesma, motivo pelo qual o prazo prescricional das contraordenações de execução instantânea, como são as presentes, começa a correr desde o momento da prática do facto ilícito.

J. Assim, ainda que a recorrente tivesse relacionado um valor inferior ou que não tivesse relacionado qualquer valor como crédito das concessionárias e o mesmo não viesse a ser reconhecido pelo Sr. AJP ainda assim tal crédito, porque já constituído à data do despacho de nomeação do AJP, deveria seguir o regime de pagamentos previsto no PER para o mesmo tipo de créditos.

K. Com efeito, nos termos do disposto no art.º 17º-F n.º 10 do CIRE, a decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos CONSTITUIDOS à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.

L. O artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE prescreve que a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, pelo que o plano homologado vincula todos os credores, mesmo os que não tenham participado na votação ou não tenham reclamado o seu crédito. Se o plano contemplar pagamentos por categorias de créditos ou credores aplicar-se-á o previsto para a categoria respetiva.

M. Com efeito, deve ser averiguada a existência e natureza do crédito não reclamado, para que lhe seja aplicada a medida prevista no plano de recuperação para créditos da mesma classe.

N. O plano aplica-se assim a todos os credores que podiam ter reclamado o seu crédito no âmbito do PER e não apenas aos credores que reclamaram ou que viram o seu crédito reconhecido.

O. Tal posição está há muito enraizada na Jurisprudência que entende que o PER não se destina a dirimir a existência dos créditos, sendo a decisão de reconhecimento de créditos meramente acidental e destinada exclusivamente ao apuramento das maiorias necessárias à aprovação do mesmo e à definição de um regime de pagamentos para categoria de créditos, motivo pelo qual, não obstante um crédito se encontrar reclamado e reconhecido no PER, nada obsta a que se discuta noutra sede a própria existência desse mesmo crédito.

P. Entende, pois, a recorrente que face ao que se deixou dito bastará apenas verificar que os créditos referentes às referidas taxas de portagens já existiam à data da nomeação do AJP para que seja aplicado o regime de pagamentos previsto para a mesma categoria de créditos, e pelas certidões de divida de fls. 241 a 1521 do processo físico verifica-se, sem margem para dúvidas, que os créditos de portagens dos anos de 2018 e de 2019 ( pelo menos até 5/6/2019 ) já existiam, ainda que na esfera das concessionárias de autoestradas, que, por motivos só com elas relacionados, não os reclamaram e não tinham ainda solicitado a sua cobrança pela AT.

Q. Não colhe a argumentação da Mª Juiz a quo quando diz que estes créditos não estavam ainda vencidos à data da elaboração da lista provisória de credores, pois que estavam vencidos há largo período na esfera jurídica das concessionárias,

R. E se existiam e estavam constituídos, mesmo não tendo sido reclamados, deveriam ser tratados e qualificados como créditos comuns, tal como o foram os reclamados.

S. Veja-se a este propósito os créditos constantes da lista provisória apresentada pelo Sr. AJP e referida no facto E) dos factos provados, por remissão para fls. 67 a 125 dos autos, nomeadamente os créditos graduados em 61.º lugar e 171º lugar, resultantes, portanto, de prova documental constante dos autos, em que a credora é a concessionária “P....., SA”, identificados com a natureza de créditos comuns,

T. Não fazendo o Mº Juiz a quo qualquer menção a estes créditos nem aplicando o mesmo raciocínio quanto a créditos em tudo idênticos, com a mesma natureza, vencidos há largo período, no momento da prática da infração ( “in casu” 2018 e 2019, cfr. certidões de dívida de fls 241 a 1521 do processo físico ), simplesmente por não terem sido reclamados e consequentemente não terem sido reconhecidos, olvidando que a existência e natureza do crédito não reclamado também deve ser averiguada, para que lhe seja aplicada a medida prevista no plano de recuperação para créditos da mesma classe.

U. Em suma: o plano aplica-se a todos os credores que podiam ter reclamado o seu crédito no âmbito do PER e não apenas aos credores que reclamaram ou que viram o seu crédito reconhecido. As concessionárias dos créditos aqui em discussão podiam ter reclamado o seu crédito no âmbito do PER, pois que o mesmo estava consolidado e vencido, e o facto de não o terem reclamado e o mesmo não ter sido reconhecido não significa automaticamente que as medidas aprovadas no plano para créditos da mesma classe se lhe não sejam aplicáveis.

V. Discorda-se da apreciação da matéria de facto feita pela Mª Juiz a quo quanto ao facto A) dos factos provados, pois que resulta que os créditos em discussão se encontravam vencidos há largo período, desde o momento da prática da infração ( os vários meses dos anos de 2018 e 2019 ) - cfr certidões de dívida de fls. 241 a 1521 do processo físico -, pelo que o facto A) dado como provado deveria tê-lo sido com a seguinte redação: ““A) No período de 17/09/2019 e 21/10/2019, o Serviço de Finanças de Batalha instaurou contra a sociedade L....., Lda., os processos de execução fiscal n.º ....., todos por dívidas de taxas de portagem, respetivas coimas e custas, no montante total de € 438.889,72, cuja data limite de pagamento no âmbito do processo de execução fiscal terminou no período entre 16/07/2019 e 15/10/2019, referentes a taxas de portagem já vencidas aos anos de 2018 e 2019. – (cfr. certidões de dívida de fls. 241 a 1521 e informação de fls. 1 a 11 dos autos) – acrescento nosso a negrito e sublinhado.

W. Ao dar este facto como provado, teria de se extrair a conclusão necessária de que todas as dividas de portagens existentes até 5/6/2019 ( à data da nomeação do AJP ) se encontravam na esfera das concessionárias das autoestradas e, como tal, assumiam a natureza de crédito comum, como aliás assumiram dívidas de natureza idêntica, o que decorre diretamente da lista provisória de créditos referida no facto E) dos factos provados, de fls. 67 a 125 dos autos, nomeadamente quanto aos créditos graduados em 61º lugar e 171º lugar da credora “P....., SA”, que foram identificados com a natureza de créditos comuns, e ao abrigo do disposto no art.º 17º-F n.º 10 do CIRE estavam sujeitas ao regime de pagamento acordado no PER para os créditos comuns.

X. Impõe-se, assim, alterar a matéria de facto dada como provada na sentença a quo, mormente dando a redação supra referida ao facto A) dos factos provados, por forma a permitir retirar as conclusões acima reproduzidas.

Y. A sentença homologatória do PER foi violada pela Fazenda Pública ao avançar com os PEFs tal como avançou, pois que, sabendo a AT que, quando recebe das concessionárias as dívidas de portagens para cobrança, essas dívidas são anteriores a 5/6/2019 ( data da nomeação do AJP ), deveria de imediato ter devolvido tais processos às concessionárias pois que àquela data eram elas as credoras e ficaram sujeitas nessa data, aquelas dívidas, ao regime aí previsto no PER para as mesmas.

Z. No plano de recuperação aprovado encontra-se previsto um regime especial de pagamentos relativo aos créditos da Autoridade Tributaria, da Segurança Social, e dos trabalhadores, sendo que os restantes créditos integram assim o regime previsto para os créditos comuns ( cfr. doc. n.º 6 junto à reclamação da recorrente ).

AA. Pretendendo cumprir escrupulosamente o que se encontrava previsto no plano de recuperação quanto aos créditos fiscais e que foram reclamados naquele processo (pagamento em 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a € 1020.00), a ora reclamante/recorrente iniciou os pagamentos em dezembro de 2019, tendo constatado que a AT tinha iniciado processo executivos relativos a valores de portagens, coimas e custas às mesmas associadas sem atender ao que se encontrava previsto no PER para esses créditos,

BB. Nessa sequência, em 08/04/2020 a ora reclamante/recorrente apresentou o requerimento junto à sua reclamação como doc. n.º 8 em que solicitava à Autoridade Tributária, na pessoa do Sr. Chefe de Serviço de Finanças da Batalha que com a máxima urgência, aplicasse aos processos de execução supra identificados o previsto no plano especial de revitalização para os créditos comuns, e no qual se encontrava previsto um prazo de carência de 12 meses para o pagamento desta dividas, não podendo os referidos processos originar qualquer penhora ou outro acto, visto que a ora requerente ( recorrente ) não se encontra em qualquer incumprimento, ou que, caso não tivesse competência para aplicar a esses processos o regime previsto para os créditos comuns, deveria então extingui-los e devolver a competência de cobrança diretamente aos titulares dos referidos créditos,

CC. Ou seja, a ora recorrente solicitou à AT que devolvesse esses processos às concessionárias pois que os créditos que queria cobrar ( pelos menos parte deles ) já existiam à data de 5/6/2019 e como tal na esfera das concessionárias que se tinham de sujeitar ao disposto no art. º 17º-F n.º 10 do CIRE, como se sujeitaram outras concessionárias como a “P...., SA”. ( cfr. lista do facto E) dos factos provados, de fls. 67 a 125 dos autos, nomeadamente quanto aos créditos graduados em 61º lugar e 171º lugar)

DD. E não aceitar esta solução é igualmente violador do princípio da igualdade, previsto no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no art.º 194º do CIRE especificamente para estas matérias, pois que se está a tratar, no âmbito do PER, duas situações iguais de forma diferente: uma concessionária vê o seu crédito qualificado como comum porque o reclamou, e outra concessionária com o mesmo tipo crédito também já vencido, porque não o reclamou mas poderia ter reclamado e o remeteu para a AT para cobrança, vê o seu crédito qualificado como tributário.

EE. Ao abrigo do disposto no art. º 17º-F n.º 10 do CIRE o que é determinante não é a reclamação do crédito, mas a sua existência à data do despacho da nomeação do AJP.

FF. E foi sobre este requerimento que solicitava a devolução da competência de cobrança diretamente aos titulares dos referidos créditos, já existentes à data de 5/6/2019, que foi proferido o despacho da Exma. Chefe do Serviço de Finanças da Batalha, do qual se reclamou e que foi confirmado por sentença pela Mª Juiz a quo, e que determina que decorrido o prazo de pagamento ou oposição sem que a divida exequenda tenha sido paga ou tenha sido prestada garantia os processo deverão prosseguir os seus termos com a penhora de bens ou direitos de valor suficiente para a cobrança da divida.

GG. O inicio dos processos de execução supra referidos relativos a valores de portagens, coimas e custas às mesmas associadas existentes e vencidos à data de 5/6/2019 é ilegal, por contrariar a sentença proferida em 11/11/2019 transitada em julgado em 3/12/2019 e que homologou o plano de recuperação e que foi notificada em 12/11/2019 à Fazenda Nacional, e o art. º 17º-F n.º 10 do CIRE por considerar como créditos tributários os valores devidos pela reclamante/recorrente a título de portagens, coimas e custas às mesmas associadas existentes à data de 5/6/2019, data em que tais créditos já existiam e se encontravam na esfera jurídica das concessionarias.

HH. O inicio e andamento dos processos de execução de créditos não tributários, mas cobrados pela AT, relativos a portagens, coimas e custas às mesmas associadas, causa prejuízo irreparável para a reclamante, na medida em que impõe o pagamento imediato de créditos que se fossem devidamente categorizados como comuns, no âmbito do PER, seriam alvo de perdão e outros seriam alvo de um período de carência de 12 meses, pois que os juros vencidos, coimas e custas associadas às portagens foram alvo de perdão no âmbito do plano aprovado e os valores efetivamente devidos pela passagem nas portagens são objeto de um período de carência de 12 meses como supra se indicou:

II. Grande parte dos PEF´s em causa nestes autos dizem respeito a créditos já constituídos à data da aprovação do plano, pelo que nos termos do disposto no art.º 17º-F n.º 10 do CIRE, a decisão de homologação do plano proferida no âmbito do processo nº 1150/19.5T8ACB vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações.

JJ. Ao decidir como decidiu, contrariando o supra exposto, violou o Tribunal a quo os art.ºs 17º-F n.º 6 e n.º 10 e 17º-C n.º 4 do CIRE, e os art.ºs 13º da CRP, 47º n.º 4 e 194º do CIRE.

KK. Além do que se deixou dito e sem prejuízo do que já se alegou, além do que ficou decidido no referido processo judicial a esse respeito, é do entendimento da recorrente que os valores executados no âmbito dos PEF´s supra indicados não tem natureza tributária.

LL. As taxas de portagem e as respetivas coimas não se subsumem ao conceito de imposto e embora se integrem na definição de taxa não é devida a qualquer entidade pública, posto que as concessionárias das autoestradas são sociedades anónimas de direito privado.

MM. O preço devido pela utilizado das autoestradas não é devido ao Estado, nem a qualquer entidade pública. Embora as referidas entidades concessionárias, algumas delas possam ser de interesse público, são na verdade entidades privadas, e disso não existe qualquer dúvida, pelo que não podem integrar o conceito de tributo definido no art.º 3º da LGT

NN. O direito de exigir o pagamento da taxa de portagem pertence as concessionarias atuando a AT enquanto cobradora das quantias devidas e das sanções pelo seu não pagamento, não podendo, portanto, concluir-se pela existência de uma relação jurídico-tributária entre as partes.

OO. De acordo com o estipulado no art.º 4º nº 3 e 10º nº1 da Lei 25/2006, o titular do crédito das taxas de portagens e das respetivas coimas são as concessionarias, atuando a AT apenas e só na fase de cobrança coerciva, na qualidade de cobradora e não de titular do crédito.

PP. “Os custos administrativos a cobrar aos utentes pelas cobranças secundárias e coerciva das taxas de portagem, conforme previsto na cláusula 66.9 e 83 da resolução do conselho de ministros nº 39-G/2010 são receitas próprias das concessionarias/subconcessionárias”.

QQ. Teve necessidade o legislador de estipular de forma expressa a competência da AT em matéria de cobrança por reconhecer que tais taxas de portagem não eram créditos tributários.

RR. O que se encontra estipulado no art.º 17º da lei nº 25/2006 quanto a distribuição do produto das coimas não impõe a sua qualificação como crédito fiscal.

SS. Por não se poderem considerar as taxas de portagem tributos fiscais, o M.P. não reclama nos processos especiais de revitalização tais créditos, porque não lhe assiste legitimidade para tal.

TT. Em 27/1/2020 o grupo parlamentar socialista apresentou a Proposta de Lei nº 5/XIV/11, de aditamento ao Orçamento de Estado para 2020. Proposta que veio a ser aprovada pelos restantes grupos parlamentares e onde pode ler-se o seguinte: “actualmente a Autoridade Tributária e aduaneira é responsável pela cobrança coerciva de dividas não tributárias de diferentes entidades públicas e privadas. Acresce que os processo que antecedem a instauração do processo de execução fiscal são por vezes pouco eficientes e promovem situações de especial complexidade e injustiça para os contribuintes. Esta situação é particularmente relevante no caso de cobrança coerciva de dividas relativas a taxas de portagem. Neste sentido é necessário reavaliar o sistema de cobrança coerciva de dividas não tributarias”

UU. O Parlamento, o mesmo órgão do qual emanou a Lei 25/2006 de 30/6, sem margem para duvidas, definiu na proposta que aprovou, as dívidas relativas a taxas de portagem como dividas não tributárias.

VV. Não restam dúvidas que todos os créditos relacionados com portagens e coimas associadas, que se encontram a ser cobrados via Autoridade Tributária no âmbito dos PEF´S supra indicados, não são créditos tributários, devendo ser considerados créditos comuns e estão sujeitos ao seguinte regime de pagamento aprovado no plano especial de revitalização da Reclamante para os créditos comuns.

WW. A AT devia ter aplicado a estes processos o previsto no plano especial de revitalização para os créditos comuns, não podendo prosseguir para penhora de bens como pretende.

XX. Ao decidir como decidiu, considerando que os créditos que se encontram em cobrança coerciva são créditos tributários, violou a sentença a quo o disposto no artº. 3º da LGT, o art.º 4º n.º 3 e 10º n.º 1 da Lei 25/2006 e, mais uma vez, o art.º 17º-F nº 6 e n.º 10 do CIRE.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, determinando-se a anulação do despacho do OEF que foi alvo de reclamação.”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.

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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados por documento os seguintes factos:


A)

No período de 17/09/2020 e 21/10/2020, o Serviço de Finanças de Batalha instaurou contra a sociedade L....., Lda., os processos de execução fiscal n.º ....., todos por dívidas de taxas de portagem, respetivas coimas e custas, no montante total de € 438.889,72, cuja data limite de pagamento terminou no período entre 16/07/2019 e 15/10/2019. – (cfr. certidões de dívida de fls. 241 a 1521 e informação de fls. 1 a 11 dos autos).

B)

Em data não apurada, a sociedade L....., Lda., apresentou no Tribunal Judicial de Leiria, Plano Especial de Revitalização que correu termos no processo sob o n.º 1150/19.ST8ACB do Juízo de Comércio de Leiria. – (facto alegado nos artigos 1.º e 21.º da petição inicial e confirmado pelo teor de doc. de fls. 57 dos autos).

C)

Em 05/06/2019, no processo identificado na alínea antecedente, foi proferido despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório da sociedade L....., Lda. – (cfr. doc. de fls. 57 dos autos).

D)

Em 12/06/2019, o Serviço de Finanças da Batalha endereçou o oficio n.º .....a Administrador Judicial Provisório da sociedade L....., Lda, reclamando os seus créditos. – (cfr. doc. de fls. 58 a 66 dos autos).

E)

Em 02/07/2019 foi apresentada pelo Administrador Judicial Provisória a relação provisória dos créditos, incluindo os reclamados e não reconhecidos ou reconhecidos de forma diferente da reclamada, contando da mesma, além do mais, o reconhecimento do crédito à Fazenda Pública no valor de € 510.455,66. – (cfr. fls. 67 a 125 dos autos).

F)

Em 11/11/2019, no processo identificado em B), foi proferida decisão de homologação do plano de revitalização da devedora, transitada em julgado em 3/12/2019, cujo teor é o que consta de fls. 126 a 192 dos autos.

G)

A Autoridade Tributária e Aduaneira inclui no plano prestacional n.º ....., os processos por dívidas de falta de pagamento de portagens e coimas associadas às portagens, a serem pagos em 150 prestações. – (facto alegado no art.º 9.º da petição inicial, confirmado no art.º 21.º da contestação e pelo teor do doc. de fls. 193 dos autos).

H)

Em 03/06/2020, o Serviço de Finanças da Batalha, nos processos de execução fiscal identificados em A), elaborou a seguinte informação:
 
   

  (cfr. fls. 16 a 18 dos autos).


I)

Com a mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças da Batalha proferiu despacho onde consta, designadamente, o seguinte:


(cfr. fs. 18 dos autos).


J)

Em 15/06/2020 deu entrada no Serviço de Finanças da Batalha a petição inicial da presente Reclamação. – (cfr. informação de fls. 1 a 11 dos autos).

***

A decisão recorrida evidenciou como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos cuja não prova releve para a decisão da causa.”


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No concernente à motivação da matéria de facto resulta expresso da sentença recorrida o seguinte:

“A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.”


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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças da Batalha, proferido no âmbito do processo de execução fiscal nº ....., contra si instaurado para cobrança coerciva de dívidas referentes a taxas de portagens, respetivas coimas e encargos legais, no valor de €438.760,14, que determinou que decorrido o prazo de pagamento ou oposição sem que a dívida exequenda tenha sido paga ou garantida, os processos devem prosseguir seus termos com penhora de bens ou direitos de valor suficiente para cobrança da dívida, determinando a manutenção do ato reclamado, por legal.

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:
Ø A sentença padece de erro de julgamento de facto por a factualidade vertida no probatório não traduzir a realidade fática em contenda nos presentes autos, carecendo da competente alteração;
Ø A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito atenta a errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito concatenados com a legalidade do ato reclamado, competindo, nessa medida, aquilatar:
o  Se o prosseguimento da execução viola a sentença de homologação do PER, com a inerente aferição da data do vencimento das dívidas exequendas e;
o  Da natureza jurídica das dívidas cobradas coercivamente no âmbito do processo de execução fiscal visado nos autos.

Apreciando.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente começa por convocar o erro de julgamento da matéria de facto, mormente, no facto elencado na alínea A), porquanto os créditos cobrados nos PEF em contenda, se encontravam vencidos há largo período, ou seja, desde o momento da prática da infração -entenda-se os vários meses dos anos de 2018 e 2019-, na esfera jurídica das entidades concessionárias.

Razão pela qual, requer a alteração da aludida alínea convocando o teor das certidões de dívida juntas aos autos e bem assim o teor da informação oficial.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida[1].

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.”

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente impugna a matéria de facto cumprindo os requisitos contemplados na lei e supra citados, uma vez que requer a alteração da alínea A) do probatório com base em prova documental que identifica, concretamente certidões de dívida juntas a fls. 241 a 1521, corroborado pelo teor da informação oficial junta a fls. 1 a 11 dos autos.

Vejamos, então.

A Recorrente requer que seja alterada a aludida alínea A) do probatório, passando a mesma a contemplar o seguinte teor:

“A) No período de 17/09/2019 e 21/10/2019, o Serviço de Finanças de Batalha instaurou contra a sociedade L....., Lda., os processos de execução fiscal n.º ....., todos por dívidas de taxas de portagem, respetivas coimas e custas, no montante total de € 438.889,72, cuja data limite de pagamento no âmbito do processo de execução fiscal terminou no período entre 16/07/2019 e 15/10/2019, referentes a taxas de portagem já vencidas aos anos de 2018 e 2019. – (cfr. certidões de dívida de fls. 241 a 1521 e informação de fls. 1 a 11 dos autos).

Ora, atentando na requerida alteração verifica-se que a mesma se coaduna, por um lado, com a retificação da data da instauração dos processos executivos elencados nessa alínea e, por outro lado, com a concatenação da data limite de pagamento com o respetivo processo executivo, aditando, outrossim, a menção “referentes a taxas de portagem já vencidas aos anos de 2018 e 2019”.

Face ao supra aludido, se é certo que, seguramente por lapso, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, evidenciou a data de instauração dos processos executivos por reporte ao ano de 2020, o que carece, necessariamente, da competente retificação, a verdade é que, no demais, não pode proceder a aludida alteração.

Senão vejamos.

Atentando no teor das certidões de dívida juntas aos autos e bem assim na informação oficial a que faz alusão a Recorrente verifica-se que a menção atinente à data limite de pagamento e que consta na redação conferida ao facto constante na alínea A) não carece de qualquer complementação.

E isto porque, efetivamente, do teor de tais documentos o que se retira, com clareza, e no sentido apontado pelo Tribunal a quo é que as datas limite de pagamento -entenda-se de pagamento voluntário-  expiraram no período compreendido entre 16/07/2019 e 15/10/2019.

Aliás, aduza-se, em abono da verdade, que a Recorrente não sindica essas datas limites de pagamento o que pretende é que fique a constar que essa mesma data se concatena com o processo executivo.

Porém, tal aditamento, por complementação, não pode lograr provimento, porquanto representa, desde logo, uma interpretação desconforme com o âmbito do processo de execução fiscal, o qual, como é consabido, só é instaurado após o decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (cfr. artigos 84.º a 86.º e 188.º do CPPT).

Igual indeferimento merecerá a requerida complementação atinente à menção “taxas de portagens já vencidas aos anos de 2018 e 2019”, não só porque tal aditamento reveste caráter conclusivo concatenado com o thema decidendum, como não reproduz -conforme demonstraremos aquando da análise do erro de julgamento de direito- a realidade fática dos autos, sendo que não são realidades confundíveis a data do facto tributário e a data do vencimento das dívidas, sendo certo que a segunda terá, necessariamente, de ser posterior à primeira.

Assim, face ao exposto defere-se a retificação atinente à data da instauração dos processos de execução fiscal em contenda, indeferindo-se, pelas razões supra expostas as demais alterações à visada alínea A) do probatório, inserindo este Tribunal ad quem no âmbito dos seus poderes de cognição a menção “pagamento voluntário”, em conformidade com o contemplado, expressamente, nas certidões de dívida em apreço.

Face ao exposto, a aludida alínea passa a contemplar a seguinte redação:

“A) No período de 17/09/2019 e 21/10/2019, o Serviço de Finanças de Batalha instaurou contra a sociedade L....., Lda., os processos de execução fiscal n.º ....., todos por dívidas de taxas de portagem, respetivas coimas e custas, no montante total de € 438.889,72, cuja data limite de pagamento voluntário terminou no período entre 16/07/2019 e 15/10/2019 (cfr. certidões de dívida de fls. 241 a 1521 e informação de fls. 1 a 11 dos autos).

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se assiste razão à Recorrente quando argui que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, face à errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, ao ter entendido que o ato reclamado não contraria a sentença proferida em 11 de novembro de 2019 transitada em julgado, em 3 de dezembro de 2019 e que homologou o PER, porquanto assentiu como créditos tributários os valores devidos pela Reclamante, ora Recorrente, a título de portagens, coimas e custas às mesmas associadas existentes à data de 5 de junho de 2019, data em que tais créditos já existiam e se encontravam na esfera jurídica das concessionárias.

Sustenta, neste particular, que os créditos referentes às referidas taxas de portagens já existiam à data da nomeação do AJP para que seja aplicado o regime de pagamentos previsto para a mesma categoria de créditos. Com efeito, aduz que as concessionárias dos créditos aqui em discussão podiam ter reclamado o seu crédito no âmbito do PER, pois que o mesmo estava consolidado e vencido, e o facto de não o terem reclamado e o mesmo não ter sido reconhecido não significa automaticamente que as medidas aprovadas no plano para créditos da mesma classe se lhe não sejam aplicáveis.

Mais sustenta que, ao não aceitar-se esta solução incorre-se em violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP e no artigo 194.º do CIRE, e isto porque se está a tratar, no âmbito do PER, duas situações iguais de forma diferente: uma concessionária vê o seu crédito qualificado como comum porque o reclamou, e outra concessionária com o mesmo tipo crédito também já vencido, porque não o reclamou mas poderia ter reclamado e o remeteu para a AT para cobrança, vê o seu crédito qualificado como tributário.

Concluindo, neste e para este efeito, que vinculando a decisão de homologação do plano proferida no âmbito do processo nº 1150/19.5T8ACB a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, ao ter decidido em sentido contrário violou o Tribunal a quo os artigos 17º-F n.º 6 e n.º 10 e 17º-C n.º 4 do CIRE, e os artigos 13.º da CRP, 47.º n.º 4 e 194.º do CIRE.

Releva, outrossim, que de todo o modo sempre o Tribunal a quo incorreu em novo erro de julgamento de direito concatenado com a qualificação atinente às dívidas objeto de cobrança coerciva, visto que tais montantes não têm natureza tributária.

Densificando, neste particular, que as taxas de portagem e as respetivas coimas não se subsumem ao conceito de imposto e embora se integrem na definição de taxa não é devida a qualquer entidade pública, posto que as concessionárias das autoestradas são sociedades anónimas de direito privado, donde não podem integrar o conceito de tributo definido no artigo 3.º da LGT.

Por conseguinte, conclui que não restam dúvidas que não sendo os créditos relacionados com portagens e coimas associadas, créditos tributários, devendo antes ser qualificados como créditos comuns, encontram-se, necessariamente, sujeitos ao regime de pagamento aprovado no PER da Reclamante para os créditos comuns, não podendo prosseguir para penhora de bens como pretende a Autoridade Tributária e corroborou a decisão recorrida, violando, dessa forma, o citado 3.º da LGT, 4.º n.º 3 e 10.º n.º 1 da Lei 25/2006 e, mais uma vez, o art.º 17º-F nº 6 e n.º 10 do CIRE.

Ora, atentando no supra exposto, importa, desde já, relevar que nenhuma censura merece a sentença prolatada pelo Tribunal a quo, a qual fez uma adequada e acertada convocação do direito, com a devida transposição à realidade fática dos autos.

Senão vejamos.

O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, de forma clara e bem fundamentada, ajuizou a improcedência com base na seguinte fundamentação jurídica:

“No que respeita à sentença homologatória do plano especial de revitalização, a Reclamante afirma que a Fazenda Nacional apresentou a sua reclamação de créditos no momento próprio, nada tendo dito quando a listagem provisória de credores foi apresentada pelo administrador judicial provisório, motivo pelo qual entende a Reclamante que o seu crédito foi definitivamente fixado, não tendo o administrador reconhecido créditos relativos a portagens.

Ora, esta alegação não corresponde à realidade porquanto dos créditos reclamados pela Fazenda Nacional constam créditos relativos a coimas pela falta de pagamento de taxas de portagens, que o administrador judicial não deixou de reconhecer por esse motivo.

Conforme resulta dos autos sucedeu que, quanto aos créditos cobrados nestes processos de execução fiscal, cujo prosseguimento a Reclamante pretende evitar, não foram os mesmos reconhecidos em sede de listagem provisória de credores porque, à data da sua elaboração, não estavam os mesmos ainda vencidos, motivo pelo qual a Fazenda Nacional, na reclamação de créditos, não os reclamou.

Com efeito, como se extrai do probatório, os créditos que aqui estão a ser coercivamente cobrados tiveram como data de limite para pagamento voluntário o período entre 16/07/2019 e 15/10/2019, tendo posteriormente sido instaurados os processos de execução fiscal. Significa isto que, à data da notificação para a reclamação de créditos (05/06/2019), e à data da emissão da listagem provisória de credores, não podiam ter sido reclamados os créditos de taxas de portagens e coimas aqui em causa, uma vez que os mesmos não se encontravam ainda vencidos.”

Concluindo, assim, que face ao consignado nos artigos 17.º do CIRE e 180.º, nº 6 do CPPT, “[q]uando foi homologado o plano de revitalização da Reclamante, ainda no ano de 2019, não se encontravam ainda vencidos os créditos que aqui estão a ser cobrados coercivamente, motivo pelo qual não poderia a Fazenda Nacional tê-los reclamado no momento próprio” donde inexiste a apontada violação à sentença homologatória.”

No concernente à natureza das dívidas objeto de cobrança coerciva nos processos executivos em contenda evidencia, convocando Jurisprudência atinente para o efeito, que “[t]ais créditos respeitantes a taxas de portagens e coimas associadas possuem natureza tributária” donde “[i]nexistem motivos para aplicar a estes créditos o plano aprovado para os créditos comuns no plano de recuperação da Reclamante – que, como vimos, de todo o modo só se venceram em momento posterior ao da homologação desse mesmo plano.”

Ora, como já evidenciado anteriormente, entendemos que o aludido entendimento não padece de qualquer erro de valoração conceptual devendo, por isso, manter-se na íntegra.

Expliquemos, então, porque assim o entendemos.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para os presentes autos.

O PER foi instituído com a Lei nº 16/2012, de 20 de abril, tendo sido objeto da reforma erigida com o Decreto-Lei nº 79/2017, de 30 de junho[2], retificado pelo Decreto Lei nº 21/2017, de 25 de agosto e com as ulteriores alterações das recentes Leis 114/2017, de 29 de dezembro e 8/2018, de 02 de março.

Conforme preceitua o artigo 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas “O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.”

Note-se que tal era o que já resultava da exposição de motivos da proposta de lei, da qual constava que "O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.

(...) [É] criado o processo especial de revitalização (artigos 17°-A a 17º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n°2 do artigo 1°, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa as respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.

O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. (...) Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários".

Com efeito, o procedimento especial de revitalização permite aos devedores em situação económica difícil ou insolvência eminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.

De convocar, outrossim, o artigo 17.º-C, atinente ao requerimento e suas formalidades, o qual estatui que:

“1 - O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação.

2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.

3 - A empresa apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, acompanhado dos seguintes elementos:

a) A declaração escrita referida nos números anteriores;

b) Cópia dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo;

c) Proposta de plano de recuperação acompanhada, pelo menos, da descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da empresa.

4 - Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações.

5 - O despacho referido no número anterior é de imediato notificado à empresa, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 37.º e 38.º com as devidas adaptações.”

Estatuindo, outrossim, o artigo 17.º-D quanto à tramitação subsequente que:

“1 - Logo que seja notificada do despacho a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, a empresa comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º e a proposta de plano se encontram patentes na secretaria do tribunal, para consulta.

2 - Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.

3 - A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

4 - Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.”

Consignando, neste particular, o artigo 17.º E do CIRE, que:

“1 - A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. 2 - Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos do n.º 4 do artigo 17.º-C, a empresa fica impedida de praticar atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161.º, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.”

De convocar, ainda, o teor do artigo 17.º-F o qual sob epígrafe de “conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa” dispõe que:

“1 - Até ao último dia do prazo de negociações a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de revitalização, acompanhada de todos os elementos previstos no artigo 195.º, aplicável com as devidas adaptações, sendo de imediato publicada no portal Citius a indicação do depósito.

2 - No prazo de cinco dias subsequente à publicação, qualquer credor pode alegar nos autos o que tiver por conveniente quanto ao plano depositado pela empresa, designadamente circunstâncias suscetíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a empresa de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior.

3 - Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.

4 - Concluindo-se a votação com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, em que intervenham todos os seus credores, este é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

(…)

7 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º

8 - Caso o juiz não homologue o acordo aplica-se o disposto nos n.os 2 a 4, 6 e 7 do artigo 17.º-G. (…)

 10 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.  (…)”

Neste particular, e por assumir especial relevância para o caso vertente, importa chamar à colação o disposto no artigo 180.º, do CPPT, o qual sob a epígrafe “Efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal” dispõe que:

“1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.

2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.

3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.

4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.

5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.

6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução.”.

Feito o respetivo enquadramento jurídico, importa, desde já, relevar que é jurisprudência pacífica, convocando-se, por todos, o Aresto do STA, proferido no processo nº 01342/17, datado de 06 de junho de 2018, e demais jurisprudência nele citada a existência de um regime especial para os processos de execução fiscal, nele se doutrinando, no que para os autos releva que “[e]stando o n.º 6 do artigo 180.º do CPPT em vigor e tendo ele por objecto específico os créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação (ou, no âmbito do CIRE, da declaração de insolvência a que se referem os artigos 28.º e 36.º do CIRE, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março), é este preceito legal aplicável, e, ao abrigo do que nele se dispõe, há-de reconhecer-se que a instauração da execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência, como são os créditos exequendos em causa nos presentes autos (cfr. os números 1 a 4 do probatório fixado na sentença recorrida e supra transcrito), encontra expresso apoio legal no disposto no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, que estabelece, em derrogação ao disposto nos números anteriores do mesmo artigo, que: “O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução”.

Pelo que, da interpretação conjugada de tais normativos e apoiada unanimemente pela Jurisprudência, resulta que no âmbito dos processos de execução fiscal existe norma especial, nada obstando, assim, que após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação (no âmbito do PER tal sucede com o despacho judicial de nomeação do administrador provisório) sejam instauradas execuções fiscais contra essa sociedade, devendo adotar-se o seguinte procedimento:

- Para a cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência, ou do prosseguimento do PER, deverão ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de insolvência;

-Para a cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, ou do prosseguimento do PER, deverá prosseguir a execução, seguindo-se os termos normais até à extinção da execução, “[p]receito que há-de ser, contudo, interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo[3].”

Resulta, assim, que é fundamental para efeitos de prosseguimento da execução a assunção da data do vencimento dos créditos.

Como visto, a Recorrente entende que tal vencimento ter-se-á de coadunar com a data da prática do facto tributário e não, como considerou o Juiz do Tribunal a quo, com a data limite de pagamento voluntário das dívidas exequendas, porém sem razão.

Sobre esta questão pronunciou-se o Aresto do STA, proferido no processo nº 0885/11, datado de 29 de fevereiro de 2012, corroborado, designadamente, no Aresto do mesmo Tribunal prolatado em 04 de março de 2015, no âmbito do processo nº 903/14, cuja fundamentação jurídica se acolhe e se transcreve na parte que releva para os presentes autos:

 “[a] dívida tributária se vence no momento em que o credor adquire o direito de exigir o pagamento ao devedor, momento que não pode deixar de se referir ao termo final do prazo para o pagamento voluntário, prazo que, na ausência de lei em contrário, se inicia com a notificação ao contribuinte para pagamento, em conformidade com o disposto no art. 85º, nºs 1 e 2, do CPPT.

Como aí se deixou explicado, «Importa aqui recordar o ensinamento de SALDANHA SANCHES (Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 255), que refere que importa distinguir «entre a existência de uma obrigação na forma de uma mera pretensão fiscal e uma obrigação que atingiu a fase da exigibilidade», sendo que esta só ocorre «depois de se ter verificado o momento de vencimento dessa mesma obrigação»; ou seja, «[e]nquanto a obrigação se não encontra vencida, aquilo que existe para o sujeito activo da obrigação tributária é uma mera pretensão fiscal – na altura, ainda destituída de exigibilidade. O facto legalmente previsto para o nascimento dessa pretensão já se verificou, mas não decorreu ainda o prazo legalmente p/revisto ou o facto exigido por lei para que se dê o vencimento desta obrigação».(…)

Assim, a nosso ver, a resposta é inequívoca: a dívida tributária vence-se no momento em que o credor adquire o direito de exigir o seu pagamento ao devedor e esse momento, no caso sub judice, não é outro senão aquele a que se refere o termo final do prazo para o pagamento voluntário, prazo que, na ausência de lei em contrário, se inicia com a notificação ao contribuinte para pagamento (cf. art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).

Na verdade, sendo certo que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário (cfr. art. 36.º, n.º 1, da LGT), a correspondente obrigação tributária só se torna certa com a liquidação e exigível com o conhecimento da mesma, sendo que a liquidação só produz efeitos relativamente ao contribuinte após lhe ter sido validamente notificada (cfr. art. 77.º, n.º 6, da LGT e art. 36.º, n.º 1, do CPPT).»

Por conseguinte, as obrigações tributárias vencem-se no termo do prazo legal para pagamento voluntário, à semelhança do que sucede com as obrigações jurídicas em geral que só podem ser objecto de acção executiva quando sejam certas e exigíveis.” (destaques e sublinhados nossos).

De sublinhar, outrossim, que tal é o que se retira do expendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 7725/15, de 13 de janeiro de 2020, no sentido de que a menção crédito constituído, consignada no artigo 17.º F, nº 10, ter-se-á de coadunar com “crédito constituído (e vencido)” (destaque e sublinhado nosso).

Ora, transpondo a doutrina exposta para o caso vertente, conclui-se que não obstante os tributos, conforme evidenciam as certidões de dívida respeitem aos períodos de 2018 e 2019, a verdade é que os mesmos só se tornam exigíveis após o seu vencimento.

Noutra formulação, dir-se-á que, não obstante a relação jurídica se tenha estabelecido nos aludidos anos, a qual, como visto, se coaduna com a data da constituição do facto tributário cuja subsunção nas respetivas normas de incidência tributária colocaram o sujeito passivo na obrigação de pagar o tributo, a verdade é que os créditos só se venceram no termo do prazo para pagamento voluntário, com a ulterior extração do título de cobrança (vide neste âmbito, os já citados artigos 84.º a 86.º e 188.º todos do CPPT e bem assim o consignado nos artigos 12.º e 16.º da Lei nº 25/2006, de 30 de junho). Em nada relevando, neste e para este efeito, o aduzindo em H) e I) das suas conclusões.

Não logrando, assim, provimento o alegado pela Recorrente no sentido de que as concessionárias dos créditos aqui em discussão podiam ter reclamado o seu crédito no âmbito do PER, porquanto a premissa base em que assenta, ou seja, de que os créditos já se encontravam vencidos não tem correspondência, como visto, com a realidade fática dos autos.

É certo que lhe assiste razão quando aduz que o PER aplica-se a todos os credores, aliás, “[o] segmento normativo do nº 6 do artº 17º-F do CIRE, na parte em que estipula que «a decisão do juiz (que homologa o PER) vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações”[4] deve ser interpretado no sentido de que abrange todos os credores do devedor, mesmo os que não constem na lista e no plano.” , mas a  verdade é que face a todo o supra exposto a aludida alegação em nada permite sustentar a procedência da sua pretensão.

Destarte, em face de todo o exposto e atentando no recorte probatório dos autos, conclui-se que bem andou a decisão recorrida ao julgar que os créditos exequendos se venceram em momento ulterior à prolação liminar do despacho de nomeação do AJP, porquanto nada obstava à instauração e prossecução de execução fiscal para cobrança dos mesmos.

Note-se que, como doutrina Mafalda de Oliveira Gomes[5], “A eficácia do PER depende de determinados efeitos que este faz gerar”, sublinhando, depois, que “tais efeitos dão-se, não com a abertura do PER, mas sim com o despacho que nomeia o AJP[6]”.

De relevar, neste particular, que tal interpretação em nada configura violação do princípio da igualdade, porquanto os sujeitos passivos colocados na mesma posição que a Recorrente irão obter o mesmo tratamento.

Note-se que “(…) A igualdade constitucional engloba a proibição de arbítrio, proibição de discriminação e privilégio, obrigação de diferenciação (tratamento igual de situações iguais ou semelhantes e tratamento desigual), especificando que a proibição de arbítrio se traduz na exigência de fundamento racional; e é este também o critério preconizado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (v.g. Ac. TC de 02-07-1991; www.dgsi.pt) que vem entendendo que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções: proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, isto é, sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais e proíbe ainda a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas.[7]” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, transpondo os aludidos conceitos para o caso vertente, verifica-se que a alegação contida em DD), não pode lograr provimento.

Improcede, assim, o primeiro erro de julgamento assacado à decisão recorrida.

No concernente à qualificação das dívidas, nenhuma censura merece o decidido pelo Tribunal a quo, a qual seguiu, inclusive, a Jurisprudência do STA a qual se acompanha.

Pelo que, é na posição sufragada em tal Acórdão do STA, prolatado no processo nº 01092/19, datado de 03 de junho de 2020, e demais jurisprudência nele citada, onde se alinham vários argumentos em sentido contrário do defendido pela Recorrente, com os quais concordamos, que assenta a solução para a questão dos presentes autos e que, ora, se transcreve, na parte que se reputa relevante:

 “Pese embora o invocado pelo recorrente, as taxas de portagem (e os seus juros e custas) e as coimas aplicadas por falta de pagamento das taxas de portagem (e as custas associadas) devem ser classificadas como créditos tributários, para efeitos da exoneração do passivo restante previsto nos artigos 235.º a 249.º do C.I.R.E..
(…)

E a tal não impede o regime aprovado pela Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, com várias alterações posteriores, do qual resulta, conforme a recorrente reconhece, ser a A.T. que tem de aplicar as coimas e proceder à sua cobrança.
Também
quanto à qualificação jurídica das taxas de portagem como créditos tributários, foi também decidido que “a questão beneficia da jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da qual as taxas de portagem são classificadas como verdadeiros tributos (concretamente, como taxas), de onde se destaca, exemplificativamente, o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 640/95, datado de 15/11/1995, proferido no âmbito do processo n.º 286/94, o acórdão do S.T.A de 30/04/2019, proc. n.º 01021/12.6BEAVR 0102/18, o acórdão do S.T.J. de 14/10/2004, proc. n.º 04B2885, de que foi já reproduzido o respetivo sumário e a doutrina em que assenta, bem como ainda os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 27/02/2014 no proc. n.º 048/13 e de 25/03/2015, no proc. n.º 053/14, de cujos termos resulta que, mediante contratos de concessão, são transferidos poderes, prerrogativas de autoridade atribuídos ao Estado, não perdendo as respectivas actividades percam a sua natureza pública administrativa, assumindo as taxas de portagem verdadeiros tributos (concretamente, taxas e não preços).

Também quanto aos juros de mora (artigo 44.º da LGT) em cobrança coerciva, não se pode deixar de acompanhar o decidido quanto a integrarem a dívida tributária a que respeitam - acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., de 13-04-2011, proc. n.º 0361/10.

Finalmente, também as custas decorrentes dos processos de execução e dos processos de contra-ordenação instaurados contra o ora recorrente são suscetíveis de integrar o conceito de taxa, tal como o Tribunal Constitucional tem ainda considerado verificar-se esta, como contrapartida de serviço público, pelo que se aceita ainda que integrem o conceito de crédito tributário.
Não se vendo razões para discordar do decidido, aliás, de acordo com a jurisprudência que cita, é de concluir que
tanto as coimas (e as custas associadas), como as dívidas relativas a taxas de portagem (e respetivos juros e custas) que constituem créditos tributários se enquadram no artigo 245.º, n.º 2, do C.I.R.E., cuja aplicação, aliás, foi excepcionada no despacho final de exoneração do passivo restante proferido no processo de insolvência.” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido, se pronuncia o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 425/18, datado de 02 de dezembro de 2019, o qual se convoca e cujo sumário se transcreve:

“I - O pagamento da taxa de portagem pelos utentes da autoestrada representa a cobrança de uma receita coativa, de um financiamento público, e não a satisfação, por parte do utilizador dessa via, de uma obrigação assumida no âmbito de um contrato sinalagmático, constituindo um crédito tributário.

II - As coimas aplicadas por infrações que resultam do não pagamento ou do pagamento viciado de taxas de portagem, encargos com o processo, juros e custas constituem uma receita do Estado.”

Ora, face à doutrina expendida nos aludidos Arestos nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida que concluiu que atestada a natureza tributária das quantias que aqui se encontram em cobrança coerciva, inexistem motivos para aplicar a estes créditos o plano aprovado para os créditos comuns no plano de recuperação da Reclamante – que, como vimos, de todo o modo só se venceram em momento posterior à admissão liminar e nomeação do AJP.

De relevar, in fine, que como já evidenciado e é jurisprudência assente do STA, para a cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, o artigo 180.º, nº6 do CPPT deve ser  interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo, a verdade é que, no caso vertente, e como ajuizado pelo Tribunal a quo não consta dos autos que tenha sido efetuada qualquer penhora à Reclamante, ora Recorrente, nem isso é determinado no despacho reclamado que “indefere o pedido nos termos em que foi requerido”.

Mais importa sublinhar que a inclusão da quantia exequenda aqui em causa no plano prestacional n.º ....., nos termos que constam dos autos, dá cumprimento ao estabelecido no art.º 196.º, n.º 7 do CPPT.

Assim sendo, é de confirmar o decidido na sentença recorrida.


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Resta apreciar, ex officio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns-encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E MANTER A DECISÃO RECORRIDA, mantendo-se o ato reclamado com todas as legais consequências.

Custas pela Recorrente, com a dispensa do remanescente da taxa de justiça na parte em que exceda 275.000,00 Euros.

Registe. Notifique.


Lisboa, 14 de janeiro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[2] Ainda que em 2015 tenham existido algumas alterações com o Decreto-Lei nº 26/2015, de 6 de fevereiro.
[3] In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0326/11, datado de 07.09.2011.
[4] In Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo nº 505/16.1T8FNDC1, de 06.06.2017.
[5] In Dissertação de Mestrado em Direito Empresarial Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa “Os efeitos do despacho de nomeação do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização”, julho de 2017, p.28., disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/24134/1/Tese.pdf.
[6] De relevar que a questão da existência de despacho liminar por parte do Juiz, tem sido objeto de muita discussão na doutrina e na Jurisprudência, sendo que, pese embora existam decisões que afastam qualquer possibilidade de o Juiz averiguar o preenchimento dos requisitos de que depende o acesso ao PER, pode dizer-se que, maioritariamente as decisões reconhecem que o Juiz deve fazer uma apreciação liminar do requerimento inicial, particularmente, em relação aos requisitos formais.
[7] In Acórdão do STJ, proferido no processo nº 3486/12.7, datado de 10.12.2015.