Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:109/17.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/17/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:PRETERIÇÃO DA REGRA DA OBRIGATORIEDADE DE CONSTITUIÇÃO DE ADVOGADO CONSEQUÊNCIAS
Sumário:1) A regra da obrigatoriedade do patrocínio judiciário é estabelecida tendo em vista a protecção dos interesses da parte que litiga, não podendo a mesma operar como restrição do acesso da parte ao processo jurisdicional e à tutela judicial efectiva.
2) No caso, perante a disponibilidade da parte em apresentar a procuração forense exigida, com ratificação do processado, a excepção dilatória da falta de constituição de advogado foi sanada através da intervenção da parte.
3) A sanação da irregularidade em causa não configura violação do princípio da igualdade das partes.
Não existe tratamento diferenciado ou discriminatório das partes por parte do tribunal, uma vez que as faculdades processuais de cada uma foram exercidas ao longo do processo, sem impedimentos ou restrições, sem que a mencionada sanação tenha posto em causa o equilíbrio obtido ao longo do processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira deduz a presente impugnação contra a decisão arbitral proferida no Processo n.º 754/2016-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária, por meio da qual e em síntese, se determinou o seguinte:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º 3522201604004299 e da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2013, com o n.º 3522-C5155-15;
b) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente tais juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, sobre a quantia a restituir que for determinada em execução do presente acórdão, desde 28-09-2016 até ao integral reembolso.
A impugnante termina as alegações de impugnação, formulando as conclusões seguintes (fls. 8 a 10):
«
i) Insurge-se a Impugnante contra a decisão arbitral proferida a 2017.06.14 pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído sobre a égide do CAAD, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, e concomitantemente determinou a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º 3522201604004299 e da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2013, com o n.º 3522-CC5155-15, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, entendendo que a decisão arbitral é nula por pronúncia indevida, nos termos da alínea c) do n.º 1 do Art.º 28.º do RJAT.
ii) Extrai-se dos autos que a Impugnante suscitou em sede de contestação que a Impugnada havia apresentado pedido de pronúncia arbitral, o qual se encontrava assinado por R…., na qualidade de Representante Legal, suscitando que não se encontrava devidamente representada por mandatário, o qual era legalmente exigível, inexistindo nos autos procuração forense que habilitasse o representante legal à representação em juízo, requerendo que o tribunal arbitral desse cumprimento ao disposto no Art.º 41.º do CPC, ou seja, procedesse à notificação para que, em prazo fosse constituído mandatário nos autos, uma vez que é obrigatória a constituição de advogado nas causas de valor superior a €10.000,00, pelo que tendo sido atribuído ao pedido de pronúncia o valor de € 1.501.797,12, tal implicaria sempre a constituição de mandatário judicial.
iii) À revelia do legalmente requerido, tribunal arbitral, além de não ter dado cumprimento ao requerido pela Impugnante, veio a entender em sede de decisão arbitral não proceder ao desentranhamento das alegações formuladas pela Impugnada, na medida em, que as mesmas se reputam essenciais para efeitos de sanação da falta de constituição de mandatário e ratificação do processado, uma vez que as mesmas foram subscritas por advogado e nas quais era manifestada a intenção de juntar procuração, caso fosse necessário.
iv) De uma só penada, o tribunal arbitral ao arrepio da lei, não só não deu cumprimento ao disposto no Art.º 41.º do CPC, mas ainda entendeu relevar para efeitos de sanação da falta de constituição de advogado, a manifestação de vontade elencada pela Impugnada no ponto 16 das alegações, bem como o facto de as mesmas se encontrarem subscritas por advogado, relevando dessa forma a falta de constituição de advogado sem que para o efeito tivesse sido junto aos autos procuração forense.
v) Tal entendimento é manifestamente contrário à lei, incorrendo a decisão arbitral em pronúncia indevida, por falta de verificação dos pressupostos processuais, designadamente a falta de constituição de advogado.
vi) Aquando da propositura do pedido de pronúncia arbitral, este foi subscrito por R…, na qualidade de Representante Legal da Requerente, todavia, da consulta à informação Cadastral, recorta-se que o mesmo nunca foi representante legal da Impugnada, não constando ainda que o mesmo tenha feito parte do conselho de administração ou exercido cargos directivos.
vii) Pese embora a Impugnada tenha alegado no ponto n.º 16 das alegações que, caso fosse necessário ratificar todo o processado, procederia à junção de procuração forense, bem como pelo facto de as alegações se encontrarem subscritas por advogado, tais factos constituíram elementos probatórios bastantes para o tribunal arbitral dar por sanada a falta de constituição de mandatário
viii) Como se recorta da lei mormente do disposto no Art.º 43.º do CPC, a constituição de advogado implica a junção de procuração forense (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.1996 in BMJ, 473.º - 376).
ix) Quanto à falta de constituição de advogado a jurisprudência tem sido profícua ao entender que a ratificação do processado apenas ocorre com a junção de procuração forense e não com manifestações de intenção (cfr. Acórdão do STA de 02.10.1991, Proc. n.º 13461 (AP-DR de 10.08.94, pag. 1009 e o Acórdão do STA de 18.02.2002, Proc. n.º 1530/02).
x) À revelia da lei e da jurisprudência, o tribunal arbitral apenas se satisfaz com a manifestação da intenção de que caso seja necessário a Impugnada juntaria procuração aos autos a ratificar o processado e de que as alegações se encontravam subscritas por advogado, para considerar sanada a falta de constituição de advogado, não considerando ser exigível a junção de procuração forense.
xi) Além de ilegal e violar o mais elementar princípio da igualdade consignado no Art.º 13 da CRP, tal entendimento determina claramente a nulidade da decisão por pronúncia indevida, por falta de verificação dos pressupostos processuais, nos termos da alínea c) do n.º 1 do Art.º 28.º do RJAT.
xii) Incluem-se nas situações de pronúncia indevida aquelas em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, 2013. p. 235).
xiii) De acordo com o Art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento, decorrendo de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão ou de um excesso de pronúncia.
xiv) É sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no Art. 608.º, n.º 2 do CPC, o qual consiste, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso.
xv) In casu, a decisão arbitral ao sanar o vício de falta de constituição de advogado, sem dar cumprimento ao solicitado em sede de contestação pela Impugnante e consignado no Art.º 41.º do CPC, e bastando-se com a intenção da Impugnada em juntar procuração, caso necessário, e as alegações se encontrarem subscritas por advogado, é nula por pronúncia indevida, nos termos da alínea c) do n.º 1 do Art.º 28.º do RJAT, na medida em que a falta de advogado não poderia ser suprida de tal forma ao arrepio da lei, levando o tribunal a conhecer do pedido e da causa de pedir sem que para o efeito se encontrassem verificados e reunidos os pressupostos processuais.
xvi) Tal entendimento colide igualmente com o princípio da igualdade elencado no Art.º 13.º da CRP, na medida em que procede a um tratamento diferenciado, nas situações em que a lei determina a constituição de advogado, quando, no entender do tribunal arbitral, basta uma mera intenção em juntar procuração e a peça processual se encontrar subscrita por advogado para sanar a irregularidade e ratificar o processado, quando a lei determina que a ratificação deverá ser sempre operada através da junção de procuração forense.
xvii) Ainda que assim não se entenda, importará referir que sempre estaremos perante uma nulidade processual.
xviii) Tendo em conta o entendimento sufragado no aludido acórdão do TCAS, é peremptório que a decisão arbitral enferma de nulidade processual secundária, atípica e inominada, nos termos do disposto nos Art.ºs 195 e 196.º do CPC, ao sanar a falta de constituição de advogado, apenas com a intenção de juntar procuração e a subscrição das alegações por advogado, sem que para o efeito tivesse sido junta procuração a ratificar o processado.
xix) Neste desiderato, se argui a nulidade processual de que padece a decisão arbitral, nos termos do disposto nos Art.º 195.º e 196.º ambos do CPC.
(…)
Mais se requer que, atendendo a que o valor da acção é superior a € 275.000,00, seja a Impugnante dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do Art.º 6 do Regulamento de Custas Processuais, tendo em consideração o valor e a natureza da causa.»
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Com a sua impugnação, juntou a Autoridade Tributária e Aduaneira dois documentos.
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A impugnada apresentou contestação, onde expende o sequente quadro conclusivo (fls. 51 a 59):
«
i. Compulsadas as conclusões formuladas pela Fazenda Pública, delas resulta patente a discordância relativamente à decisão material tomada pelo Tribunal a quo no que tange à questão agora em discussão – imputando-lhe o correspondente erro de julgamento – como resulta evidente da conclusão iii).
ii. Com efeito, o que a Fazenda Pública coloca em causa é a putativa errada interpretação e aplicação da lei – como resulta manifesto, por exemplo, do invocado no ponto 16.º da motivação - e, simultaneamente, coloca em causa a aplicação da lei aos factos em causa nos autos – mormente quando se refere ao erro na consideração de “prova bastante” para a ratificação – como resulta manifesto do invocado no ponto 17.º da motivação.
iii. Sucede que tanto o erro de julgamento da matéria de Direito como o erro de julgamento da matéria de facto apenas são sindicáveis em sede de recurso – que não é admissível em caso de processo arbitral.
iv. A argumentação aduzida pela Fazenda Pública para invocar o excesso de pronúncia é contraditória nos seus próprios termos, na medida em que, por um lado, defende a ocorrência de excesso de pronúncia do Tribunal a quo, e, por outro lado, elenca os pressupostos dessa nulidade em termos manifestamente opostos à conclusão que deles retira.
v. De facto, não se descortina que o Tribunal a quo tenha conhecido de qualquer questão que não tenha sido suscitada pelas partes - sendo ademais certo que a falta ou insuficiência de procuração é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 48.º n.º 1 do CPC.
vi. De modo a forçar o cabimento da presente impugnação no artigo 28.º n.º 1 c) do RJAT, invoca a Fazenda Pública que o facto de o Tribunal a quo ter considerado sanada a irregularidade do mandato constitui excesso de pronúncia – na medida em que, alegadamente, o Tribunal não podia proferir uma decisão por enfermar de vício na sua constituição.
vii. Ora, em face das regras definidas no RJAT (1), afigura-se por demais evidente que o Tribunal foi regularmente constituído – sendo que, nos termos do artigo 11.º n.º 8 do RJAT, o Tribunal se considera como validamente constituído no termo do prazo de dez dias a contar da notificação da designação dos árbitros às partes.
viii. Ao formular a sua peregrina tese, a Fazenda Pública confunde, ou pretende confundir, os pressupostos processuais relativos ao Tribunal, os pressupostos processuais relativos às partes e também os pressupostos processuais relativos ao objecto do dissídio – sendo que, como é evidente, a falta ou insuficiência de procuração não constitui qualquer vício ou irregularidade da constituição ou funcionamento do Tribunal.
ix. De todo o modo, na sequência da excepção aduzida pela Fazenda Pública na sua contestação, tal pressuposto processual foi objecto da devida e expressa sindicância por parte do Tribunal a quo – pelo que inexiste excesso de pronúncia.
x. A Fazenda Pública defende que está em causa a falta de constituição de advogado, nos termos do artigo 41.º do CPC, quando, em rigor apenas estaria em causa a falta de procuração, nos termos do artigo 48.º do CPC (anterior artigo 40.º) – na medida em que é inequívoco que nos autos teve intervenção um Advogado.
xi. É patente que a Fazenda Pública mistura as duas realidades, completamente díspares, quando no ponto 15.º da motivação invoca jurisprudência superior relativa, precisamente, à falta de procuração e não à invocada falta de constituição de Advogado.
xii. Do acórdão do STA de 18.02.2002, dado no proc. n.º 1530/02, resulta uma solução diametralmente oposta à preconizada pela Fazenda Pública – na medida em que, referindo-se ao artigo 40.º n.º 2 do CPC (actual artigo 48.º), decide que a falta de eficácia dos actos praticados pelo mandatário apenas pode operar caso o próprio, depois de notificado, não proceda à junção da procuração, sublinhado de igual modo que essa falta de eficácia depende igualmente da prévia notificação ao mandante para o mesmo efeito(2).
xiii. Como ensina a nossa melhor doutrina(3) ; «(…) o art. 40º trata daqueles [casos] em que tenha intervindo advogado (…) sem procuração ou com procuração insuficiente (…).» - pelo que o pressuposto do funcionamento do n.º 2 do aludido art.º 48.º (anterior artigo 40.º) será apenas a falta da procuração, e não a inexistência do contrato de mandato que lhe subjaz, muito menos a falta de constituição de advogado.
xiv. Haverá de atender-se ao facto de que a «a obrigatoriedade do patrocínio prestado em juízo tem a sua razão de ser no facto de os problemas aí ventilados transcenderem o domínio dos conhecimentos do leigo, isto por um lado, e por outro na necessidade da boa administração da justiça, por profissionais qualificados e, em princípio, livres da paixão de interesses directos próprios.»(4).
xv. Ou seja, está em causa a salvaguarda dos direitos da própria parte num processo judicial – como corolário da tutela jurisdicional efectiva e como salvaguarda da necessidade de boa administração de justiça – e, como tal, não está em causa qualquer preceito que vise salvaguardar a igualdade das partes.
xvi. Caso a decisão arbitral fosse susceptível de recurso - que não é - e na eventualidade de o Tribunal ad quem considerar que o Tribunal a quo deveria ter notificado o Mandatário para juntar procuração forense com ratificação, e na sua falta deveria também ter notificado a parte para o mesmo fim, então, ao invés do pretendido pela Fazenda Pública, jamais a decisão do recurso seria no sentido de determinar a absolvição da instância – outrossim, quando muito, limitar-se-ia a anular o referido segmento decisório, ordenando a sobredita notificação sob cominação legal.
xvii. Por mera cautela processual, e porque nem o Mandatário nem a parte foram anteriormente notificados pelo Tribunal a quo para proceder à junção aos autos de procuração forense com ratificação do processado, nada obsta à sua junção nesta sede – em cumprimento do princípio pro actione (doc. n.º 1).
xviii. Na ponderação dos interesses em causa, e em conformidade com o princípio da tutela judicial efectiva e do princípio pro actione, não se antevê qualquer motivo plausível para determinar a anulação do processado posterior – e isto, desde logo, porque tal anulação jamais seria capaz de conduzir a uma diferente decisão da questão de fundo(5).
xix. De modo a lograr “travestir” um recurso (legalmente inadmissível) numa impugnação da decisão arbitral, refere a Fazenda Pública que, pretensamente, o entendimento do Tribunal a quo colide com o princípio da igualdade, “na medida em que procede a um tratamento diferenciado nas situações em que a lei determina a constituição de advogado, e, por outro lado, quando no entender do tribunal basta uma mera intenção em juntar procuração (…) para sanar a irregularidade e ratificar o processado”.
xx. O fundamento de impugnação junto deste Tribunal ad quem consiste na violação do princípio da igualdade de tratamento das partes ao longo da tramitação do processo arbitral – no pressuposto de que, no decurso do processo, não foram dadas iguais oportunidades às partes, designadamente, para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa (6)
xxi. Ora, a Fazenda Pública não invoca (e se o fizesse faltaria à verdade) que o Tribunal a quo não concedeu a ambas as partes uma igualdade de oportunidades no exercício das suas faculdades ou no uso dos meios de defesa.
xxii. Lidas e relidas as conclusões formuladas pela Fazenda Pública, resulta inequívoca, outrossim, apenas a crítica ao mérito da decisão proferida quanto à falta de procuração – decisão que, naturalmente, foi tomada pelo Tribunal a quo de acordo com a interpretação e aplicação dos critérios resultantes da lei.
xxiii. Como assim, sendo proferida decisão que, na perspectiva da Fazenda Pública, se afaste, derrogue ou viole os critérios legais aplicáveis, tal decisão incorrerá, quando muito, em erro de julgamento e não em violação do princípio da igualdade das partes.
xxiv. O princípio da igualdade de tratamento das partes não tem manifestamente o alcance defendido pela Fazenda Pública – desde logo porque o critério da igualdade não se afere entre o Contribuinte e outros contribuintes colocados na mesma posição, mas apenas em função do confronto entre as posições das concretas partes intervenientes no processo em concreto – Fazenda Pública e Contribuinte,
xxv. Acresce que, em face da motivação da impugnação, a Fazenda Pública apenas coloca em relevo a pretensa violação do disposto no artigo 41.º do CPC, quando, como se disse, tal norma não tem por âmbito de protecção o princípio da igualdade de tratamento das partes.
xxvi. Como resulta da nossa Jurisprudência(7), aplicável mutatis mutandis, aos presentes autos: “Só a violação dos princípios de igualdade de tratamentos das partes, citação do demandado para se defender, estrita observância do princípio do contraditório, audição das partes antes de proferida a decisão final (…), e não a simples violação ou “descumprimento” de quaisquer preceitos do direito processual civil, pode conduzir à anulação da decisão arbitral.”.
xxvii. Nos termos do regime legal invocado pela Fazenda Pública para sustentar uma eventual nulidade processual – concretamente do artigo 195.º n.º 1 do CPC – resulta que «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.».
xxviii. Ora, para além de tecer o juízo conclusivo de que está em causa uma nulidade processual e de reproduzir jurisprudência contrária à posição que sufraga, a Fazenda Pública não invoca ou demonstra – porque não pode – que a irregularidade influiu no exame ou decisão da causa.
xxix. Como resulta cristalino do regime legal das nulidades processuais, que as nulidades secundárias apenas são reconhecidas como tal quando a irregularidade processual teve uma influência directa e necessária com a decisão de mérito da causa – o que não é manifestamente o caso (8)
X
Com a sua contestação, juntou a impugnada um documento que intitula de “procuração forense com ratificação do processado”.
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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 64), onde se limita a defender que deve ser deferido o pedido “de dispensa de pagamento de custas no que toca ao remanescente”.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
O CAAD apurou a seguinte factualidade:
«
3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A 31 de dezembro de 2013, a ora Requerente era a sociedade dominante de um perímetro de entidades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ("RETGS"), o qual era composto pelas seguintes sociedades dominadas nos termos do artigo 69.º do Código do IRC (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
Clínica C…, S.A., com o NIF 506 529…;

Clínica C…., S.A., com o NIF 504 532….;

Clínica C…., S.A., com o NIF 507 681….;

Escala …– S…., S.A., com o NIF 508 820….;

Escala V… …- S…, S.A., com o NIF 509 582….;

Hospital C…., S.A., com o NIF 504….;

Hospital C…., S.A., com o NIF 500 142 …;

Hospital C…, S.A., com o NIF 508 963 1…;

Loja S…, S.A., com o NIF 509 287….;

P… – P…., S.A., com o NIF 505 818…;

S….. – S…., S.A., com o NIF 505 845 ….

b) Em 28-05-2014, a Requerente apresentou a sua declaração modelo 22 individual relativa ao exercício de 2013, com a identificação 3522-C4066-18, na qual foi apurado um resultado fiscal negativo de € 3.890,568,38 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
c) Em 30-05-2014, na qualidade de sociedade dominante, a Requerente submeteu, por referência ao exercício de 2013, a declaração de rendimento Modelo 22 respeitante ao aludido consolidado fiscal, com a identificação 3522-C5155-15, na qual foi apurado um lucro tributável agregado no montante de Euro 14.358,062.43 (catorze milhões, trezentos e cinquenta e oito mil, sessenta e dois euros e quarenta e três cêntimos) e procedeu ao respectivo pagamento do IRC (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) A Requerente foi constituída em dezembro de 1992, sob a forma jurídica de SGPS, com a designação legal de Restelo Investimentos, SGPS, S.A. (artigo 66.º do pedido de pronúncia arbitral);
e) Em 1997, para além da mudança na firma societária para J…., SGPS, S.A., assistiu-se, igualmente, a uma reformulação da estratégia empresarial da ora Requerente, claramente mais focada, daí em diante, na aquisição e gestão de participações sociais, sinalizadas como fundamentais para o crescimento do Grupo J… Saúde ("Grupo JMS") (artigo 67.º do pedido de pronúncia arbitral);
f) Durante os exercícios de 2003 a 2012, inclusive, a Requerente tinha o perfil societário de Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), tendo neles acrescido ao seu lucro tributável encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, de harmonia com o disposto no artigo 32.ºdo EBF;
g) Nos exercícios de 2003 a 2012, inclusive a Requerente indicou como não dedutíveis encargos financeiros relativos à aquisição de partes de capital (artigo 72.º do pedido de pronúncia arbitral e documentos n.ºs 9 a 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
h) Os referidos montantes indicados pela Requerente como não dedutíveis são superiores aos que resultariam da aplicação do método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30-03-2004, emitida pela Direcção de Serviços do IRC (artigo 73.º do pedido de pronúncia arbitral):
i) No dia 25-11-2013, e no âmbito de uma operação de reestruturação societária realizada no seio do Grupo J…. (projeto de fusão cuja cópia foi junta ao pedido de pronúncia arbitral como Documento n.º 7, cujo teor se dá como reproduzido), a Requerente alterou o seu objeto social, perdendo, deste modo, o seu formato jurídico original (SGPS), com efeitos a 01-01-2013;
j) A Requerente passou, por referência ao exercício de 2013, a considerar, no âmbito do apuramento do seu lucro tributável, as mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes de capital e, bem assim, os encargos (gastos) financeiros líquidos, nos termos gerais, mas não deduziu os encargos financeiros que indicou nas declarações respeitantes aos exercícios de 2003 a 2012, inclusive, como tendo sido suportados com a aquisição de partes de capital (artigo 70.º do pedido de pronúncia arbitral);
k) Em 27-05-2016, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação efectuada na declaração modelo 22 relativa ao grupo de sociedades, com a identificação 3522-C5155-15 (documento junto com o formulário do CAAD);
l) A reclamação graciosa teve o n.º 3522201604004299 e não foi nela proferida decisão;
m) A Requerente apresentou um pedido de revisão do acto tributário relativo ao exercício de 2011 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
n) A Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativa ao exercício de 2012 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
o) Na sequência de indeferimento tácito da reclamação graciosa relativa ao exercício de 2012, a Requerente apresentou um pedido de pronúncia arbitral no CAAD que foi julgado procedente por decisão proferida em 21-07-2016, no processo n.º 656/2015-T (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
p) A decisão referida na alínea anterior foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, que não tomou dele conhecimento (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
q) Em 30-03-2004, a Direcção de Serviços do IRC emitiu a Circular n.º 7/2004, cujo teor se dá como reproduzido (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral), em que se refere, além do mais, o seguinte:
«Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros
6.Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigoº 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais
7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição».
r) Em 26-12-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

2.2. Factos não provados

Não se provou que a Requerente tivesse alienado participações sociais relativamente às quais suportou encargos financeiros nos exercícios de 2003 a 2012.

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e afirmações da Requerente não questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.».

X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, aditam-se ao probatório os elementos seguintes:
s) A impugnada, J… Saúde, S.A., apresentou a petição inicial do presente pedido de pronúncia arbitral, subscrita pelo “Representante legal da Requerente”, R…..
t) Na resposta, a ora impugnante invocou a preterição da obrigatoriedade de constituição de mandatário por parte da ora impugnada, dado que o valor da causa assim o exigia e não foi junta procuração aos autos, requerendo a notificação da parte para que proceda à constituição de mandatário, nos termos do artigo 41.º do CPC, sob pena de absolvição da instância.
u) Em 02.05.2017, o tribunal arbitral proferiu o despacho determinando a dispensa de reunião do artigo 18.º do RJAT, «uma vez que não é requerida prova testemunhal e a resposta às excepções pode ter lugar nas alegações», determinou o prosseguimento do processo para alegações facultativas sucessivas, no prazo de 10 dias.
v) As partes não apresentaram alegações no prazo estabelecido.
w) O segmento decisório em crise (constante da decisão arbitral) é o seguinte:
«As alegações apresentadas pela Requerente são manifestamente intempestivas, pois foi fixado um prazo de 10 dias, por despacho cuja notificação foi enviada por correio electrónico em 03-05-2017 e as alegações foram apresentadas em 06-06-2017.
A própria Requerente reconhece que foi excedido o prazo fixado e como explicação para o atraso diz apenas que o prazo não se relevou suficiente para a produção das alegações em causa.
O prazo fixado para alegações tem natureza de prazo peremptório, pelo que o seu decurso extingue o direito de praticar o acto, como decorre o preceituado dos n.° e 3 do artigo 139.º do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.° 1, alínea e), do RJAT.
Assim as alegações apenas poderiam ser apresentadas para além do prazo fixado se ocorresse justo impedimento, como se prevê nos artigos 139.º, n. 4, e 14º do CPC.
Nos termos deste artigo 140.°, considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto e a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova.
A Requerente não indica nem faz prova de qualquer obstáculo à prática atempada do acto, pelo que tem de se concluir que não se verificam condições para permitir a apresentação das alegações para além do prazo fixado.
Sendo assim, não se pode atender às alegações na parte em que a Requerente se pronuncia sobre as excepções sobre a matéria da causa.
No entanto, nas referidas alegações a Requerente inclui a referida declaração de que, se necessário, ratificará o processado.
Sendo estas alegações subscritas por advogado, entende-se que esta afirmação exprime manifestamente uma intenção de ratificar o processado, pelo que se considera ratificado, sem mais formalidades, considerando-se sanada a falta inicial de constituição de advogado.
Sendo as alegações relevantes para este efeito de sanação da falta de constituição de advogado, que não contende com os direitos processuais das Partes, não se ordena o seu desentranhamento, sem prejuízo de não se atender às alegações para efeito de apreciar as excepções e o mérito da causa».
X
2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a decisão arbitral proferida no Processo n.º 754/2016-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária, na parte em que julgou sanada a preterição da falta de constituição de advogado, com a ratificação do processado, através da junção de alegações facultativas, por parte da requerente de pronúncia arbitral.
2.2.2. A impugnante invoca contra a decisão arbitral impugnada os vícios seguintes:
i) In casu, a decisão arbitral ao sanar o vício de falta de constituição de advogado, sem dar cumprimento ao solicitado em sede de contestação pela Impugnante e consignado no Art.º 41.º do CPC, e bastando-se com a intenção da Impugnada em juntar procuração, caso necessário, e as alegações se encontrarem subscritas por advogado, é nula por pronúncia indevida, nos termos da alínea c) do n.º 1 do Art.º 28.º do RJAT, na medida em que a falta de advogado não poderia ser suprida de tal forma ao arrepio da lei, levando o tribunal a conhecer do pedido e da causa de pedir sem que para o efeito se encontrassem verificados e reunidos os pressupostos processuais.
ii) Tal entendimento colide igualmente com o princípio da igualdade elencado no Art.º 13.º da CRP, na medida em que procede um tratamento diferenciado, nas situações em que a lei determina a constituição de advogado, quando, no entender do tribunal arbitral, basta uma mera intenção em juntar procuração e a peça processual se encontrar subscrita por advogado para sanar a irregularidade e ratificar o processado, quando a lei determina que a ratificação deverá ser sempre operada através da junção de procuração forense.
iii) Ainda que assim não se entenda, importará referir que sempre estaremos perante uma nulidade processual; é peremptório que a decisão arbitral enferma de nulidade processual secundária, atípica e inominada, nos termos do disposto nos Art.ºs 195 e 196.º do CPC, ao sanar a falta de constituição de advogado, apenas com a intenção de juntar procuração e a subscrição das alegações por advogado.
Vejamos.
2.2.3. Como se consigna no Acórdão deste TCAS, de 13.11.2014, P. 07294/14, «Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, tal como consagrado no art. 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art. 28.º, n.º 1, do mesmo diploma, tendo assim um campo de aplicação muito limitado. São eles, taxativamente, os seguintes: a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou a omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no art. 16.º daquele diploma».
2.2.4. Se bem se compreende as alegações da impugnante, a presente intenção impugnatória centra-se sobre a alegada pronúncia indevida, dado que o tribunal arbitral apenas se satisfaz com a manifestação de intenção de que caso seja necessário a impugnada juntaria procuração forense aos autos a ratificar o processado e de que as alegações se encontravam subscritas por advogado, para considerar sanada a falta de constituição de advogado, não considerando ser exigível a junção de procuração; e sobre a alegada preterição do princípio da igualdade de tratamento das partes no processo, porquanto, ao sanar a falta de constituição de advogado, apenas com a intenção de juntar procuração forense e subscrição das alegações por advogado, sem que para o efeito tivesse sido junta procuração a ratificar o processado, incorre em nulidade processual, através de um tratamento de favor em relação a uma das partes no processo.
2.2.5. No que respeita ao alegado vício de pronúncia indevida, cumpre referir que «[a] pronúncia indevida «ocorrerá não só quando se conhecer de questão de que não se podia conhecer, mas também quando se conheceu de questões de que se podia conhecer, mas ultrapassando quaisquer limites legais a nível decisório (por exemplo, condenando além do pedido) e mesmo a pronúncia em situações em que o tribunal nem sequer podia decidir, por enfermar de vício na sua constituição»(9). «No conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência» (10).
A decisão arbitral enfermaria do vício em apreço, dado que o processo incorreria na excepção dilatória de conhecimento oficioso da falta de constituição de mandatário em processo sujeito à regra do patrocínio judiciário obrigatório (artigos 577.º/h) e 578.º do CPC).
Estatui o artigo 6.º, n.º 1, do CPPT (“Mandato Judicial”) o seguinte:
«É obrigatória a constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o dobro da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo».
Nos termos do artigo 105.º da LGT (“Alçadas”), «A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância».
O artigo 44.º/1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), «Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5 000,00».
No caso, o valor da causa foi fixado pela decisão arbitral em €6.674.653,65. De onde resulta que o valor da causa arbitral excede o dobro da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, pelo que está sujeita à obrigatoriedade de constituição de mandatário.
Estatui o artigo 41.º do CPC (“Falta de constituição de mandatário”) o seguinte: «Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento recurso ou de ficar sem efeito a defesa».
Do probatório resulta que, perante a invocação da falta de junção de procuração aos autos, a sentença arbitral considerou ratificado o processado, com a junção de alegações das quais consta a declaração de intenção de ratificação do processado, bem como a intenção de apresentação de procuração forense, se tal for julgado necessário.
A este propósito, constitui jurisprudência assente a de que: «Apresentada a petição inicial subscrita por advogado que diz juntá-la aos autos, mas sem que tal se verifique, deve ser notificado apenas o advogado para a apresentar no prazo que lhe for fixado. // Mas, se decorrido tal prazo, sem que a procuração outorgada com data anterior à apresentação da petição seja junta aos autos, deve ser notificada a parte para a juntar e ratificar o processado. // Só no caso de se repetir a inércia da parte, é que haverá lugar à cominação do n° 2 do artigo 40º do CPC» (11).
Sem embargo, a questão que se suscita consiste em saber se, perante petição inicial e alegações subscritas por advogado, que manifesta a intenção de juntar procuração forense, caso seja necessário, com declaração de ratificação do processado, o juízo de sanação emitido pelo tribunal arbitral incorre em vício da preterição da regra do patrocínio judiciário obrigatório e, nesta medida, em excepção dilatória de conhecimento oficioso.
Cumpre referir que a regra do patrocínio judiciário obrigatório é estabelecida tendo em vista, antes de mais, a protecção dos interesses da parte que litiga, não podendo a mesma operar como restrição do acesso da parte ao processo jurisdicional e à tutela judicial efectiva, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem(12) e no artigo 20.º/1, da CRP. Mais se refere que o tribunal arbitral está sujeito ao princípio da «autonomia na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito, sobre as pretensões formuladas» (artigo 16.º/d), do RJAT(13). No caso, perante a disponibilidade da parte em apresentar a procuração forense exigida, com ratificação do processado, o tribunal entendeu convalidar o processado e emitiu decisão de mérito. Ou seja, a excepção dilatória em apreço foi dirimida, atendendo às circunstâncias do caso concreto, convertendo-se em mera irregularidade, sanada através da intervenção da parte.
Ao assim determinar, o tribunal actuou no exercício dos poderes que a lei lhe confere, sem exceder os limites dos mesmos.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.6. No que respeita ao alegado vício de preterição do princípio da igualdade das partes e preterição de formalidade essencial.
A este propósito, cumpre referir que «[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações e sanções processuais» (artigo 4.º - “Igualdade das partes”). «O processo arbitral deve sempre respeitar os seguintes princípios fundamentais: (…) // b) As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final»(14).
O princípio da igualdade de tratamento das partes «impõe que o tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial (ou material) entre as partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais. Esta igualdade substancial implica, para o tribunal, um duplo dever: i) O dever de corrigir factores de desigualdade: a correcção das desigualdades entre as partes é realizada através da função assistencial do juiz; (…) // ii) O dever de não originar situações de desigualdade entre as partes: o tribunal não deve tratar de modo desigual as partes (…)» (15).
No caso, a sanação da falta de junção de procuração forense aos autos, pela parte que declarou ratificar o processado e manifestou disponibilidade para proceder a tal junção, não configura violação do princípio referido. Não existe tratamento diferenciado ou discriminatório das partes por parte do tribunal, uma vez que as faculdades processuais de cada uma foram exercidas ao longo do processo, sem impedimentos ou restrições, sem que a mencionada sanação tenha posto em causa o equilíbrio obtido ao longo do processo.
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a presente imputação.
2.2.7. No que respeita ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir que nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»(16).
«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (17).
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».
No caso em exame, o valor da causa corresponde € 1.501.797,12.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14].
No caso em exame, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, em particular da ora requerente, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.
Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.
Termos em que se procederá no dispositivo.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
i) Julgar improcedente a presente impugnação.
ii) Condenar a impugnante nas custas.
iii) Dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.

Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)


(1º. Adjunto)

(2º. Adjunto)


(1) Cfr. CAPÍTULO II Procedimento arbitral; SECÇÃO I Constituição de tribunal arbitral.

(2) Cfr. José Lebre de Freitas e outros, Código do Processo Civil Anotado, 1ºvolume, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.81 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 2ª edição, Almedina, p. 70/71 e na jurisprudência Acs RP de 15.07.87, processos 07B3024, BMJ 369, p. 605, STJ de 04.03.97, processo 9821044, RP de 11.05.9 Cfr. art. 16.º b) do RJAT.
Cfr. Ac. STJ de 03.05.2007, proc. nº 06B33599, processo 0450716, RP de 9.10.2001, CJ, Tomo IV, P. 202, de 19.04.2004, proferido no proc. nº 0450716 e de 19.01.2009, proferido no proc. nº 0846188 e Ac. do TRL de 29.04.2004, proferido no proc. nº 1866/2004, todos acessíveis em www.dgsi.pt..

(3)Cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 81.
(4) Ac. RL de 31.05.2007, proc. 2431/2007-2.
(5) Cfr. Ac. TCAS de 01.03.2005, dado no proc. n.º 00498/05.

(6) Cfr. art. 16.º b) do RJAT.
(7) Cfr. Ac. STJ de 03.05.2007, proc. nº 06B3359.

(8) Cfr. Ac. TCAS de 04.06.2015, dado no proc. n.º 08233/14.

(9) Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao regime jurídico da arbitragem tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Cood. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, p. 235.
(10) Acórdão do TCAS, de 09.06.2016, P.09156/15.
(11) Acórdão do STA, de 05.07.2012, P. 0279/12.

(12)Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Correia de Matos c. Portugal, de 15.11.2001, Queixa n.º 48188/99, §133.
(13) Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

(14) Artigo 30.º/1/b), da Lei da Arbitragem Voluntária, Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro.
(15) Miguel Teixeira de Sousa, Os princípios do processo arbitral, 18.02.2016.

(16) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(17) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.