Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2587/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRS
RENDIMENTOS OBTIDOS NO ESTRANGEIRO
PROVA
Sumário:I. Tendo uma sociedade suíça declarado, perante as autoridades tributárias locais e na qualidade de empregadora, ter retido na fonte imposto relacionado com rendimentos pagos à Impugnante, de tal circunstancialismo conclui-se, inexistindo prova em contrário, que tais rendimentos foram por si pagos e não por terceiros.

II. Resultando de informação elaborada pela Direção de Serviços das Relações Internacionais os elementos que sustentaram a emissão da liquidação impugnada, reside nela a fundamentação do ato.

III. Havendo falta de pagamento (total ou parcial) do valor da guia remetida, ao abrigo do disposto no art.º 15.º, n.º 2, do RCP, tal deverá ser considerado no momento da elaboração da conta, caso o contador conclua que se trata de valor devido.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

S...(doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar:

¾ A primeira, recurso da sentença proferida a 30.12.2017, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento parcial da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação oficiosa de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2003 e respetivos juros compensatórios;

¾ A segunda, recurso do despacho proferido no Tribunal Tributário de Lisboa a 14.02.2019.

Para o efeito, a 1.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2007 5004606027, na liquidação de juros compensatórios n.º 2007 00002028116 e n.º 2007 0000208117 e demonstração de acerto de contas n.º 2007 00001344346, respeitantes ao exercício de 2005;

2.ª Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto e de direito na apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRS emitida pela administração tributária;

3.ª No que concerne, em primeiro lugar ao erro de julgamento da matéria de facto, a Recorrente entende que de toda a prova produzida resulta evidente que todos os rendimentos de trabalho dependente auferidos pela Recorrente em 2003 foram pagos pela «C..., S.A.», não tendo a Recorrente recebido rendimentos pagos por qualquer entidade com sede na Suíça;

4.ª Se o Tribunal recorrido tivesse devidamente valorado e apreciado toda a prova carreada para os autos – designadamente, não só o documento certificado pela Autoridade Tributária Suíça como a declaração da «I...» que confirmou o não pagamento de qualquer montante à Recorrente e, bem assim, os esclarecimentos oferecidos pela entidade patronal da Recorrente quando interpelada pela administração tributária - teria alcançado conclusão diversa – qual seja, a de que a ora Recorrente auferiu, por referência ao ano de 2003, a título de rendimentos de trabalho dependente o montante de € 47.201,74, tendo os rendimentos obtidos pela Recorrente na Suíça sido sempre e unicamente pagos pela sua entidade empregadora e tendo os mesmos sido sujeitos a tributação por retenção na fonte na Suíça durante o período de destacamento;

5.ª Efetivamente, na sentença recorrida, o Tribunal a quo desconsidera a prova apresentada pela Recorrente, com exceção da referente ao documento certificado pela Autoridade Tributária Suíça através do qual dá por provado que a «I...» pagou imposto na Suíça, mas também e fundamentalmente que aquela sociedade pagou à Recorrente a quantia de € 21.444,25, a título de salários;

6.ª Neste contexto, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provado o facto de durante Abril a 31 de Julho de 2003, a Recorrente não ter recebido rendimentos pagos por qualquer entidade com sede na Suíça, e bem assim, o facto de todos os rendimentos de trabalho dependente auferidos pela ora Recorrente em 2003 terem sido pagos pela «C…, S.A.»;

7.ª Ora, sendo esta a circunstância crucial para a decisão da causa, impunha-se ao Tribunal a quo delimitar correta e concretamente os factos para que, posteriormente, efetuasse a correta subsunção das normas jurídicas ao caso concreto da ora Recorrente;

8.ª Com efeito, da mera análise do documento emitido pela Autoridade Tributária Suíça (cf. doc. n.º 1 da petição inicial), resulta apenas que o montante de rendimentos auferidos naquele território aí foi sujeito a tributação na fonte, tendo a ora Recorrente pago imposto na Suíça, no valor de € 3.999,36;

9.ª Efetivamente, ao contrário do pugnado pelo Tribunal recorrido, daquele documento não resulta que a «I...» tenha pago qualquer montante à ora Recorrente a título de vencimento pelo trabalho desenvolvido em território Suíço, mas tão só que a retenção correspondente aos rendimentos pagos pelo destacamento da ora Recorrente na Suíça foi entregue à Autoridade Tributária Suíça pela «I...»;

10.ª Tal conclusão só pode advir não do documento apresentado em si mesmo mas sim da convicção de que quem entrega determinado imposto ao credor tributário é sempre e necessariamente o sujeito passivo desse imposto;

11.ª Incorre, assim, o Tribunal recorrido em erro, ao olvidar que o pagamento das dívidas tributárias pode ser realizado pelo devedor ou por terceiro;

12.ª Aliás, tal possibilidade é inclusivamente reconhecida à luz do Direito Português, conforme resulta do artigo 41.º da Lei Geral Tributária;

13.ª Assim, na medida em que tal possibilidade de pagamento por terceiros é uma realidade global, o facto de ter sido a «I...» a proceder à entrega da retenção de imposto em território Suíço, nada faz concluir quanto ao pagamento de qualquer montante a título de trabalho prestado;

14.ª Deste modo, resulta perfeitamente evidenciado que, o imposto pago na Suíça, no montante de 6.231 francos suíços (montante que, à data, correspondia a cerca de € 3.999,36) encontra correspondência com os rendimentos de trabalho dependente atribuídos pela entidade patronal da ora Recorrente, não resultando de qualquer remuneração adicional paga à ora Recorrente pela «I...»;

15.ª Neste contexto, e no entender da Recorrente, deverá ser dada como provada a seguinte factualidade, atenta a declaração da «I...» e os esclarecimentos prestados pela entidade patronal da Impugnante, quando interpelada pelos serviços da administração tributária, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa:

a. Todos os rendimentos de trabalho dependente auferidos pela ora Recorrente em 2003 foram pagos pela «C..., S.A.»;

b. A Impugnante auferiu, no ano de 2003, rendimentos no montante total de € 58.677,74.

c. Desde Abril a 31 de Julho de 2003, a Recorrente não recebeu rendimentos pagos por qualquer entidade com sede na Suíça;

16.ª É evidente, portanto, o erro de julgamento da matéria de facto em que incorreu a sentença recorrida, impondo-se a sua revogação, com as demais consequências legais;

17.ª Assim, deverá o Tribunal ad quem anular a sentença recorrida e ampliar a matéria de facto dada como provada, e, em conformidade com o exposto, ser proferida nova decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pela Recorrente procedente;

18.ª No que concerne ao erro de julgamento de Direito, refira-se que o Tribunal a quo nele incorre ao julgar improcedente a impugnação judicial, no que se refere ao vício de falta de fundamentação do ato de liquidação em crise nos presentes autos invocado pela Recorrente;

19.ª Com efeito, recorde-se que sem apresentar a necessária fundamentação – bastando-se em emitir a liquidação adicional – a administração tributária notificou a ora Recorrente do ato tributário objeto do presente recurso;Em suma, impunha-se ao Tribunal Recorrido a constatação da inexistência de uma base justificativa mínima da notificação da liquidação adicional sub judice, devendo reconhecer-se na sentença recorrida a falta de fundamentação suficiente, clara e inequívoca, dos atos tributários em crise, a qual consubstancia manifesto vício de violação de lei, atento o disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º da LGTCom efeito, carecendo a notificação da liquidação adicional sub judice de fundamentação suficiente, clara e inequívoca, conforme expressamente referido pelo ora Recorrente, incorre a decisão ora em crise em erro de julgamento de direito por não considerar que o ato sub judice padece de vício de violação de lei, por falta de fundamentação, atento o disposto nos artigos 268.º n.º 3 da CRP e 77.º da LGT;

20.ª Aliás, a Recorrente nem sequer alcança, mesmo a posteriori, a que se deveu a emissão da liquidação adicional de imposto, relevando um rendimento global de € 90.215,00.

21.ª Não obstante, saliente-se uma vez mais que a fundamentação que subjaz à decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, porque não contemporânea da emissão da respetiva liquidação, nunca poderá sanar o vício de falta de fundamentação do ato tributário na origem dos presentes autos.

22.ª Efetivamente, deveria reconhecer-se na sentença recorrida que é de todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do ato tributário a fundamentação a posteriori, incluindo-se, manifestamente, nesse tipo de fundamentação, a fundamentação invocada na decisão da reclamação graciosa, que, como tal, é destituída de valor como complemento da fundamentação do ato tributário em crise.

23.ª Inexistindo à data da emissão do ato tributário sub judice qualquer fundamentação que suportasse o mesmo, os fundamentos aduzidos a posteriori já em sede de reclamação graciosa não sanam aquela falta, mantendo-se, assim, o alegado vício de forma e a consequente ilegalidade do ato de liquidação, que deveria, por esse motivo ser, de imediato, anulado;

24.ª Deste modo, atento o dever geral de fundamentação expressamente consignado nos preceitos legais, doutrina e jurisprudência supra indicados, não poderia o Tribunal a quo deixar de concluir, em face de todo o exposto, que se verifica um vício de forma que afeta a legalidade da referida liquidação adicional, a qual, por este motivo, deve ser anulada, com fundamento no disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos artigos 36.º e 99.º, alínea c), ambos do CPPT, no artigo 77.º, n.º 2 e 3, da LGT e ainda no artigo 65.º do Código do IRS;

25.ª Assim, e em face de todo o exposto, resulta evidente a ilegalidade da sentença recorrida, entendendo-se na mesma pela existência de uma fundamentação clara, suficiente e completa, de facto e de direito, pelo que deverá a mesma ser revogada e, substituída por outra que a julgue integralmente procedente, com as demais consequências legais.

26.ª Sem prejuízo do acima exposto, sempre a sentença ora recorrida padece do vício de erro de julgamento de direito uma vez que é evidente que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, o ato de liquidação sob impugnação enferma de ilegalidade por duplicar o rendimento coletável da Recorrente durante o período de destacamento na Suíça, assim violando os princípios da legalidade e da capacidade contributiva, como se evidenciará.

27.ª Efetivamente, resulta da factualidade aduzida nos autos, bem como da declaração modelo 3, apresentada, que a Recorrente, no ano de 2003, obteve apenas como rendimentos de trabalho dependente (Categoria A): € 47.201,7 e como rendimentos prediais (Categoria F): € 11.476,00. (cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial).

28.ª De facto, tal com resultou demonstrado nos autos, tendo suportado imposto no estrangeiro sobre os vencimentos pagos pela sua entidade patronal (cf. doc. n.º 3 da petição inicial), sujeitos a retenção na fonte em Portugal, nos termos supra expostos, e por forma a atenuar a dupla tributação internacional dos rendimentos, a ora Recorrente procedeu à entrega, juntamente com a declaração modelo 3, do anexo J, declarando o imposto pago no estrangeiro e o montante ilíquido sobre o qual aquele imposto incidiu – € 21.444,25 (cf. doc. n.º 3 junto com a petição inicial).

29.ª Sucede que, com base no preenchimento daquele anexo, ficcionou a administração tributária um rendimento que, de facto, a Recorrente não obteve, porquanto aquele anexo apenas menciona o montante do rendimento sobre o qual incidiu o imposto suíço, montante este que foi efetivamente suportado pela sua entidade patronal – a I...– e, por conseguinte, se encontra incluído nos rendimentos declarados na Categoria A;

30.ª Nos termos da legislação fiscal suíça, mormente dos artigos do regime estabelecido nos artigos 83.º a 90.º do Swiss Income Tax Act e, bem assim, dos artigos 32.º a 34.º do Swiss Cantonal and Communal Income Tax Harmonization Act, resulta que os rendimentos auferidos por não residentes fiscais naquele território quando aí exerçam um emprego, como era o caso da Recorrente, são sujeitos a tributação por meio de retenção na fonte a título definitivo.

31.ª Sendo os rendimentos da Recorrente durante o período em que permaneceu na Suíça sempre suportados pela sua entidade patronal – I...–, para facilidade de procedimento, a entrega do imposto suíço foi efetuada através da entidade do mesmo grupo «I...», como resulta plenamente evidenciado nos autos. De facto, embora a «I...», não tenha suportado qualquer remuneração da ora Recorrente, que manteve o seu vínculo laboral originário, foi aquela entidade que procedeu à entrega às autoridades fiscais suíças do montante de imposto que deveria ser retido na fonte.

32.ª Ora, correspondendo os rendimentos sujeitos a tributação em território suíço (33.408 francos suíços, equivalentes, à data, a cerca de € 21.444,25) aos rendimentos atribuídos pela entidade patronal da Recorrente, e não a qualquer remuneração adicional paga à Recorrente pela «I...», impunha-se ao Tribunal recorrido que relevasse o crédito de imposto por dupla tributação internacional, ao abrigo do artigo 15.º, n.º 1, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre Portugal e a Suíça, o que não fez, tendo mantido a ficção de rendimentos adicionais que, efetivamente e atento o que já se explanou, a Recorrente nunca auferiu;

33.ª Donde, nunca poderia aquele douto Tribunal ter concluído pela legalidade do ato de liquidação adicional de imposto em crise nos autos, uma vez que do mesmo decorre a duplicação do rendimento colectável da Recorrente durante o período de destacamento na Suíça, violando os princípios basilares do direito fiscal, nomeadamente os princípios da legalidade e da capacidade contributiva;

34.ª Efetivamente, da conjugação dos preceitos da legislação Suíça supra mencionados com o artigo 15.º, n.º 1 da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, resulta que em face da demonstração inequívoca do imposto suportado no estrangeiro e da totalidade dos rendimentos percebidos pela ora Recorrente, deveria ter o Tribunal recorrido reconhecido o crédito de imposto por dupla tributação internacional ao qual a Recorrente tinha direito, determinando a anulação;

35.ª Em face do exposto, é evidente o erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida, pelo que a mesma deverá ser revogada, com as demais consequências legais, nomeadamente a anulação do ato tributário em crise e a indemnização pela prestação indevida de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 4227-2008-0/04000617.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, por conseguinte a substituição da sentença recorrida por outra decisão que julgue a impugnação judicial procedente na parte ora objeto de recurso, com as demais consequências legais, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”.

A FP não apresentou contra-alegações.

No que respeita ao recurso do despacho interlocutório, a 2.ª Recorrente, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

“i. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, datado de 14-02-2019, no qual se decidiu notificar a ERFP, com indicação do valor relativo à taxa de justiça ainda em falta, para proceder ao pagamento, in casu, do valor de € 153,00.

ii. Por sentença proferida em 30-12-2017, a impugnação foi julgada improcedente, tendo sido fixado como valor da causa o montante de € 8.957,91.

iii. Em 16-03-2018, a Fazenda Pública juntou aos autos comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no montante de € 153,00, tendo apurado o refiro montante nos termos da Tabela I – A do RCP (3 UCs), reduzido nos termos do art. 14º-A, alínea b) e art. 6º, ambos deste normativo legal, através da seguinte operação: [€102 X 3] / 2 = € 153,00.

iv. Dispõe o n.º 2 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) que, nos casos da tabela I-A e C, a taxa de justiça é paga em duas prestações de igual valor por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário.

v. O art.º 14.º, n.º 5 do RCP estatui que, nos casos em que não haja lugar a audiência final, não sendo dispensada a segunda prestação nos termos do artigo seguinte, esta é incluída na conta de custas final.

vi. Por seu turno, o artigo 14.º-A do RCP elenca os casos em que não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, de entre os quais se destacam, com relevância para a questão decidenda, as situações que não comportem audiência de julgamento previstas na alínea b).

vii. E, compulsados os autos, verifica-se que, efetivamente a presente ação não comportou audiência de julgamento (não ocorreu inquirição de testemunhas uma vez que não foram arroladas), sendo, pois, de aplicar o disposto no art. 14º-A, alínea b), do RCP.

viii. Com efeito, o montante total devido a título de taxa de justiça pela fazenda Pública corresponde ao montante de €153,00, apurado nos termos supra referidos e já pago.

ix. Assim, considerando que não se realizou inquirição de testemunhas, não se descortina motivo por parte desta RFP para que a esta seja determinado o pagamento de € 153,00, correspondente à 2ª prestação da taxa de justiça.

x. Afigura-se-nos que a taxa de justiça foi liquidada devidamente, pelo que a RFP nada deve nos autos referente a custas processuais.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogado o despacho proferido pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso apresentado pela Impugnante e de ser concedido provimento ao recurso apresentado pela FP.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Quanto ao recurso apresentado pela Impugnante:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Há erro de julgamento, na medida em que todos os rendimentos de trabalho dependente auferidos pela Recorrente em 2003 foram pagos pela C..., S.A. (doravante, I...Portugal)?

c) Verifica-se erro de julgamento, dado que a liquidação padece de falta de fundamentação?

d) Há erro de julgamento, porquanto o ato de liquidação enferma de ilegalidade por duplicar o rendimento coletável da Recorrente durante o período de destacamento na Suíça, assim violando os princípios da legalidade e da capacidade contributiva?

Quanto ao recurso apresentado pela FP:

e) O despacho recorrido é ilegal, em virtude de dever ser considerado, em sede de conta, o valor em dívida e em virtude de tal valor não ser sequer devido?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. No dia 26/11/2004, a Impugnante procedeu à entrega da declaração de rendimentos de IRS, Modelo 3, bem como dos anexos B, F, H e J relativos ao ano de 2003 – cf. declaração de rendimentos e anexos a fls. 31 a 38 dos autos que se dão por integralmente reproduzidos;

2. Na declaração de rendimentos referida no ponto anterior, a Impugnante assinalou o campo 1 - Continente do quadro 05 - Residência Fiscal - cf. declaração de rendimentos a fls. 31 dos autos;

3. No âmbito do Anexo J - Rendimentos obtidos no estrangeiro, a Impugnante declarou no quadro 06 - Discriminação dos rendimentos obtidos no estrangeiro o seguinte: «Entidade Pagadora: IBM; País 756; Rendimentos: Valor: 47.201,74; Imposto pago no estrangeiro: 3.999,36.» - cf. anexo J, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 37 e 38 dos autos;

4. No dia 20/01/2004 foi emitido o documento «Retenção Na Fonte - Imposto sobre o rendimentos - Nota dos rendimentos devidos e do imposto retido», constando do mesmo que a «C..., S.A.» com sede em Lisboa, pagou à Impugnante, no ano de 2003, rendimentos do trabalho dependente no valor de € 47.201,74 e que foi retido imposto na quantia de € 12.445,00 - cf. documento de retenção na fonte a fls. 15 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos que se dá por integralmente reproduzida;

5. Em 28/07/2006, foi emitido um «Certificado de Imposto na Fonte», para o ano de 2003, em nome da Impugnante, constando do mesmo o seguinte: «Duração do compromisso: de 07/04/2003 a 31/07/2003; Número de dias úteis: 114; O abaixo-assinado certifica que a pessoa mencionada recebeu como salário, gratificações, indenizações, perda de ganhos e todos os outros benefícios de todos os tipos em dinheiro e em espécie, os seguintes valores sobre os quais o imposto na fonte foi cobrado. Período de pagamento: 07/04/2003 a 31/07/2003; Prestações sujeitas a impostos - Salário bruto Fr.: 33´408; Taxas: 18,65%; Deduções Fr.: 6´231; Nome ou nome comercial do empregador: I...(Schweiz) AG 8010 Zurich» - cf. certificado, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 16 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

6. O certificado identificado no ponto anterior foi assinado pela «I...(Schweiz) AG» na qualidade de «empregador» e encontra-se carimbado pela a «Administration Cantonale des Impôts» - cf. certificado, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 16 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

7. Pelo ofício n.º 23249, de 31/10/2007, a Direcção de Serviços das Relações Internacionais (DSRI) comunicou à Direcção de Finanças de Lisboa o seguinte: «Na sequência do Vosso ofício n.º 7861, de 29.09.2006, com o qual nos enviavam um documento relativo a rendimentos do trabalho dependente auferido na Suíça, do ano de 2003, do sujeito passivo S...(...) serve o presente para enviar a V. Exa. os valores que deverão constar no Anexo A e no Anexo J, da declaração de rendimentos, conforme Anexo J/Modelo 10 entregue pela entidade patronal portuguesa e documento da autoridade fiscal Suíça. - Rendimento auferido em Portugal (Anexo A) - 56.778€ (47.202€ + 9.576€) - Imposto pago em Portugal (Anexo A) - 12.445€; - Rendimento auferido na Suíça (Anexo J) - 21.961€ - Imposto pago na Suíça (Anexo J) - 3.999,36€ (...)» - ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 70 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

8. Em consequência do teor do ofício identificado no ponto anterior, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação oficiosa de IRS n.º 2007 5004606027, referente ao ano de 2003 – cf. demonstração de liquidação a fls.40 dos autos;

9. Na liquidação de IRS referida no ponto anterior foi apurado um rendimento global no valor de € 90.215,00 - cf. demonstração de liquidação a fls.40 dos autos;

10. Em consequência da emissão da liquidação de IRS identificada na alínea 7) foram emitidas as liquidações de juros compensatórios n.º 2007 00002028116, no valor de € 1.506,60 e n.º 2007 0000208117 no valor de € 75,60 - cf. demonstração de liquidação de juros a fls. 42 dos autos;

11. Em 01/02/2008, a sociedade «I...» com morada em V…., Postfach 8010 Zurich, emitiu uma declaração com o seguinte teor: «Confirmamos que a I...Suíça não pagou nenhum valor a S… durante a sua tarefa na Suíça 2003.(...).» - cf. declaração, que se dá por integralmente reproduzida, a fls. 17 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

12. A Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRS identificada na alínea 7), alegando, em síntese, que: «3.º - Para efeitos do Anexo J, a ora Reclamante declarou rendimentos do trabalho dependente auferidos na Suíça, no montante de € 47.201,74, bem como o correspondente imposto pago nesse país no valor total de € 3.999,36 (…) 7.º (...) muito embora a ora Reclamante realizasse a sua atividade em território suíço entre os meses de Abril e Julho de 2003, todos os rendimentos do trabalho dependente auferidos durante o ano de 2003 foram pagos pela sua entidade empregadora em Portugal, (...) 9.º Durante o período de destacamento (…) nenhum rendimento foi pago à ora Reclamante proveniente de qualquer entidade suíça. (…) 17.º (...) a ora Reclamante foi, simultaneamente, tributada na Suíça relativamente aos mesmos rendimentos do trabalho dependente (...) 21.º (...) para efeitos do apuramento de crédito de imposto por dupla tributação internacional, o documento apresentado faz prova do pagamento de imposto na Suíça no montante de CHF 6.231 (equivalente a € 3.999,36) (...) 24.º (…) no ano fiscal de 2003, a ora Reclamante auferiu os seguintes rendimentos: (i) Rendimentos prediais no valor total de € 11.476,00; (ii) Rendimentos do trabalho dependente no valor total de € 47.201,74 (...) 26.º(...) o rendimento global auferido pela Reclamante em 2003 ascende a € 58.677,74 (...) 28.º (...) se por um lado a liquidação ora reclamada considerou, e bem, para efeitos de dedução à colecta, o imposto suportado no estrangeiro pela ora Reclamante, no montante total de (...) € 3.999,36 (...)» - cf. reclamação, que se dá por integralmente reproduzida, a fls. 2 a 6 do processo de reclamação apenso aos autos;

13. Pelo ofício n.º 020039, de 12/03/2009, da Direcção de Finanças de Lisboa foi solicitado à sociedade I...Portuguesa, S.A. o seguinte: «Para efeito de possibilitar a apreciação do processo de Reclamação Graciosa (...) solicito que (...) seja informada se aquela contribuinte trabalhou para essa empresa no período que decorreu entre 07-04-2003 e 31-07-2003 e, caso positivo, em que local foi prestado o trabalho, bem como o montante auferido e respectivas retenções na fonte efectuadas. (...) mais se pede que seja informado se o valor declarado através da Modelo 10 de 2003, por essa entidade, para a contribuinte em causa, de respectivamente € 47.201,74 de rendimento de trabalho dependente e de € 12.455,00 de imposto retido já englobam o valor pago no estrangeiro. Requer-se também cópias dos recibos de vencimento (...) no ano de 2003. (...)» - cf. ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 66 do processo de reclamação apenso aos autos;

14. Em resposta ao ofício referido no ponto anterior, a I...Portuguesa S.A. remeteu à Direcção de Finanças de Lisboa informação com o seguinte teor: «1. Durante o período que decorreu entre 7 de Abril e 31 de Julho de 2003, a S...(...) esteve destacada na Suíça onde exerceu, ao seu serviço, actividade profissional. (...) 4 - (...) as suas remunerações, durante o ano de 2003, foram exclusivamente pagas pela I...Portugal. 5 - (.) durante o destacamento na Suíça foi efectuado à colaboradora o pagamento no montante de € 47.201,74. 6 - Os rendimentos colocados à disposição da colaboradora (...) durante o período de destacamento, oportunamente declarados na Modelo 10 (...) foram objecto de retenção na fonte (...) no valor de 12.445,00; 7 - Consequentemente, aquele valor não engloba qualquer montante de imposto pago no estrangeiro. 8 - (...) junta-se cópia dos recibos de vencimento da colaboradora relativos ao ano de 2003 (...)» - cf. resposta, que se dá por integralmente reproduzida, a fls. 73 do processo de reclamação apenso aos autos;

15. A «C... S.A.» emitiu em nome da Impugnante os recibos de vencimento de Abril de 2003, com Abonos no valor total de € 2.687,34 de Maio de 2003, com Abonos no valor total de € 5.945,06, de Junho de 2003, com Abonos no valor total de € 4.245,02, de Julho de 2003, com Abonos no valor total de € 2.647,67 - cf. recibos de vencimento, que se dão por integralmente reproduzidos, a fls. 107 a 113 do processo de reclamação apenso aos autos;

16. Pelo ofício n.º 025226, de 30/03/2009, da Direcção de Finanças de Lisboa foi solicitado à DSRI o seguinte: «(...) tendo surgido divergências entre os valores constantes do Of.º 23429 (...) e que esteve na base da liquidação oficiosa (...) a que corresponde a liquidação n.º 5334606027 de 30-11-2007, e a comunicação da C... S.A. (...) designadamente quanto ao rendimento auferido pela contribuinte, porquanto constando do Of.º 23429 (...) que a contribuinte auferiu de rendimentos em Portugal (Anexo A) € 56.778,00 (...) e de rendimentos na Suíça (Anexo J) € 21.961,00 da comunicação da IMB referida consta que o sujeito passivo auferiu de contrapartida pelos trabalhos prestados durante o destacamento da Suíça o montante de € 47.201,74, que foi objecto de retenções na fonte do valor de € 12.445,00. (...) solicita-se orientação a essa Direcção de Serviços (...)» - cf. ofício, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 125 do processo de reclamação apenso aos autos;

17. Em resposta ao ofício referido no ponto anterior, a DSRI remeteu informação com o seguinte teor: «3.(...) a importância de € 9.576,00 corresponde a rendimentos prediais pelo que deveria constar do Anexo F e não do Anexo A como foi indicado; (...) a taxa de câmbio em vigor em 2003-12-31 (...) era de 1,5579 e não a utilizada na análise (1,5212). (...) 5. A informação existente na base de dados do sistema informático com referência à declaração modelo 10, evidencia que no ano de 2003 foram pagos ou postos à disposição do sujeito passivo os seguintes rendimentos obtidos em Portugal:


«Imagem no original»

6. (...) consta ainda um documento autenticado por autoridade fiscal suíça (...) que comprova que o sujeito passivo no mesmo ano auferiu naquele país rendimentos do trabalho dependente pagos I...(Schweiz) AG, no montante de 33 408 francos suíços sobre os quais incidiu imposto no valor de 6 231 francos suíços. (...) b) (.) 1. Não está documentalmente comprovado que o rendimento que alegadamente respeita à actividade exercida na Suíça (€ 21 444,25) esteja incluído no valor declarado pela C... S.A. (€ 47.202,00) e muito menos que por esta tenha sido pago (...) 3. Sendo a retenção na fonte da responsabilidade das entidades pagadoras dos rendimentos, dificilmente se aceita como provável e até possível que uma entidade suíça (...) procedesse à dedução de imposto relativamente a pagamentos feitos por outra entidade. (...) 4. O que parece óbvio é que a I...(Schweiz) AG pagou ao sujeito passivo rendimentos do trabalho dependente (€ 21.444,25) e deduziu (...) imposto no montante de € 3.999,61. (...)» - informação, que se dá por integralmente reproduzida, a fls. 130 a 134 do processo de reclamação apenso aos autos;

18. Por despacho de 28/09/2010, a reclamação graciosa referida no ponto 11. foi parcialmente deferida, constando do mesmo o seguinte: «Concordo, pelo que com os fundamentos constantes da presente informação e respectivo parecer, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido do reclamante nos termos em que vem proposto. (…)» – cf. despacho, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 183 do processo de reclamação apenso aos autos;

19. Do teor da informação a que se reporta o despacho de deferimento parcial referido no ponto anterior consta que: «(...) Não está documentalmente comprovado que o rendimento que alegadamente respeita à actividade exercida na Suíça (€ 21 444,25) esteja incluído no valor declarado pela C... S.A. (€ 47.202,00) e muito menos que por esta tenha sido pago (...) 2- O documento apresentado - Attestation D´impot a la source - autenticado pela Administration cantonale des impôts, comprova que no ano de 2003 auferiu na Suíça rendimentos do trabalho dependente, pagos pela I...(Schweiz) AG no montante de 33 408 francos suíços sobre os quais incidiu imposto no valor de 6 231 francos suíços; 3. Sendo a retenção na fonte da responsabilidade das entidades pagadoras dos rendimentos, dificilmente se aceita como provável e até possível que uma entidade suíça (...) procedesse à dedução de imposto relativamente a pagamentos feitos por outra entidade. (...) 4. O que parece óbvio é que a I...(Schweiz) AG pagou ao sujeito passivo rendimentos do trabalho dependente (€ 21.444,25) e deduziu (...) imposto no montante de € 3.999,61. Por outro lado, o art. 15.º n.º 2 da Convenção para Evitar a Dupla Tributação com a Suíça preconiza que "(...)". No presente caso, as remunerações foram pagas segundo o documento apresentado Attestation D´Impot a la Source pela I... AG. Em face do exposto, sou de parecer que relativamente ao ano de 2003 a tributação dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo deverá efectivar-se considerando (...) os seguintes elementos: Rendimentos de trabalho obtidos em Portugal - Anexo A - € 47.201,74; Retenção na fonte de IRS. Anexo A - € 12.455,00; Rendimentos obtidos na Suíça (código 756) - Anexo J . € 21.444,25; Imposto pago na Suíça - Anexo J - € 3 999,61; Anexo F - € 11 476,00. Assim, deve o pedido ser deferido parcialmente (...)». - cf. informação, que se dá por integralmente reproduzida, a fls. 183 a 188 do processo de reclamação apenso aos autos;

20. Em 24/03/2008, a Impugnante apresentou a garantia bancária n.º 980147003154, do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) S.A., no valor de € 18.533,94 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 42272008/01023071 referente a dívida de IRS de 2003 - cf. garantia bancária e requerimento de suspensão do processo de execução a fls. 55 a 60 dos autos;

21. A petição inicial da presente impugnação foi apresentada no dia 08/11/2010 – cf. comprovativo de entrega de documento a fls. 2 dos autos”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não se provou que:

1. Todos os rendimentos de trabalho dependente auferidos pela Impugnante em 2003 foram pagos pela «C... S.A.»;

2. Durante Abril e 31 de Julho de 2003, a Impugnante não recebeu rendimentos pagos por qualquer entidade com sede na Suíça”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos, nomeadamente do processo de reclamação graciosa apenso, conforme identificado nos factos provados”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende a Recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo Tribunal a quo padece de erro, porquanto, atenta a declaração da I... e os esclarecimentos prestados pela entidade patronal da Impugnante, quando interpelada pelos serviços da administração tributária (AT), no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, resulta provado que:

a. Todos os rendimentos de trabalho dependente auferidos pela ora Recorrente em 2003 foram pagos pela «C..., S.A.»;

b. A Impugnante auferiu, no ano de 2003, rendimentos no montante total de 58.677,74 Eur.;

c. Desde abril até 31 de julho de 2003, a Recorrente não recebeu rendimentos pagos por qualquer entidade com sede na Suíça.

Como tal, e em consequência, pugna pela eliminação dos factos não provados.

Vejamos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

A Recorrente sustenta a sua pretensão no facto de quer a I...Portugal, quer a I..., terem declarado a primeira ter pago todas as remunerações da Recorrente em 2003 e a segunda não ter pago nenhuma delas nesse mesmo ano.

Vejamos então.

De facto, junto ao processo administrativo (documento n.º 5, junto com a reclamação graciosa), consta um documento escrito particular, no qual foram apostas duas assinaturas, documento esse onde se refere que a I... não pagou quaisquer valores à Recorrente em 2003.

No mesmo processo administrativo, consta um requerimento, da I...Portugal, no sentido de a Recorrente ter estado destacada na Suíça, entre abril e julho de 2003, mas que todos os vencimentos foram pagos por aquela (cfr. fls. 73 a 123 do processo administrativo – reclamação graciosa).

Sucede, porém, que, perante as autoridades fiscais suíças, a I..., na qualidade de empregadora, declarou ter pago à Recorrente, entre o período compreendido entre 07.04.2003 e 31.07.2003, o salário bruto de 33.408 francos suíços (equivalentes, à época, a 21.444,24 Eur.), tendo sido retido na fonte o valor de 6.231 francos suíços (equivalentes a 3.999,61 Eur.), não constando dos autos que alguma vez esta declaração tenha sido retificada.

Por outro lado, o alegado no sentido de que os valores mencionados nesta declaração foram, na verdade, pagos pela I...Portugal não encontra confirmação na demais prova constante dos autos, designadamente nos recibos de vencimento constantes do processo administrativo.

Com efeito, os valores totais relativos aos meses em causa (abril a julho de 2003), considerando os recibos de vencimento e mesmo atentando em todas as quantias lá constantes a título de abonos, cifram-se nos 15.525,09 Eur.

Ora, este valor não coincide, nem se aproxima, do valor indicado pela I... junto das autoridades suíças, superior, em quase seis mil euros, ao que se extrai dos recibos de vencimento.

Como tal, a prova produzida não é de molde a afastar o que foi declarado perante as autoridades tributárias suíças, nem permite que se conclua que o valor a que respeitam as retenções na fonte efetuadas na Suíça corresponde a rendimentos pagos pela I...Portugal. Aliás, não obstante a Recorrente referir que as retenções feitas pela I... foram na qualidade de terceiro, nada nos autos permite extrair tal conclusão.

Logo, também não está provado que o valor declarado na Suíça não tenha correspondido a efetivo rendimento.

Como tal, indefere-se o requerido.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, em virtude de a Recorrente não ter auferido qualquer rendimento para além do declarado

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, porquanto os valores constantes da sua declaração de rendimentos foram os valores efetivamente auferidos em 2003.

Vejamos então.

O nosso ordenamento, designadamente ao nível do IRS, consagra o princípio da tributação pelo rendimento mundial.

Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 13.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“A tributação pessoal abrange ainda todos os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo com domicílio, sede ou direção efetiva em território português, independentemente do local onde sejam obtidos”.

Tal decorre, igualmente, do disposto no art.º 1.º do CIRS, em cujo n.º 2 se prevê que “[o]s rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos” (sublinhado nosso).

Da mesma forma o então n.º 1 do art.º 15.º do mesmo código previa que, “[s]endo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”. Ou seja, para efeitos de IRS, no caso de sujeitos passivos residentes, é irrelevante o estado fonte do rendimento.

Naturalmente que, havendo rendimentos obtidos no estrangeiro, existem mecanismos para evitar ou atenuar situações de dupla tributação, mecanismos esses quer existentes na legislação interna, quer em instrumentos de direito internacional.

A este respeito, dispunha o art.º 22.º, n.º 6, do CIRS:

“6 - Quando o sujeito passivo aufira rendimentos que deem direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 81.º, os correspondentes rendimentos devem ser considerados pelas respetivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro”.

Por seu turno, o então art.º 81.º do CIRS previa que:

“1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.

2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção”.

Apliquemos estes conceitos in casu.

Como resulta das alegações, a argumentação da Recorrente sustenta-se na alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, que, como decorre de II.D., foi indeferida.

Assim sendo, o que resulta provado é que a I... declarou, na qualidade de empregadora, perante as autoridades fiscais suíças, ter pago os valores já referidos à Recorrente, relativos aos meses compreendidos entre abril e julho de 2003, sobre os quais fez retenção na fonte.

Não se pode retirar a conclusão extraída pela Recorrente, no sentido de que de tal documento não resulta que a I... pagou qualquer montante à Recorrente, porquanto é exatamente o inverso que se extrai do mesmo.

Nada decorre dos autos que tal documento fosse incorreto e que a I... tenha atuado apenas como entidade que entregou a outro título retenções na fonte (fosse a que título fosse).

Surge, sim, como entidade empregadora (l’employeur).

Como tal, carece de relevância o alegado, a propósito de as dívidas tributárias poderem ser realizadas por terceiros, dado inexistir qualquer correspondência fática nesse sentido.

Aliás, como referimos, na análise da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, este nosso entendimento resulta mais sustentado, na medida em que não se consegue sequer fazer qualquer correspondência entre os valores declarados na Suíça e os constantes dos recibos de vencimento da Recorrente relativos ao mesmo período emitidos pela I...Portugal.

Assim, ao contrário do referido pela Recorrente, o valor em causa não encontra correspondência com os rendimentos de trabalho dependente atribuídos pela entidade patronal portuguesa.

Logo, nesta parte não assiste razão à Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à falta de fundamentação

Considera, por outro lado, a Recorrente que a liquidação em crise padece de falta de fundamentação, não podendo a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa sanar o vício em causa.

Vejamos.

O dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (3), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Do ponto de vista estritamente formal, a falta de fundamentação configura-se como um vício de forma e não de substância.

No entanto, a par do dever de fundamentação formal, pode ainda falar-se em dever de fundamentação substancial, tendo este a ver com a questão da verificação dos pressupostos de facto e/ou de direito.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.02.2019 (Processo: 0775/02.2BTVIS):

“[U]ma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).

Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)”.

Portanto, quando se fala em fundamentação do ato, há que atentar na dicotomia existente entre a sua vertente formal e a sua vertente substancial.

Como referido por Vieira de Andrade (4), “[a] diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está, então, em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, estamos perante a emissão de liquidação oficiosa de IRS, que se sustentou em informação elaborada pela Direção de Serviços das Relações Internacionais (DSRI) comunicada à Direção de Finanças (DF) de Lisboa (cfr. factos 7 e 8).

Dessa informação da DSRI, consta justamente a menção à existência de documento relativo a trabalho dependente auferido na Suíça, remetendo à DF de Lisboa os elementos que, face a tal circunstância, deveriam constar na declaração de rendimentos, discriminados por categoria.

Nessa sequência, como referimos, foi emitida a liquidação.

Ora, nestes elementos reside a fundamentação da liquidação, que se consideram suficientes – aliás, a Recorrente apreendeu cabalmente tal fundamentação.

É certo que a liquidação primitivamente efetuada continha um rendimento global de 90.215,00 Eur., quando, da informação que consubstancia seu fundamento, o valor global a que se chegava era de 80.121,99 Eur. No entanto, tal erro na quantificação foi assumido pela AT, em sede de reclamação graciosa, que deferiu em parte a pretensão da Recorrente justamente por esse motivo.

Refira-se ainda que, mesmo que a mencionada informação da DSRI não tenha sido notificada à Recorrente, tal não redunda em falta de fundamentação.

Com efeito, o art.º 37.º do CPPT dispõe de um mecanismo, justamente vocacionado para a notificação da fundamentação de ato, caso a mesma não tenha ocorrido.

É, pois, irrelevante apreciar o alegado, a propósito da fundamentação da reclamação graciosa, porquanto a fundamentação do ato existe e é sua contemporânea.

Face ao exposto, carece de razão a Recorrente.

III.C. Do erro de julgamento, por duplicação do rendimento coletável da Recorrente

Considera, por outro lado, a Recorrente que a sentença recorrida padece de vício de erro de julgamento de direito, uma vez que o ato de liquidação enferma de ilegalidade, por duplicar o rendimento coletável da Recorrente durante o período de destacamento na Suíça, assim violando os princípios da legalidade e da capacidade contributiva.

Vejamos.

O alegado, a este respeito, encontra-se estreitamente ligado quer com a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (cfr. II.D., supra), quer com o apreciado em III.A.

Com efeito, a Recorrente parte do pressuposto de que ficou provado que não auferiu quaisquer rendimentos na Suíça, mas tão só em Portugal, o que, como vimos, não resulta da matéria de facto assente.

Insistimos, não ficou minimamente provado que a intervenção da I... tenha ocorrido na qualidade de terceiro, para facilidade de procedimento.

A mesma apresentou-se perante as autoridades tributárias suíças na qualidade de empregadora e nada nos autos permite concluir no sentido de tal ter sido retificado.

Não tendo resultado provado que a Recorrente apenas recebeu valores em Portugal, extraindo-se da factualidade assente o contrário, carece de razão a Recorrente, pelos motivos já mencionados em III.A, para os quais remetemos.

Quanto à questão do reconhecimento do crédito de imposto, tal reconhecimento ocorreu em sede de reclamação graciosa, não obstante a AT tenha considerado tal a par da consideração do valor do rendimento auferido no estrangeiro.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

III.D. Do recurso apresentado pela Fazenda Pública

A FP, por seu turno, no recurso que apresenta do despacho proferido a 14.02.2019, considera que o mesmo deve ser revogado, dado que, não havendo lugar a audiência final e não sendo dispensada a segunda prestação do pagamento da taxa de justiça, a mesma é incluída na conta de custas final. Entende ainda que é de aplicar o disposto no art.º 14.º-A, al. b), do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Vejamos então.

No caso dos autos, cumpre sublinhar, do processado, o seguinte:

a) Com a notificação à FP da sentença proferida, a 05.02.2018, foi a mesma igualmente notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça, nos termos do n.º 2 do art.º 15.º do RCP, remetendo-se as necessárias guias (documento com o n.º 003673075 de registo no SITAF neste TCAS);

b) A FP procedeu ao pagamento de 153,00 Eur.;

c) A 14.02.2019, foi proferido despacho, no sentido de a FP ser notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça ainda em falta, no valor de 153,00 Eur.

Nos termos do art.º 15.º do RCP:

“1 - Ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça:

a) O Estado, incluindo os seus serviços e organismos ainda que personalizados, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, quando demandem ou sejam demandados nos tribunais administrativos ou tributários, salvo em matéria administrativa contratual e pré-contratual e relativas às relações laborais com os funcionários, agentes e trabalhadores do Estado;

b) (Revogada.)

c) (Revogada.)

d) O demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respetivo valor seja igual ou superior a 20 UC;

e) As partes nas ações sobre o estado das pessoas;

f) As partes nos processos de jurisdição de menores.

2 - As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que suscetível de recurso, para efetuar o seu pagamento no prazo de 10 dias”.

Assim, enquanto a generalidade das partes tem de proceder ao pagamento da taxa de justiça com o impulso processual inicial, o legislador entendeu que, em algumas situações, onde se enquadra a presente, há dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça, que será paga com a decisão da ação.

A questão que se coloca, em primeiro lugar, é a de se saber se, perante o pagamento de 153,oo Eur., quando o Tribunal a quo emitira guias no valor de 302,00 Eur., deveria ter ocorrido a notificação para pagar a diferença.

Ora, de facto entendemos que tal despacho deve ser revogado, ainda que não possam ser apreciados todos os fundamentos invocados pela Recorrente.

Com efeito, o art.º 15.º, n.º 2, do RCP, não prevê qualquer cominação para a falta de pagamento da taxa de justiça dentro do prazo ali referido.

Como tal, nesses casos, devendo quaisquer valores em falta ser incluídos na conta de custas, como defende a Recorrente, não há lugar a qualquer notificação adicional, como ocorreu in casu.

“Não estando prevista qualquer sanção no artigo 15.º do RCP para o incumprimento do prazo fixado no n.º 2 desse artigo, está-se perante um dever jurídico imperfeito. Existe um tratamento diferenciado, porventura justificado pela natureza das entidades em questão, não sendo possível aplicar ao caso a sanção prevista no n.º 3 do artigo 14.º. Assim, com a notificação da sentença, a parte responsável é simultaneamente notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida e juntar o comprovativo ao processo, no prazo de 10 dias. Se o devedor não proceder ao pagamento no prazo de 10 dias, haverá que aguardar pelo trânsito em julgado da decisão final. Transitada a decisão, elabora-se a conta, sempre que a ela houver lugar (cf. artigos 29.º e 30.º do RCP), contabilizando os juros vencidos desde a data do vencimento da obrigação (artigo 805.º do Código Civil)” (5).

Nesse sentido, não deveria ter sido proferido o despacho recorrido.

Quanto aos demais argumentos invocados pela FP, não é este o momento oportuno para a sua apreciação.

Com efeito, as questões atinentes às custas, em casos como o dos autos, deverão ser apreciadas na sequência da reclamação da conta que venha a ser elaborada, momento processual em que se verificam que valores estão em dívida e a que título, reclamação essa que obedece a uma específica tramitação e que, em primeira linha, é apreciada pelo Tribunal a quo (cfr. art.º 30.º e ss. do RCP).

Como tal, o despacho recorrido deve ser revogado.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso apresentado pela Impugnante;

b) Custas do recurso referido em a) pela Impugnante;

c) Conceder provimento ao recurso do despacho de 14.02.2019, revogando-se o mesmo;

d) Sem custas, quanto ao recurso referido em c);

e) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de fevereiro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(3) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
(4) O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, Coimbra, 2003, p. 231.
(5) Centro de Estudos Judiciários, Guia Prático das Custas Processuais, 5.ª edição – revista, atualizada e aumentada, 2021, p. 165.