Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:862/07.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMT
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
ERRO DECLARATIVO
VÍCIOS DA VONTADE
PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
RATIO LEGIS
Sumário:I-O legislador do IMT criou uma ficção legal de transmissão na outorga de procurações irrevogáveis e ulteriores substabelecimentos, dando superior relevo à substância dos atos que ao próprio formalismo jurídico, porquanto pese embora não seja uma transmissão para efeitos civis, foi criada essa ficção para efeitos de sujeição a IMT.
II-A letra do artigo 2.º, nº3, alínea c), do CIMT, não distingue quanto aos poderes de alienação, ou seja, nada permite inferir que apenas abarca os poderes de disposição total não subsumindo os poderes de alienação da quota de cada um dos comproprietários.
III-Não pode existir uma assunção generalizada e acrítica de que são irrelevantes todos e quaisquer factos posteriores à outorga dos instrumentos de procuração e de substabelecimento, mormente, o erro declarativo negocial, condição resolutiva, ou resolução do ato subjacente, sendo certo que quanto as estas últimas circunstâncias, o próprio artigo 45.º do CIMT permite inferir o contrário.
IV-Aplicando-se à procuração e ao instrumento de substabelecimento as regras relativas à falta e vícios da vontade, e resultando da factualidade assente que emitida uma declaração na qual a Declarante reconhece uma divergência inconsciente entre a vontade e a declaração, queria-se uma coisa, mas, por erro, declarou-se outra, ou seja, estipulou-se que o substabelecimento era conferido no interesse do procurador substabelecido e que por isso não seria revogável, quando não era isso que se pretendia estabelecer, porquanto apenas se pretendia a intervenção como mandatário, ter-se-á de reconhecer e valorar tal erro no contexto negocial e enquanto tal (236.º, nº2 do CC), quando, ademais, do conjunto da demais prova carreada aos autos se extrai e valida, com clareza, esse mesmo erro.
V-Esta é também a interpretação que melhor se compatibiliza com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da justiça¸ visto que apenas se pode justificar que seja tributado como se fosse proprietário o procurador/substabelecido a quem sejam atribuídos os direitos correspondentes ao direito de propriedade, e que tenha sido clausulado, de forma consciente e eivada de qualquer erro, a irrevogabilidade da procuração, no caso do substabelecimento.
VI-Interpretação esta coadjuvada com a própria ratio legis implementada pela norma, no sentido de que o que se pretende obstar é que, através da procuração, se confira ao representante legal um resultado económico equivalente ao do exercício do direito de propriedade, assim evitando a tributação em IMT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), no valor de €1.396,38.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso consiste em aferir se o substabelecimento da procuração irrevogável, datado de 14-01-2004, outorgado ao ora impugnante constitui um facto tributário sujeito a IMT.

II. Em 14-01-2004 foi outorgado subestabelecimento da procuração, no interesse do ora impugnante, não podendo aquele ser revogado sem o acordo deste último, conforme resulta provado no ponto 6 do probatório.

III. Estabelece o n.º 1 do art.º 2 do CIMT que «O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados em território nacional».

IV. Diz o seu n.º 3 que «Considera-se que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga dos seguintes actos ou contratos:

c) Outorga de procuração que confira poderes de alienação de bens imóveis ou de partes sociais a que se refere a alínea d) do n.º 2 em que, por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração».

V. Assim do disposto no art.º 2°, n°. 3, alínea c), do CIMT resulta que apenas se exige que a procuração, cumulativamente: confira ao procurador poderes de alienação do imóvel, para si ou para terceiro; e que seja irrevogável.

VI. Considerou a douta sentença que “ Só se o específico ato de substabelecimento, praticado no interesse do procurador substabelecido e com cláusula de irrevogabilidade, transferisse o poder de alienar o bem - o que não sucedeu no caso -, poderia prefigurar-se a incidência de IMT. Donde, não pode ter-se verificado o facto tributário que a AT considerou preenchido no ato tributário sob sindicância”

VII. Não se conforma a Fazenda Pública com o supra entendimento da sentença ora recorrida pois resulta do ponto 6 do probatório que no subestabelecimento da procuração outorgada ao impugnante se incluem poderes para alienação do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Oeiras S. Julião da Barra, sob o artigo ....., fração E.

VIII. Aliás a própria sentença recorrida refere que ao ora impugnante foi outorgado subestabelecimento da procuração com “poderes para contratualmente alienar a parte que ao Sr. H..... cabia na contitularidade da fração autónoma identificada nos autos (e que, conjugada com a procuração outorgada no mesmo dia pela Sr.ª Dr.ª C....., sem cláusula de irrevogabilidade, permitia a alienação do direito de propriedade sobre o imóvel”. (sublinhado nosso).

IX. Com a outorga de procuração irrevogável, a transmissão da propriedade considera-se consumada com a emissão da procuração, independentemente da ocorrência de qualquer outro facto, sendo as procurações irrevogáveis tratadas no CIMT como verdadeiras compras e vendas de imóveis

X. Como no próprio Preâmbulo do CIMT se reconhece é também irrelevante que se utilizem ou não os poderes conferidos na procuração, ou que não tenha existido qualquer tradição do imóvel, nem o pagamento do preço se exige.

XI. Face ao supra exposto não se pode conformar a Fazenda Pública com o entendimento da sentença recorrida segundo o qual “Não existindo “transmissão onerosa de imóvel” promovida pelo procurador subestabelecido, não estão preenchidos os pressupostos da tributação (…).

XII. Com efeito a obrigação constitui-se no momento em que ocorre a transmissão, cf. art.º 5.º n.º 2 do CIMT.

XIII. Ou seja, o facto tributário sujeito a imposto consumou-se com a outorga da procuração irrevogável ao ora impugnante, sendo irrelevantes os factos subjacentes ou posteriores, que se verificarem por acordo das partes.

XIV. Aliás, a ser verdade que as partes não pretendiam a cláusula de irrevogabilidade então o caminho a trilhar seria o da anulação do ato com os efeitos ex tunc, previsto no art.º 289.º do CC.

XV. Refere ainda a douta sentença que «o desígnio subjacente à solução legal presente no art.º 2 n.º 3 alíneas c) e d) do CIMT é, de harmonia com o exposto, o de atalhar à evasão fiscal, assumindo-se que, munido de uma das designadas procurações (ou subestabelecimentos) irrevogáveis, na prática o mandatário fica com o poder de alienar o bem a terceiros sem pagamento de imposto».

XVI. De acordo com o disposto na alínea f) do art.º 4 do CIMT «Nas situações previstas nas alíneas c) e d) do n.º 3 do art.º 2, o imposto é devido pelo procurador ou por quem tiver sido subestabelecido, não lhe sendo aplicável qualquer isenção ou redução de taxa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 22».

XVII. Das disposições citadas resulta que a outorga de subestabelecimento de procuração com poderes de alienação de prédio urbano ou parte dele, integra o conceito de transmissão de bens imóveis, sendo o sujeito passivo do imposto em tal ato transmissivo o procurador subestabelecido, no caso, o aqui impugnante.

XVIII. Ou seja, a liquidação deste imposto deveria assim ter sido efetuada a pedido do sujeito passivo – neste caso, o ora impugnante – antes da outorga do subestabelecimento da procuração, nos termos do artigo 22.º n.º 2 do CIMT. O que não sucedeu no caso sub judice.

XIX. Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 19 do CIMT, não tendo o impugnante solicitado a emissão da correspondente liquidação referente ao ato sujeito a imposto – subestabelecimento de procuração irrevogável – a AT emitiu a liquidação oficiosa ora impugnada.

XX. A atuação da AT cumpriu o desígnio subjacente à solução legal presente no art.º 2 n.º 3 alíneas c) e d) do CIMT o qual consiste em desincentivar o recurso à procuração irrevogável como meio fraudulento de obviar o pagamento do imposto através da pratica de negócio com um fim economicamente semelhante (sendo irrelevantes factos posteriores que tenham impedido a transmissão onerosa do bem sobre o qual versou o subestabelecimento outorgado).

XXI. Face ao supra exposto conclui a Fazenda Pública que se revelam cumpridos os requisitos cumulativos exigidos pelo art.º 2°, n°. 3, alínea c), do CIMT e, assim sendo, o caso sub judice integra o conceito de transmissão de bens imóveis, sendo o sujeito passivo do imposto em tal ato transmissivo o procurador subestabelecido, no caso, aqui o impugnante.

XXII. Assim sendo é manifesto que a Administração Tributária fez uma correta interpretação das normas legais aplicáveis ao caso concreto pelo que deve o ato tributário ora impugnado não viola qualquer disposição legal e deve ser mantido na esfera jurídica da recorrida

XXIII. A sentença de que se recorre violou o disposto no art.° 2°, n°. 3 al. c) do CIMT e a decisão encontra-se em contradição com os fundamentos que invoca, pelo que não pode manter-se devendo ser revogada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e ser julgada totalmente improcedente a presente impugnação judicial. Tudo com as devidas consequências legais.”


***

O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“1.ª

Tendo em vista a factualidade provada com os números 4,14,15,16,17,25, contrariamente ao que consta das conclusões da recorrente, não se verifica o preenchimento da previsão normativa do artigo 2º,nº.3/c do CIMT ou de qualquer outra norma.

2.ª

Tal como consta da R. decisão, no caso “sub judice”, não ocorreu qualquer facto tributário passível de liquidação de qualquer tributo como foi o caso.

Afastada a presunção, isto é, provado que não houve transmissão onerosa de bens, pressuposto inultrapassável da concreta tributação e da subsequente obrigação do sujeito, somos, mais uma vez, levados a concluir que não se verificou qualquer facto tributário suscetível de ser objeto de liquidação.

3.ª

Contrariamente às “conclusões “no recurso, sem factos de suporte, a R. decisão “sub judice” não violou qualquer norma, designadamente o disposto no art.º 2.º, n.º 3/a do CIMT ou qualquer outra.

Na manutenção da R. decisão recorrida tal como proferida, farão V. Exªs: JUSTIÇA.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.


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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevo para a decisão da causa, tendo em atenção as diversas soluções de direito plausíveis, resulta provada a seguinte matéria de facto:

1. O Impugnante é advogado, inscrito no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, titular da cédula profissional com o número .....; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 10);

2. Em 16.4.2003, no 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, foi outorgada a Procuração que se dá por reproduzida e da qual se retira:

“PROCURAÇÃO

No dia dezasseis de Abril de dois mil e três, em Lisboa e no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada desta cidade, perante mim, A....., primeira ajudante do referido Cartório, compareceu como outorgante:

Dr. H....., NIF ....., divorciado, natural da freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, residente na ....., concelho de Lisboa.

Verifiquei a identidade do outorgante pela exibição do seu bilhete de identidade número ....., de 3 de Abril de 2000, emitido em Lisboa, pelos Serviços de Identificação Civil.

E por ele outorgante foi dito que pelo presente instrumento, constitui sua bastante procuradora, a senhora Dr.ª C....., NIF ....., solteira, maior, natural da freguesia e concelho da Vidigueira, residente na ....., em Lisboa, a quem, incluindo os de substabelecer, confere os necessários poderes para, em seu nome, vender pelo preço e condições que entender, podendo ser a própria mandatária a compradora e celebrando negócio consigo mesma, a parte que ele mandante detém em compropriedade com a mandatária, na fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao terceiro andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal designado por A-três, sito no ....., freguesia e concelho de Oeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número ....., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....., da dita freguesia de Oeiras, podendo receber o preço, dar quitação e outorgar a respectiva escritura pública de compra e venda; para no respeitante à citada fracção autónoma celebrar todos os contratos legalmente admissíveis, designadamente contratos promessa e/ou contratos definitivos, de compra e venda, permuta, dação em cumprimento, cessão de posição contratual, assinando e outorgando os respectivos contratos e escrituras públicas; para no respeitante à supra identificada fracção autónoma negociar com o Banco Espírito Santo, S.A., o empréstimo e hipoteca que incide sobre a supra indicada fracção constante da escritura de compra e venda, mútuo e hipoteca, celebrada entre o mandante e mandatária e o referido Banco, no dia vinte e três de Junho de mil novecentos e noventa e sete, no Nono Cartório Notarial de Lisboa, podendo estabelecer com o indicado Banco as condições e termos que entender, com vista à extinção do mútuo e da hipoteca e/ou de uma eventual renegociação dos termos, condições e prazos do contrato de mútuo, tudo conforme ela mandatária entender, assinando e subscrevendo todos os documentos que forem necessários à resolução do supra indicado assunto; para movimentar a crédito e/ou débito a conta bancária sediada no referido Banco Espírito Santo, dependência de Queijas com o número zero quatro dois ponto zero quatro zero quatro nove ponto zero zero zero ponto quatro, requerendo extractos bancários, movimentos e saldos da aludida conta, procedendo a levantamentos, requerendo cheques, ordenando transferências bancárias e todos os movimentos que entender, e bem assim subscrevendo, assinando e praticando tudo o mais que se mostrar necessários à cabal execução do presente mandato.

A presente procuração é conferida no interesse da Mandatária, pelo que não pode ser revogada sem o acordo desta ao abrigo do disposto no artigo duzentos e sessenta e cinco, número três, do Código Civil, e não caduca com a morte, interdição ou inabilitação do Mandante, nos termos do artigo mil cento e setenta e cinco do Código Civil.

Assim o outorgou por minuta que exibiu.

Esta procuração foi lida ao outorgante e ao mesmo explicado o seu conteúdo, em voz alta”. (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 12 a 15)

3. Em 31.8.2003, foi outorgada a Procuração que se dá por reproduzida e da qual se retira:

“PROCURAÇÃO

H....., e C....., respectivamente, ele divorciado, ela solteira, maior, naturais, respectivamente, da freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, ela da freguesia de Vidigueira, concelho da Vidigueira, contribuintes fiscais, respectivamente ..... e ....., residentes na ....., em Lisboa, constituem seu bastante procurador, o Senhor Dr. S....., Advogado com escritório na ....., em Lisboa, a quem, incluindo os de substabelecer, conferem os poderes forenses em direito permitidos, e ainda os especiais para em nome deles mandantes, negociar junto do Banco Espírito Santo – BES, todos e quaisquer processos que respeitem ao contrato de empréstimo número ....., cujo objecto é a fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao terceiro andar direito do prédio urbano sito no ....., freguesia e concelho de Oeiras, apresentando em nome deles mandantes, as propostas de liquidação de dívida, nos termos e condições que entender; para requerer todas as informações que julgar convenientes junto do citado banco e que respeitem ao supra indicado empréstimo; para requerer e subscrever tudo o mais que entender, relativo ao citado empréstimo, e que seja adequado à cabal execução do presente mandato; para instaurar em nome deles mandantes todas as acções judiciais que entender necessárias e que respeitem à supra indicada fracção autónoma, e/ou ao supra indicado empréstimo bancário, e para responder e/ou contestar todas as ações judiciais que respeitem ao supra indicado bem imóvel e ao indicado empréstimo bancário, podendo igualmente desistir, confessar e/ou transigir nesses mesmos processos judiciais”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 11)

4. Em 19.12.2003, o ora Impugnante dirigiu ao Banco Espírito Santo uma missiva com o seguinte teor:

“Recebi nesta data pelo correio a certidão predial que faltava para completar a documentação necessária para o desenvolvimento do processo com vista à “dação em cumprimento”.

Remeto-lhe assim a caderneta predial e a certidão predial e informo que na próxima semana terei a procuração formal de ambos os clientes para poder outorgar a escritura.

- A licença de utilização consta da escritura que V. Exas possuem”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 18)

5. No dia 14.1.2004, no 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, foi outorgada a Procuração que se dá por reproduzida e da qual se retira:

“PROCURAÇÃO

No dia catorze de Janeiro de dois mil e quatro, em Lisboa, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada desta cidade, perante mim, A....., Segunda Ajudante deste Cartório, compareceu como outorgante:

C....., solteira, maior, natural da freguesia de Vidigueira, concelho de Vidigueira, contribuinte fiscal número ....., residente na ....., freguesia de Nossa Senhora de Fátima.

Verifiquei a identidade da outorgante pela exibição da sua Carta de Condução número ....., emitida em vinte e oito de Julho de mil novecentos e noventa e dois, pela Direcção dos Serviços de Viação de Lisboa.

E por ela foi dito:

Que pelo presente instrumento, constitui seu bastante procurador, o Senhor Dr. S....., advogado, casado, natural da freguesia de Alcofra, concelho de Vouzela, contribuinte fiscal número ....., com domicílio profissional na ....., em Lisboa, a quem, incluindo os de substabelecer confere os poderes especiais para em nome dela mandante, celebrar todos e quaisquer contratos, sejam definitivos e/ou contratos-promessa, que respeitem à fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao terceiro andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal designado por A-três, sito no .....freguesia e concelho de Oeiras, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ....., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....., da dita freguesia de Oeiras, fracção esta que pertence à mandante em compropriedade com H....., podendo assinar contrato-promessa nos termos e condições que entender, e bem assim, outorgar escritura pública de dação em cumprimento, e/ou compra e venda, a favor do Banco Espírito Santo Sa, e/ou de quem este vier a designar; para no respeitante à supra indicada fracção receber quaisquer importâncias e/ou dar a respectiva quitação em nome dela mandante e para, igualmente, proceder, ao levantamentos da livrança que se encontra em poder do citado Banco Espírito Santo com vista ao cancelamento e/ou extinção do empréstimo hipotecário incidente sobre a supra indicada fracção autónoma e no qual figuram como mutuários, a ora Mandante e H.....; para instaurar e/ou contestar, todas e quaisquer acções judiciais nas quais ela mandante figure como Autora, Ré e/ou Parte Interessada e que respeitem à supra citada fracção autónoma, podendo transigir, confessar e/ou desistir nessas acções judiciais; para em nome dela mandante resgatar as cinco cautelas de penhor constituídas a favor da Caixa Económica Montepio Geral, em vinte e cinco de Setembro de dois mil e dois, procedendo à liquidação de todos os valores que se encontrarem em dívida pela mandante junto daquela instituição, recebendo em nome e no interesse dela mandante, todos os objectos dados em penhor, guardando-os na sua posse e confiança, requerendo e assinando tudo o que se mostrar necessário ao resgate das citadas cautelas; para requerer, assinar, subscrever tudo o mais que se mostrar necessário à cabal execução do presente mandato.

Assim o outorgou conforme minuta que exibiu.

Esta procuração foi lida à outorgante e à mesma explicado o seu conteúdo, em voz alta e na sua presença”. (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 16 a 17)

6. No mesmo dia 14.1.2004, no 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, foi outorgado o Substabelecimento que se dá por reproduzido e do qual se retira:

“SUBSTABELECIMENTO

No dia catorze de Janeiro de dois mil e quatro, em Lisboa, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada desta cidade, perante mim, A....., Segunda Ajudante deste Cartório, compareceu como outorgante:

C....., solteira, maior, natural da freguesia de Vidigueira, concelho de Vidigueira, contribuinte fiscal número ....., residente na ....., freguesia de Nossa Senhora de Fátima.

Verifiquei a identidade da outorgante pela exibição da sua Carta de Condução número ....., emitida em vinte e oito de Julho de mil novecentos e noventa e dois, pela Direcção dos Serviços de Viação de Lisboa.

E por ela foi dito:

Que pelo presente instrumento, SUBSTABELECE PARCIALMENTE, em Dr. S....., advogado, casado, natural da freguesia de Alcofra, concelho de Vouzela, contribuinte fiscal número ....., com domicílio profissional na ....., em Lisboa, os poderes que lhe foram conferidos por H....., nif: ....., divorciado, natural da freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, residente na A....., concelho de Lisboa, na procuração outorgada em dezasseis de Abril de dois mil e três, neste Cartório, arquivada sob o número Vinte e Nove, do março de dois mil três, a que se refere a alínea f) do n.º 2 do artigo 28.º do Código do Notariado, os seguintes poderes:

Celebrar todos e quaisquer contratos, que respeitem à fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao terceiro andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal designado por A-três, sito no .....freguesia e concelho de Oeiras, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ....., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....., da dita freguesia de Oeiras, fracção esta que pertence à mandante em compropriedade com H....., podendo assinar contrato-promessa nos termos e condições que entender, e bem assim, outorgar escritura pública de dação em cumprimento a favor do Banco Espírito Santo, S.A., e/ou de quem este vier a designar; para no respeitante à supra indicada fracção receber quaisquer importâncias e/ou dar a respectiva quitação em nome dela mandante e para, igualmente proceder ao levantamento da livrança que se encontra em poder do citado Banco Espírito Santo com vista ao cancelamento e/ou extinção do empréstimo hipotecário incidente sobre a supra indicada fracção autónoma e no qual figuram como mutuários, a ora outorgante e H......

Que o presente substabelecimento é conferido no interesse do procurador substabelecido, pelo que não poderá ser revogado sem o seu acordo, conforme previsto no número 3, do artigo 265.º e número 2 do artigo 1170.º, ambos do Código Civil.

Assim o outorgou conforme minuta que exibiu.

Esta procuração foi lida à outorgante e à mesma explicado o seu conteúdo, em voz alta e na sua presença”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 27 a 29)

7. Em 9.2.2004, o Serviço de Finanças de Lisboa 8 rececionou o Ofício n.º ....., datado de 5.2.2004, subscrito pela Sr.ª Notária do 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, e dirigido ao Chefe daquele Serviço de Finanças, de cujo teor se extrai:

“Tenho a honra de informar V.Ex.ª que, no dia 14 de Janeiro de 2004, foi lavrado, neste Cartório, um substabelecimento de uma procuração conferida no interesse do mandatário, não tendo sido, por lapso, exigido o comprovativo da liquidação e cobrança do respectivo I.M.T.

Em face do exposto, junto cópia do respectivo acto, para os efeitos tidos por convenientes” (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 26)

8. No dia 25.2.2004, foi lavrado despacho “proceda de conformidade” pelo Sr. Chefe de Finanças Adjunto, do Serviço de Finanças de Oeiras 1, sobre o ofício n.º ....., de 18.11.2003, emitido pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, dirigido ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças Oeiras 1, sobre o assunto “SUBESTABELECIMENTO DE PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL – LIQUIDAÇÃO DE IMT”, de cujo teor se extrai:

“Para os devidos efeitos, e cumprindo o despacho do Chefe deste Serviço de Finanças de 2004-02-16, remeto a V.Ex.ª o ofício n.º ..... de 5/2/2004, do 1º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, bem como do documento que o acompanhou (subestabelecimento de procuração irrevogável) efectuada naquele Cartório em 14 de Janeiro último, sem pagamento do I.M.T.

Através do sistema informático, verifica-se que o prédio em causa não está em nome de H....., como era suposto estar, pelo que face a esse facto e à legislação citada no despacho, parece-nos que o IMT deverá ser liquidado por esse Serviço de Finanças, muito embora o sujeito passivo do mesmo – Dr. S....., NIF ....., resida em Q..... Sintra”. (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 25);

9. Em 7.9.2004, foi dirigido ao Impugnante um Ofício da Área Jurídica da Espírito Santo Cobranças, sobre o assunto “Devolução de Documentação”, nos termos de seguida citados:

“Vimos por este meio informar que a proposta de entrega do imóvel ao BES, para liquidação do empréstimo n.º .....que estava em apreciação nos nossos serviços, foi submetido à análise do Banco Espírito Santo que inviabilizou a proposta.

Assim sendo, somos a devolver a documentação que nos foi remetida para o efeito”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 22 e doc. 2 junto com o requerimento do Impugnante de 7.8.2018, com a ref.ª do SITAF 006449059);

10. Em 8.3.2005, foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Oeiras 1 um termo de juntada, no qual se exara ter sido anexa a certidão de procuração irrevogável, solicitada ao 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa e, após conclusos os autos, foi pelo Sr. Chefe de Finanças Adjunto daquele serviço o seguinte despacho:

“Uma vez que sobre a escritura de substabelecimento não está indicado qualquer valor, liquide-se o I.M.T. sobre o valor patrimonial do imóvel, à taxa de 6,5%, ou seja:

€41.797,01, na proporção de ½ à taxa aplicável de 6,5%.

São devidos juros compensatórios desde 14 de janeiro de 2004 – data da escritura do substabelecimento até 09 de Fevereiro de 2004 – data de entrada do Ofício n.º ....., datado de 05 Fevereiro/04 do 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa e coima nos termos do n.º 2 do art. 114.º do RGIT, conjugado com o n.º 1 do art. 29.º e n.º 1 do art. 31.º do mesmo Diploma.

Notifique-se”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 31)

11. No dia 19.4.2005, o ora Impugnante dirigiu ao Espírito Santo Cobranças S.A. uma missiva com a referência “Empréstimo n.º .....”, com o seguinte teor:

“Na qualidade de advogado do Dr. H..... e da Dr.ª C....., proprietários do andar hipotecado, venho, perante V. Exas, solicitar que me informem, qual o valor que o banco aceitaria receber para pagamento imediato.

Na verdade, e, pese embora os meus clientes se encontrarem em Angola e com algumas dificuldades financeiras, estão os mesmos disponíveis para de imediato resolverem a situação.

Agradeço assim que V. Exas, com urgência me informem o que tiverem por conveniente”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 19);

12. Em 5.5.2005, o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças da 1.ª Repartição de Oeiras uma reclamação graciosa dirigida ao Sr. Chefe de Finanças, relativamente ao ato de liquidação oficiosa de IMT, juros compensatórios e coima, que lhe havia sido notificada com o Ofício n.º ....., de 13.4.2005 (proc. 1/3), impetrando a anulação da liquidação; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 2 a 9);

13. Em 27.6.2005, foi remetida ao Impugnante por correio registado com aviso de receção, e por este recebido, o Ofício n.º ....., subscrito pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 1, sobre o assunto “IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÕES ONEROSAS DE IMÓVEIS”, com o teor que se dá por reproduzido e que passamos a transcrever:

“NOTIFICAÇÃO –(anula e substitui o ofício n.º .....de 13/04/2005)

De harmonia com o disposto no Art.º 38.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fica V.Ex.ª por este meio notificado(a) para, no prazo de 30 (TRINTA) dias, fixados pelo n.º 1 do Art.º. 38.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), contados do dia imediato ao da assinatura do aviso de recepção, solicitar neste Serviço de Finanças, guias para pagamento de:

Os valores apurados, cujos cálculos constam das folhas anexas, resultam de liquidação efectuada com base na Escritura de substabelecimento de procuração irrevogável, lavrada em 14/1/2004, no 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Oeiras S. Julião da Barra, concelho de Oeiras sob o artigo n.º ....., Fracção E.

Findo o referido prazo, começarão a contar-se juros de mora e será extraída certidão de dívida para cobrança coerciva dos valores apurados, nos termos das disposições contidas no n.º 3 do Artº 38.º do CIMT, e dos Art.ºs 86.º, 88.º, 148.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 24)

14. No dia 26.7.2005, foi dirigido pela Sr.ª C..... ao Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras, sobre o “proc. 1.3 – Ofício ..... de 2005/06/27”, a missiva que passamos a transcrever:

C....., solteira, Advogada, titular do bilhete de identidade número ....., emitido em 05/02/1998, vem, perante V. Exª, expor o seguinte:

- A signatária encontra-se a residir em Angola:

- Por tal motivo, outorgou ao Dr. S....., mandato representativo para que o mesmo, em nome e por conta da mandante, praticasse determinados actos jurídicos;

- Nomeadamente celebrasse com o Banco Espírito Santo, a escritura de dação em cumprimenta:

- Tendo a declarante nomeadamente substabelecido os poderes especiais que detinha do com proprietário e seu companheiro H....., com quem vive em união de facto:

- Fê-lo no entanto em manifesto erro ao constar de tal documento que o mesmo era conferido no interesse do procurador substabelecido e que por isso não seria revogável;

- Visto que o Dr. S..... apenas teve e tem intervenção como mandatário;

- Sem qualquer interesse pessoal no negócio jurídico em questão;

- Nunca tendo sido celebrado qualquer promessa ou intenção de venda;

- Nunca a declarante manifestou qualquer intenção de venda ao mandatário;

- Como este, também, nunca manifestou qualquer intenção ou interesse de aquisição de tal bem sendo que o mesmo continua na esfera jurídica dos seus proprietários;

Por ser verdade, passo a presente declaração.

Mais declaro que o original do substabelecimento em causa foi devolvido à declarante pelo Dr. S....., gorado que foi o negócio com o Banco Espírito Santo.

Lisboa, 26 de Julho de 2005

 

 (cfr. doc. 1 junto com o requerimento deduzido pelo Impugnante em 12.2.2014, com a ref.ª SITAF 005670750)

15. O Impugnante patrocinou a Sr.ª C..... e o Sr. H....., numa ação de reivindicação que intentaram em 12.5.2005, junto do 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, e que correu termos no proc. n.º 6.713/05.TBOER; (cfr. doc. 6 junto com o requerimento deduzido pelo Impugnante em 12.2.2014, com a ref.ª SITAF 006449059)

16. Em 15.9.2005, sobre o processo de reclamação graciosa n.º ....., em que é reclamante S....., foi lavrado despacho pelo Sr. Chefe de Finanças de Oeiras 1, que ordenou a remessa do processo à Direção de Finanças de Lisboa - Divisão de Justiça Administrativa; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 36)

17. Em 15.9.2005, o prédio urbano (tipo fracção F – propriedade horizontal), sito na freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra, inscrito na matriz do Serviço de Finanças de Oeiras 1, com o artigo ....., Fração E, detido em compropriedade por H..... e C....., sem direitos nem isenções averbados, tinha o valor patrimonial atual de € 41.797,01; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 38)

18. Em 8.3.2006, foi produzido o Ofício n.º ....., da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, dirigido ao Sr. Chefe de Finanças de Oeiras 1, sobre o assunto “Sujeito Passivo S..... – NIF .....”, cujo teor passamos a reproduzir:

“No âmbito da análise do Processo de Reclamação Graciosa n.º ....., verificou-se que o Contribuinte supra identificado, foi notificado, em 2005.06.27, para efectuar o pagamento do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, por se considerar como estando inserido no âmbito do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Código respectivo.

O Sujeito Passivo contesta a Liquidação, referindo-se que não existiu a celebração de qualquer contrato-promessa de aquisição de bens imóveis, em que seja clausulado que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro.

Tendo presente o teor da alínea c) da mesma Disposição Legal, solicita-se que, com a urgência devida, seja clarificado, qual o Normativo aplicável à vertente situação.

Caso seja a mencionada no último parágrafo, dever-se-á proceder à rectificação da liquidação, notificando-se o Obrigado Tributário.

Para uma melhor elucidação dos factos, junta-se fotocópia da Petição apresentada pelo Contribuinte, Procurações respectivas e Notificação da Liquidação do IMT”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 40)

19. Em 28.5.2007, foi produzido pela Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa um Projeto de Decisão relativo ao IMT do ano de 2004, sobre a reclamação graciosa em que é reclamante o ora Impugnante, n.º de processo no Serviço de Finanças ..... e n.º de processo na Direção de Finanças REC 2626/05, no qual se propõe que a reclamação seja indeferida, tendo merecido, em 11.7.2007, despacho concordante do Sr. Chefe de Divisão; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 44 a 50)

20. No dia 13.7.2007, a Direção de Finanças de Lisboa remeteu, por correio registado, o Ofício n.º ....., recebido pelo reclamante, ora Impugnante, sobre o assunto “Reclamação Graciosa”, do qual consta:

“Fica V.Ex.ª por este meio notificado para, no prazo de 15 dias, a contar da presente notificação, exercer, querendo, o Direito de Participação na Decisão, na modalidade de Audição Prévia, previsto nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, aprovado pelo D.L. 398/98 de 17 de Dezembro, remetendo articulado escrito à Divisão de Justiça Administrativa – Direção de Finanças de Lisboa, na Alameda dos Oceanos, Lote 1.06.1.02 – Edifício Norte – Piso 2 – Sala 413 -1998 – 027 Lisboa.

Junto se envia, nos termos do n.º 5 do artigo 60º do citado Diploma Legal, o correspondente Projecto de Decisão e sua fundamentação”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 51)

21. A Direção de Finanças de Lisboa recebeu, em 23.7.2007, a pronúncia em sede de audição prévia do ora Impugnante, no âmbito do processo de reclamação ....., concluindo nos seguintes termos:

“Aliás, o projecto de decisão a que se responde pode muito bem ser contrariado pela decisão a proferir através da qual o decisor, em face dos factos e não do parecer, poderá vir a ter um entendimento que consagre uma solução justa e legal para a situação ora em análise, sem obrigar o sujeito passivo a ter de recorrer à via litigiosa que a administração pública tem o dever se evitar para situações clamorosamente injustas como é o caso”; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 53 a 56)

22. No dia 8.8.2007, foi produzida pela Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa a Informação, da qual consta o seguinte:

 

II - EXPOSIÇÃO DOS FACTOS

2.1 - Em 2004.01.14, foi lavrado em Cartório Notarial, um substabelecimento de uma procuração conferida no interesse do Reclamante.

2.2 - De acordo com o teor do Ofício n° ....., de 2004.02.05, emitida pelo T Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, folhas 26 dos autos, não foi exigido, por lapso, no momento da celebração daquele Acto, o comprovativo de liquidação e cobrança do respectivo Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis.

2.3-0 referido substabelecimento, foi conferido no interesse do procurador substabelecido, pelo que não poderá Ser revogado, conforme exposto a folhas 28 dos autos.

2.4 - Nesse instrumento, está explicitado que o Mandatário, ou seja, na vertente situação, o Reclamante, poderá celebrar todos e quaisquer contratos que respeitem à fracção autónoma designada pela letra “E", podendo assinar contrato-promessa nos termos e condições que entender.

2.5 - Em 2005.07.19, entregou o Reclamante, no Serviço de Finanças de Oeiras 1, nova Petição, versando a mesma matéria e objectivos, destinada, conforme descrito no parágrafo 24°, à "prevenção do direito subjectivo do reclamante".

2.6 - Baseado nesse documento, foi instaurada a consequente Reclamação Graciosa, a qual mereceu o n° ......

I - DESCRIÇÃO SUMÁRIA DAS ALEGAÇÕES DO RECLAMANTE

Vem o Sujeito Passivo antes identificado, deduzir Reclamação Graciosa, nos termos do disposto nos artigos 78° da LGT, (Lei Geral Tributária) e 68° do CPPT, (Código de Procedimento e de Processo Tributário), contra a Notificação de IMT, (Imposto Municipal sobre Transmissões), n° 8818, de 2005.06.27, alegando as seguintes razões:

1.1 - Para que o Pressuposto Legal contido na alínea a) do n° 3 do artigo 2o do CIMT, fique preenchido, necessário se torna a existência do promitente adquirente, assim como da promessa de alienação de bens imóveis.

1.2 - No caso concreto, não existe nem contrato promessa de alienação nem tão pouco a intenção das partes na sua celebração como elemento subjectivo.

1.3- O Reclamante encontra-se tão somente a exercer exclusivamente o mandato representativo em nome dos mandantes, pelo que será na esfera jurídica destes que se produzem todos os actos daí decorrentes.

1.4- Embora no documento em causa, substabelecimento da procuração, contenha a cláusula da irrevogabilidade, a verdade é que se trata de um manifesto lapso.

1.5- Não ocorreu qualquer Acto Tributário que suporte a liquidação do imposto de que ora Se reclama.

1.6 - Não ocorreu qualquer acto de posse ou detenção material da coisa que pudesse configurar a tradição. O prédio em causa, encontra-se arrendado.

1.7-0 instrumento “substabelecimento de mandato irrevogável", só funciona no pressuposto legal específico a que se refere a alínea d) do n° 2 do artigo 2º, conjugado com as alíneas c) e d) do artigo 3º, todos do CIMT.

2.7 - Destinado a suprir determinadas questões surgidas, questionou-se, através dos ofícios n° .....e ....., de 2006.03.08 e 2006.09.13 e Fax n° ....., de 2007.01.12, folhas 40 a 43 dos autos, o Serviço de Finanças de Oeiras 1.

III - ANÁLISE DO PEDIDO

3.1 - Na apreciação do Pedido, tiveram-se em conta os seguintes vectores:

. Legitimidade, meio processual e tempestividade.

. Fundamentos invocados e meios de prova.

. Mérito do Petição.

3.2 - Nos termos e pora os efeitos do n° 1 do artigo 75º do CPPT, cumpre informar o seguinte:

• O Processo é próprio, de acordo com o n° 1 do artigo 68° do CPPT;

• A Reclamante tem legitimidade, para o Acto, nos termos do artigo 9° do CPPT;

• A Reclamação é tempestiva, nos termos do n° 1 do artigo 70°, em conjugação com o artigo 102°, ambos do CPPT, por haver sido apresentada em 2005.05.05, dentro do prazo aí facultado, (folha 24 dos autos).

3.3 - Após análise do conteúdo da Reclamação Graciosa apresentada pelo contribuinte ....., referente ao exercício de 2004, concluímos que a mesma merece o indeferimento, pelas razões que a seguir se expõe:

3.3.1 - A alínea f) do artigo 4° do CIMT, indica que, “nas situações previstas nas alíneas c) e d) do n° 3 do artigo 2° daquele Diploma, o imposto é devido pelo procurador ou por quem tiver Sido substabelecido, não lhe sendo aplicável qualquer isenção ou redução de taxa, sem prejuízo do disposto no n° 3 do artigo 22º".

3.3.2 - No n° 1 do artigo 2º, está disposto que, "o IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, situados em território nacional".

3.3.3 - A alínea c) do n° 3 dessa mesma Disposição Legal, infere que "considera-se também que há lugar a transmissão onerosa para efeitos do n° 1, na outorga de procuração que confira poderes de alienação de bem imóvel, em que por renuncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração".

3.3.4 - A alínea d) daquele Normativo, “considera que existe lugar a transmissão onerosa para efeitos do n° 1, na outorga de instrumentos com substabelecimento de procuração com poderes e efeitos previstos na alínea anterior",

3.3.5 - Constata-se assim que, a emissão da Liquidação de IMT contestado, está prevista e clausulada na Legislação agora indicada, pelo que a mesma, não padece de qualquer ilegalidade ou irregularidade. Aliás, o Ofício identificado no sub-parágrafo 2.2 desta Informação, procedente do Cartório Notarial em que foi celebrada a procuração de substabelecimento, corrobora essa obrigação tributária.

3.3.6 - Nestas circunstâncias, carecem de razão as alegações produzidas pelo Obrigada Tributária Reclamante.

3.4 - Perante o exposto, propomos o indeferimento do Pedido da Reclamante, cumprindo as instruções descritas.

3.5 - Os fundamentos invocados enquadram-se no âmbito dos Direitos e Garantias concedidos aos Obrigados Tributários, nomeadamente as regras fundamentais do procedimento de Reclamação Graciosa, referidas no artigo 69° do já antes mencionado CPPT.

IV - INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR

4.1 - Realizada a instrução da Processo, foi elaborado o Projecto de Decisão de folhas 44 a 50 dos presentes autos, o qual foi notificado à Reclamante, por carta registada, através do ofício n° .....de 2007.07.12, com a finalidade de exercer o Direito de Audição previsto no artigo 60° da Lei Geral Tributária, tendo-lhe sido facultado o prazo de quinze dias, nos termos do n° 5 dessa Disposição Legal.

4.2 - Decorrido o referido prazo, veio a Reclamante dar utilização a essa prerrogativa, enviando os documentos que passam a constituir folhas 53 a 56 dos autos,

4.3 - Através da análise da Petição, juntamente com os elementos entretanto vertidos para este Processo, na sequência do Direito de Participação na Decisão, concedida ao Sujeito Passivo, concluímos não haverem sido acrescentados argumentos novos, susceptíveis de alterar o proposto, pelo que deverá ser mantido o indeferimento do Pedido, de harmonia com os fundamentos anteriormente descritos no Projecto de Decisão.

4,4 - Efectivamente, a Proposta de Decisão apresentada, deriva estritamente do cumprimento do legislado, cujos preceitos de suporte, constantes do Código respectivo, foram vertidas para o parágrafo III desta Informação.

4.5 - No caso em apreço, a Administração Fiscal limitou-se, tal coma o Reclama reconheceu, a cumprir a sua obrigação, ou seja, a aplicação objectiva  Normativos que regem a temática em questão, o Código do Imposto Municipal sol Transmissões.

V - PROPOSTA DE DECISÃO

 

 (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial PAT n.º 137/2008 a fls. 57 a 64);

23. Em 16.10.2007, a Informação referida no ponto anterior colheu despacho concordante do Sr. Chefe de Divisão, de cujo teor se extrai:

   

 (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial e PAT n.º 137/2008 a fls. 57);

24. Em 18.10.2007, foi remetido por via de correio registado com aviso de receção, pela Direção de Finanças de Lisboa ao Impugnante, e por este recebido 24.10.2007, o ofício relativo ao despacho que recaiu sobre a reclamação graciosa por si interposta, cujo teor passamos a reproduzir:

     

 (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial e PAT n.º 137/2008 a fls. 58);

25. A 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras emitiu em relação à fração autónoma (terceiro andar direito), com valor tributável de 41.797,01 Euros, o registo de “Inscrições – Averbamentos - Anotações”, onde se encontram as apresentações de registo de compra a favor de H..... e de C..... em 12.6.1997 (Ap. 3); de penhora a favor de W....., Unipessoal, Lda., em 27.11.2012, no âmbito do processo executivo n.º 3207/08.9TBOER do Juízo de Execução do Tribunal Judicial de Oeiras (Ap. 179); e de registo de aquisição a favor de W....., Unipessoal, Lda., no dia 11.3.2016 por causa de compra em processo de execução, sendo sujeito passivo alienante H.....  (Ap. 2466); (cfr. doc. n.º 7 junto com o requerimento do Impugnante de 7.8.2018, com a ref.ª do SITAF 006449059);


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.”


***

   Em termos de motivação da matéria de facto consta que: “ a decisão da matéria de facto teve por base o exame dos elementos documentais e informações oficiais constantes dos autos, a que foi sendo feita referência em cada uma das alíneas do probatório, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.”

***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

26. A 16 de setembro de 2004, C....., elaborou carta endereçada a S....., da qual se extrai que a procuração e o substabelecimento evidenciados em 5) e 6), tinham subjacente que o mesmo contactasse o “[B]ES cobranças e tentar apresentar uma proposta de resolução do problema.(…) A ideia era o Dr. Pedir pelo menos dois meses pagando as 2 prestações de 600€ para indagar quem lá está e quanto quer. Veja, e eu antes de partir encontrava-me consigo e deixava os 2 cheques (um para Outubro e outro para Novembro”. (cfr. doc junto aos autos a fls. não numeradas);

27.A 15 de julho de 2005, S..... expediu email a C....., com o teor que infra se transcreve:

Exma Colega,

Como imagina estou surpreendido pela falta de contacto e sem saber o que devo fazer em face dos interesses que me confiaram. Na verdade, já recebi a contestação na acção de reivindicação mas não tenho sequer o endereço para lhe enviar cópia embora a contestação vena no sentido que anteriormente lhe transmiti.

Por outro lado, ligaram-me do Porto(credor a quem o BES cedeu o crédito), a perguntar se iriam liquidara divida ou se avançançariam com a execução, tendo-me limitado a informar que não tenho tido contactos para poder informar.

-Na execução fiscal contra mim devido ao Substabelecimento da procuração do H....., deduzi oposição na Repartição fiscal mas também não houve ainda qualquer resposta.

Cumprimentos,

O Colega,

.....

(cfr. doc junto aos autos a fls. não numeradas);

28.A 21 de julho de 2005, C....., expediu email a S....., do qual se extrata no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

Por isso fiquei também surpreendida quando refere ausência de contacto no sentido em que lhe deixei todos os meus contactos na nossa última reunião incluindo o número de telefone e fax. Porém encontro-me agora em Portugal pois vim deixar as meninas para férias e já tencionava encontrar-me com 0 Dr. S...... Agradeço que me diga da sua disponibilidade durante a próxima terça-feira se possível, à hora que melhor lhe convier que eu disponibilizo-me. A questão da execução fiscal contra o Dr. S..... por causa do substabelecimento passado pelo H..... deixou-me deveras preocupada pois não sei como é isto legalmente possível e por outro lado, não queremos causar quaisquer problemas ao Dr. S...... Diga-nos como deveremos proceder para remediar a situação ou evitar outras consequências que muito sinceramente desconheço. A questão do BES terá de se resolver dependendo da informação/aconselhamento que o Dr. S..... nos der quanto à acção de reivindicação em curso e ainda quanto à penhora que as finançasd pretendem fazer. Igualmente gostaria de saber como e em que fase se encontra aquela acção minha contra o T..... pois nunca mais soube nada e nem sei se afina) sempre se conseguiu ultrapassar aquela questão da ausência de notificação aquando da venda.

(…)

O H..... virá também a Portugal muito em breve pelo que lhe agradeço que me diga o que necessita que ele assine ou faça por causa do tal processo das finanças.

Muito Obrigada

Com os melhores cumprimentos,

.....

(cfr. doc junto aos autos a fls. não numeradas);

29.A 4 de março de 2006, C....., expediu email a S....., do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

Julgo que em breve irei deslocar-me a Portugal, pelo que muito agradecia se o Doutor S..... me desse o “ponto da situação" sobre o processo judicial relativo ao imóvel de Oeiras.

Quando tiver a confirmação da passagem darei conhecimento ao Colega, a fim de podermos marcar um encontro no seu escritório.

Igualmente não sei, se sempre conseguiu resolver aquele incidente que lhe criei fiscalmente, por causa da tal procuração a seu favor outorgada também pelo H...... Relativamente ao processo executivo do Sr. J....., também lhe agradeço se puder dizer-me alguma coisa, e no caso de não lhe serem conhecidos mais bens (como me parece mais provável) o que é que o Dr. me aconselha a fazer pois não sei se existem custas a pagar.

(cfr. doc junto aos autos a fls. não numeradas);


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa, de IMT no montante de €1.396,20, com base na escritura de substabelecimento de procuração irrevogável, lavrada no Cartório Notarial, a 14 de janeiro de 2004.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por ter concluído pela inexistência do facto tributário.

Apreciando.

A Recorrente começa por defender que do disposto no artigo 2.°, n° 3, alínea c), do CIMT, resultam, tão-só, como pressupostos para efeitos de tributação em sede de IMT que a procuração, cumulativamente, confira ao procurador poderes de alienação do imóvel, para si ou para terceiro e que seja irrevogável, pressupostos que se verificam no caso vertente.

Com efeito, propugna que da leitura do ponto 6) do probatório se retiram que o visado substabelecimento da procuração outorgada ao ora Recorrido, inclui poderes para alienação do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Oeiras S. Julião da Barra, sob o artigo ....., fração E.

Sublinhando, neste particular, que a transmissão da propriedade se considera consumada com a emissão da procuração, independentemente da ocorrência de qualquer outro facto, sendo as procurações irrevogáveis tratadas no CIMT como verdadeiras compras e vendas de imóveis.

Logo, o facto tributário sujeito a imposto consumou-se com a outorga da procuração irrevogável ao ora Recorrido, sendo irrelevantes os factos subjacentes ou posteriores, mesmo que se verifiquem por acordo das partes. Até porque, a ser verdade que as partes não pretendiam a cláusula de irrevogabilidade então o caminho a trilhar seria o da anulação do ato com os efeitos ex tunc, previsto no artigo 289.º do CC.

Nessa medida, conclui que resulta que a outorga de substabelecimento de procuração com poderes de alienação de prédio urbano ou parte dele, integra o conceito de transmissão de bens imóveis, sendo o sujeito passivo do imposto em tal ato transmissivo o procurador subestabelecido.

Dissente o Recorrido, alegando, para o efeito, que nenhuma censura merece a decisão recorrida porquanto, atentando no probatório, a realidade fática não se subsume na previsão normativa do artigo 2.º, nº 3, alínea c), do CIMT, ou de qualquer outra norma.

Mais aduzindo que afastada a presunção, isto é, provado que não houve transmissão onerosa de bens, pressuposto inultrapassável da concreta tributação e da subsequente obrigação do sujeito, ter-se-á de concluir que não se verificou qualquer facto tributário suscetível de tributação em sede de IMT.

Vista a posição da Recorrente atentemos, ora, na fundamentação jurídica que suportou a procedência da impugnação judicial.

O Tribunal a quo começa por delimitar o objeto da lide da seguinte forma: “No cerne da controvérsia, situa-se um substabelecimento, que a Sr.ª Dr.ª C..... - previamente dotada de poderes de alienação da quota do Sr. H..... no imóvel de que ambos eram comproprietários, por intermédio de procuração por este outorgada - emitiu em favor do ora Impugnante, para que este pudesse também celebrar contratos, designadamente de alienação dessa quota.”

Ajuizando, depois, que “constitui facto tributário, para efeitos de incidência objetiva de IMT, a outorga de instrumento com substabelecimento de procuração atributiva de poderes de alienação de bem imóvel, e em que, por renúncia ao direito de revogação ou cláusula semelhante, o procurador que substabelece tais poderes, deixe de poder revogar o substabelecimento (cfr. as alíneas do n.º 3 do art. 2.º do CIMT, citadas retro).”

Explicitando, assim, que “ora, pelo substabelecimento em referência, não foi atribuído o poder de dispor do direito real sobre o imóvel, e sim sobre a posição parcelar que um dos consortes ocupava em relação ao direito (de propriedade) comum. Bem certo que, no mesmo dia 14.1.2004, foi outorgada uma procuração (esta sem qualquer menção ao interesse do procurador ou à revogabilidade), que habilitava o Impugnante à alienação da outra quota no direito sobre o imóvel (titulada pela Dr.ª C....., conforme ponto 5 do probatório), mas só pela compaginação de ambas ficava o Impugnante com os poderes necessários à alienação da fração autónoma em regime de compropriedade.”

Mais explicitando que, não obstante o supra aludido a verdade é que “a factualidade provada nestes autos (cfr. ponto 14 do probatório) milita no sentido de que, antes da remessa do processo de reclamação graciosa para a Direção de Finanças de Lisboa e da elaboração do respetivo projeto de decisão, a Sr.ª Dr.ª C..... apresentou junto do Serviço de Finanças de Oeiras 1 uma declaração segundo a qual o conteúdo do documento que contém o substabelecimento releva de um erro, pois nunca foi sua intenção conferi-lo no interesse do ora Impugnante nem estabelecer que o mesmo não seria revogável. Mais declarou que o substabelecido, ora Impugnante, não tinha qualquer interesse pessoal na aquisição do bem, ou nos negócios jurídicos para que ficou mandatado, assim como esse bem (fração autónoma sita no Parque Nova Oeiras) nunca saiu da esfera dos seus contitulares nem foi celebrada promessa ou intenção de venda pelo Impugnante.”

Para depois concluir que “[a] relação subjacente à emissão da procuração e a natureza do ato que através dessa procuração foi praticado ilustram bem que o facto tributário presumido – transmissão do bem imóvel com a outorga da procuração – não existiu efetivamente.”

Enfatizando, neste e para este efeito, que: “[p]ara além de tudo o que ficou provado e a que supra fizemos referência específica, ficou provado que inexistiu uma transmissão onerosa de bens (ou figuras parcelares da propriedade) por parte do Impugnante. O bem sobre que versou o substabelecimento outorgado manteve-se na (con)titularidade dos representados até à sua venda em processo executivo.”

Razão pela qual, decide pela procedência da impugnação atenta a inexistência do facto tributário.

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são assacados pela Recorrente.

Cumpre, desde já, convocar o quadro jurídico que para os autos releva.

Ab initio, importa ter presente que segundo o disposto no n.º 1, do artigo 2.º, do CIMT: “O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional”.

Mais consignando o n.º 3 do citado preceito legal, na parte que para os autos releva, concretamente alíneas c) e d), que:

 “[c]onsidera-se que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga dos seguintes atos ou contratos:

 (…)

c) Outorga de procuração que confira poderes de alienação de bem imóvel ou de partes sociais a que se refere a alínea d) do n.º 2 em que, por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração;

d) Outorga de instrumento com substabelecimento de procuração com os poderes e efeitos previstos na alínea anterior”.

A propósito da incidência subjetiva preceitua o artigo 4.º, nº1, alínea f), que:

“Nas situações previstas nas alíneas c) e d) do n.º 3 do artigo 2.º, o imposto é devido pelo procurador ou por quem tiver sido substabelecido, não lhe sendo aplicável qualquer isenção ou redução de taxa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 22.º.”

De convocar, outrossim, o artigo 22.º, nº2, do mesmo diploma legal cuja epígrafe “momento da liquidação”, que:

 “Nas transmissões previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 3 do artigo 2.º, o imposto é liquidado antes da celebração do contrato-promessa, antes da cessão da posição contratual, da outorga notarial da procuração ou antes de ser lavrado o instrumento de substabelecimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

Da interpretação conjugada dos citados normativos legais resulta que, o legislador do IMT criou uma ficção legal de transmissão na outorga de procurações irrevogáveis e ulteriores substabelecimentos, dando superior relevo à substância dos atos que ao próprio formalismo jurídico, porquanto pese embora não seja uma transmissão para efeitos civis, foi criada essa ficção para efeitos de sujeição a IMT.

Atentando nos aludidos preceitos legais retira-se que a sujeição a IMT está sujeita à verificação dos seguintes pressupostos[1]:
i. A procuração sub judice tem de ter por objeto bens imóveis;
ii. Tem de conferir ao procurador poderes de alienação sobre bens imóveis ou de partes sociais a que se refere a alínea d), do nº2, do artigo 2.º, do CIMT;
iii. O proprietário tem de renunciar voluntariamente ao direito de livremente revogar a procuração;

Com efeito, dir-se-á que o primeiro pressuposto legal supra evidenciado tem de ter como predicado basilar que a procuração tenha a forma legal (116.º, nº2 do Código do Notariado) e que a mesma se reporte a bens imóveis, sendo certo que quanto ao segundo pressuposto a lei não exige que a procuração habilite o procurador a exercer todos os direitos e poderes materiais idênticos ao do proprietário, mas, tão-só, que o procurador fique habilitado a alienar o bem imóvel, por último, no concernente ao terceiro pressuposto coadunado com a inibição do direito à livre revogabilidade da procuração importa relevar que o mesmo pode resultar de qualquer forma legalmente admissível, mormente, cláusula de renúncia inscrita no texto da procuração, bem como de quaisquer outras cláusulas que visem esse desiderato.

Sendo certo que, no atinente ao substabelecimento de procuração irrevogável, a mesma é tipificada como uma nova transmissão sujeita a imposto, desde que, naturalmente, se verifiquem os pressupostos legais densificados anteriormente.

Aqui chegados, visto o regime jurídico e os conceitos de direito que relevam para a resolução do dissídio, regressemos ao caso vertente.

Atentando no recorte fático dos autos, resulta o seguinte:
ü H..... e C....., adquiriram em regime de compropriedade a fração “E” em contenda;
ü A 16 de abril de 2003, foi outorgada uma primeira procuração no âmbito da qual, H....., constituiu sua bastante procuradora, C....., a quem, incluindo os de substabelecer, conferiu os necessários poderes para, em seu nome, vender pelo preço e condições que entender, podendo ser a própria mandatária a compradora e celebrando negócio consigo mesma, a parte que ele mandante detém em compropriedade com a mandatária, na fração autónoma designada pela letra “E”, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....., da freguesia de Oeiras, podendo receber o preço, dar quitação e outorgar a respetiva escritura pública de compra e venda, e para no respeitante à citada fração autónoma celebrar todos os contratos legalmente admissíveis, designadamente contratos promessa e/ou contratos definitivos, e para negociar com o Banco Espírito Santo, S.A., o empréstimo e hipoteca que incide sobre a supra indicada fração. Do teor da aludida procuração consta expressamente que a procuração é conferida no interesse da Mandatária, pelo que não pode ser revogada sem o acordo desta;
ü A 31 de agosto de 2003, foi outorgada nova procuração, da qual se retira que H....., e C....., constituíram seu bastante procurador, S....., concedendo-lhe, incluindo os de substabelecer, poderes forenses em direito permitidos, e ainda os especiais para em nome deles mandantes, negociar junto do Banco Espírito Santo – BES, todos e quaisquer processos que respeitem ao contrato de empréstimo número ....., cujo objeto é a fração autónoma designada pela letra “E”, supra evidenciada, e bem assim todas as ações judiciais que entender necessárias e concernentes à supra identificada fração autónoma, podendo igualmente desistir, confessar e/ou transigir nesses mesmos processos judiciais.
ü A 14 de janeiro de 2004, foi novamente outorgada uma terceira procuração, no âmbito da qual C....., constituiu seu bastante procurador, S....., a quem, incluindo os de substabelecer conferiu poderes especiais para em nome dela mandante, celebrar todos e quaisquer contratos, sejam definitivos e/ou contratos-promessa, que respeitem à fração autónoma designada pela letra “E”, podendo assinar contrato-promessa nos termos e condições que entender, e bem assim, outorgar escritura pública de dação em cumprimento, e/ou compra e venda, a favor do Banco Espírito Santo Sa, e/ou de quem este vier a designar.
ü No mesmo dia, C..... outorgou substabelecimento, no âmbito do qual substabelece, em S....., os poderes que lhe foram conferidos por H....., no âmbito da procuração outorgada em 16 de abril de 2003, mormente celebrar todos e quaisquer contratos, que respeitem à fração autónoma designada pela letra “E”, mormente, assinar contrato-promessa nos termos e condições que entender, e bem assim, outorgar escritura pública de dação em cumprimento a favor do Banco Espírito Santo, S.A., e/ou de quem este vier a designar; para no respeitante à supra indicada fração receber quaisquer importâncias e/ou dar a respetiva quitação em nome dela mandante e para, igualmente proceder ao levantamento da livrança que se encontra em poder do citado Banco Espírito Santo com vista ao cancelamento e/ou extinção do empréstimo hipotecário incidente sobre a supra indicada fração autónoma e no qual figuram como mutuários, a mandante C..... e H...... Ficou, igualmente, consignado no aludido substabelecimento que o mesmo é conferido no interesse do procurador substabelecido, pelo que não poderá ser revogado sem o seu acordo.

Ora, como visto, o ato de liquidação foi emitido na sequência da participação da Notária, e tendo por base o substabelecimento supra aludido, pelo que importa aferir se o mesmo não comporta, conforme propugnou o Tribunal a quo, poderes para alienar a fração em contenda.

De facto, atentando na resenha de atos concretizados de abril de 2003, a janeiro de 2004, dimana que o substabelecimento per se, não atribui poderes para proceder à alienação da fração autónoma denominada pela letra “E”, no seu todo, sendo certo que, e sem embargo do exposto, da conjugação da procuração identificada em 5), e do substabelecimento descrito em 6), o Requerente reunia através desses dois instrumentos jurídicos poder de alienação sobre o bem imóvel no seu todo.

Mas a verdade é que a letra do artigo 2.º, nº3, alínea c), do CIMT, não distingue quanto aos poderes de alienação, ou seja, nada permite inferir que apenas abarca os poderes de disposição total não subsumindo os poderes de alienação de quota de cada um dos comproprietários.

Note-se que, como doutrina Carlos Alberto da Mota Pinto[2] “Na propriedade em comum ou compropriedade, figura de procedência romanística, estamos perante uma comunhão por quotas ideais, isto é, cada comproprietário ou consorte tem direito a uma quota ideal ou fracção do objecto comum.

Daí que o comproprietário possa dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela (art. 1408.°); daí que o comproprietário não seja obrigado a permanecer na indivisão, podendo exigir a divisão da coisa comum (art. 1412.°)”.

De facto, o comproprietário só é titular de uma posição num direito comum, daí que, por si só, não tenha legitimidade para alienar o bem imóvel, entenda-se no seu todo, no entanto, tal não obsta, contrariamente ao ajuizado na decisão recorrida, que não possa alienar a sua quota parte, ademais sempre importa reter que:

“O contrato de compra e venda de coisa comum, em que figure como vendedor só um dos comproprietários, pode, em determinadas circunstâncias, ser convertido num contrato de compra e venda da quota do vendedor na coisa comum.
Dispõe o artº 293º que “O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade
[3]”.

Como clarifica Pires de Lima e Antunes Varela, a propósito do poder de disposição por parte do comproprietário de toda a sua quota, “este poder de disposição da quota ou de parte dele envolve não só a faculdade de alienação entre vivos ou de transmissão por morte (transmitindo-se ao sucessor a título particular, tanto a titularidade da quota sobre a coisa comum, como todas as obrigações reais que oneravam o comproprietário), mas também o poder de constituição de certos direitos reais limitados (como o usufruto) ou de direitos reais de garantia (como o penhor ou hipoteca).[4]

Ora, assumindo, como visto, que o comproprietário pode alienar a sua quota ideal, e que, no caso vertente, o instrumento de substabelecimento foi outorgado sob a forma legal, conferindo poderes de venda nos moldes já retratados, e que foi clausulada a sua irrevogabilidade, ter-se-ia de assumir, aprioristicamente, como preenchidos os requisitos consignados na lei para operar a ficção da transmissão.

Note-se, neste concreto particular, que a liquidação de IMT, foi liquidada nessa exata proporção, ou seja, conforme resulta do evidenciado em 10) da factualidade, o valor liquidado e impugnado foi calculado tendo por base o valor patrimonial tributário de €41.797,01, à taxa de 6,5% e na proporção de ½.

Porém, se é certo que a priori se considerariam reunidos os pressupostos legais atinentes a operar a aludida ficção legal e a legitimar a tributação em sede de IMT, é, igualmente, seguro que a questão não pode ser interpretada de forma tão linear, ou seja, sem que se faça a devida mensuração e ponderação, casuística, de elementos que possam justificar a inexistência do facto tributário e afastar a aludida ficção.

Noutra formulação dir-se-á que, não se pode concordar, com a assunção generalizada e acrítica perfilhada pela AT, de que irrelevam todos e quaisquer factos posteriores, mormente, o erro declarativo negocial, condição resolutiva, ou resolução do ato subjacente. Aliás, quanto as estas últimas circunstâncias, dir-se-á que o próprio artigo 45.º do CIMT permite inferir o contrário, estipulando nesse concreto particular que “Se antes de decorridos oito anos sobre a transmissão, vier a verificar-se a condição resolutiva ou se der a resolução do contrato, pode obter-se, por meio de reclamação ou de impugnação judicial, a anulação proporcional do IMT.”

No caso vertente, da factualidade provada resulta que foi emitida uma Declaração pela emitente da procuração, no caso C....., na qual, a mesma, expressamente, declara que ao substabelecer “[o]s poderes especiais que detinha do comproprietário e seu companheiro H....., com quem vive em união de facto, fê-lo no entanto em manifesto erro ao constar de tal documento que o mesmo era conferido no interesse do procurador substabelecido e que por isso não seria revogável, visto que o Dr. S..... teve e tem intervenção como mandatário.”

Mais reconhecendo, de forma expressa que o mesmo não “teve qualquer interesse pessoal no negócio jurídico em questão, nunca tendo sido celebrado qualquer promessa ou intenção de venda. Nunca a declarante manifestou qualquer intenção de venda ao mandatário. Como este também nunca manifestou qualquer intenção ou interesse de aquisição de tal bem sendo que o mesmo continua na esfera jurídica dos seus proprietários.”

 Ora, do teor da aludida declaração resulta que a Declarante, não obstante tenha outorgado um substabelecimento com cláusula de irrevogabilidade, declara, expressamente, que o fez motivada e incorrendo em erro, ou seja, que existe uma falta de correspondência entre a vontade real e a vontade declarada.

E, de facto, aplicando-se à procuração e ao instrumento de substabelecimento as regras relativas à falta e vícios da vontade, importa, sendo caso disso, retirar as consequências daí dimanantes, atentando, para o efeito, no regime constante nos artigos 236.º e seguintes do CC.

Vejamos, então.

Por regra, a vontade negocial declarada corresponde àquilo que foi a intenção do declarante, no entanto existem situações de divergência, que tanto podem ser intencionais como não intencionais, sendo que nesta última situação nos encontramos no domínio do erro-obstáculo ou erro na declaração, na falta de consciência na declaração e na coação física ou violência absoluta.

Havendo, neste particular, que distinguir, desde logo, entre o erro na formação da vontade, denominado de erro-vício ou erro-motivo, e erro na declaração, este último coadunado com a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, preceituado fundamentalmente no artigo 247.º do CC e denominado de erro obstativo ou erro-obstáculo.

Sendo, outrossim, de sublinhar que existe erro em termos jurídicos e a valorar enquanto tal, sempre que exista falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou que interveio entre os motivos da declaração negocial, sendo certo que para o que erro tenha repercussão no negócio jurídico é imperioso que se verifique o requisito da relevância , a que doutrina apelida de causalidade, ou seja, é preciso que o erro seja error causam dans, causa do negócio jurídico nos seus precisos termos.

O erro na declaração ou erro-obstáculo, cujo princípio geral vem formulado no artigo 247.º, do aludido diploma legal, estatui que:

 “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.

Com efeito, o erro na declaração, erro-obstáculo ou erro obstativo verifica-se nos casos em que, sem intenção, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor, existente mas de sentido diverso.

Neste concreto particular, importa reter que o regime do erro na declaração é diferente consoante três sub-hipóteses que a lei regulamenta distintamente, e que podemos subdividir da forma que infra se transcreve:
i. Erro conhecido do declaratário ou destinatário da declaração;
ii. Erro cognoscível ou ostensivo;
iii. Erro não conhecido nem ostensivo.

Na situação evidenciada em i), o negócio vale segundo a vontade real do declarante, em conformidade com o artigo 236º, nº 2, do CC; na situação descrita em ii), ou seja quando a divergência entre a vontade real e vontade declarada é apreensível com segurança pelos próprios termos e circunstancialismos da declaração, o negócio vale como é visado.

Por seu turno, no caso de a divergência entre a vontade real e a vontade declarada não ser conhecida da contraparte, nem apreensível pelos próprios termos e circunstancialismos da declaração, então o regime do erro-obstáculo é o do erro-vício quanto à pessoa do declaratário ou quanto ao objecto, jurídico ou material, do negócio, donde, em conformidade com o já citado 247.º do CC, a declaração negocial é anulável.

In casu, face ao teor da Declaração contemplada no probatório e à cognoscibilidade do declaratário –realidade esta não controvertida e, desde logo, expressamente reconhecida pelo próprio e como decorre da p.i -ajuíza-se que a situação é enquadrável no citado artigo 236.º, nº2 do CC.

Como doutrinado no Aresto do Tribunal da Relação do Porto, prolatado no âmbito do processo nº 380/19, datado de 23 de novembro de 2020:
“Do citado artigo 236º, do Código Civil resultam as seguintes regras gerais de interpretação, aplicáveis caso a caso:
a)- Se os sujeitos do negócio atribuem ambos à declaração negocial um sentido coincidente, a declaração negocial vale com esse sentido, mesmo que esse sentido não se encontre espelhado no conteúdo objectivo da declaração negocial ou só o esteja de modo imperfeito;
b) Se o declaratário ou destinatário da declaração conhecer a vontade real do declarante, isto é o sentido atribuído à declaração negocial pelo respectivo declarante, a declaração negocial vale com esse mesmo sentido;
c) Não se provando o sentido da vontade real do declarante ou não se provando o seu conhecimento pelo declaratário (ou destinatário), aplica-se o princípio da impressão do destinatário consagrado no n.º 1 do artigo 236º, ou seja, a declaração vale com o sentido que o declaratário real lhe daria se fosse uma pessoa razoável, ponderada, diligente e de boa-fé;
d) Este sentido só é de excluir se o declarante, agindo de forma razoável e de boa-fé, não pudesse, de todo, contar com ele, em conformidade com o preceituado na parte final do n.º 1 do artigo 236º.”

E por assim ser, reconhecendo a Declarante uma divergência inconsciente entre a vontade e a declaração, queria-se uma coisa, mas, por erro, declarou-se outra, ou seja, estipulou-se que o substabelecimento era conferido no interesse do procurador substabelecido e que por isso não seria revogável, quando não era isso que se pretendia estabelecer, porquanto apenas se pretendia a intervenção do Dr. S..... como mandatário, ter-se-á de reconhecer e valorar tal erro no contexto negocial e enquanto tal.

Aliás, se atentarmos no probatório, mormente, nos pontos evidenciados em 9), 11) e 15), retira-se, efetivamente, que a intervenção que fora gizada e querida pela Declarante era, tão-só, uma intervenção enquanto representante legal. Inferência essa, igualmente, corroborada pela factualidade, ora, aditada por este Tribunal e que permite validar a intencionalidade e o erro negocial constante na declaração a que vimos fazendo alusão.

Assim, não obstante, em regra, a liquidação do IMT ocorra com a outorga, da procuração/substabelecimento a verdade é que sendo, expressamente, assumido um erro da Declarante, cognoscível e aceite pelo Declaratário, o Tribunal deve valorar o sentido normal da declaração de acordo com a vontade real do declarante, não carecendo, como visto, e contrariamente do que é expendido pela Recorrente de ser concretizada a anulabilidade formal do negócio.

Como doutrina Pires de Lima[5], a propósito do consignado no artigo 236.º, nº2 do CC, “resulta que, conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhes atribuíram. É a condenação das doutrinas objectivistas puras e a confirmação da velha regra segundo a qual falsa demostratio non nocet”.

Noutra formulação, conhecendo o declaratário, S....., a vontade real da declarante, C....., é de acordo com ela que vale a declaração emitida, donde, não obstante ter sido introduzida a cláusula de irrevogabilidade tal não correspondeu à vontade real do procurador.

É certo que o Tribunal não descura que nos encontramos perante a outorga de um documento que foi lavrado junto do Notário, donde, instrumento público com força probatória plena, a verdade é que a mesma apenas abrange a realidade aí descrita, mas a não correspondência fática desses factos e a sua correspondência entre o declarado e previamente acordado, podendo os mesmos ser afastados por prova em contrário, mormente, por declaração emitida pela própria declarante sem necessidade de arguição de falsidade do documento, ou anulação do instrumento de substabelecimento para comprovar a inexistência do facto tributário[6].

Como evidenciado no Aresto do STJ, prolatado no processo nº 28252/10, datado de 09 de julho de 2014, “No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.”

Como doutrinam Pires de Lima e Antunes Varela[7] que “O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo (ex.: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o ato não seja simulado.”

De relevar, in fine, que esta é também a interpretação que melhor se compatibiliza com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da justiça¸ porquanto apenas se pode justificar que seja tributado como se fosse proprietário o procurador/substabelecido a quem sejam atribuídos os direitos correspondentes ao direito de propriedade, e que tenha sido clausulado, de forma consciente e eivada de qualquer erro, a irrevogabilidade da procuração, no caso do substabelecimento.

Note-se, ademais, que resulta dessa mesma declaração que logo que gorado o negócio de dação com o Banco, o original da procuração foi devolvido à Declarante.

Dimanando, igualmente, da factualidade assente que nunca o Recorrido procedeu à alienação do bem imóvel. Com efeito, dimana do acervo fático, e conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, que nunca chegou a praticar-se qualquer ato translativo da propriedade ou ato de disposição ou oneração sobre o imóvel, o qual foi penhorado e vendido no contexto de um processo executivo em que os respetivos comproprietários eram executados, já no ano de 2016.

Pelo que, in limite, consagrando o artigo 2.º, nº3, alínea c), do CIMT, uma mera presunção de que a transmissão onerosa tributável, prevista no nº1 do mesmo preceito, se concretiza no momento da outorga da procuração ou substabelecimento irrevogável, sempre se dirá que face a todo o expendido anteriormente a mesma, in casu, foi ilidida.

Neste sentido já decidiu este TCAS no âmbito do processo nº 356/10, datado de 28 de fevereiro de 2019- aresto também convocado acertadamente pela primeira instância-do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:
“Diga-se, desde já, e como, de resto, o Recorrente salienta, que, para além de, em termos civilísticos, os efeitos produzidos pela dita “procuração irrevogável” que aparece mencionada como fundamento da liquidação, não compreenderem exactamente a amplitude de poderes que o legislador fiscal lhe atribui ou terá configurado, o facto tributário assente na presunção de transmissão onerosa de bens no momento de outorga de procuração conferindo poderes de alienação ao procurador que presumidamente desses direitos inerentes ao proprietário passa a gozar tem que admitir-se como ilidível por prova em contrário.
Ou seja, essa presunção não pode ser entendida como absoluta ou jure et de jure, (artigo 350.º, nº 2 do Código Civil), mas, sim, entendida como passível de prova em contrário, sob pena de, através de um regime geral de tributação objectivamente centrado no combate à evasão e fraude fiscal, se atingir, como já dissemos, e ora repetimos, de forma ilegítima princípios estruturais do sistema fiscal e constitucionalmente consagrados, designadamente, e desde logo, o princípio da legalidade (não existe tributação sem facto tributário), da capacidade contributiva, da igualdade tributária, da legalidade e da justiça que o ordenamento jurídico-tributário não pode postergar por repugnar ao conceito de Estado de Direito.
Note-se, aliás, que é por demais conhecida a posição que a doutrina e a jurisprudência – nacional, do Tribunal Constitucional, e do Tribunal de Justiça da União Europeia – têm (após uma inicial posição de auto-contenção) em matéria de consagração de presunções inilidíveis em Direito Fiscal.
O Tribunal Constitucional, propendendo para a inconstitucionalidade desse tipo de normas e para a inaceitabilidade de presunções inilidíveis no Direito Fiscal, aponta ao legislador fiscal como limite a consagração de presunções ilidíveis com o consequente direito (e ónus) do sujeito passivo de provar a falta de fundamento, no seu caso, da presunção.”

Interpretação esta coadjuvada com a própria ratio legis implementada pela norma, no sentido de que o que se pretende obstar com esta norma é que, através da procuração, se confira ao representante legal um resultado económico equivalente ao do exercício do direito de propriedade, assim evitando a tributação em IMT.

Aliás, não podemos perder de vista que a regulamentação da ficção que vimos analisando tem subjacente a supressão que, progressivamente, foi criada no sentido das procurações irrevogáveis serem um autêntico instrumento alternativo aos contratos de compra e venda, nomeadamente de imóveis. Estando, por isso, contemplado no preâmbulo do CIMT o seguinte: “[O]utra forma frequente de contornar a tributação é a utilização de procurações, vulgarmente designadas por procurações irrevogáveis, em que o representado renuncia ao direito de revogar a procuração, conferindo ao representante um resultado económico equivalente ao do exercício do direito de propriedade, uma vez que, na maioria dos casos, este paga a totalidade do preço do imóvel ao representado, passando, em termos práticos, a poder alienar o bem a um terceiro. Nestes casos, o procurador e o substabelecido ficarão sujeitos a tributação pelas taxas de 5% ou de 6,5%, consoante a procuração confira poderes para alienar prédios rústicos ou urbanos, não podendo pois beneficiar de qualquer isenção ou redução de taxas, sem prejuízo de delas virem a beneficiar, se o contrato definitivo de compra e venda vier a ser celebrado com o procurador ou com o substabelecido.”

Aliás, como doutrina José Maria Pires[8] e como é evidenciado no Aresto do STA, prolatado no processo nº 0989/10, de 06 de abril de 2011, ter-se-á de ter presente que esta liquidação de IMT, funciona como  “antecipação do imposto devido a final pela transmissão definitiva operada com a escritura de compra e venda”, havendo, nesse momento, que operar o “acerto de contas final”.

Ora, face a todo o expendido anteriormente, entende-se que, in casu, inexistiu a transmissão onerosa de bens, pressuposto inultrapassável da concreta tributação em sede de IMT, por inexistência do facto tributário.

E por assim ser, mantém-se a decisão recorrida, com a presente fundamentação, e consequente anulação dos atos impugnados.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 27 de maio de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

________________
[1] Vide, neste sentido, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2011, Almedina, p.227.
[2] In Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição: Coimbra, Editora, p.351.
[3] Vide Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo nº 0534856, de 10.11.2005.
[4] Código Civil anotado, Coimbra Editora, 1987, p.364.
[5] Ob. cit, Vol.I, pág. 224.
[6] Vide, neste particular, Acórdão deste Tribunal prolatado no âmbito do processo nº 356/10, de 28.02.2019.
[7] In Código Civil Anotado, Volume I, 1987, 4ª edição, Coimbra Editora, pág, 327.
[8] In ob. cit., pag. 234.