Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:803/02.1BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:IRC
PREJUÍZOS TRANSITADOS
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Sumário:A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tripla identidade prevista no art.º 581º do CPC
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por B....., Lda., com referência à liquidação de IRC com o nº ..... relativa ao exercício de 1995 no valor de € 401.375,80, e que determinou a anulação da liquidação na parte correspondente à correcção de € 226.018,61 relativa a prejuízos transitados.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A) Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto do sentido preconizado pela douta decisão recorrida, que concluiu pela anulação da liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ....., na parte correspondente à correcção de 226.018,61 EUR, relativa a prejuízos transitados, por erro sobre os pressupostos sobre a existência dos prejuízos a reportar.

B) Comecemos por olhar para a petição inicial da presente impugnação apresentada pela B....., Lda. e, especificamente, para os factos expostos pela ora Recorrida como fundamento da mesma ação.

C) Alega a ora Recorrida, com pertinência para o presente, que “(…) a Administração Fiscal tomou em consideração não só os valores corrigidos e não reclamados como também os valores corrigidos e reclamados pela Impugnante. Consequentemente, a Impugnante foi alvo de uma liquidação adicional, referente ao exercício de 1995, tendo a Administração Fiscal recusado a dedução de prejuízos de anos anteriores (1991 a 1994), sem atender ao facto de algumas dessas correcções terem sido objecto de Reclamação Graciosa (1993/1994), bem como de Impugnação Judicial (1994)” – artigos 24.º e 25.º da p.i.

D) Acrescenta ainda a ora Recorrida que “Assim, e uma vez que os prejuízos de 1994 foram objecto de Reclamação Graciosa e subsequente Impugnação Judicial, a Impugnante é do entendimento que estes montantes não devem ainda ser considerados para efeitos de correcção do lucro tributável, uma vez que a natureza dos créditos controvertidos será decidida em foro judicial, por intermédio da Impugnação Judicial (…). Devendo a Administração limitar-se a considerar os montantes não reclamados e/ou já não controvertidos (…), abstendo-se de efectuar a liquidação do contribuinte, com base em factos presentemente sujeitos a apreciação contenciosa. E apenas no momento em que tais factos possam ser dados como assentes, por força de uma decisão em sede graciosa e/ou foro judicial favoráveis à Administração Fiscal é que esta poderá efectuar uma liquidação adicional com base nestes.” – artigos 29.º a 31.º da p.i.

E) Pelo que, entende a ora Recorrida que a correção à matéria coletável do exercício de 1995, concretizada na liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ....., devia ter em consideração os factos alegados pela mesma nas duas reclamações graciosas apresentadas, relativas aos exercícios de 1993 e 1994 respetivamente, e na petição inicial da impugnação judicial relativa ao exercício de 1994.

F) Nem se diga que a ora Recorrida pretendia que a correção à matéria coletável do exercício de 1995 tivesse ficado dependente das decisões proferidas no âmbito das reclamações graciosas e da Impugnação judicial sob o n.º 3/02.

G) O que a ora Recorrida pretendia exatamente era que a correção à matéria coletável do exercício de 1995 não incluísse os montantes reclamados e/ou já não controvertidos, ou seja, os factos alegados nas duas reclamações graciosas e na petição inicial da impugnação judicial sob o n.º 3/02 com os quais a mesma não concordava relativamente à dita correção.

H) Pretendia a ora Recorrida um género de suspensão de parte da correção à matéria coletável do exercício de 1995, com a qual, nos parece, que a mesma concorda parcialmente, pelo menos no segmento não reclamado ou contestado.
No entanto, o pedido feito pela ora Recorrida não foi nesse sentido, mas antes no sentido da anulação da liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ....., por ilegal.

I) Ora, a ilegalidade apontada pela ora Recorrida à liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ..... prende-se exclusivamente, como já constatámos, com o facto de a mesma liquidação ter sido emitida sem ter em consideração as discordâncias apontadas pela Recorrida nas duas reclamações graciosas e na impugnação judicial às correções à matéria coletável do exercício de 1995.

J) E, nessa medida, da causa de pedir, que a doutrina e a jurisprudência têm definido como o facto jurídico de que emerge o direito do autor e fundamenta, portanto, a sua pretensão, traduzindo-se num facto concreto, não decorre a conclusão lógica do pedido formulado pela ora Recorrida.

K) Há uma contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir.

L) A liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ....., foi emitida em 07.07.2000, conforme consta do ponto J) dos factos dados como provados.
Já os despachos proferidos no âmbito das reclamações graciosas relativas aos exercícios de 1993 e 1994 datam de 30.05.2001 e 21.11.2001 – Conforme pontos L) e M) dos factos dados como provados.
Relativamente à impugnação no âmbito do processo n.º 3/02, tendo sido a sentença proferida em 07.05.2014, foi a mesma objeto de recurso, tendo o acórdão transitado em julgado em 06.07.2018 – Conforme pontos R) e S) dos factos dados como provados.

M) Pelo que as decisões proferidas no âmbito das reclamações graciosas e da impugnação judicial são muito posteriores à emissão da liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ....., nunca podendo, por isso, ter reflexos na referida liquidação.
De igual modo, nunca podia a referida liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ..... ficar suspensa até serem decididas as reclamações graciosas apresentadas e a impugnação.

N) No entanto, nem é esta a alegação feita pela ora Recorrida, nem é esta a causa de pedir do ora Recorrido, como já foi abordado.

O) Como tal, tendo a Recorrida alegado que a liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ..... devia ter tido em consideração os factos alegados nas petições das reclamações graciosas relativas aos exercícios de 1993 e 1994 e na impugnação no âmbito do processo n.º 3/02, pedir, consequentemente a anulação da referida liquidação adicional, por ilegal, é contraditório, uma vez que as referidas decisões e a sentença referida são muito posteriores à liquidação adicional de IRC do exercício de 1995.

P) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, não se ter concluído pela existência de uma contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir, uma vez que dos fundamentos apresentados pela ora Recorrida nunca seria possível extrair como consequência o pedido de anulação da liquidação impugnada, na parte correspondente à correção de 226.018,61 EUR, relativa a prejuízos transitados.

Q) Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente.

A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, nos termos supra expostos, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita
correção.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça”.
* * *
A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado conclusões nos seguintes termos:

“1ª A AT. veio interpor recurso da douta sentença pelo Tribunal a quo fundamentando o mesmo numa alegada – se bem se compreendeu o sentido das conclusões – contradição entre a factualidade dada como provada e a decisão proferida, e ora objecto de recurso.

2ª Diz-se se bem compreendemos, pois, da leitura e do teor da conclusão P) parece que a “boca fugiu para a verdade”, quando se afirma “não se ter concluído pela existência de uma contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir”. Salvo o devido respeito, a existir contradição (parece-nos) que apenas poderá ser nas Alegações da AT que em rigor padecem de alguma ininteligibilidade, uma vez que aparentam ignorar a factualidade do caso e processual. Recorre-se apenas porque se tem que recorrer (e porque não se paga taxa de justiça nem existe responsabilidade por condutas muito além do temerário).

3ª Aliás, a própria AT parece reconhecer que não há contradição, não se percebendo é como é que dá um salto lógico para concluir que a sentença é passível de censura.

4ª Se existe actuação ilógica, arbitrária e insustentável é apenas e só desta Administração Fiscal que decorridos 24 anos persiste, teimosamente, numa postura de afronta da ilegalidade, sem qualquer pudor ou vergonha, apenas e só porque lhe permite ter este processo “aberto” nos seus livros, transitando de ano para ano sem dar cumprimento à legalidade, compondo assim as suas contas. É a única explicação que se encontra.

5ª Mas o desplante atinge limites que o signatário nunca havia conhecido, em especial quando a AT, no seu petitório, não tem pejo em invocar a sua própria actuação morosa para lançar “mais confusão”, num tema que há muito deveria estar decidido e cumprido, e que aquela teima em não acatar.

6ª De facto, o sentido das alegações apresentadas é revelador de uma actuação que verdadeiramente preenche em absoluto os requisitos de um venire contra factum proprium, no qual a AT não hesita em invocar a sua conduta de não decidir ou decidir tardiamente, para invocar uma ficcionada contradição por parte do contribuinte que se limitou a exercer o seu direito de defesa.

7ª Contrariamente ao alegado, e impõe-se neste aspecto salientar e realçar a importância da independência do Tribunal a quo, que de forma natural (mas absolutamente essencial num Estado de Direito) se limitou a aplicar a lei, e em especial, a retirar as consequências da sentença e do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, na apreciação que os mesmos fizeram acerca da validade jurídica da consideração como custo fiscal de um conjunto de créditos incobráveis.

8ª A liquidação impugnada teve por base a desconsideração de prejuízos fiscais no valor de € 226.018,61.

9ª No âmbito do processo foi reconhecida a legalidade dos créditos incobráveis declarados em 1993 e 1994.

10ª A AT ao não os considerar na liquidação adicional de IRC do ano 1995, cometeu por isso uma ilegalidade, que em termos práticos se traduziu numa correcção à matéria colectável, que em si é ilegal. A sentença ora recorrida limita-se a reconhecer isso mesmo.

11ª Das Alegações apresentadas não se identifica qualquer contradição entre a fundamentação factual da sentença, o direito e a decisão que afinal foi tomada. Ao não se identificá-la, a ora Recorrida fica impossibilitada de exercer o seus direito de defesa.

12ª Das Alegações não se identifica qual a contradição entre a causa de pedir e o pedido, mas sim coerência entre o que foi alegado, pedido e decidido.

13ª Aliás, seria claramente atentatório da boa-fé processual (já que no que se refere à boa-fé da AT nada existe a comentar) que, agora, em sede de Alegações viesse esta invocar uma nova fundamentação para os seus actos, e em especial quanto à procedência da impugnação em apreço.

14ª Bem andou o Tribunal a quo quando de forma clara e assertiva afirma:
a. A ora Recorrida e Impugnante, veio pôr em causa a legalidade da liquidação de IRC respeitante ao ano de 1995, pois, nesta não foram tidos em conta os prejuízos do ano de anterior (1994);
b. Tal actuação traduziu-se na desconsideração para efeitos fiscais, custos contabilizados no referido exercício, relativos a créditos incobráveis, no valor de € 226.018,61, e que, naturalmente fez passar o lucro tributável de € 1.813.716,72 para € 2.062.429,82.
c. A liquidação adicional do ano de 1995, ao absorver o valor de prejuízos fiscais no exercício de 1994, não foi aceite o reporte desse mesmo valor de prejuízos no exercício de 1995, por já ter sido utilizado em 1994;
É tão só esta realidade que está em causa e que a decisão ora em crise procurou repor na legalidade.

15ª Estando os autos em apreço dependentes da decisão do processo de impugnação nº 3/02 (ex: 4º J/2ª S), na qual se apreciou a validade jurídica da consideração como custo fiscal de um conjunto de créditos incobráveis.

16ª Tratando-se de sucessivos exercícios fiscais, a decisão proferida para o ano de 1993, afecta o ano 1994, e a deste o ano de 1995.

17ª O Tribunal a quo apenas retirou as consequências dessa prejudicialidade (que aliás motivou a suspensão dos presentes autos até o trânsito em julgado do Acórdão do STA), e daí ter correctamente concluído: “(…) o saldo de prejuízos a reportar para o exercício de 1995 depende da decisão sobre a impugnação da liquidação adicional do exercício de 1994, na qual é contestada a correcção relativa aos custos contabilizados no referido exercício, relativos a créditos incobráveis, no valor de 226.018,61 EUR (…)”.

18ª Estranha-se por isso como é que a AT vem agora, sem nunca pôr em causa tal prejudicialidade, invocar uma aparente contradição. O Acórdão do STA proferido no âmbito do processo 3/2002 conheceu e reconheceu a ilegalidade da liquidação de IRC relativa ao ano de 1994, anulando essa liquidação, na parte relativa à desconsideração como custo fiscal de um determinado valor de créditos incobráveis no valor de € 226.018,61.

19ª Necessariamente, tendo a liquidação adicional do exercício de 1995 partido do pressuposto da validade da desconsideração dos prejuízos fiscais, a mesma padece de ilegalidade tal como o foi declarado pelo Tribunal a quo.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o sempre douto e imprescindível suprimento desse Tribunal, não deverá ser revogada a sentença mantendo-se a legalidade tal como requerido na impugnação apresentada e decretado pelo Tribunal, sob pena de acórdão contrário consubstanciar decisão contra disposição legal expressa mas acima de tudo desconforme com a realidade e a justiça material, mas também com a legalidade já judicialmente reconhecida, pois só assim se fará JUSTIÇA TIMBRE DESTE ALTO TRIBUNAL”

* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter anulado a liquidação adicional do IRC do exercício de 1995 na parte correspondente à correcção de € 226.018,61 relativa a prejuízos transitados.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os
seguintes factos:
A) Em 31.05.1996, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 1995, na qual declarou um lucro tributável de 1.152.505,61 EUR e prejuízos dedutíveis de 913.239,44 EUR, tendo apurado matéria colectável de 239.266,17 EUR, sem imposto a pagar a final (cfr. documentos de fls. 8 dos autos e fls. 66 do processo administrativo apenso);

B) No seguimento de acção de inspecção efectuada à Impugnante, relativa ao IRC do exercício de 1993, a Administração Tributária procedeu a correcções aos prejuízos fiscais declarados, relativas a abate de imobilizado e créditos de cobrança duvidosa, no valor de 406.848,11 EUR (81.565.723$00), alterando o valor de prejuízo declarado de 548.614,97 EUR (109.987.426$00) para um prejuízo corrigido de 141.766,86 EUR (28.421.703$00) (acordo – facto alegado no artigo 8º da petição inicial e admitido no artigo 8º da informação para que remete a contestação; cfr. relatório de inspecção de fls. 5 a 11 do processo administrativo apenso);

C) Em consequência das correcções mencionadas em B), a Administração Tributária emitiu em 19.06.1997, em nome da ora Impugnante, a liquidação de IRC n.º ....., relativa ao exercício de 1993, com um prejuízo fiscal corrigido de 141.766,86 EUR (28.421.703$00) (cfr. documentos de fls. 23 a 28 do processo de reclamação graciosa apenso);

D) No seguimento de acção de inspecção efectuada à Impugnante, relativa ao IRC do exercício de 1994, a Administração Tributária procedeu a correcções ao lucro tributável do exercício no valor de 248.713,10 EUR (49.862.500$00), alterando o valor de lucro tributável declarado de 1.813.716,72 EUR (363.617.556$00) para um lucro tributável corrigido de 2.062.429,82 EUR (413.480.056$00) (cfr. relatório de inspecção e documentos de fls. 5 a 11 e 61 a 65 do processo administrativo apenso);

E) Em consequência das correcções mencionadas em D), a Administração Tributária emitiu em 03.07.1997, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º ....., relativa ao exercício de 1994, com um lucro fiscal corrigido de 2.062.429,82 EUR (413.480.056$00) (cfr. documentos de fls. 64 e 65 do processo administrativo apenso);

F) Em 14.10.1997, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação mencionada em C), na qual reclama das correcções mencionadas em B) supra relativas a créditos de cobrança duvidosa, no valor de 191.538,39 EUR (38.400.000$00) (cfr. documento de fls. 17 a 22 do processo de reclamação graciosa apenso);

G) Em 14.10.1997, a ora Impugnante apresentou reclamação contra a liquidação mencionada em E), na qual reclama da correcção referida em D) relativa a créditos incobráveis, no valor de 226.018,61 EUR (45.312.663$00) (cfr. documento de fls. 14 a 16 do processo de reclamação graciosa apenso);

H) Em 1997, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna, pelo Serviço de Inspecção Tributária, relativa ao IRC dos exercícios de 1995, da qual resultou uma correcção técnica à matéria tributável no valor de 669.456,02 EUR (134.213.881$00), relativa a prejuízos fiscais deduzidos, não aceites em consequência das correcções efectuadas aos resultados fiscais dos exercícios de 1993 e 1994, mencionadas alíneas B) e D) supra, alterando a matéria tributável declarada de 239.266,17 EUR para uma matéria tributável corrigida de 908.722,54 EUR (cfr. relatório de inspecção de fls. 5 a 11 do processo administrativo apenso);

I) Consta do relatório de inspecção, como fundamentação da correcção mencionada em H), o seguinte:
3-Descrição dos factos e fundamentos das correcçoes meramente aritméticas á matéria tributável.

3.1 - Prejuízos Fiscais Dedutiveis

O- sujeito passivo no exercício em analise (1995 ) inscreveu ao quadro 18 da declaração 22 Prejuízos fiscais dedutiveis nos termos do artigo 46º do CIRC no montante de 183.088.069$.

A B....., Lda foi sujeita a fiscalizações nos exercícios de 1989 .1990 ,1991, 1992 e 1995,


Alterações ao Resultado Fiscal em função das Fiscalizações Efectuadas
ANOS
    Resultado Fiscal ; Declarado
Resultado Fiscal Corrigido
1989
        +242.027.896$
+242.051.366$
1990
        + 139.201.812$
+ 139.554.688$
1991
        -180.231.931$
-177.446.273$
1992
        -270.488.733$
-256.486.268$
1993
        -109.987.426$
-28.421.703$
1994
        + 363.617.556$
+413.480.056$

Face ao exposto, o sujeito passivo em 1995 só poderia ter deduzido nos termos do art. 46º do CIRC, prejuízos fiscais no valor de 48.874.188$, uma vez que em 1994 os prejuízos fiscais dedutíveis foram de 413.480.056$.
Assim, ir-se-á efectuar uma correcção fiscal no valor de 134.213.881$, uma vez que aquele valor se encontra indevidamente declarado nos termos do art. 46º do CIRC.
Esta correcção tem reflexos no aumento da matéria colectável declarada de 47.968.561$ que, adicionada à correção fiscal supra eferida no montante de 134.213.881$ vai originar uma matéria colectável corrigida no valor de 182.182.442$.
(…)
ANÁLISE EFECTUADA AOS FUNDAMENTOS APRESENTADOS PELO CONTRIBUINTE:
Na argumentação descrita pelo sujeito passivo temos a observar os seguintes comentários:
- O facto de a B..... ter interposto reclamação de parte das correcções fiscais efectuadas ao exercício de 1993 e 1994 não obsta a que a administração fiscal repercuta esse efeito no ano de 1995.
- Não existem no presente momento, factos objectivos que permitam concluir do parecer final (deferimento ou indeferimento) das referidas reclamações.
CONCLUSÃO
Face ao exposto somos de parecer que a correcção efectuada no seguimento da acção inspectiva interna levada a efeito ao exercício de 1995 à empresa B....., Lda, NIPC .....deve ser mantida. (…)”. (cfr. relatório de inspecção de fls. 5 a 11 do processo administrativo apenso);

J) Em consequência da correcção mencionada em H), a Administração Tributária emitiu, em 07.07.2000, em nome da Impugnante, a liquidação adicional de IRC n.º ....., relativa ao exercício de 1995, com imposto a pagar de no valor de 401.375,80 EUR (cfr. documentos de fls. 8 dos autos e fls. 70 do processo administrativo apenso);

K) Em 07.09.2000, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em J) que antecede, alegando que não deveriam ser acrescidos à matéria tributável do exercício de 1995, os valores de 191.538,39 EUR e de 226.018,61 EUR, relativos a correcções técnicas objecto das reclamações graciosas mencionadas em F) e G) supra, solicitando a correcção da matéria tributável no valor de 417.557,00 EUR (83.712.663$00), com a consequente anulação parcial do imposto e juros compensatórios liquidados, na parte correspondente (cfr. documento de fls. 2 a 5 do processo de reclamação graciosa apenso);

L) Por despacho datado de 30.05.2001, proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi deferida a reclamação graciosa mencionada em F) supra, com a consequente alteração dos prejuízos fiscais do exercício de 1993 de 141.766,86 EUR (28.421.703$00) para 333.305,25 EUR (66.821.703$00) (cfr. documento de fls. 14 a 16 do processo de reclamação graciosa apenso);

M) Por despacho de 21.11.2001, proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa mencionada em G) supra (cfr. documento de fls. 17 a 22 do processo de reclamação graciosa apenso);

N) Em 11.12.2001, foi apresentada impugnação contra a liquidação mencionada em E) e a decisão de indeferimento referida em M), solicitando a anulação daquela liquidação, com fundamento na ilegalidade da correcção mencionada em D) supra relativa a créditos incobráveis, no valor de 226.018,61 EUR (45.312.663$00), a qual correu termos neste Tribunal com o n.º 3/2002 (ex. 4.º J/2.ª S) (cfr. documento de fls. 195 a 209 dos autos);

O) Por despacho datado de 11.07.2002, proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi deferida a reclamação graciosa mencionada em K) supra, quanto ao pedido de correcção dos prejuízos fiscais no valor de 191.538,39 EUR, em resultado da decisão de deferimento mencionada em L) supra, determinando a alteração dos prejuízos fiscais corrigidos e deduzidos no ano de 1995, de 243.783,07 EUR para 435.321,46 EUR, fixando a matéria tributável do exercício no valor de 717.184,15 EUR, e indeferido o demais peticionado (cfr. documento de fls. 35 a 40 do processo de reclamação graciosa apenso);

P) Em consequência da decisão de deferimento parcial mencionada na alínea anterior, em 09.10.2002, foi parcialmente anulada a liquidação de IRC identificada em J), impugnada nos autos, anulando imposto no valor de 114.837,77 EUR e juros compensatórios no valor de 41.020,23 EUR (cfr. documentos de fls. 72 e 73 do processo administrativo apenso);

Q) A 16.09.2002, foi apresentada no Serviço de Finanças de Loures 4 a presente impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 1 autos);

R) Em 07.05.2014, foi proferida sentença no processo de impugnação identificado em N), na qual, julgando procedente a impugnação, anulou a liquidação impugnada, na parte decorrente da correcção relativa à desconsideração como custo fiscal de créditos incobráveis no valor de 226.018,61 EUR, declarando a ilegalidade dessa correcção (cfr. documento de fls. 195 a 209 dos autos);

S) A sentença mencionada na alínea anterior foi confirmada por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 20.06.2018, transitado em julgado em 06.07.2018 (cfr. documento de fls. 226 a 241 e 246 dos autos).

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FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
*
Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos, do processo administrativo e do processo de reclamação graciosa apensos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Com base na matéria de facto acima transcrita o Tribunal Tributário de Lisboa julgou a presente impugnação judicial procedente tendo anulado a liquidação adicional de IRC do exercício de 1995 por entender estar perante uma situação de autoridade de caso julgado face à decisão proferida pelo STA quanto às correcções dos prejuízos transitados do exercício de 1994 e a sua repercussão no exercício de 1995.

Dissente do assim decidido, a Fazenda Pública desde logo alega a contradição insanável entre a causa de pedir e o pedido formulado pela Recorrida defendendo a improcedência da impugnação.

Vejamos então.

Foi deduzida impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1995 na qual era invocado o seguinte:
A Impugnante foi alvo de uma liquidação adicional, referente ao exercício de 1995, tendo a Administração Tributária recusado a dedução de prejuízos de anos anteriores (1991 a 1994) sem atender ao facto de algumas das correcções terem sido objecto de reclamação graciosa (1993/1994), bem como de impugnação judicial;
- Dado que a Impugnante não concordou com as correcções que os Serviços de inspecção efectuaram aos exercícios de 1993 e 1994, apresentou reclamação graciosa das respectivas liquidações. Sendo que, relativamente ao exercício de 1993, apenas reclamou do valor de 191.538,39 EUR, tendo a reclamação sido deferida. No que concerne ao exercício de 1994, reclamou do valor de 226.018,61 EUR, tendo a reclamação sido indeferida;
- Considerando que os prejuízos de 1994 foram objecto de reclamação graciosa e subsequente impugnação judicial, devem ser ainda considerados para efeitos de correcção do lucro tributável, uma vez que essa matéria será decidida no foro judicial, devendo a Administração Tributária limitar-se a considerar os montantes não reclamados e/ou já não controvertidos, abstendo-se de efectuar a liquidação ao contribuinte com base nos factos presentemente sujeitos a apreciação contenciosa.
Concluiu, peticionando a anulação parcial da liquidação impugnada, na parte correspondente à correcção de 226.018,61 EUR.”

E com base na factualidade apurada nos autos julgou procedente a impugnação judicial e determinou a anulação da liquidação em causa, na parte correspondente
à correcção de € 226.018,61 relativa a prejuízos transitados, com a seguinte fundamentação:

Pretende a Impugnante sindicar nos presentes autos a legalidade da liquidação adicional de IRC respeitante ao ano de 1995, alegando ter sido indevidamente recusada a dedução de prejuízos do ano anterior (1994) sem atender ao facto de ter sido objecto de reclamação graciosa, bem como de impugnação judicial, a correcção ao lucro tributável do exercício de 1994, consubstanciada na desconsideração, para efeitos fiscais, de custos contabilizados no referido exercício, relativos a créditos incobráveis, no valor de 226.018,61 EUR, com o consequente aumento do resultado do exercício (passando de um lucro tributável declarado de 1.813.716,72 EUR para um lucro tributável corrigido de 2.062.429,82 EUR), vindo, deste modo, a absorver mais 226.018,61 EUR dos prejuízos transitados, repercutindo-se, assim, esta correcção no exercício de 1995, porquanto, absorvido mais aquele valor de prejuízos fiscais no exercício de 1994, não foi aceite o reporte desse mesmo valor de prejuízos no exercício de 1995, por já ter sido utilizado para 1994.
Com efeito, para o que aqui importa, tendo a Administração Tributária procedido a correcções ao lucro tributável da Impugnante relativo ao ano de 1994, acrescendo ao mesmo o valor de 248.713,10 EUR (do qual a Impugnante contesta o valor de 226.018,61), tal determinou que os Serviços de Inspecção Tributária, relativamente ao exercício de 1995, procedessem a uma correcção à respectiva matéria tributável, derivada da não aceitação de prejuízos fiscais deduzidos, em consequência das mencionadas correcções efectuadas ao resultado fiscal do exercício de 1994 – porquanto, aumentando o valor dos prejuízos utilizados no exercício de 1994, para cobrir o acréscimo de lucro resultante da referida correcção, diminuiu na mesma medida, o valor dos prejuízos a reportar no exercício de 1995.
Assim sendo, o saldo de prejuízos a reportar para o exercício de 1995 depende da decisão sobre a impugnação da liquidação adicional do exercício de 1994, na qual é contestada a correcção relativa aos custos contabilizados no referido exercício, relativos a créditos incobráveis, no valor de 226.018,61 EUR, razão pela qual, por despacho de fls. 35, foi determinada a suspensão da presente instância até que fosse proferida decisão transitada em julgado no processo de impugnação n.º 3/02 (ex. 4.º J/2.ª S), ao abrigo do artigo 279.º do Código de Processo Civil/1961 (à data em vigor), por a questão a decidir na referida impugnação ser prejudicial relativamente à decisão a proferir nos presentes autos.
Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como assente (cfr. R) e S) do probatório) foi já proferida, em 07.05.2014, sentença no processo de impugnação n.º 3/2002 (ex. 4.º J/2.ª S), na qual, julgando procedente a impugnação, anulou a liquidação impugnada, na parte decorrente da correcção ai sindicada, relativa à desconsideração, como custo fiscal, de créditos incobráveis no valor de 226.018,61 EUR, declarando a ilegalidade dessa correcção. Sentença confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.06.2018, transitado em julgado em 06.07.2018.
Importa, desde já, apreciar da repercussão daquela decisão judicial nos presentes autos, uma vez que na impugnação n.º 3/2002 concluiu-se pela ilegalidade da correcção efectuada ao exercício de 1994, no valor de 226.018,61 EUR, que determinou o acréscimo ao lucro tributável da Impugnante.
Como supra foi referido, a decisão proferida na impugnação n.º 3/2002 anulou a liquidação de IRC do ano de 1994, na parte decorrente da correcção sindicada.
Sendo igualmente certo que a correcção efectuada ao exercício de 1995, que subjaz à liquidação impugnada nos autos, decorreu da correcção feita pela Administração Tributária ao exercício de 1994. Razão pela qual a questão a decidir na referida impugnação n.º 3/2002 é prejudicial relativamente à decisão a proferir nos presentes autos.
(…) a decisão relativa à anulação da liquidação de IRC do ano de 1994, proferida na impugnação n.º 3/2002, decidindo questão que constitui pressuposto da decisão a proferir nos presentes autos, não pode deixar de determinar o sentido desta decisão, por força da autoridade do caso julgado da decisão proferida na impugnação n.º 3/2002, na medida em que o respectivo objecto constitui questão prejudicial na presente impugnação, por aí se terem apreciado fundamentos de facto e de direito que constituem o pressuposto da pretensão formulada nos presentes autos, enquanto causa dependente.
Com efeito, a decisão proferida, e transitada em julgado, na impugnação n.º 3/2002, declarou a ilegalidade da correcção efectuada ao lucro tributável da Impugnante relativo ao exercício de 1994, no valor de 226.018,61 EUR - anulando a liquidação adicional desse exercício na parte decorrente dessa correcção -, correcção que teve por efeito o consequente aumento do resultado do exercício para valor que absorveu mais 226.018,61 EUR dos prejuízos transitados, repercutindo-se, assim, esta correcção no exercício de 1995, porquanto, na mesma medida em que aquele valor de prejuízos fiscais transitados foi acrescidamente absorvido no exercício de 1994, o seu reporte no exercício de 1995, feito pela Impugnante, não foi aceite, por já ter sido utilizado para 1994.
Sendo que é a própria ilegalidade dessa correcção que serve de fundamento à presente impugnação, dado que a liquidação do ano de 1995, impugnada nos autos, teve por motivação a não aceitação do reporte de prejuízos fiscais feito pela Impugnante no exercício de 1995, porquanto, por efeito da referida correcção, tais prejuízos tinham sido imputados ao exercício de 1994.
Face ao exposto, declarada a ilegalidade da correcção em causa, com a consequente anulação da liquidação do exercício de 1994, na parte decorrente da correcção sindicada, daqui resulta que foi declarado ilegal o facto tributário que também determinou a liquidação posta em crise nos presentes autos.
Assim, por efeito daquela decisão, por força da qual é repristinada a situação existente anteriormente à concretização da correcção em causa, podendo os prejuízos transitados, que foram imputados ao exercício de 1994 por efeito da mesma, ser imputados aos exercícios posteriores, concretamente ao exercício de 1995, em apreciação nos autos, terá que se concluir também pela ilegalidade da correcção efectuada ao exercício de 1995 e da consequente liquidação de IRC do mesmo exercício, em crise nos autos, na parte decorrente da referida correcção, por erro sobre os pressupostos (sobre a existência dos prejuízos a reportar).”

A Recorrente invoca contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir porquanto “entende a Recorrida que a correção à matéria coletável do exercício de 1995, concretizada na liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ....., devia ter em consideração os factos alegados pela mesma nas duas reclamações graciosas apresentadas, relativas aos exercícios de 1993 e 1994 respetivamente, e na petição inicial da impugnação judicial relativa ao exercício de 1994.
Nem se diga que a ora Recorrida pretendia que a correção à matéria coletável do exercício de 1995 tivesse ficado dependente das decisões proferidas no âmbito das reclamações graciosas e da Impugnação judicial sob o n.º 3/02.
O que a ora Recorrida pretendia exatamente era que a correção à matéria coletável do exercício de 1995 não incluísse os montantes reclamados e/ou já não controvertidos, ou seja, os factos alegados nas duas reclamações graciosas e na petição inicial da impugnação judicial sob o n.º 3/02 com os quais a mesma não concordava relativamente à dita correção.
Pretendia a ora Recorrida um género de suspensão de parte da correção à matéria coletável do exercício de 1995, com a qual, nos parece, que a mesma concorda parcialmente, pelo menos no segmento não reclamado ou contestado.
No entanto, o pedido feito pela ora Recorrida não foi nesse sentido, mas antes no sentido da anulação da liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ....., por ilegal.
Ora, a ilegalidade apontada pela ora Recorrida à liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ..... prende-se exclusivamente, como já constatámos, com o facto de a mesma liquidação ter sido emitida sem ter em consideração as discordâncias apontadas pela Recorrida nas duas reclamações graciosas e na impugnação judicial às correções à matéria coletável do exercício de 1995.
E, nessa medida, da causa de pedir, que a doutrina e a jurisprudência têm definido como o facto jurídico de que emerge o direito do autor e fundamenta, portanto, a sua pretensão, traduzindo-se num facto concreto, não decorre a conclusão lógica do pedido formulado pela ora Recorrida.
Há uma contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir.” (cfr. conclusões E) a K) das alegações de recurso).

Discordamos desde já de tal argumentação.

Como se afirma no Acórdão do STA de 27/04/2016 – proc. 0431/16:
“I - Na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do CC, os princípios da interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações nelas escritas.
II - Relativamente aos articulados, impõe-se também observar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno direito adjectivo e, bem assim, pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º da CRP), motivo por que, na apreciação da petição, o tribunal deve procurar indagar da real pretensão do peticionante, interpretando-a no sentido mais favorável aos interesses do peticionante que a mesma comporte.”.

Dispõe o art. 186º nº 2 do CPC:
Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir incompatíveis ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Ora “A contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial, só ocorre quando se verifique uma incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir reveladora de uma absoluta falta de nexo lógico, quando o pedido e a causa de pedir se neguem reciprocamente. (cfr. Acórdão do TRG de 31.10.2019 – proc. 4180/18.018BRG.G1).

Tendo presente que o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor e que a causa de pedir, traduz-se no facto jurídico material, concreto, em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, entende-se que a contradição entre o pedido e a causa de pedir só ocorre quando se verifique uma contradição ou incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir reveladora de uma absoluta falta de nexo lógico entre os dois termos da pretensão que nem sequer permita formular um juízo de mérito positivo ou negativo sobre a mesma. Assim, não basta uma simples desarmonia, exige-se que pedido e causa de pedir se neguem reciprocamente, uma conclusão que pressupõe uma premissa oposta (cfr. Acórdão do TRG citado).

No mesmo sentido o Acórdão do TRL 260/04.8TBFUN.L1.2 de 14.05.2009 ao enunciar que “É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial – art. 193.º, n.º 1, do CPCivil.
Diz-se inepta a petição quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir – art. 193º, n.º 2, al. b), do CPCivil.
O pedido deve ser corolário ou a consequência lógica da causa de pedir ou dos fundamentos em que assenta a pretensão do autor, do mesmo modo que, num silogismo, a conclusão deve ser a emanação lógica das premissas. Se, em vez disso, o pedido colidir com a causa de pedir, a ineptidão é manifesta.
Trata-se aqui da contradição lógica, distinta da inconcludência jurídica, isto é, da situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da acção.
A contradição a que alude a alínea b) do n.º 2, para produzir o efeito ali previsto, tem de ser intrínseca, substancial e insanável.
Assim, não se verificando contradição entre o pedido e causa de pedir, pois esta não colide com aquele, a petição inicial não é inepta.
Caso a causa de pedir não preencha a previsão normativa, estaremos perante um caso de inconcludência jurídica, e não de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial”.

No caso em apreço não se verifica a alegada contradição entre o pedido e a causa de pedir porquanto, na petição de impugnação, a Recorrida formula o pedido de anulação da liquidação do exercício de 1995 invocando como causa de pedir que tal liquidação não considerou os prejuízos transitados do exercício de 1994 por desconsideração neste exercício dos custos contabilizados relativos a créditos incobráveis, não tendo sido aceite o reporte de prejuízos por já ter sido utilizado em 1994, desconsideração de custos contestados na reclamação graciosa que apresentou, e, na convicção de que a razão estaria do seu lado, apresentou a impugnação do exercício de 1995 sem que ainda tivesse sido decidida quer a reclamação graciosa, quer a impugnação judicial.

Resulta do acima exposto não estarmos perante uma situação de contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir como invoca a Recorrente improcedendo tal fundamento.

A Recorrente invoca ainda que as decisões proferidas no âmbito das reclamações graciosas relativas aos exercícios de 1993 e 1994 e da impugnação judicial nº 3/02 são muito posteriores à emissão da liquidação adicional de IRC do exercício de 1995, com o n.º ....., nunca podendo, por isso, ter reflexos na
na parte correspondente à correção de € 226.018,61, relativa a prejuízos transitados.

Igualmente não lhe assiste razão porquanto os efeitos da procedência da reclamação graciosa e da impugnação judicial referente aos prejuízos dos exercícios anteriores têm necessariamente projecção no exercício de 1995, tendo o acto de liquidação deste exercício de ser reformado em conformidade. Na verdade tal como a sentença recorrida menciona “… o saldo de prejuízos a reportar para o exercício de 1995 depende da decisão sobre a impugnação da liquidação adicional do exercício de 1994 na qual é contestada a correcção relativa aos custos contabilizados no referido exercício, relativos a créditos incobráveis no valor de € 226.018,61”.

Tendo sido, por Acórdão do STA, declarada a ilegalidade da liquidação de IRC do exercício de 1994 e anulada a desconsideração como custo fiscal do valor de € 226.018,61 referente a créditos incobráveis (cfr. alíneas R) e S) do probatório), consequentemente a liquidação adicional de 1995 que tinha como pressuposto a validade da desconsideração dos prejuízos fiscais, teria de ser anulada nessa parte. Como consagra o nº 1 do art. 619º do CPC que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”.

Como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/06/2019 – proc. 355/16.5T8PMS.C1
“O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas.
O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão)”.

A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tripla identidade prevista no art.º 581º do CPC.

Ora no caso em apreço, e tal como foi decidido na 1ª instância, estamos perante uma situação que se enquadra na autoridade do caso julgado pelo que, a decisão referente ao exercício de 1994 tem necessariamente repercussão no exercício de 1995 na parte referente aos prejuízos transitados de 1994, e, a liquidação adicional de 1995 que não considerou tais prejuízos tem necessariamente de ser anulada nessa parte.

Por tudo o que vem exposto conclui-se ser de negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.

Da condenação em custas.
Vencida a Recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, importa atender que, nos processos instaurados até 01/01/2004 (como é o caso), a Fazenda Pública estava isenta do pagamento de custas, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas por delas estar isenta a Recorrente.

Lisboa, 24 de Junho de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares