Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12258/15
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA DELONGA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA; APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO; LEI N.º 67/2007, DE 31-12
DECRETO-LEI N.º 48051, DE 21-11-1967;
VIOLAÇÃO DO DIREITO À JUSTIÇA EM PRAZO RAZOÁVEL;
DANOS NÃO PATRIMONIAIS; MONTANTE DO DANO
Sumário:I – Numa acção de responsabilidade do Estado pela delonga na administração da justiça haverá que aplicar-se a disciplina do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, aos factos ocorridos antes da vigência da Lei n.º 67/2007, de 31-12;
II - Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;
III - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;
IV – Ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a uma acção declarativa de mediana complexidade, que teve um número de partes diminuto e em que se se verificou a apresentação de meios de prova muito simples e unicamente documental, a referida lide esteve a aguardar a entrega aos autos de certidões e documentos entre 22-05-2006 e de 01-07-2010 e demorou até à prolação da sentença em 1.ª instância um tempo total de 6 anos e 5 meses;
V - O TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais vêem indicando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância de 3 anos;
VI - Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado;
VII - Deve presumir-se a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial;
VIII - Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC. Porém, ainda aqui há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes, o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país;
IX- Pelos cerca de 3 anos que a acção terá demorado a mais será razoável fixar a indemnização a conceder em 2.500,00€.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
J. M. P. R. interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente a acção administrativa comum por si interposta contra o Estado Português (EP) e absolveu o R. do pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização por atraso na administração da justiça, no valor de 51.822,46€, para ressarcimento de danos patrimoniais, e no valor de 25.000,00€, para ressarcimento de danos morais.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “
a) Sustentando-se a sentença recorrida apenas na prova documental como nela se consigna a página 5, § 4.º, e afastando a testemunhal do processo de formação da convicção do Tribunal a quo, torna-se ainda mais evidente o erro de julgamento quanto à matéria de facto relativamente à matéria fáctica havida por não provada, qual seja a dos danos não patrimoniais, designadamente "( . .)que a demora do processo haja deixado o A. abalado, transtornado e com perda de apetite, e sem se alimentar; enervado e impaciente; com insónias e sem dormir; angustiado e sem estabilidade emocional; de que haja visto as suas capacidades de trabalho afectadas; ou que lhe haja causado problemas ( . ..)” - pág. 5 , § 5 .º - matéria que o ora recorrente tem por incorrectamente julgada para efeitos do disposto no art.º 640.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
b) Considerando que da prova documental, declarada como relevante e atendida, resulta provado tal dano grave, mormente da que se encontra autuada a:
Ø fls. 14, declaração de actividades voluntárias a favor da comunidade;
Ø fls. 364 a 378, Informação Judicial e Mapas de Pendências;
Ø fls. 417.º declaração clínica de tratamento de estado depressivo ;
Ø fls. 422 a 428, declarações fiscais de rendimentos dos anos 2006 a 2011;
se alcançam sinais evidentes de alterações profundas na vida do A., aqui recorrente, cujas permitem , desde logo, impor solução diversa àquela matéria, no sentido dum claro e imediato PROVADO, sem prejuízo da devolução do processo para reanálise da prova testemunhal, se havida por necessária, incluindo a reinquirição face ao manifesto erro do que a fls. 461 se assentou quanto ao declarado pela testemunha F. L. S., entre o mais.
c) Porém, tal prova apenas serve para reforçar e confirmar o que dela está dispensado segundo pacífica e ampla jurisprudência deste Tribunal Superior, na senda da do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, alguma dela invocada e / ou transcrita nas alegações que antecedem e que se têm aqui por reproduzidas no texto da presente conclusão dela fazendo parte integrante.
d) Na realidade, perante o inequívoco dever do R. Estado em administrar justiça em tempo razoável, aferido este, necessariamente, pelos prazos processuais estipulados peremptoriamente na lei e pela utilidade dos actos e direitos arrogados pelos cidadãos e daí resultantes, a derroga manifesta de tais prazos e a anormal delonga na tramitação da acção cível sub judice contém em si mesma a virtualidade de provocar danos graves na confiança que deve refluir dos serviços de administração da justiça para qualquer cidadão.
e) Ainda mais quando está provado pela matéria processual certificada constante em fls. 62 a 361 dos autos que a decisão da sobredita acção cível tinha relevantíssima importância no eventual contributo para o cumprimento da condição resolutiva a que estava condicionada a suspensão da pena a que o aqui recorrente fora condenado, com a especial agravação de ambas as acções, a cível e a criminal, correrem no mesmo Tribunal, mas a velocidades bem diferentes, sem justificação compreensível, mal se entendendo a tese exposta na sentença sobre que a situação de facto ocorrida não é elucidativa, nada provando sobre a sua ilicitude - pág. 6, § 4 .º.
f) Resulta pois que, quer por via do dispositivo do art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil, expressamente convocado na sentença recorrida, quer pela regras dos art.ºs 412.º e 413.º do Código de Processo Civil, quer ainda por submissão à invocada jurisprudência e regras do bom senso e senso comum, no caso da manifesta morosidade na administração da justiça é tão natural e consequente existirem ilicitude e danos não patrimoniais associados que a prova do nexo causal está dispensada, sem prejuízo de poder ser efectuada quando possível.
g) Entendimento esse que colide frontalmente e viola, para além do supra aludido, os dispositivos convocados na inicial petição e que sustentam a acção, quais sejam o art.º 12.º, da Lei n.º 67/ 2007, de 31 de Dezembro, maxime o art.º 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa e o art.º 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
h) Deixando-se aqui expressamente arguida a inconstitucionalidade da interpretação dada na sentença recorrida à norma do art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil, aplicada, bem como daqueloutra do art.º 12.º da Lei n.º 67/ 2007 - esta afastada devendo ter aplicação - no sentido de que a morosidade da justiça por culpa exclusiva do sistema judiciário não constitui de per se facto ilícito ressarcível nos termos gerais do direito, entendimento que viola capitalmente os imperativos dos n.º 1 , 4 e 5 do art.º 20 .º, entre os mais da Constituição da República Portuguesa.
i) Tendo-se por correcto o entendimento dessas normas que sucintamente se expuseram nas conclusões que antecedem na sua complementaridade e concomitância, como também e principalmente nos dois extractos de acórdãos deste Tribunal e do STA que foram transcritos em sede de alegações e aqui se têm também por reproduzidas fazendo parte integrante desta conclusão para estes efeitos recursivos, aderindo o recorrente a tal teoria jurídica .
j) Por tudo o exposto carece a decisão do Tribunal a quo de revogação e substituição por outra que, em submissão aos imperativos constitucionais expressamente invocados e das correspondentes normas ordinárias, julgue procedente a presente acção por provada documentalmente de forma suficiente, ou, sem conceder, determine a descida dos autos para inquirição da testemunha F. L. S. sobre o erro temporal emergente da resenha do seu depoimento fixado em sede de fundamentação das respostas aos quesitos para prolação de sentença consonante.”

O Recorrido EP, aqui representado pelo Ministério Público (MP), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “O recorrente não indica - muito menos com exactidão - as passagens da gravação em que se funda o recurso, ou seja, não refere os concretos meios de prova que, na sua óptica, impõem decisão diversa, in casu, as passagens dos depoimentos de testemunhas que, no seu entender, impõem que se considere provada a factualidade constante dos pontos 2º a 8º e 10° da base instrutória.
1. Acontece que, o artigo 640° do novo CPC, à semelhança do artigo 685°-B do CPC revogado, estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo no seu nº 2, alínea a), que no caso de ter havido gravação da prova, «incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
2. Decorrendo também da letra da lei que a mesma não comporta qualquer outra interpretação que não seja a da imposição da imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, caso não seja observado pelo recorrente algum dos ónus mencionados, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria.
3. Assim sendo, a inobservância, por parte do recorrente, do que lhe é imposto pelo nº 2 do art. 685º-B do CPC revisto e nº 2 do art. 640° do CPC actual, determina a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da matéria de facto.
4. Além de que, o recorrente apenas discorda do teor das respostas, continuando a não invocar qualquer vício, sendo certo que os dados fornecidos pelo processo não impõem decisão diversa, inexistindo fundamento legal para proceder à alteração da resposta dada aos pontos controvertidos no sentido pretendido pelo recorrente, até porque os documentos invocados pelo recorrente nada provam quanto ao sustentado, sendo, por si só, insuficientes para conduzir à pretendida alteração dos factos dados como provados.
5. A decisão sobre a matéria de facto mostra-se compreensível e fundamentada nos elementos de prova que serviram de base à decisão, lendo-se, no despacho de motivação, que " a convicção do Tribunal na resposta à matéria de facto fundou-se na prova documental produzida nos autos, referenciada na acta da audiência preliminar, e factos provados à data sob os nº's, 1 a 18, e ainda no documento de fls, 399 a 414, dos autos, e nos depoimentos produzidos em audiência de julgamento" .
6. Contrariamente ao ora defendido, o tribunal não considerou credíveis os depoimentos das testemunhas do A., ora recorrente que "produziram depoimentos imprecisos e contraditórios, inconsistentes", nenhuma das testemunhas soube identificar o processo nº. 43/06.0TCLRS, do que trata, quem são partes, e das razões ou factos que do mesmo decorrem para afectar o A".
7. importando, assim, realçar a forma clara, precisa e completa como o Tribunal respondeu à matéria de facto, respostas e fundamentação que mereceram do ora recorrente, a sua total concordância, não tendo, por isso, havido lugar a qualquer reclamação.
8. Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial, para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em "prazo razoável", pois a mera constatação, em abstracto da inobservância desse prazo não preenche a previsão dos arts. 20.º, nº 4 da CRP e 6.º, § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e não gera a verificação automática do requisito da ilicitude.
9. Ao contrário do que defende o recorrente, não se trata de «danos automáticos», decorrentes de tal constatação, pois a indemnização por danos morais não pode ser automática, dependendo, ao invés, da existência de nexo de causalidade entre os atrasos e os peticionados danos morais, um dos requisitos essenciais da obrigação indemnizatória.
10. Até porque a responsabilidade por facto da função jurisdicional e, mais concretamente, por omissão de pronúncia de sentença em prazo razoável, não dispensa a análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos, não se vislumbrando qualquer possibilidade de fundar a indemnização à margem das regras previstas na Lei nº 67/2007, de 31.12 e nos arts. 483.º, 484.º, 494.º, 496.º, 562.º e segs. do C. Civil, não sendo legítimo, nem tal resulta do art. 22.º da CRP, sendo certo que é sobre o Autor que recai o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos - cfr. nºs l e 2 do art.º 342.º do Código Civil.
11. E, face à matéria de facto dada como assente, não se mostra verificada a conduta ilícita da Administração nem a existência de culpa por parte do Réu, como também, por outro lado, ficaram por demonstrar quaisquer prejuízos dela decorrentes, assim como o nexo de causalidade entre estes danos e o facto causador dos mesmos.
12. Pelo que, desde logo, podemos concluir pela não verificação (cumulativa) dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional,
13. Pelo que, bem andou a Mmª Juiz ao julgar a presente acção totalmente improcedente e absolver o Estado dos pedidos.
E, decidindo como decidiu, o Tribunal, subsumiu correctamente os factos ao direito e não violou qualquer preceito legal.
14. Destarte, salvo melhor entendimento, improcedem todas as conclusões da alegação da recorrente.”

Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados por provados os seguintes factos, que se mantêm:
1 - O autor intentou em 04/01/2006, acção de Processo Ordinário que corre ainda termos na 2ª Vara de Competência Mista de Loures com o nº 43/06.0TCLRS, em que são réus F. V. C. J. e J. C. B. (cfr. doc. de fls. 64 a 67 dos autos e admissão por acordo).
2 - Em 19.04.2006 e em 20.04.2006, foram apresentadas contestações pelo 2º e pelo 1º Réus na referida acção de condenação (cfr. doc. de fls. 147 e seguintes dos autos e admissão por acordo).
3 - Em 22/05/2006 veio o aqui autor, igualmente autor naquela acção, apresentar a sua réplica, respondendo a excepção deduzida com a contestação com a contestação pelo 1º réu (cfr. doc. de fls. 231 a 234 dos autos e admissão por acordo).
4 - Em 02/10/2007 o referido processo foi concluso, tendo sido proferido despacho concedendo ao referido réu um prazo de 10 dias para juntar aos autos certidão de acórdão proferido no âmbito do processo nº 891/00.5 TALRS (cfr. doc. de fls. 245 dos autos e admissão por acordo).
5 - O que foi feito por aquele réu, após ter solicitado prazo adicional de 20 dias para o efeito, em 24/09/2008 (cfr. doc. de fls. 322 dos autos e admissão por acordo).
6 - Em 7 de Fevereiro de 2006, aberta “Conclusão”, na mesma data, foi ordenada:
- a notificação do autor para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça inicial devida, sob pena de não o fazendo, ser desentranhada a petição apresentada (art. 467, nº 5 do CPC);
- a notificação do autor para, no mesmo prazo, juntar aos autos procuração e ratificação do processado, nos termos e sob as cominações previstas no art.º 40º do CPC; (cfr. doc. de fls. 127 dos autos e admissão por acordo).
7 - Notificado deste despacho, o ora autor veio, em 1/03/2006 apresentar requerimento referindo “juntar documento comprovativo em como lhe foi concedido o benefício do apoio judiciário” e ofício da Ordem dos advogados nomeando como patrono o advogado subscritor da petição inicial e ratificando o processado (cfr. doc. de fls. 130 e 131 dos autos e admissão por acordo).
8 - Aberta “Conclusão” em 3 de Março de 2006, foi proferida na mesma data, o seguinte despacho: “O pedido, bem como o deferimento do apoio judiciário tem de ser feito para a propositura deste específico processo (proc. nº 43/06.0TCLRS) e não qualquer outro.
Assim renova-se o despacho de fls. 46 (not. para pagamento de taxa de justiça inicial e junção de procuração com ratificação do processado), na totalidade” (cfr. doc. de fls. 136 dos autos e admissão por acordo).
9 - Notificado, veio o autor, em 17/03/2006, apresentar novo requerimento e juntar cópia de requerimento de concessão de apoio judiciário (datado de 11/11/2003) (cfr. doc. de fls. 139 a 142 e 142 vs. dos autos e admissão por acordo).
10 - Conclusos os autos em 23/03/2006, foi nessa data proferido o despacho que se segue: “Solicite à A.O. que informe em que data foi o Exmº Sr. Dr. A. de M. notificado de ter sido nomeado Patrono do A., remetendo, para melhor esclarecimento, cópia de fls. 74.
Solicite ainda que informe se o Exmº Patrono apresentou justificação por não instauração da acção para a qual foi nomeado, no prazo de 30 dias ou se pediu prorrogação do prazo, nos termos previstos no art. 33º da LEI nº 34/04 de 24.7” (cfr. doc. de fls. 143 dos autos e admissão por acordo).
11 - Em 10/05/2006 foi o ora autor notificado da junção das contestações e documentos, cujos duplicados lhe foram remetidos (cfr. doc. de fls. 230 dos autos e admissão por acordo).
12 - Em 4/07/2006 a secção de processos, oficiosamente, insistiu pela informação solicitada à O.A., vindo esta informação a ser junta em 27/07/2006 (cfr. doc. de fls. 242 dos autos e admissão por acordo).
13 - O processo veio a ser concluso à Exma. Juiz em 2/10/2007 que, com a mesma data, despachou concedendo prazo de 10 dias ao 2º réu para juntar um documento identificado no articulado de contestação (cfr. doc. de fls. 245 e 246 dos autos e admissão por acordo).
14 - Este réu, em 23/10/2007, pediu a prorrogação do prazo por 20 dias (cfr. doc. de fls. 250 dos autos e admissão por acordo).
15 - Este requerimento foi presente à Exma. Juiz em 31/07/2008 e, nesta data, a Exma Juiz deferiu o requerido (cfr. doc. de fls. 253 dos autos e admissão por acordo).
16 - O processo veio a ser concluso em 30/01/2009, proferindo a Exma Juiz, em 02/02/2009 despacho, solicitando directamente aos processos que identificou (4090/05.1TALRS e 891/00.5TALRS) a junção das certidões (cfr. doc. de fls. 325 e 326 dos autos e admissão por acordo).
17 - Este despacho foi cumprido no dia seguinte – 3/02/2009 (cfr. doc. de fls. 327 dos autos e admissão por acordo).
18 - Após insistência da secção de processos para a remessa da certidão solicitada, tal certidão, proveniente do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Loures, veio a ser junta ao processo em 1/7/2010 (cfr. doc. de fls. 328 a 330 dos autos e admissão por acordo).

Nos termos dos art.ºs. 712,º n.ºs. 1, a) e b), 2 e 715.º, n.ºs 1 do Código de Processo Civil - CPC (equivalente aos actuais art.ºs 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do novo CPC) acrescenta-se o seguinte facto, por provado:
19 – Consta dos presentes autos uma certidão emitida pelo Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Loures, 2.º Vara de Competência Mista, datada de 06-07-2012, que anexa parte da sentença proferida nos autos nº 43/06.0TCLRS, que aqui se dá por integralmente reproduzida e que refere que tal decisão ainda não tinha transitado em julgado em 06-07-2012 (cf. a indicada certidão e a acta com despacho com resposta à matéria de facto).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêem delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório quanto à fundamentação de facto, por a decisão recorrida não ter dado por provado “que a demora do processo haja deixado o A. abalado, transtornado e com perda de apetite, e sem se alimentar; enervado e impaciente; com insónias e sem dormir; angustiado e sem estabilidade emocional; de que haja visto as suas capacidades de trabalho afectadas; ou que lhe haja causado problemas”:
- aferir do erro decisório, da violação dos art.ºs 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, 20.º, n.ºs. 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e 483.º, n.º 1, do Código Civil (CC), por não ter sido atribuída ao Recorrente uma indemnização por danos não patrimoniais, quando está provado nos autos que ocorreu um atraso na administração da justiça.

Os art.ºs. 684º-A, n.º 2 e 685º-B do antigo CPC (tal como os actuais art.sº 636º, n.º 2, 640º e 662º do novo CPC), impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Por seu turno, os art.ºs 685.º-B e 712.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA (equivalentes aos art.ºs 640.º e 662.º do novo CPC), permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Vem o Recorrente invocar um erro decisório quanto à fundamentação de facto, por a decisão recorrida não ter dado por provado “que a demora do processo haja deixado o A. abalado, transtornado e com perda de apetite, e sem se alimentar; enervado e impaciente; com insónias e sem dormir; angustiado e sem estabilidade emocional; de que haja visto as suas capacidades de trabalho afectadas; ou que lhe haja causado problemas”.
Diz a A. e ora Recorrente que tais factos ficaram provados pela prova testemunhal produzida, designadamente pelo declarado por F. L. S., “entre o mais” e dos documentos constantes de fls. 14, 364 a 378, 417 e 422 a 428 dos autos. Mais alega o Recorrente, que a decisão recorrida baseou a sua convicção apenas na prova documental, pois nenhuma referência fez aos testemunhos ouvidos em julgamento.
Como primeira nota, refira-se, que na impugnação da decisão quanto à matéria de facto o Recorrente incumpriu os seus ónus processuais, pois não indicou com exactidão as passagem das gravações com o depoimento de F. L. S., em que funda as razões do seu recurso.
Depois, os factos que o Recorrente diz querer impugnar correspondem aos indicados nos n.ºs 2 a 8 da base instrutória (BI). Assim, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, na decisão recorrida foram tais factos dados como não provados, não apenas com base na prova testemunhal, mas, ainda, frente aos testemunhos ouvidos. Isso mesmo resulta da motivação que é dada pelo tribunal recorrido à resposta à BI. Em tal motivação – que está completa e é claríssima – indica-se o seguinte: ”A convicção do Tribunal na resposta à matéria de facto fundou-se na prova documental produzida nos autos, referenciada na acta da audiência preliminar, e factos provados à data sob os n°s. 1 a 18, e ainda no documento de fls. 399 a 414, dos autos, e nos depoimentos produzidos em audiência de julgamento, nos seguintes termos:
1.º - Todos os depoimentos das testemunhas do A. produziram depoimentos imprecisos e contraditórios, porém o que se apurou, sem dúvida, é que nenhuma das testemunhas soube identificar o processo n°. 43/06.0TCLRS, do que trata, quem são partes, e das razões ou factos que do mesmo decorrem para afectar o A., antes tendo sistematicamente referido processo-crime, onde o A. foi condenado, e segundo as testemunhas corre risco de ser preso.
2º - A testemunha F. S., referiu de modo expresso e inequívoco que os problemas do A. datam de 1991/92, data em que terá até chamado atenção ao A. para que não descurasse os assuntos dos clientes; de que à volta de 1998 o A. terá deixado de ir ao trabalho, e de que era nítido que o mesmo estava numa situação de grande instabilidade emocional; e esclareceu quer não sabe se o A. procurou trabalho.
3º - A testemunha A. B., cujo depoimento foi inconsistente e contraditório, mas do qual resulta que o A. terá cessado a actividade em 2002; de que o A. falava de um processo onde corria o risco der ser preso; e disse não saber qual o processo da demora.
4.º - As testemunhas D. R. e C. R., filha e esposa do A., não obstante a proximidade do A. produziram depoimentos contraditórios, entre si, mas ambas não puderam, nem souberam identificar o processo da “ demora”, mas sim de forma incongruente a processo onde o A. podia ser preso, sabendo a filha da condenação do pai no processo-crime, e a mãe apenas há cerca de seis meses; ambas situando as mudanças de estados emocionais do A. recuadas no tempo, a filha por exemplo referindo-se logo quando esteve a trabalhar no escritório do pai, em 1997/99, e a mãe, de forma inconsistente apenas data aquelas mudanças há cerca de 5/6 anos.
5º - As testemunhas do R. foram elucidativas da impossibilidade pratica de a tramitação dos processos - sem prejuízo dos factos já provados nos autos - em tempo menor, dado o elevado numero de processos, designadamente processos crime, com réus presos, que têm prioridade sobre os processos de natureza cível.
Em conclusão, o A. não fez prova cabal dos factos contraditórios, já que a prova testemunhal produzida revela-se insuficiente e inadequada para estabelecer qualquer ligação factual entre os estados emocionais do A., e a demora do processo que correu termos na 2. Vara Mista do Tribunal Judicial de Loures, sob o n° processo n° 43/06.0TCLRS.”.
Por conseguinte, frente à motivação indicada pelo tribunal de 1.ª instância para a resposta aos n.ºs 2 a 8 da BI, claudica manifestamente a invocação do Recorrente relativa ao erro decisório por apenas se ter considerado a prova documental e não a testemunhal.
Por fim, é também evidente que dos documentos constantes de fls. 14, 364 a 378, 417 e 422 a 428 dos autos, não se retira, sem margem para dúvidas, a prova dos supra-indicados factos. Mais se nota, que os docs. de fls. 364 a 378 em nada se relacionam como os factos que o Recorrente diz estarem mal julgados.
Como acima se indicou, a modificabilidade da matéria de facto pelo tribunal superior só pode ocorrer quando as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão, diversa da aí tomada. Essa não é evidentemente a situação dos presentes autos, não servindo os documentos indicados pelo Recorrente para alterar a convicção do tribunal de 1.ª instância e a prova fixada.
Em suma, claudicam as alegações do Recorrente quanto ao erro decisório relativamente à matéria de facto.
Porém, porque se verifica que no despacho com resposta à matéria de facto se faz referência à sentença proferida nos autos nº 43/06.0TCLRS e dos autos consta uma certidão emitida pelo Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Loures, 2.º Vara de Competência Mista, datada de 06-07-2012, que anexa a indicada sentença (não obstante omitir o correspondente dispositivo e a data da prolação da decisão) e que refere que tal decisão ainda não tinha transitado em julgado em 06-07-2012, acrescentou-se tal factualidade sob o n.º 19 da matéria de facto, pois este facto releva para a apreciação do presente acção e recurso.

Vem o Recorrente arguir um erro de julgamento e a violação dos art.ºs 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, 20.º, n.ºs. 1, 4 e 5 da CRP, 6.º da CEDH e 483.º, n.º 1, do CC, por não lhe ter sido atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais, quando está provado nos autos que ocorreu um atraso na administração da justiça.
Diz a Recorrente, que tal atraso ocorreu porque a acção n.º 43/06.0TCLRS, que tramitou na 2.ª Vara Mista da Comarca de Loures, foi apresentada em 04-01-2006 e à data da apresentação da PI nesta acção continuava pendente, sendo que ficou parada na secretaria judicial 2 anos e 2 meses.
O direito a uma decisão judicial em prazo razoável foi consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na versão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09.
Esse mesmo direito está também consagrado nos art.ºs. 6.ºe 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04-11-1950 (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10, com depósito em 09-11-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 1/79, de 21-01-1979) e tem igualmente protecção nos art.ºs 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-1948 (publicada no DR de 09-03-1978) e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, com depósito em 15-06-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 187/78, de 16-08-1978).
Por seu turno, o art.º 22.º da CRP consagrava desde a revisão de 1982 (Lei-Constitucional n.º 1/82, de 30-09-1982) um princípio geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas.
Naquela data inicial, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48051, de Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, que não consagrava em termos expressos a responsabilidade do Estado pelo funcionamento defeituoso do serviço público de justiça e designadamente pela delonga anormal na administração da justiça.
Assim, a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias passaram a considerar que o artigo 22.º da CRP determinava um princípio geral de responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício das suas funções – política, legislativa, jurisdicional ou administrativa – e que era uma norma directa e imediatamente aplicável, servindo, por isso, de fundamento para a interposição de uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e culposo (cf. neste sentido, o Ac. do STA, n.º 26535, de 07-03-1989, que deu o mote à alteração jurisprudencial nesta matéria, ou mais recentemente fazendo a referência à anterior jurisprudência o Ac. do STJ n.º 368/09.3YFLSB, de 08-09-2009. Vide também, entre outros, os Acs. do, do STA n.º 0533/09, de 19-11-2009 ou n.º 0122/10, de 05-05-2010 ou n.º 0144/13, de 27-11-2013. Na doutrina, vide, entre outros Jorge Miranda - Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 294-299; do mesmo autor, “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp. 927-934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 496; Gomes Canotilho e Vital Moreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. l, 3ª ed., Coimbra; Coimbra Editora, 1993, pp. 168-169; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, pp. 60- 61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, pp. 576-620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, pp. 7-13; Maria da Glória FP Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, pp. 40-46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pp. 8-9).
Não estando regulamentado aquele princípio para todas as funções do Estado através Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, do sendo o mesmo directamente invocado pelos particulares, caberia aos tribunais criar uma norma de decisão, aplicando o princípio à luz dos critérios gerais de indemnização e justa reparação de danos, que resultassem daquelas actuações do Estado em violação de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos particulares.
No entanto, parte desta doutrina questionava se tal responsabilidade podia abranger a derivada de facto lícito e pelo risco, ou se se limitava apenas à fundada em facto ilícito e culposo. Todavia, porque nestes autos vem pedida a responsabilidade do Estado por atraso na administração da justiça, que se reputa de ilícita e culposa, a discussão acerca da amplitude do artigo 22.º da CRP e da possibilidade de abranger a responsabilidade do Estado por factos lícitos e pelo risco, aqui não importa. Arreda-se, por isso, da matéria em discussão nestes autos, a possibilidade de o artigo 22.º da CRP fundar um pedido de responsabilidade por facto lícito ou pelo risco.
Alicerçando-nos no que vem defendido por tal doutrina maioritária, admite-se agora, portanto, que por aplicação do artigo 22.º da CRP, o Estado podia ser civilmente responsável pelos prejuízos causados ilicitamente aos cidadãos, pelo exercício da função administrativa, decorrente de um atraso na administração da justiça, que ferisse o seu direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável, ainda que se estivesse na vigência do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967.
Tal obrigação enquadrava-se, então, nas normas relativas à responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos e culposos, designadamente pelos artigos 2.º, 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-12-1967 e 487º do Código Civil (CC).
Na vigência do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, era também jurisprudência pacífica e unânime do STA que os pressupostos da responsabilidade civil extra-contracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes assentava na verificação cumulativa dos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos, e que são: o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; e nexo de causalidade entre este e o facto (cf. art.ºs. 483.º a 510.º e 562.º a 572.º do CC).
Entretanto, foi publicada a Lei nº 67/2007, de 31-12, que no seu artigo 12.º vem prever em termos expressos que “é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
A Lei nº 67/2007, de 31-12, mantém em termos idênticos os pressupostos para a efectivação da responsabilidade do Estado na administração da justiça.
Assim, também na Lei nº 67/2007, de 31-12, exige-se, para a efectivação desta responsabilidade a existência de um facto, entendido como um acto conteúdo positivo ou negativo, como uma conduta de um órgão ou do seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas.
No caso, o facto corresponderá ao acto ou à omissão da administração (da justiça, vg. aos tribunais), de proceder à regular tramitação e decisão num processo.
Exige-se, ainda, a ocorrência de uma ilicitude, reconduzível à violação por aquele facto de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, ou à prática de actos materiais que infrinjam tais normas e princípios, ou que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser consideradas (cf. art.ºs. 7.º e 12.º da Lei nº 67/2007, de 31-12).
Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, a jurisprudência nacional, seguindo o entendimento que já vinha sendo tomado pelo TEDH, a propósito da aplicação do art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), vem invocando que para a apreciação da violação do prazo razoável, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais.
Verificada a violação de um dado prazo, essa constatação não será, contudo, o bastante para se concluir pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Diversamente, há então que atender também às circunstâncias do caso concreto: (i) à complexidade do caso - aqui relevando o número de partes ou de testemunhas ou o número de meios de prova a produzir; (ii) o comportamento processual das partes; (iii) a actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e a importância do litígio para o interessado – vg., havendo que apreciar-se o concreto assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor ou os próprios bens que se pretendem salvaguardar com o litígio.
Assim, verificando-se um atraso no cumprimento de prazos por razões ainda justificadas face aos termos do concreto litigio, ou derivadas de comportamentos provocados pelas próprias partes, há que afastar, nestas situações, o preenchimento do conceito de “prazo razoável”.
Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu. Para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita.
Assim, como se defende no STA no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, “Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” (sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, acima citado, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015. Entre a jurisprudência do TEDH remete-se para os Acs. n.ºs. 53615/08, de 25-09-2012, Novo e Silva c. Portugal, 75529/01, de 08-06-.2006, Sürmeli c. Alemanha, 35382/97, de 06-04-.2000, Comingersoll SA c. Portugal, 33729/06, de 10-06-2008, Martins Castro e Alves Correio de Castro c. Portugal, 39297/98, de 08-03-2001, Pinto de Oliveira C. Portugal, 12986/87, de 24-08-1993, Scuderi c. Itália ou 12598/86, de 19-02-1992, Viezzer c. Itália).
Refiram-se, a este propósito, as palavras de Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que “o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que – em princípio, sublinhe-se – a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas” (cf. da Autora, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).
Quanto à culpa, é entendida enquanto um juízo subjectivo ou de censurabilidade, que liga o facto ao agente, por ter praticado a própria conduta ilícita ou por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e adoptar.
Por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto.
Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado. Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
No que concerne ao pressuposto dano, corresponderá à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito.
Atendendo à concreta situação, que não se coaduna com um princípio de restauração natural, aqui afasta-se a regra do 562.º do CC, concretizando-se o direito à reparação pelo dano, sempre, através de uma prestação pecuniária.
Por via da jurisprudência do TEDH tem sido igualmente entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Será um dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça. Logo, a alegação e prova só nestas acções só serão exigíveis nos casos em que os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa).
Seguindo a jurisprudência do TEDH será também possível atribuir às pessoas colectivas uma indemnização por danos não patrimoniais, mas aqui e ficarem alegados e provados nos autos, vg. porque se verifique que da demora resultaram dificuldades de gestão, organização ou planeamento da empresa, danos para a sua imagem ou dificuldades financeiras.
Tal presunção da existência de danos não patrimoniais é, no entanto, ilidível, aceitando-se que haja casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até nenhum dano moral (cf. art.ºs 346.º e 351.º do CC).
Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC, quando indicam que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso, como o grau de culpabilidade do agente (cf. também art.º 41.º da CEDH).
Ainda aqui, há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país (c. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.º 36813/97, de 29-03-2006, Scordino c. Itália, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália).
Ou seja, para aferir do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial deve considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Sobre o assunto, indicando os vários montantes para os casos “semelhantes”, pronunciou-se detalhadamente o STA no Ac. n.º 01004/16, de 11-05-2017, ali se referindo o seguinte: ”quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].
Mais se refira, que atendendo à jurisprudência do TEDH, vão sendo apontados a título meramente indicativo os valores que oscilam entre 1000,00€ e 1500,00€ por cada ano de demora do processo – cf. neste sentido os Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália. Assim apontando Fonseca, Isabel Celeste - “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46; Ac. do STA n.º 07472/11, de 12-05-2011.
Para a efectivação da responsabilidade exige-se, ainda, a verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Aplica-se aqui, tal como para os demais casos da responsabilidade do Estado pelo ilícito, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC, preceito segundo o qual a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Ou seja, só ocorre este nexo quando os danos, em abstracto, são consequência apropriada do facto. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega.
De referir, ainda, que a mais recente jurisprudência do STA em matéria de responsabilidade civil do Estado Português decorrente de atraso na administração da justiça, na esteira do Ac. do TEDH n.º 73798/13, de 29-10-2015, Valada Matos c. Portugal, vem entendendo uniformemente que por força de um princípio da subsidiariedade, e por aplicação dos art.ºs 6.º, 113.º, 34.º, 35.º e 41.º da CEDH, compete, em primeira linha, ao juiz nacional reparar de forma razoável as violações dos direitos e liberdades que vem consagrados naquela Convenção, intervindo o TEDH apenas numa segunda linha, se esgotados os mecanismos nacionais e quando não tenha havido uma resposta reparatória que possa considerar-se satisfatória – cf. neste sentido os Ac. do STA n.º 488/16, de 30-03-2017 e Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017.
Nesta mesma lógica, se se entender que a resposta nacional não é satisfatória, é possível o recurso àquele TEDH para efectivar correspondente o direito indemnizatório, como que duplicando-se as apreciações judiciais sobre o mesmo assunto.
Como se explica no Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017, a possibilidade “de “duplicação” de meios essa que será tão mais frequente quanto menor for a efetividade dos meios indemnizatórios internos em matéria de duração excessiva dos processos judiciais, efetividade a ser aferida à luz dos critérios definidos pelo próprio «TEDH» [e que são os seguintes: i) a ação de indemnização deve ser decidida em prazo razoável; ii) a indemnização deve ser prontamente paga, em princípio, no mais tardar seis meses após a data em que a decisão que concede a indemnização se tornou exequível; iii) as regras processuais que regem a ação de indemnização devem ser conformes aos princípios de equidade garantidos pelo art. 06.º da «CEDH»; iv) as regras sobre custas judiciais não devem representar um encargo excessivo para os litigantes cuja ação é fundada; v) o montante das indemnizações não deve ser insuficiente em comparação com os montantes concedidos pelo Tribunal em casos semelhantes] [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 10.04.2008 (c. «Wasserman v. Rússia/n.º 2», §§ 49 e 51), de 15.01.2009 (c. «Bourdov v. Rússia/n.º 2», § 99), e de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 72/73)], e inerentes decorrências relativamente ao grau de certeza jurídica e de efetividade quanto ao uso do meio contencioso interno para que este possa e deva ser utilizado para os efeitos do art. 35.º, § 1 daquela Convenção [necessidade de esgotamento de «todas as vias de recurso internas»], o qual, no caso português, foi considerado existir, a partir de 27.05.2014, impondo-se, assim e para efeitos do contencioso junto daquele Tribunal, a necessidade do uso/esgotamento dos meios internos após tal data [cfr. o citado Ac. do «TEDH» de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 102/106) em contraposição com o que o mesmo Tribunal havia concluído, anteriormente, no Ac. de 10.06.2008 (c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 56)].
XIV. De notar, ainda, que no quadro do processo deduzido junto do «TEDH» e da possibilidade da sua apresentação quando foi usado também o meio contencioso interno aquele Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 34.º da «CEDH», afere e controla tal uso pela exigência do dever de preenchimento por parte do requerente, mormente, da condição relativa ao ter de deter e de manter a qualidade de “vítima” em todos os estádios do processo [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 07.05.2002 (c. «Bourdov v. Rússia», § 30), de 29.03.2006 (Pleno/Grande Câmara - doravante «GC») (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», §§ 179/182) e de 07.06.2012 (c. «Centro Europa 7 S.R.L. e Di Stefano v. Itália», §§ 80/82)].
XV. E que uma decisão ou uma medida favorável ao requerente só é suficiente para lhe retirar a qualidade de “vítima”, para os efeitos do referido preceito, se as autoridades nacionais reconheceram explicitamente ou em substância, e se repararem a violação da Convenção [cfr. nomeadamente, para além do citado Ac. do «TEDH» de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 180); ainda os Acs. do mesmo Tribunal de 26.07.2005 (c. «Siliadin v. França», §§ 61/63), de 01.06.2010 (GC) (c. «Gäfgen v. Alemanha», § 115), e de 12.09.2012 (GC) (c. «Nada v. Suíça», § 128)], sendo que apenas quando estas condições estejam preenchidas a natureza subsidiária do mecanismo de proteção da Convenção se oporá ou impedirá um exame da queixa [cfr., entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.03.2003 (c. «Jensen e Rasmussen v. Dinamarca (dec.)», I), e de 31.01.2008 (c. «Albayrak v. Turquia», § 32)], na certeza de que a questão de saber se o requerente continua a ser vítima pode também depender do montante da indemnização concedida pelas jurisdições internas e da efetividade (incluindo a prontidão) do “recurso indemnizatório” [vide, entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.12.2001 (c. «Normann v. Dinamarca - dec.», §§ 7/9), e de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 202)].”
Feito o anterior enquadramento, apreciemos, em concreto, o caso dos autos, considerando o que antes ficou dito
Diz a Recorrente que o atraso na administração da justiça ocorreu porque a acção n.º 43/06.0TCLRS, que intentou em 04-01-2006, ficou parada na secretaria judicial 2 anos e 2 meses e porque à data da apresentação da PI nesta acção – em 07-10-2011 - continuava pendente.
Ou seja, o Recorrente funda a ilicitude da conduta do Estado numa acção que se iniciou em 04-01-2006 e numa paragem do processo na secretaria a partir de 02-10-2007.
Já a presente acção foi apresentada em 07-10-2011.
Assim, não obstante a presente acção já ter sido apresentada na vigência da Lei n.º 67/2007, de 31-12, os factos que estão na base do presente pedido de responsabilidade não ocorreram, na sua maioria, ao tempo da vigência deste diploma (que entrou em vigor em 30-01-2008).
A Lei n.º 67/2007, de 31-12, não contém disposições transitórias que regulem a aplicação da lei no tempo. Logo, um caso como o dos autos, há, pois, que recorrer à norma geral do art.º 12.º do CC.
O art.º 12.º, n.º 1, do CC, estipula-se: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
Para efeitos do apuramento da responsabilidade civil do Estado por deficiente administração da justiça, como resulta de toda a anterior exposição, a lei não se abstrai dos factos que dão origem a tal responsabilidade. Logo, a Lei n.º 67/2007, de 31-12, não poderá abranger (toda) a relação já constituída, mas dever-se-á entender que só abrange factos futuros, isto é, a factos que se produziram após a sua entrada em vigor.
Não obstante esta constatação, como acima assinalamos, o actual regime da Lei n.º 67/2007, de 31-12, no que se refere à responsabilidade do Estado por deficiente administração da justiça não se aparta em termos de pressupostos do que já vinha preconizado pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, havendo, também, aqui que se aplicar as normas da CEDH e que seguir a jurisprudência do TEDH.
Por conseguinte, porque ambos os regimes conduzirão a um resultado idêntico, que está assente nos mesmos pressupostos, vamos apreciar a presente causa verificando do preenchimento dos pressupostos para a efectivação da responsabilidade do Estado sem discernir entre o regime previsto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967 e o da Lei n.º 67/2007, de 31-12.
Sem embargo, para decidir da presente acção ter-se-á que entender que se lhe aplicam quer o regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 48051, de 21-11-1967, quer a disciplina da Lei nº 67/2007, de 31/12.
Vejamos, então, a tramitação ocorrida na acção nº 43/06.0TCLRS.
Como decorre da matéria de facto apurada, o A. e ora Recorrente intentou em 04-01-2006 a acção nº 43/06.0TCLRS, que correu termos na 2.ª Vara de Competência Mista de Loures.
Em 19-04-2006 e em 20-04-2006, foram apresentadas contestações e em 22-05-2006 foi apresentada réplica.
Em 02-10-2007 o referido processo foi concluso, tendo sido proferido despacho concedendo ao R. um prazo de 10 dias para juntar aos autos certidão de acórdão proferido no âmbito do processo nº 891/00.5 TALRS. O R. solicitou um prazo adicional para essa junção, sendo que a mesma foi satisfeita em 24-09-2008.
Em 07-02-2006 foi ordenado ao A. para proceder ao pagamento da taxa de justiça inicial e para juntar aos autos procuração, com ratificação do processado.
Em 01-03-2006 o A. daquela acção juntou um requerimento e em 03-03-2006 foi renovado o anterior despacho. Em 17-03-2006, o então A. juntou novo requerimento e em 23-03-2006 foi exarado despacho requerendo informações à Ordem dos Advogados e ao patrono oficioso.
A informação da Ordem dos Advogados foi junta em 27-07-2006 após nova insistência.
Em 02-10-2007 foi proferido despacho para serem juntos documentos ao processo, em 23-10-2007 foi pedida a prorrogação do prazo para se proceder a tal junção e em 31-07-2008 foi deferido o requerido.
Em 02-02-2009 foi proferido despacho para serem juntos aos autos certidões dos procs. 4090/05.1TALRS e 891/00.5TALRS, vindo essa junção a efectivar-se em 01-07-2010, após insistências.
Entretanto, verifica-se, que tendo sido proferida sentença no referido o processo, em 06-07-2012 tal decisão ainda não tinha transitado em julgado.
Assim, da apreciação analítica da tramitação daquela acção, é possível concluir que após a fase dos articulados ocorreram diversas vicissitudes processuais relativas à entrega de certidões e de documentação, que se computou de necessária, que levaram a uma maior delonga de todo o processo.
Na realidade, uma vez entregue a réplica em 22-05-2006, após essa data apenas ocorre o recebimento de uma informação da Ordem dos Advogados e um despacho, datado de 02-10-2007, através do qual se requer para serem juntos aos autos certos documentos.
Em 02-10-2007 foi pedido ao R. para juntar uma certidão em 10 dias, porém, esta só é junta em 24-09-2008, quase um ano depois.
Igualmente, em 02-10-2007, foi determinado para que fossem juntos aos autos certos documentos. Nesse seguimento, em 23-10-2007 foi requerida uma prorrogação do prazo para essa junção. Quanto ao deferimento deste pedido, só ocorre em 31-07-2008, quase um anos depois.
Entretanto, volta a haver um hiato de mais de um ano após 02-02-2009, a data em que se requer a junção aos autos de certidões, que só se efectivam em 01-07-2010.
Ou seja, da factualidade apurada há que aceitar que o processo em questão teve uma delonga, após a fase dos articulados, que não vem justificada, considerando que entre 22-05-2006 e 01-07-2010 o cerne deste processo relacionou-se com o pedido de junção aos autos de duas certidões judiciais e de outros documentos que estariam em poder das partes. Será, portanto, de admitir que o espaço que medeia entre as datas 22-05-2006 e de 01-07-2010 será exagerado para se efectivar a junção aos autos das indicadas certidões judiciais e documentos.
Conforme resulta da cópia da sentença que foi junta aos autos e que foi proferida no proc. n.º 43/06.0TCLRS, naquele processo, que corria como uma acção declarativa com processo ordinário, o ora Recorrente era A. e pedia uma indemnização por danos patrimoniais no valor de €25.911,23 e igual valor por danos morais. Considerava o A. nessa acção – ora Recorrente - que os então RR. o tinham difamado e enganado ao apresentarem uma queixa crime contra si.
Frente ao que ora vem provado, considerando o teor da indicada decisão, não se pode rotular aquele processo de muito complexo ou difícil. Tal processo, na fase dos articulados, teve o rito processual adequado para a correspondente forma processual, a qual ocorreu entre 04-01-2006 e 22-05-2006. Quanto às vicissitudes após essa fase, não obstante terem decorrido num tempo bastante dilatado – entre 22-05-2006 e 01-07-2010 - que acima se mencionou, não remetem para uma complexidade real do processo, pois o que estava em causa era apenas obter duas certidões judiciais e outros documentos que estariam na posse das partes. Face ao conteúdo da sentença, o caso então em análise teve também uma decisão vulgar, que não apelava a diferentes regimes jurídicos, a quadros legais complicados, ou a matéria que gerasse celeuma na doutrina e jurisprudência, de difícil aplicação prática. A decisão apresenta 5 factos, todos alicerçados em prova documental, não tendo ocorrido uma fase de julgamento com a apresentação de outros meios de prova. Portanto, a nível da prova, a questão era também simples. No caso, havia apenas 3 partes, o A. e ora Recorrente e os dois RR.
Em suma, face às circunstâncias do caso, o mesmo tem de reputar-se como de fácil ou muito mediana complexidade. Trata-se de um caso que apresenta um número de partes diminuto e que teve a apresentação de meios de prova muito simples. Quanto ao comportamento das partes no processo, dos dados apurados não resulta que estas tenham litigado com imperícia, ou de forma prejudicial à lide mais célere.
Quanto à importância do litígio para o interessado, estava em causa apenas um pedido indemnizatório, que visava ressarcir o A. e ora Recomente por uma conduta praticada pelos RR. e que o então A. alegava de ilícita. No mais, nada ficou provado nestes autos.
Neste seguimento, atendendo às circunstâncias do caso – e considerando a jurisprudência nacional e do TEDH, acima indicadas - teremos que admitir que foi excessivo quer o tempo de cerca de 4 anos para a tramitação da fase de instrução – porquanto apenas se requeria a junção de prova documental, que seria de fácil acesso – quer o tempo global do litígio de cerca de 6 anos e 5 meses – pois a PI foi apresentada em 04-01-2006 e em 06-07-2012 ainda não teria ocorrido uma decisão final pela 1ª instância, transitada em julgado.
Como acima se indicou, o TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais, vêm assinalando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância, o período de 3 anos.
O processo ora em questão demorou pelo menos 6 anos e 5 meses, mais do dobro do tempo que vem sendo apontado pelo TEDH.
Como se disse, o referido processo, não obstante a sua delonga, era um processo simples, que teve a prova adstrita à documental e que não clamava pela aplicação de um quadro legal difícil ou complexo. Quanto ao grosso do tempo da demora, ocorreu entre a fase dos articulados e a fase da decisão, não porque tivesse ocorrido uma fase de instrução complicada, mas porque foram muito espaçados os tempos de permanência do processo em secretaria e dos correspondentes despachos em que se pediu a entrega de prova, ou que que se reafirmou os anteriores pedidos.
Por conseguinte, ainda que não se possa rotular o tempo de 6 anos e 5 meses como de claramente exagerado, quando comporte o total da tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância, com todas as suas possíveis vicissitudes, ainda assim, frente ao caso concreto – e atendendo à jurisprudência do TEDH, que se tem de seguir - há aqui que concluir pela ocorrência de uma violação do direito à justiça num prazo razoável.
Está, pois, verificado o requisito da ilicitude que dá lugar à obrigação de indemnizar.
No que concerne à culpa, existirá uma culpa de serviço, uma culpa globalmente considerada. Ou seja, a administração da justiça não funcionou de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, desde logo porque não conseguiu efectivar num tempo mais curto e portanto mais razoável a junção aos autos das certidões e documentação requerida e, consequentemente, porque não se prolatou a decisão com maior prontidão (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Como decorre do antes indicado, o TEDH tem também entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Tal prova só se exigirá quendo os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações.
Assim, sem embargo de o A. não ter conseguido provar a existência de danos nesta acção, seguindo a jurisprudência do TEDH, há que admitir que porque o processo n.º 43/06.0TCLRS demorou ao todo 6 anos e 5 meses, quando haveria de demorar cerca de 3 anos, o acrescento de tempo para além do indicado prazo de 3 anos terá provocado danos não patrimoniais ao A., entendidos enquanto danos comuns, que se apuram de acordo com as regras da vida. Tais danos serão os inerentes a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça.
Aqui, o montante do dano não patrimonial há que se fixado equitativamente, seguindo as regras dos art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC (e art.º 41.º da CEDH).
O lesante é o Estado, o lesado um particular e a culpa do agente será diminuta, considerando que a demora ocorreu por culpa do serviço e, sobretudo, porque não foram sendo apresentados os documentos pedidos e o processo foi sendo concluso de forma muito espaçada pela secretaria.
Face às circunstâncias do caso – um mero pedido de indemnização, que acabou julgado improcedente – o atraso verificado apresentará um relevo (objectivo) diminuto para o A. e ora Recorrente (sendo mais relevante para os RR daquela acção, que foram absolvidos do pedido apresentado pelo então A.).
A jurisprudência do TEDH impõe que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico à atribuída por aquele TEDH para casos semelhantes. Nesse mesmo sentido, segue a jurisprudência do STA.
Assim, seguindo a indicação que é dada no Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017 e a jurisprudência do TEDH – vg. nos Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália - pelos cerca de 3 anos que a acção terá demorado a mais, será razoável fixar a indemnização a conceder em 2.500,00€.
Tal valor compensará o A. e Recorrente pelos danos que terá tido advenientes do inconveniente de ver tramitar com uma maior delonga a acção que intentou em tribunal.
Como decorre dos autos, o A. não logrou provar nesta sede os danos que clamava na PI. Portanto, a indemnização que ora se atribuiu é apenas a que se presume – seguindo a jurisprudência do TEDH - e não a que vem concretamente alegada e não foi dada por provada.
Quanto ao pedido feito pelo A. e Recorrente para que tal indemnização se compute em 25.000,00€, falece claramente, por se tratar de um valor muito acima daquele que vem sendo apontado pelo TEDH e pelo STA.
Quanto aos danos patrimoniais, não ficaram igualmente provados e o A. não impugna a decisão recorrida nesse segmento.
Porque se terá de revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, terá também que se alterar o seu segmento na parte em que condenou o A. na totalidade das custas.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido do A. para lhe ser atribuída uma indemnização, por atraso na administração da justiça, no valor de 25.000,00€, para ressarcimento de danos morais;
- em substituição julgar a indicada acção parcialmente procedente e condenar o R. Estado a pagar ao A. e Recorrente uma indemnização, por atraso na administração da justiça, no valor de 2.500,00€, para ressarcimento de danos não patrimoniais;
- custas pelo A. em 1.º instância, na proporção do decaimento, que se fixa em 80%, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido;
- custas pelo A. na instância de recurso, na proporção do decaimento, que se fixa em 60%, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido;
- 0 R. está isento de custas em 1.ª e 2.ª instância.

Lisboa, 19 de Abril de 2018.
(Sofia David)

(Carlos Araújo)

(José Correia)