Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08869/15
Secção:CT
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRESSUPOSTO PROCESSUAL
DEDUÇÃO PRÉVIA DE PEDIDO DE REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL FIXADA POR MÉTODOS INDIRECTOS.
Sumário:1) A necessidade legal de esgotamento dos meios impugnatórios administrativos prévios (=pedido de revisão da matéria colectável, artigos 91.º e 92.º da LGT), pela interacção entre os peritos nomeados pelas partes e, eventualmente, em conjunto com o perito independente, permite a objectivação dos elementos relativos ao juízo de preenchimento dos pressupostos da avaliação indirecta (fundamentação material) e a objectivação dos elementos relativos à quantificação da matéria colectável, pelo que, nesta medida, constitui condição da efectiva aferição jurisdicional do acerto da decisão administrativa de tributação por métodos indirectos.
2) Embora os artigos 86.º n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT exijam a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários com base naqueles erros, a condição de impugnabilidade não funciona se na impugnação forem invocados outros vícios, designadamente o vício de falta de fundamentação.
3) Tendo sido invocado, quer o erro nos pressupostos de facto (falta de fundamentação material), quer o vício da falta de fundamentação formal do acto tributário, apenas através do procedimento de revisão da matéria colectável é possível aferir dos elementos relevantes à cognição do vício referido em primeiro lugar.
4) O presente raciocínio não é válido no que respeita ao vício referido em segundo lugar, da falta de fundamentação formal, porquanto o mesmo não está abrangido pela condição de procedibilidade resultante da necessidade legal de dedução do pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, a qual não assume em relação a tal vício o efeito preclusivo em causa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
     ACÓRDÃO

I- Relatório

“D... – Espectáculos Unipessoal, Lda.” interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 88/98, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais IVA 2007.

Nas alegações de recurso de fls. 121/127, a recorrente formula as conclusões seguintes:

i) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (Unidade Orgânica 2) que decidiu pela procedência da excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos de liquidação de IVA, e consequentemente absolveu a Fazenda Pública da instância.

ii) O Tribunal "a quo" fez um juízo desacertado sobre a argumentação e imputação dos vícios legais que a Recorrente assacou aos actos de liquidação de IVA, quando decidiu pela procedência da excepção dilatória invocada pelo ERFP, sem conhecer e decidir sobre os demais vícios invocados.

iii) O Tribunal de 1a. Instância não podia ter deixado de conhecer e de se pronunciar sobre os outros vícios alegados na impugnação judicial, designadamente, o vício de forma por falta de fundamentação e o erro nos pressupostos de facto.

iv) Os artigos 86.º n.º 5 da LGT e 177.º, n.º l do CPPT exigem a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários com base naqueles erros, quando esse é o único vício assacado ao acto tributário.

v) A revisão administrativa só funciona como uma "impugnação pré-contentiosa", que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a determinação da matéria colectável através de métodos indirectos, quando na impugnação judicial não são assacados outros vícios legais ao acto tributário impugnado.

vi) Se o "erro na quantificação da matéria colectável” e o "erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos", não são os únicos vícios legais invocados, então nada impede, e não está vedado que o Tribunal conheça da invalidade fundada em ilegalidades de espécie diferente.

vii) Da leitura da petição de impugnação judicial resulta que a Recorrente impugnou judicialmente as liquidações do IVA e respectivos juros, imputando-lhes claramente outros vícios/ilegalidades, nomeadamente o vício de forma por falta de fundamentação e o vício de inexistência de acto tributário assente em erro nos pressupostos de facto.

viii) O douto Tribunal "a quo" não podia ter considerado que as liquidações de IVA eram inimpugnáveis por falta de um pressuposto processual, já que, nenhuma decisão administrativa prévia - revisão da matéria colectável, se mostra exigível face aos outros vícios alegados.

ix) A Recorrente invocou na sua petição inicial como fundamento o erro quanto aos pressupostos de facto - corroborado por prova documental - documentos l a 3 da PI - e prova testemunhal a produzir, que forçosamente põem em causa a correcção à matéria tributável objecto dos presentes autos.

x) Este fundamento de impugnação é distinto e autónomo, em relação ao erro nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, cuja apreciação foi completamente coarctada pelo Tribunal de 1a Instância, que apesar de admitir a sua invocação, não cuidou de apreciar e decidir.

xi) A preterição do conhecimento e decisão desse fundamento legal de impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA consubstancia uma ilegalidade, na medida em que a presente impugnação judicial da liquidação não estava na dependência da prévia apresentação do pedido de revisão da matéria colectável para prosseguir seus termos legais.

xii) A Recorrente também invocou expressamente na sua impugnação judicial o vício de forma por falta de fundamentação do acto tributário, fundamento legal esse que não está escamoteado no erro na quantificação da matéria qualificável como o douto Tribunal "a quo" quer fazer crer na sua decisão judicial.

xiii) O Tribunal de 1a. Instância refere na sua sentença a invocação pela Recorrente do vício de forma por falta de fundamentação do acto tributário, mas confundiu, e por isso desconsiderou a dimensão substancial do dever de fundamentação do acto tributário, concluindo que só lhe caberia apreciar desse vício se a dimensão formal tivesse sido formalmente atacada.

xiv) Mas para se concluir que o acto tributário se mostra devidamente fundamentado, tem de o estar nas suas duas vertentes - formal e substancial, não podendo o Tribunal bastar-se com a dimensão formal, para sustentar que a dimensão substancial respeita já aos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, o que exigia a prévia revisão da matéria colectável.

xv) O Tribunal "a quo" não podia ter confundido a apreciação do vício de falta de fundamentação, ainda que na sua vertente substancial, com o erro nos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos, para fazer valer a exigência prévia de apresentação de pedido de revisão da matéria colectável e assim se abster de conhecer os demais vícios invocados pela Recorrente.

xvi) O Tribunal de 1a. Instância não podia ter-se abstido de apreciar o vício de forma por falta de fundamentação, ainda que na sua dimensão substancial.

xvii) O Tribunal "a quo" deveria ter prosseguido os trâmites legais e apreciado do mérito da causa quanto a essa falta de fundamentação, ou seja, se de facto os motivos invocados pela AT eram suficientes e correspondiam à realidade material, por forma a justificar a concreta actuação tributária, já que a Recorrente invocou na sua petição que a AT não demonstrou nem concretizou a ocorrência dos pressupostos que legitimaram a correcção ao rendimento declarado.

xviii) Para além do erro nos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável e da invocação de erros e disparidades entre a realidade e a decisão de quantificação da matéria tributável, a Recorrente impugnou as liquidações com fundamento na inexistência de acto tributário assente em erro dos pressupostos de facto e no cumprimento deficiente do dever de fundamentação.

xix) Impunha-se ao Tribunal de 1a Instância apreciar e decidir se os actos impugnados de liquidação adicional de IVA padeciam desses defeitos, e por isso deveria ter conhecido dos demais vícios invocados, ao invés de ter julgado, de imediato e sem mais apreciação, como procedente a excepção de inimpugnabilidade judicial do acto tributário.

xx) Mal andou o douto Tribunal "a quo" ao ter concluído pela imediata procedência de uma excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto  tributário, quando  ao invés  se impunha ter decidido sobre a procedência ou não dos outros fundamentos invocados para a impugnação judicial dos actos de liquidações adicionais de IVA. e que não se resumiam ao erro na quantificação da matéria qualificável.

Não há registo de contra-alegações.


X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 187, dos autos), pugnando pela improcedência do recurso.

X

Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

X

II- Fundamentação

2.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

a) A impugnante "D... - Espectáculos Unipessoal, Lda", tem como actividade "Artes do Espectáculo", com o CAE 090010 - Cfr. documento a fls. 113 do PAT.

b) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, em cumprimento da ordem de serviço n.º …, ao exercício de 2007 - Cfr. documento a fls. 112 do PAT.

c) A acção inspectiva concluiu ter ocorrido omissão de proveitos no exercício de 2007, originado pela não emissão de facturas relativas a verbas recebidas, que originou vantagens patrimoniais para o sujeito passivo, com a não entrega do IVA não liquidado e a diminuição do lucro tributável declarado, com recurso a métodos indirectos para a sua avaliação nos termos do artigo 52º do CIRC em conjugação com a alínea b) do artigo 87º e da alínea a) do artigo 88º da LGT -Cfr. documento a fls. 121 do PAT.

d) Na acção inspectiva referida na alínea anterior foram propostas as correcções em sede de IVA que  constam no ponto 6.2 do relatório de inspecção  - Cfr. documento a fls. 133 do PAT, o qual se dá, aqui por integralmente reproduzido.

e) Por oficio datado de 4 de Janeiro de 2012 foi a Impugnante notificada do projecto de conclusões do relatório da inspecção, constando na notificação, entre o mais, o seguinte: "Nos termos do artº 91º da LGT, poderá solicitar a revisão da matéria tributável, fixada por métodos indirectos, numa única petição devidamente fundamentada, dirigida ao Director de Finanças da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da presente notificação, com  a   indicação   do  perito   que   o   representa  e, eventualmente,   o  pedido   de   nomeação   de perito   independente." -  Cfr. documento a fls. 106 do PAT, o qual se dá, aqui por integralmente reproduzido.

f) Na sequência da acção inspectiva a AT efectuou as liquidações adicionais de IVA nºs …, no valor de € 2.801,37, …, no valor de € 1.947,90 e …, no valor de € 7.538,26 - Cfr. documentos a fls. 87, 89 e 91, os quais se dão, aqui por integralmente reproduzidos.

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se:

«Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, nomeadamente, que a Impugnante tivesse solicitado a revisão da matéria tributável, nos termos do preceituado no artigo 91º da LGT.

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório».


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

g) Do RIT consta o seguinte:

4. Motivos e exposição dos factos que implicam recurso a métodos indirectos

Conforme descrito nos pontos 2.4.4, 2.4.5 e 2.4.6 do presente projecto de relatório, foram detectadas, após cruzamento de dados com empresas e entidades que interagem com o artista, 15 espectáculos não facturados;

Esta omissão de proveitos, no ano de 2007, originado pela não emissão de facturas relativas as verbas recebidas, originou vantagens patrimoniais para o sujeito passivo, com a não entrega do IVA não liquidado e a diminuição do lucro tributável declarado.

Em face das infracções atrás descritas, a matéria tributável não pode ser inequivocamente apurada pelo que houve necessidade de recorrer à utilização de métodos indirectos para a sua avaliação no exercício de 2007, nos termos do artigo 52.º do CIRC em conjugação com a alínea b) do art.º 87º e da alínea a) do art.º 88.º da LGT (impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação de matéria tributável).

(…)

5.2 - IVA em falta

1-Tomando em consideração que a empresa se encontra enquadrada no regime normal trimestral, presumimos que não tenha liquidado nem entregue nos cofres do Estado o IVA correspondente a 15 espectáculos não facturados.

2- Tendo em conta que a DGCI conhece a data dos espectáculos que a empresa não facturou, torna-se possível  enquadrar esses proveitos presumidos (B. tributável) nos trimestres respectivos, pelo que, apuramos o seguinte imposto em falta:

5.2.1 - Calculo do IVA em falta

Quadro 12 - Cálculo do IVA em falta relativamente aos valores desconhecidos (Média)

Ano de 2007
Correcção
Período N.ºde espectáculos Valor Médio Base tributável IVA

Liquidado

07.03T 2 4.617,31 9.234,62 1.939,27
07.06T 2 4.617,31 9.234,62 1.939,27
07.09T 6 4.617,31 27.703,86 5.817,81
07.12T 0 4.617,31 0,00 0,00
TOTAL 10 4.617,31 46.173,10 9.696,35

h) Dá-se por reproduzido o relatório de inspecção tributária – RIT -, em particular o ponto 2.4. e seus subitens, onde se descrevem as omissões de facturação detectadas.


X

2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 88/98, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais IVA 2007.

A sentença julgou improcedente a impugnação com base na asserção da falta de preenchimento do pressuposto da impugnabilidade dos actos tributários, consistente na falta de dedução de pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos (artigos 91.º e 92.º da LGT).

2.2.2. Para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença recorrida esteou-se, entre o mais, na fundamentação seguinte:

«[A] fixação da matéria tributável por métodos indirectos originou as liquidações de imposto ora impugnadas, não tendo em momento algum sido apresentado, pela ora Impugnante, pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do artigo 91º da LGT.

Ora, tendo o acto de fixação da matéria tributável sido efectuado por métodos indirectos, está legalmente vedado à Impugnante reagir autonomamente contra o acto de liquidação de imposto, na medida em que os citados nº 5 do artigo 86.º da LGT e do n.º l do artigo 117.º do CPPT exigem a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários com base em erro na quantificação da matéria colectável. // (…) //

[A] Impugnante não alegou dificuldade alguma em compreender os motivos por que a AT entendeu lançar mão dos métodos indirectos na determinação da matéria tributável, deles revelando, aliás, perfeito conhecimento; alegou, sim, que os mesmos não legitimam aquela decisão.

Na verdade, o que se infere da alegação da Impugnante, para além da questão do erro quanto aos pressupostos de facto, é que, na sua opinião, a AT não conseguiu ilidir a presunção de veracidade da sua escrita. Ou seja, considerou a Impugnante que não se verificam os pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos. // (…) //

Assim, procede a excepção suscitada pela ERFP, referente à inimpugnabilidade directa do acto de liquidação de IVA resultante de fixação da matéria colectável por métodos indirectos, por não ter a Impugnante deduzido pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do artigo 91° da LGT, o que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, configurado assim uma excepção dilatória».

2.2.3. A recorrente não se conforma com o veredicto que fez vencimento na instância. Argumenta que na petição inicial de impugnação invocou dois vícios passíveis de serem conhecidos, independentemente da formulação do pedido de revisão da matéria colectável, a saber: os vícios de falta de fundamentação formal do acto tributário e o vício de erro nos pressupostos de facto, gerador da inexistência do acto tributário.

Vejamos os normativos relevantes.

«A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação» - artigo 86.º/3, da LGT.

«Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei» - artigo 86.º/5, da LGT.

«Salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando a decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável» - artigo 117.º/1, do CPPT.

«Se a impugnação judicial da liquidação se fundar na errónea quantificação da matéria colectável e/ou na não verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável, a revisão administrativa da matéria colectável é um preliminar indispensável ao uso desse meio processual. // Embora os artigos 86.º n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT exijam a prévia apresentação de pedido de revisão da matéria colectável como condição da impugnabilidade judicial de actos tributários com base naqueles erros, a condição de impugnabilidade não funciona se na impugnação forem invocados outros vícios, designadamente o vício de falta de fundamentação»[1].

A recorrente pretende obter a rescisão do veredicto que fez vencimento na instância, afirmando que imputou aos actos tributários os vícios de falta de fundamentação formal e o vício de “inexistência de acto tributário” assente em erro nos pressupostos de facto. Com vista a sustentar o alegado vício referido em primeiro lugar, afirma que o Relatório de Inspecção não contem elementos suficientes que permitam reconstruir o iter cognoscitivo e valorativo subjacente às correcções em causa; no que respeita ao alegado vício referido em segundo lugar, afirma que a AT desconsiderou os elementos de prova por si apresentados e que justificavam que nenhum acréscimo de rendimento podia ter tido lugar. Pretende que os vícios em causa não estão abrangidos pela condição de procedibildade, pelo que a sentença incorreu em erro de julgamento, ao considerar precludido o seu conhecimento.

Vejamos.

Estão em causa liquidações adicionais de IVA de 2007, por omissão de proveitos, omissão de facturação e de liquidação de imposto e subsequente entrega ao Estado. A recorrente pretende afastar o efeito preclusivo associado ao dever legal de esgotamento dos meios impugnatórios administrativos (=pedido de revisão da matéria colectável), no caso de impugnação contenciosa do acto tributário praticado com recurso aos métodos indirectos (artigo 86.º/5, da LGT).

O efeito preclusivo referido não é afastado no que respeita ao alegado erro nos pressupostos de facto. Tal vício, segundo a alegação da recorrente, incide sobre o juízo de descredibilização da contabilidade da contribuinte, matéria que, por contender com o recurso à avaliação indirecta, deve ser objecto de cognição em sede de comissão de revisão da matéria colectável (artigos 91.º e 92.º da LGT). Apenas através do procedimento aí previsto é possível aferir dos elementos relevantes à cognição dos eventuais erros em que tenha incorrido a AT, no que respeita ao preenchimento dos pressupostos do recurso aos métodos indirectos e-ou no que respeita à quantificação da matéria colectável por avaliação indirecta.

Donde se impõe concluir que ao julgar procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto tributário, com fundamento na falta de dedução do pedido de revisão da matéria colectável, por referência ao vício do erro nos pressupostos de facto, a sentença recorrida não merece reparo, nesta parte.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.4.O mesmo não é válido, todavia, no que respeita ao alegado vício de falta de fundamentação dos actos tributários impugnados.

Na petição inicial de impugnação (artigo 67.º), a recorrente invoca o vício de falta de fundamentação formal dos actos tributários impugnados, considerando a mesma insuficiente. Este vício não está abrangido pela condição de procedibildade resultante da necessidade legal de dedução do pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos.

Donde resulta que a condição da procedibilidade da impugnação da dedução do pedido de revisão não assume efeito preclusivo do vício em causa.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter, nesta parte. A mesma deve ser substituída por decisão que aprecie do mérito da impugnação quanto ao vício da falta de fundamentação referido.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso, nesta parte.

As partes foram notificadas da intenção do tribunal de conhecer, em substituição, do vício referido.

Apenas a recorrente proferiu alegações, reiterando a posição já vertida nos autos (fls. 194/108).

2.2.5. Do alegado vício da falta de fundamentação dos actos tributários

Na tese da impugnante, os actos tributários questionados enfermam do vício de falta de fundamentação, porquanto a AT não cuidou de apreciar e valorar convenientemente os elementos de prova, quer documental, quer testemunhal, por si produzida.

«A fundamentação do acto tributário pode ser efectuada de forma sumária, devendo conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo» - artigo 77.º/2, da LGT.

No caso em exame, resulta do probatório que a AT, através do cruzamento de dados com as entidades destinatários dos serviços prestados pela impugnante, considerou existir omissão de facturação e consequente falta de liquidação de IVA e da sua entrega ao Estado[2].

Os motivos que servem de esteio às liquidações adicionais em apreço são, pois, acessíveis ao destinatário médio colocado na posição da impugnante. Questão diversa reside em saber se os motivos em referência assumem (ou não) a aderência à realidade que justifique a decisão de tributação adicional subjacente aos actos tributários em liça. Esta última questão não pode ser apreciada na presente impugnação, dado que o seu conhecimento está dependente do preenchimento da condição da procedibilidade da impugnação da dedução do pedido de revisão, a qual foi omitida no caso, como resulta do probatório. A necessidade legal de esgotamento dos meios impugnatórios administrativos prévios (=pedido de revisão da matéria colectável, artigos 91.º e 92.º da LGT), pela interacção entre os peritos nomeados pelas partes e, eventualmente, em conjunto com o perito independente, permite a objectivação dos elementos relativos ao juízo de preenchimento dos pressupostos da avaliação indirecta e a objectivação dos elementos relativos à quantificação da matéria colectável, pelo que, nesta medida, constitui condição da efectiva aferição jurisdicional do acerto da decisão administrativa de tributação por métodos indirectos.

Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a presente imputação.

Termos em que se julga improcedente a impugnação dos actos tributários em apreço.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento recurso, revogar a sentença recorrida, na parte referida em 2.2.4. e, em substituição, julgar improcedente a impugnação.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunto – com voto de vencida)*

(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)


* Vencida por entender que o vício de falta de fundamentação formal, pese embora venha referido na p.i. nos dois últimos artigos, constitui uma deficiente qualificação jurídica do vício invocado, mas não constitui causa de pedir. Com efeito, a causa de pedir emerge dos factos que o autor alega. In casu, todos os factos alegados, sem excepção, integram um único vício que é o da falta de fundamentação na sua vertente substantiva, nenhum facto foi alegado nos termos do art. 5.º do CPC que se possa integrar no vício de falta de fundamentação na sua vertente formal. Pelo exposto, teria confirmado a sentença recorrida.




[1] Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 0165/12


[2] Alíneas c), g) e h), do probatório.