Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02142/06
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:RESPONSABILIDADE CONTRATUAL - PRESCRIÇÃO
Sumário:
I – Ainda que a violação de normas estabelecidas em procedimentos administrativos pré–contratuais implique responsabilidade civil extracontratual da Administração, quando da relação material controvertida decorram igualmente ilícitos contratuais, o enquadramento jurídico prevalecente será o de convocar a aplicação da responsabilidade contratual. É o chamado princípio do primado da responsabilidade contratual, igualmente denominado princípio da consunção, que dita que a responsabilidade contratual deverá absorver e consumir a delitual.

II - A responsabilidade relacionada com o incumprimento dos prazos estabelecidos em cláusula contratual para o pagamento de incentivos concedidos a MicroEmpresas de acordo com o regime aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 154/96, de 17 de Setembro, e ao abrigo do Decreto – Lei nº 34/95 – Programa das Iniciativas de Desenvolvimento Local -, é inequivocamente contratual (arts. 406º e 798º do CC), uma vez que o facto gerador dessa responsabilidade diz respeito ao não cumprimento pontual da prestação nuclear do contrato celebrado, não cumprimento esse que deu origem a uma situação de incumprimento definitivo.

III – Para efeitos da subsistência do direito de indemnização derivado do incumprimento definitivo de uma obrigação contratual o prazo prescricional é de 20 anos (309.º do Código Civil).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


... – Importação e Exportação, Lda., ... e mulher ... , devidamente identificados nos autos, inconformados com o saneador sentença proferido pelo TAF de Sintra, em 6 de Junho de 2006, que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição e absolveu o Réu Estado Português do pedido, dele recorreram e, em sede de alegações, formularam as seguintes conclusões :

“ 1 – A presente acção versa, essencialmente, sobre o incumprimento, por parte do Réu, dos prazos fixados para apreciar a candidatura à concessão de incentivos e para, num momento posterior, com o contrato de incentivos já celebrado, proceder ao pagamento dos incentivos devidos à sociedade Autora.

2. O primeiro incumprimento, porque teve lugar no procedimento administrativo prévio à celebração do contrato de concessão de incentivos, dá origem a


responsabilidade civil pré – contratual do Réu, por violação dos deveres específicos e discriminados de diligência temporal a que estava obrigado.

3. Para a doutrina e jurisprudência maioritárias, a questão da indemnizibilidade dos prejuízos decorrentes de ilícitos pré-contratuais resolve-se nos termos e segundo as regras da responsabilidade contratual.

4. Ainda mais se a relação material controvertida, por estar ligada à (posterior) celebração de um contrato e ao seu subsequente ( e invocado) incumprimento, assumir, numa parte sua, configuração manifestamente contratual, por dever então aplicar-se o princípio do primado da responsabilidade contratual.

5. O que significa que deve tomar-se em consideração, para efeitos da subsistência do direito de indemnização aqui reclamado, o prazo prescricional de 20 anos (309.º do Código Civil) e não de 3, como erroneamente se considerou na decisão recorrida.

6. Por sua vez, a responsabilidade relacionada com o incumprimento dos prazos estabelecidos em cláusula contratual para o pagamento dos incentivos concedidos é inequivocamente contratual (arts. 406º e 798º do CC), uma vez que o facto gerador dessa responsabilidade diz respeito ao não cumprimento pontual da prestação nuclear d contrato celebrado , rectius, ao desrespeito dos prazos previstos para se proceder ao pagamento dos incentivos concedidos à ... – não cumprimento este que deu origem a uma situação de incumprimento definitivo.

7. De qualquer forma, mesmo que se entendesse (sem conceder) que no caso em análise se estaria perante a violação de deveres acessórios, máxime do dever de diligência no cumprimento da obrigação principal, sempre se imporia concluir, ainda assim, que a responsabilidade que estaria em causa na situação em apreço seria contratual e não extracontratual.

8. É que esse dever de diligência ou de pontualidade emerge inequivocamente da relação contratual entre a ... e os Réus, está inscrito no estatuto do contrato e partilha portanto de natureza contratual, se se quiser, partilha da mesma natureza da obrigação principal que se destina a servir.

9. Face ao exposto, mesmo que o presente litígio fosse configurado como um caso de violação de deveres acessórios ao contrato, o enquadramento juridicamente correcto do caso seria sempre o da responsabilidade contratual, cujo regime não podia ter sido afastado pela decisão recorrida.

10. Por outras palavras, ao ter aplicado ao caso em apreço o regime da responsabilidade extracontratual e ter, na sequência disso, julgado prescrita a obrigação de indemnização a cargo do Réu, o Tribunal violou – por aplicação incorrecta ou indevida – o disposto nos artigos 227.º, 309.º, 762.º e 798.º e seguintes do Código Civil.

11. Deve porém dizer-se que, mesmo que este Tribunal rejeite a tese do enquadramento jurídico-contratual dos ilícitos pré-contratuais (violação dos prazos para apreciação das candidaturas à concessão de incentivos), como há sempre um segmento contratual na relação material controvertida aqui em apreço (violação dos prazos de pagamento dos incentivos), e como a esse segmento corresponde sempre o regime da responsabilidade contratual, isso significa que este Tribunal deve sempre anular a decisão recorrida, mandando baixar os autos para que se averigue que prejuízos podem ser causalmente imputados ao ilícito contratual.


12. (…)”

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O Réu, Estado Português, contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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No saneador- sentença recorrido foram dados como assentes os seguintes factos que se passam a transcrever:

a) Em 23.05.1997 a 1ª A. representada pelos segundos AA entregaram na Caixa Geral de Depósitos da Parede a candidatura ao Regime de Incentivos às Microempresas (RIME), designadamente com seguinte objectivo. “O investimento destina-se a expandir a actividade, criando mais um posto de venda integrado na cadeira de franchising a que a empresa (os AA) pertence, no Centro Comercial Oeiras Parque “ (acordo e cfr. Doc. a fls. 35 a 54 dos autos);




b) Em 22 de Julho de 1998 foi comunicada aos AA a aprovação da candidatura indicada em a), tendo sido atribuídas os seguintes incentivos ao investimento 5.644.120$00 e ao emprego 5.088.960$00 – acordo e doc. fls. 55 dos autos;

c) Entre a ... – Importação e Exportação, Lda., e a Comissão de coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo foi celebrado, com data de 5 de Agosto de 1998, o Contrato de Concessão de Incentivos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – acordo e fls. 58 a 71 dos autos;

d) Em Fevereiro de 1999 os AA dirigem ao Gestor do PPDR um pedido de urgência de desbloqueamento de verbas (acordo e doc. fls. 106 dos autos junto à p.i.);

e) Em Janeiro de 1999 os AA são informados pela CGD de que lhes estava vedado o acesso a mais financiamento ( confissão);

f) Em 17.03.1999 é desbloqueada a verba relativa à criação de postos de trabalho e entregue aos AA – acordo e doc. fls. 177 a 179 dos autos;

g) Em Abril de 1999 a 1ª A. encerrou a loja na Parede – confissão;

h) Em Junho de 1999 a 1ª A. encerrou a loja no Centro Comercial Oeiras Parque – confissão;




i) Através de oficio sem data da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, recebido pelos AA em 21 de Novembro de 2001, foram informados da decisão final de rescisão do contrato de concessão de incentivos, tomada pela Comissão Regional de Selecção de Lisboa e Vale do Tejo (CRSLVT) em 06.04.2001 – confissão e cfr. fls. 463 a 466 ( cfr. fls. 492 e 493 dos autos).


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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto do saneador- sentença, proferido pelo TAF de Sintra, que decidiu a excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização invocado pelos Autores com fundamento no disposto no artigo 498º nº 1 do Código Civil e em consequência absolveu o Réu Estado Português do pedido.

Na decisão recorrida considerou-se que os Autores fundaram a sua pretensão na violação de deveres acessórios do contrato e que tendo a acção sido intentada com fundamento no instituto da responsabilidade civil, decidindo pela aplicabilidade deste regime, face à factualidade dada como assente, encontrava-se prescrito o direito à indemnização, nos termos do artigo 498º nº 1 do Código Civil.
No entender da Mma. Juiz a quo, não obstante a acção ter como ponto de partida um contrato, verifica-se não estar em causa o seu incumprimento mas sim os prejuízos derivados do seu não cumprimento, pelo que a indemnização pedida pelos Autores se funda no instituto da responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 483º do Código Civil e artigo 2º nº 1 do Decreto – Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967.
Assim, tendo em consideração que os Autores tiveram conhecimento do direito que lhes competia pelo menos desde Junho de 1999 e a acção foi proposta em 5 de Novembro de 2004, a Mma. Juiz a quo julgou procedente por provada a excepção peremptória da prescrição.

Insurgem-se contra este entendimento os aqui Recorrentes ao alegarem , em síntese, que a responsabilidade em discussão nos autos é contratual e que, portanto, o prazo de prescrição a ter em consideração é o prazo geral de 20 anos (não o de 3), o que implica que o pedido de indemnização que se pretende aqui fazer valer é substantivamente operativo.

Analisemos a questão.

Como decorre da petição inicial e da factualidade dada como assente na decisão em crise, a presente acção versa sobre o incumprimento de prazos fixados para apreciar a candidatura apresentada pelos Autores à concessão de incentivos a Microempresas (RIME), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 154/96, de 17 de Setembro, ao abrigo do artigo 12º do Decreto – Lei nº 34/95 – Programa das Iniciativas de Desenvolvimento Local –, no âmbito da sua actividade comercial, e ainda incumprimento contratual nos termos do artigo 21º nº


1 e 4 da referida Resolução nº 154/96, face ao contrato de concessão de incentivos entretanto celebrado com a sociedade Autora.
Como bem sintetizou a Mma. Juiz a quo “ para que o Tribunal possa decidir no tocante à excepção peremptória da prescrição do direito importa em primeiro lugar definir qual o tipo de responsabilidade que está em causa nos presentes autos, nos estritos limites dos factos alegados pelas partes e sobretudo na forma como os Autores delimitaram as circunstâncias que os levaram a formular o pedido indemnizatório”.
Na verdade, o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção.
Ficou ainda bem evidenciado na sentença que os Autores conformaram a causa de pedir no seguinte quadro factual:
- Atrasos por parte da CGD e da CCRLVT na instrução do processo de candidatura ao Regime de Incentivos às Microempresas (RIME), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 154/96, de 17 de Setembro ( artigos 16º a 29º, 40º, 45º, 49º da p.i.), sendo que por causa desse processo e de molde a preencher os pré-requisitos realizaram investimentos, contraíram empréstimos (cfr. artigos 31º a 39º , 41º a 44º, 46º, 47º, 53º da p.i.).
Posteriormente, e após a celebração do respectivo contrato, em Agosto de 1998, não foram de imediato desbloqueados os incentivos, o que só veio a acontecer em Março de 1999 (artigo 81º da p.i.), continuando por pagar as verbas relativas ao incentivo ao investimento (artigo 82º da p.i.) que tentaram obter, mas sem sucesso (artigos 82º e 87º). Pelo que tiveram de reduzir despesas – encerraram as lojas da Parede em Abril de 1999 e a loja no Centro Comercial (Oeiras Parque) em Junho de 1999 (cfr. artigos 85º , 86º , 88º e 89º da p.i.) – de que resultou o autêntico estrangulamento da actividade provocado pela CCRVLT.

Concomitantemente entraram os segundos Autores em depressão com efeitos psicológicos extraordinariamente negativos na família, com particular incidência nos filhos ( cfr. artigos 91º a 97º da p.i).

É controversa a questão a dilucidar nos autos na medida em que traz à colação dois institutos da responsabilidade civil ou seja a contratual e a extracontratual, com contornos e âmbitos nem sempre claros e unânimes na doutrina e na jurisprudência.
Fazendo apelo à doutrina ( cfr. ANTUNES VARELA, DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL, VOL. I, 9ª Ed. Pag. 537, e MARIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 9ª Ed. , pag. 493 e ss.) a responsabilidade contratual resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico, ainda que o qualificativo corrente não seja de todo rigoroso, pois além dos contratos existem outros vínculos cujo incumprimento igualmente ocasiona esta espécie de responsabilidade civil e daí que alguns prefiram chamar-lhe responsabilidade negocial ou obrigacional; Já a responsabilidade extracontratual deriva da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrém.
Como bem referiu a Mma. Juiz a quoEsta evidente diversidade não afasta a possibilidade do funcionamento conjugado de uma e outra.
Desde logo, os elementos essenciais da obrigação de indemnizar, decorrente de responsabilidade civil quer esta seja contratual quer seja extracontratual, são os mesmos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano.”
Daí que segundo ANTUNES VARELA , ob. cit. pag. 528/529 “ Apesar de nítida distinção conceitual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil ( uma assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão

ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra, resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no sei da complexa relação obrigacional, a verdade é que elas não constituem, sobretudo na prática da vida, compartimentos estanques. Pode mesmo dizer-se que, sob vários aspectos, responsabilidade contratual e extracontratual funcionam como verdadeiros vasos comunicantes.”
Definidos os contornos doutrinais nos termos expostos, que igualmente ficaram bem evidenciados na sentença recorrida, importa realçar que a acção versa, no essencial, sobre o incumprimento dos prazos fixados para apreciar a candidatura à concessão de incentivos no contrato ( responsabilidade pré-contratual ) e de seguida sobre o incumprimento dos prazos legais para o pagamento dos incentivos concedidos ( responsabilidade contratual ).
A primeira responsabilidade resulta do facto do processo de apreciação de candidaturas corresponder, nos termos da Resolução do Conselho de Ministros nº 154/96, a um procedimento administrativo pré-contratual na medida em que tal procedimento antecede a celebração do contrato de concessão de incentivos. Com efeito, ao serem incumpridos os prazos de apreciação das candidaturas, tal implica, uma vez verificados os respectivos pressupostos, responsabilidade por parte do autor do facto ilícito lesivo, responsabilidade essa que tem natureza pré-contratual por assentar numa actuação ilícita do réu que ocorreu num procedimento prévio à celebração de um contrato, a saber, do contrato de concessão de incentivos.
Quanto à natureza deste tipo de obrigação dividem-se as opiniões, se ela é de índole contratual, quase contratual ou extra contratual. Tendo em conta a origem histórica e a evolução do instituto bem como as

opções sistemáticas da lei, deve ser adequado considerar a responsabilidade pré-contratual como obrigação extracontratual, legal ou quando muito, como obrigação quase contratual. É que a responsabilidade pré-contratual prescreve , segundo o disposto no nº 2 do artigo 227º , nos termos do artigo 498º , ambos do Código Civil – cfr. HEINRICH EWALD HÖRSTER, in A PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS, 1992, pag. 475 e seg.
Porém, ainda que se entenda que a violação de normas estabelecidas em procedimentos administrativos pré-contratuais implica responsabilidade civil extracontratual da Administração , a verdade é que no caso sub judice , em que a relação material controvertida decorre igualmente de ilícitos contratuais, o enquadramento jurídico prevalecente será o de convocar a aplicação da responsabilidade contratual. É o chamado princípio do primado da responsabilidade contratual, igualmente denominado princípio da consunção, que dita que a responsabilidade contratual deverá absorver e consumir a delitual (cfr. MÁRIO JULIO DE ALMEIDA COSTA in DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 7ª Ed., pag. 473 e Acórdão do STJ , de 22 de Setembro de 2005, in CJ, STJ, Ano XIII, pag.40 e segs.).
A segunda responsabilidade, relacionada com incumprimento dos prazos estabelecidos para o pagamento dos incentivos concedidos, ao invés do que foi entendido na sentença em crise, é de natureza contratual.
Para tanto basta evidenciar que, nos termos do contrato celebrado em Agosto de 1998 ( cláusula 5ª , nº 9) – que acompanhava, nesta parte, o regime do artigo 21º da Resolução do Conselho de Ministros nº 154/96 -, o pagamento dos incentivos ao promotor do projecto devia ser efectuado pelas CCR (após confirmação por parte das entidades que prestam

serviço de recepção das candidaturas dos elementos constantes do pedido de pagamento), no prazo de 10 dias uteis após a apresentação do pedido de pagamento.
Destarte, a obrigação temporal ou de prazo respeitante ao pagamento dos incentivos concedidos era a obrigação fixada nos termos do clausulado do próprio contrato.
É, pois, neste contexto e fazendo apelo ao seu regime – designadamente averiguando se, no cumprimento da obrigação, se observaram os termos impostos pela boa-fé ( artigo 762º nº 2 do Código Civil) – que se decide se há ou não responsabilidade.
Ora, tratando-se de questões de cumprimento pontual ou temporal, haverá necessariamente uma situação de não cumprimento da obrigação, que será de simples mora, se o credor ainda mantiver o interesse na prestação, ou de incumprimento definitivo, se tal interesse já não se mantiver.
No caso sub judice, ao contrário do que resulta da sentença recorrida em que designadamente se afirma: “No imediato estamos perante uma violação de deveres laterais ou acessórios de conduta (…) donde concedendo que a presente acção tenha como ponto de partida um contrato, o certo é que não está em causa ( directamente) o seu não cumprimento mas os prejuízos derivados do seu não cumprimento(…).Os autores não exigem o cumprimento da tranche relativa aos incentivos financeiros que não terá sido paga, alegando antes que o R. não actuou com a diligência devida quer antes quer após a celebração do contrato “ afigura-se-nos que a pretensão indemnizatória dos Autores funda-se no incumprimento definitivo, por parte do devedor, da obrigação de pagamento dos incentivos devidos ( cfr. al. a) do pedido final da petição inicial).
Por conseguinte o litigio em presença reporta-se ao regime do incumprimento das obrigações que decorrem do contrato celebrado, ou

seja ao quadro da responsabilidade contratual para aí se decidir se os prejuízos invocadamente decorrentes desse não cumprimento devem ou não ser ressarciveis.
De resto, no caso, não estamos perante uma violação de deveres acessórios de conduta, mas sim diante do não cumprimento da mesma obrigação principal na medida em que a pontualidade do cumprimento da prestação (artigo 406º do Código Civil) tornou-se aqui inerente ao próprio cumprimento da obrigação principal.
Por outras palavras, quando não existe um cumprimento pontual da obrigação e esse facto implica uma situação de incumprimento definitivo, então, deparamo-nos perante uma hipótese de não cumprimento, e não de violação de deveres acessórios designadamente de diligência no cumprimento.
Daí que, em jeito de conclusão, reafirmamos, ao contrário da tese sustentada na sentença recorrida de que se está perante a violação de deveres acessórios de conduta, o que se discute no caso em apreço é a procedência ou não do pedido de indemnização por ilícito contratual inerente à obrigação nuclear assumido pelo Réu Estado Português com a celebração do contrato de concessão de incentivos ao investimento, questão essa a ser dirimida no quadro da responsabilidade contratual.
Em conformidade com o exposto, partindo do entendimento que o facto gerador da responsabilidade no caso diz respeito a incumprimento contratual , o prazo prescricional para efeitos de subsistência do direito de indemnização reclamado é de 20 anos (artigo 309º do Código Civil) e não de 3 ( artigo 498º do Código Civil) pelo que necessariamente, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não decorreu ainda o prazo de prescrição do direito invocado pelos Autores.


Termos em que, procedendo as conclusões da alegação do Recorrente, é de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar o saneador - sentença recorrido com a consequente baixa dos autos à 1ª instância para aí prosseguirem os ulteriores termos processuais.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar o saneador - sentença recorrido com a consequente baixa dos autos à 1ª instância, nos termos e para os efeitos sobreditos.

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Sem custas em ambas as instâncias.

Lisboa, 10 de Julho de 2014

ANTÓNIO VASCONCELOS
ANA CELESTE CARVALHO
FREDERICO BRANCO