Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1060/09.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CIRC
ART. 18.º
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS
Sumário:Não se verifica a violação do princípio da especialização dos exercícios, designadamente do disposto no art. 18.º, n.º 3, a), do CIRC na situação em que a Impugnante alega, mas não prova, que a tradição dos imóveis para os promitentes compradores ocorreu no exercício anterior ao da outorga da escritura de compra e venda.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 2.ª SUBSECÇÃO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

O... - O..., S.A veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.° 851 001 4653, relativa ao exercício de 2004, no valor global de € 182.218,36.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as conclusões seguintes:


I. A Recorrente não se conforma com a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 29 de Setembro de 2014.
II. Tal decisão, que considera a impugnação judicial apresenta pela Recorrente improcedente, é ilegal na medida que não reflete a realidade dos factos nem atende à prova produzida.
III. Assim, na sequência de uma inspecção externa à O... foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária que acrescenta no lucro tributável referente ao exercício de 2004 os proveitos relativos a quatro fracções do empreendimento" C...".
IV. Nesta medida foi a referida empresa notificada de uma liquidação de IRC no montante de € 182.218,36.
V. Todavia, os custos e proveitos das designadas fracções, assim como de todas as restantes fracções do empreendimento "C...”, foram declarados em 2003.
VI. Pois, na verdade foi em 2003 que o empreendimento foi concluído e que as respectivas fracções foram vendidas.
VII. Ora, estes factos foram alegados e comprovados nos autos de impugnação.
VIII. Assim, de acordo com a prova produzida o empreendimento em discussão foi construído em 2003 e nessa altura todas as fracções do mesmo se encontravam vendidas.
IX. Deste modo, foram registados contabilisticamente naquele mesmo exercício os proveitos e custos inerentes ao empreendimento.
X. Aplicando-se, assim, o princípio da especialização do exercício, segundo o qual os proveitos devem ser declarados na data em que se opera a entrega ou expedição do bem, só sendo relevante a transmissão formal do direito de propriedade se ocorrer em momento anterior à entrega.
XI. Assim, o Tribunal a quo não valorou devidamente o depoimento das testemunhas e a prova por essa via produzida na audiência para produção de prova realizada no dia 04.02.2014.
XII. Nem tão pouco valorou a prova documental junta ao processo.
XIII. Pelo depoimento das testemunhas pode-se concluir que:
- O empreendimento foi concluído em 2003;
- Obteve licença de utilização no ano de conclusão, isto é 2003, e
- Que à data da conclusão da obra as fracções já estavam vendidas e entregues.
XIV. Corroborando com o supra referido, há que ter em conta as actas das Assembleias de Condomínio e lista de proprietários referentes ao ano de 2003 apresentadas durante a audiência, atesta-se que o nome da O... já não consta da lista de proprietários.
XV. Assim como das notas de débito passadas a todos os condóminos não consta o nome da O....
XVI. Todas as testemunhas foram unânimes ao afirmarem que a referida obra foi efectivamente concluída em 2003 e que as fracções já estavam vendidas no ano da conclusão.
XVII. Na verdade, o imposto devido referente às fracções em causa já tinha sido devidamente apurado, liquidado e pago em 2003.
XVIII. Posto isto, estamos perante uma liquidação adicional totalmente injustificada e violadora da lei constitucional, portanto ilegal.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado pleno provimento ao presente recurso e em consequência ser revogada a sentença ora recorrida, substituindo-se por outra que julgue procedente a impugnação, com todas as legais consequências.
Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer a costumada Justiça!»

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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e direito aferindo se a prova documental e testemunhal produzida foi devidamente valorada pelo tribunal.

II. FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:



A) A Impugnante exerce a actividade de «Compra e Venda de bens Imobiliários» - CAE 070120. (Doc fls. 112/125 do PAT)

B) A Impugnante em sede de IRC encontra-se tributada pelo regime geral de determinação do lucro tributável. (Doc fls. 112/125 do PAT)

C) Em cumprimento da Ordem de Serviço OI200805377, com despacho de 22.10.2008, foi determinada uma acção de inspecção externa para verificação do IRC, relativo ao exercício de 2004. (Doc fls. 112/125 do PAT)

D) Na sequência da acção de inspecção a que alude a al.C) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), do qual se destaca:
«III. Descrição dos Factos e Fundamento das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Colectável
Como já foi referido no ponto anterior, em acção de inspecção ao exercício de 2003 foram efectuadas correcções ao lucro tributável com recurso à aplicação de métodos indirectos. Os motivos para o recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável, foram, resumidamente, os seguintes:
1. Omissão de proveitos resultante da venda de fracções, escrituradas e de registadas na contabilidade da empresa, por um valor inferior ao valor real da transacção.
2. Recusa na apresentação da contabilidade do exercício de 2003, mesmo após notificado para o efeito.
Já no decurso da acção inspectiva ao exercício de 2004, não tivemos o mesmo impedimento, uma vez que o sujeito passivo nos exibiu a contabilidade, tendo apresentado todos os elementos soicitados, nomeadamente balancetes contabilísticos, extractos de conta e documentos de suporte.
Procedemos então à análise destes elementos, não tendo encontrado qualquer irregularidade à excepção da constatação de que o sujeito passivo não registou o proveito referente à venda das quatro últimas fracções (C, O, V e X) que ainda possuía, no edifício ”C...” (artigo ... da freguesia 111006) e que foram vendidas no ano de 2004, como constatámos por consulta ao sistema informático dos nossos serviços, cujos comprovativos se juntam em anexo 1.
O edifício ”C...” foi construído e comercializado pela O..., que vendeu a quase totalidade das suas fracções no ano de 2003, tendo registado nesse ano, não só o proveito da venda das fracções vendidas em 2003, como também o proveito referente às quatro fracções vendidas em 2004, conforme pudemos constatar no decurso da acção inspectiva efectuada ao ano de 2003.
Conjugando o n.° 1 do artigo 18.0 do CIRC, que impõe o cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, com a alínea b) do número 2 do artigo 19.0 do CIRC, que obriga à utilização do critério da percentagem de acabamento nas obras efectuadas por conta própria vendidas fraccionadamente, à medida que forem sendo concluídas e entregues aos adquirentes, concluímos terem sido erradamente registados no ano de 2003 os proveitos correspondentes às fracções vendidas no ano de 2004.
Por este motivo, quando apurámos o lucro tributável de 2003 desta sociedade, com recurso à aplicação de métodos indirectos, apenas considerámos os valores correspondentes aos proveitos das fracções vendidas em 2003, isto é, expurgámos do lucro tributável de 2003 os valores das fracções vendidas em 2004.
Tendo em conta este facto, haverá assim a acrescer ao lucro tributável declarado pela O..., os proveitos relativos às fracções efectivamente vendidas em 2004, que totalizaram €787.500,00, conforme se discrimina:
«Imagem no original»


Salienta-se que os valores patrimoniais tributários definitivos das fracções O e V vieram a ser de €210.050,00 e de €160.470,00 respectivamente, o que representa uma diferença positiva de €3.020,00 em relação aos valores constantes das escrituras públicas de compra e venda destes imóveis. Este facto originou que, nos termos da alínea a) do n.° 3 do artigo 58.0 - A do CIRC, o contribuinte tenha procedido à entrega, em 30 de Janeiro de 2008, de uma declaração de rendimentos de substituição ao ano de 2004 na qual, correctamente, é acrescido este montante ao resultado líquido deste exercício.
Como a contabilidade da sociedade foi certificada, em 2003 e 2004, por uma Revisora Oficial de Contas - a ... - em cuja Certificação Legal das Contas nada é referido quanto a estas quatro fracções, inquirimo-la sobre se "tinha conhecimento que a empresa registou na contabilidade do exercício de 2003, o proveito referente à venda das fracções C, O, V e X, pertencentes ao edifício "C..." (artigo ... da freguesia 111006), as quais vieram a ser vendidas no ano de 2004 ", tendo esta afirmado ditando "que nos termos do artigo 19° do Código do IRC considerando que a obra tinha um grau de acabamento de 100% os resultados da obra têm de ser reconhecidos nesse exercício pelo que a empresa procedeu correctamente independentemente da escritura ter sido celebrada em 2004", conforme termo de declarações que se lavrou e que se junta em anexo 2.
Analisando o argumento esgrimido pela Revisora Oficial de Contas, o qual poderá ter fundamento em termos meramente contabilísticos, tendo em conta que a doutrina contabilística consagrou dois métodos contabilísticos para o tratamento de obras de carácter plurianual (conforme expõe a directriz contabilística n.°3/91), mas que não colhe em sede de IRC, pois, pese embora o número 1 do artigo 19.0 do CIRC admita, igualmente, a utilização dos dois métodos, a selecção da utilização de um ou de outro método não cabe ao contribuinte, encontrando-se sim fortemente restringida pelo número 2 do mesmo artigo.
De facto, o n.° 5 do artigo 18.0 do CIRC considera a hipótese dos proveitos e custos relativos a actividades de carácter plurianual poderem ser repartidos por diversos períodos, atendendo ao ciclo de produção ou tempo de construção. Por sua vez o artigo 19.0 do CIRC estabelece algumas regras a ter em conta relativamente ao apuramento das obras de carácter plurianual, com vista a estabelecer uma correlação temporal entre custos e proveitos de um mesmo exercício. Assim, a legislação fiscal permite a utilização de dois critérios neste tipo de actividades: O critério do encerramento da obra e o critério da percentagem de acabamento.
No que respeita à aplicação do primeiro - o critério do encerramento da obra vem o n° 3 do artigo 19° do CIRC estatuir que, sempre que esteja estabelecido o preço no contrato ou conhecido o preço de venda, a obra é considerada concluída logo que o seu grau de acabamento seja igualou superior a 95%, sendo a forma de cálculo do grau de acabamento a que consta no n. ° 4 do mesmo artigo.
Relativamente ao segundo critério - percentagem de acabamento - os resultados são relevados contabilisticamente de acordo com o estado de evolução da obra sendo a sua utilização obrigatória no caso de obras efectuadas por conta própria vendidas fraccionadamente à medida que forem sendo concluídas e entregues aos adquirentes, ainda que não sejam conhecidos exactamente os custos totais das mesmas.
No caso em apreço, não poderia ter sido utilizado o critério de encerramento da obra, com o argumento de que a obra estaria concluída em 100%, sendo que os resultados relativos à venda de fracções autónomas de imóveis teriam de ser apurados de acordo com o critério da percentagem de acabamento, conforme o estatuído no número 2 do artigo 19.º do CIRC, conjugado com a circular n. ° 5190, de 17 de Janeiro.
As correcções de IRC serão assim resumidamente as seguintes:



(Doc fls. 112/125 do PAT)

E) Em 18.06.2009, a Impugnante foi notificada da Demonstração da Liquidação de IRC n.° 851 001 4653, no montante de € 182.218,36 relativa ao exercício de 2004. (Doc n.°1 junto à p.i. e fls. 97 do PAT)

F) Em 29.04.2003, reuniu-se a Assembleia Geral de “Condóminos do Condomínio Habitacional C... dando lugar à elaboração da Acta n.° 1 da qual consta designadamente o seguinte: «(...) estando presentes todos os condóminos, representados, pelo Promotor — O...-SA-proprietária de todas as fracções (A a AR) (...)» ( Doc fls.198 dos autos)

G) Em 25.09.2003, reuniu-se a Assembleia Geral de “Condóminos do Condomínio Habitacional C... dando lugar à elaboração da Acta n.° 2 da qual consta designadamente o seguinte: « (...) estando presentes ou representados os proprietários das seguintes fracções B, C, D, E, F, H, I, J, M, N, O, P, R, S, T, U, V, X, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AJ, AL, AM, NA, AO, AP, AQ e AR(...)» ( Doc. fls.199/202 dos autos)

H) Em 16.02.2004, reuniu-se a Assembleia Geral de “Condóminos do Condomínio Habitacional C... dando lugar à elaboração da Acta n.° 3 da qual consta designadamente o seguinte: «(...) Estiveram presentes ou representados os proprietários das seguintes fracções B, D, E, H, I, J, M, N, P, T, V, AA, AB, AC, AD,AE, AF AG, AH, AJ, AL, AM, AN, AP, AQ e AR.» ( Doc fls. 202/204 dos autos)

I) Em 31.01.2004, reuniu-se a Assembleia Geral de “Condóminos do Condomínio Habitacional C...” dando lugar à elaboração da Acta n.° 4 da qual consta designadamente o seguinte: «Estiveram presentes ou representados os proprietários das seguintes fracções B, C, H, I, J, N, P, R, U, V, AA, AB, AF, AG, AJ, AM, AN, AP, AQ e AR.» ( Doc fls. 205 dos autos)

J) Os contratos de promessa tendo por objecto as fracções do prédio «C...» foram realizados no ano de 2003. (Depoimento da 1a Testemunha)

K) A obra referente ao prédio «C...» foi concluída no ano de 2003.(Depoimento da 1a, 2a , 3a e 4a Testemunha)

MOTIVAÇÃO DE FACTO
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos reportados em cada urna das alíneas do probatório em concatenação com o depoimento das testemunhas inquiridas.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se consideram as demais asserções por constituírem considerações pessoais da impugnante, conclusões de facto e/ou direito
As testemunhas declaram que a obra do prédio «C...» ficou concluída no ano de 2003 data em que foram celebrados os contratos de promessa das respectivas fracções, contudo pese embora a prova documental carreada para os autos, não foi feita prova que a transmissão das fracções em causa ocorreu no ano de 2003, ou seja, em data anterior à celebração das escrituras.
Declarando a 5ª Testemunha (Responsável da Obra) não saber se as fracções estavam ocupadas.»
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Conforme resulta dos autos, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou improcedente a impugnação da liquidação adicional de IRC de 2004, entendendo, em síntese que não se verificavam os vícios invocados.

A Recorrente Impugnante não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento de facto e direito face à prova documental e testemunhal produzida que não foi devidamente valorada pelo tribunal. Entende que resultou provado que foi em 2003 que o empreendimento foi concluído e respetivas frações “vendidas”, pelo que aplicando o princípio da especialização dos exercícios os proveitos em causa devem ser declarados na data em que se opera a entrega ou expedição do bem.

Portanto, das conclusões de recurso, em conjugação com as alegações resulta que a tese da Recorrente é a de que a sentença enferma de erro de julgamento na medida em que os proveitos relativamente às frações em causa encontram-se corretamente refletidos no exercício de 2003 face ao princípio da especialização dos exercícios. Entende que resultou provado da prova documental e testemunhal que as obras do empreendimento foram concluídas em 2003 e entregues aos adquirentes das frações nesse mesmo exercício.

Nesse contexto, nas alegações de recurso, a Recorrente indica várias passagens dos depoimentos das testemunhas pretendendo que se dê como provado que o empreendimento foi concluído em 2003, bem como as respetivas frações “vendidas” nesse mesmo exercício.

Foi cumprido, minimamente, o ónus previsto no art. 640.º do CPC, contudo, as passagens dos depoimentos indicados pela Recorrente são manifestamente insuficientes para que o tribunal possa alterar a matéria de facto no sentido pretendido.

Senão, vejamos.

Ao contrário do que defende a Recorrente o depoimento da testemunha A... apesar de referir que no exercício de 2003 foram feitas todas as escrituras e tradição, é desacompanhado de qualquer detalhe pormenorizado, é demasiado generalista, não precisa relativamente a cada uma das frações em que data e condições financeiras se operou a tradição. Ora, é preciso não olvidar que as escrituras públicas referentes às frações em causa foram outorgadas em 2004, e respetivo IMT que foi pago nesse momento, o que demonstra que a “venda” foi efetivamente em 2004, por isso importava demonstrar que houve tradição anterior, mas de forma detalhada, nomeadamente, em que data e em que condições contratuais, o que manifestamente não foi feito. Por outro lado, releva também o facto de a testemunha ser sócia de uma empresa que dava apoio à contabilidade da impugnante, e nessa medida, por um lado, existe uma ligação à Impugnante que tem de ser valorada relativamente à força probatória do seu depoimento, e por outro lado, também importa valorar que na sua situação profissional teria condições de detalhar o conhecimento desses factos, o que não fez, e nessa medida, o seu depoimento é frágil, face à demais prova documental junta aos autos.

De igual modo, o depoimento da testemunha M..., pese embora também seja no sentido de conclusão da obra, a verdade é que relativamente à tradição das frações nada é referido, repare-se que esta afirma que estavam “vendidas” as frações em 2003, ainda que não tivesse havido um ato formal de transmissão, mas não se afirma claramente que houve entrega física da fração e em que condições financeiras e outras circunstâncias que concretizem uma eventual tradição, o que poderia ter feito por ser a Revisora Oficial de Contas da Impugnante. Aliás, o que transparece do seu depoimento é que para a testemunha o que relevava era tão-somente o critério do encerramento da obra, o que aliás está em plena consonância com a tese que já tinha defendido perante os inspetores tributários no âmbito da ação de inspeção (cf. alínea D) dos factos provados). Sucede que, tal como se refere no relatório de inspeção, o tratamento contabilístico é diferente do fiscal, regendo em matéria fiscal o art. 19.º, n.º 2 do CIRC que impõe que os resultados sejam apurados segundo o critério da percentagem do acabamento.

No que diz respeito ao depoimento da testemunha M..., este também não conduz à prova da entrega ou tradição das frações ora em causa, face à prova documental junta aos autos, sendo também de salientar que uma vez mais esta testemunha também tem ligações à atividade da Impugnante, uma vez que prestou serviços a esta. Apesar desta testemunha referir que todas as frações foram entregues em 2003, a verdade é que, uma vez mais, trata-se de uma declaração sem qualquer detalhe, sem qualquer enquadramento financeiro e comercial dos termos dessa entrega de frações, e, portanto, também não poderá ter o valor probatório pretendido pela Recorrente. O mesmo se diga do depoimento da testemunha R..., que para além de ter trabalhado para uma empresa do grupo da Impugnante não densifica o seu depoimento em moldes convincentes.

Por fim, relativamente ao depoimento da testemunha F... que é Administrador do condomínio que na parte do depoimento identificado pela Recorrente apenas denota conhecimento de que as frações estavam “vendidas” o que significa no seu entendimento que haveria contrato-promessa, porque como resulta claramente dos autos a venda só ocorreu com a outorga das escrituras de compra e venda em 2004. E relativamente ao facto do nome da O... não constar como proprietária nos documentos em causa, como bem se refere na sentença recorrida a verdade é que a ata do condomínio não refere quem são os proprietários das frações (cf. alínea G) dos factos provados), e diremos mais, na ata não consta a assinatura correspondentes às frações em causa, mas da mesma já constam assinaturas referentes a outras frações, o que fragiliza o valor probatório da demais documentação relacionada com a ata, pelo que também nesta parte improcede a impugnação da matéria de facto.

Sublinhe-se, uma vez mais, é preciso ter presente que as escrituras públicas referentes às frações em causa foram outorgadas em 2004, e respetivo IMT que foi pago nesse momento, o que demonstra que a “venda” foi efetivamente em 2004, por isso importava demonstrar que houve tradição anterior, mas de forma detalhada, nomeadamente, em que data e em que condições contratuais, o que manifestamente não foi feito.

Repare-se a fragilidade da prova testemunhal face à prova documental, mal se compreende que a Impugnante concedesse a tradição das frações antes da outorga das escrituras de compra e venda sem que os respetivos contratos-promessa estabelecessem as condições dessa tradição de modo a salvaguardar os seus interesses. Também poderiam ter sido juntos os documentos que provassem o pagamento da totalidade do preço em momento anterior ao da outorga das escrituras, mas também não foram juntos. De igual modo, impressiona o facto de existirem compradores que confessaram que o preço escriturado das frações foi inferior ao efetivamente pago, nomeadamente os das frações O e V o que originou a alteração dos valores de venda dessas frações ainda em sede de ação de inspeção (cf. alínea D) dos factos provados), e impressiona de igual modo, o facto de nenhum dos compradores ter pago o respetivo imposto de transmissão do imóvel em momento anterior às escrituras.

Pelo exposto, importa concluir que improcede a impugnação da matéria de facto, e consequentemente, não se verifica a violação do princípio da especialização dos exercícios, designadamente do disposto no art. 18.º, n.º 3, a), do CIRC (cf. art. 12.º das alegações de recurso que complementa a conclusão X), considerando que não resultou provado que a tradição das frações em causa tivesse ocorrido em 2003.

Ora, face ao exposto, não se verifica a violação dos princípios da tributação pelo lucro real consagrado no art. 104.º, n.º 2 da CRP, da legalidade fiscal, do Estado de Direito, da capacidade contributiva, da igualdade desde logo porque, por um lado, em momento algum resultou provado que os rendimentos em causa pudessem ser contabilizados em 2003, por falta de prova cabal da Recorrente da entrega dos imóveis aos promitentes-compradores, por outro lado, no próprio relatório de inspeção tributária se faz expressamente referência que os valores contabilizados em 2003 foram devidamente expurgados pelos serviços de inspeção, e portanto não foram considerados nesse exercício, ao contrário do que defende a Recorrente.

A verdade é que a Recorrente se limitou a alegar que houve conclusão e entrega das obras aos adquirentes das frações, mas a prova produzida foi demasiado vaga e frágil como supra exposto, quando o que resulta certo e seguro é que não houve pagamento de imposto de Sisa em 2003 relativamente a qualquer uma das frações, houve adquirentes que confessaram tê-las adquirido por preço superior, e em momento algum foram apresentados contratos-promessa que mencionassem a tradição das frações, nem tão-pouco foi arrolada como testemunha qualquer um dos adquirentes das frações, mas tão-somente pessoas do âmbito das relações da Impugnante, e mesmo assim, prestaram depoimentos genéricos sem a força probatória que a Recorrente lhes confere.

Pelo exposto, e sem mais considerações por desnecessárias, improcedem todas as conclusões de recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. vencida nesta instância a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Não se verifica a violação do princípio da especialização dos exercícios, designadamente do disposto no art. 18.º, n.º 3, a), do CIRC na situação em que a Impugnante alega, mas não prova, que a tradição dos imóveis para os promitentes compradores ocorreu no exercício anterior ao da outorga da escritura de compra e venda.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.


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Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 30 de setembro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Susana Barreto