Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04180/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/14/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:PRESUNÇÕES. ILISÃO.
Sumário:1. Estando em causa a pretensa ilisão de uma presunção legal, impendia sobre os impugnantes e ora recorrentes, o ónus de produzirem prova do contrário - art. 350.º n.º 2 Cód. Civil, ou seja, de desenvolverem actuação probatória dirigida contra o casuístico facto presumido, com o objectivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto (lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas em sociedades comerciais) que serve de base ao funcionamento da presunção invocada, o facto presumido não se verificou e/ou o direito presumido não existe.
2. Acresce, tratando-se da presunção prevista no art. 6.º n.º 4 CIRS, por força do disposto, de forma expressa, no n.º 5 do mesmo normativo, a necessidade incontornável de a mesma só poder ser ilidida pelos quatro meios de prova aí, taxativamente (decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos), inscritos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A...e esposa B..., contribuintes n.ºs ...e ..., com os restantes sinais dos autos, impugnaram judicialmente liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, do ano de 2004.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi proferida sentença, julgando a impugnação totalmente improcedente, ao que os impugnantes reagiram, com a interposição de recurso jurisdicional, cuja alegação integra as seguintes conclusões: «
1. Não se encontra provado nos autos a notificação do acto em matéria tributária, ou sejam as correcções ao rendimento global liquido do IRS do ano de 2004.
2. Não se encontra provado nos autos a notificação do acto tributário impugnado.
3. Não tendo sido feita a notificação da fixação das coreccções ao rendimento global liquido do ano e imposto em causa, não podia a Administração fiscal fazer a liquidação adicional do imposto.
4. Sendo nula a liquidação adicional referida, o direito á liquidação caducou nos termos do artigo 46° da Lei Geral Tributária.
5. O acréscimo do valor de 1 422 074,86 € a titulo de adiantamentos por conta de lucros é ilegal por ter sido ilidida a presunção de que se tratava de rendimentos.
6. O acréscimo do valor de 292 871,26 € a titulo de incrementos patrimoniais não justificados é ilegal porque foi feita prova bastante e demonstrativa de que tais valores não reverteram para os recorrentes, não podendo ser rendimentos tributados em IRS.

Nestes termos, deve a liquidação adicional ser anulada, com todas as consequências legais., fazendo-se assim,
JUSTIÇA. »
*
Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso, “tão só, por a notificação da liquidação “sub judice” não ter ocorrido dentro dos parâmetros legais padecendo de eficácia”.
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Apostos os vistos de lei, compete conhecer.
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II
Mostra-se exarado, na sentença: «
Fundamentação
x
Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1 - Em 26.03.08, foi efectuada a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios aos impugnantes, com o nº 20085000035350 e nº 200800000034660, relativo ao ano de 2004, devidamente notificada. - cfr. Documento de demonstração de compensação de fls 16 “prints informáticos” de fls 49 a 52, dos autos e de 17 a 17-B, e de fls 51 a 53, do P.A. apenso.
2 - As liquidações referidas em 1 resultaram da alteração aos rendimentos declarados e de fixação da matéria tributária por métodos indirectos, tendo por base o relatório da I.T. e do Parecer constante de fls 56 a 58, que mereceu o despacho de concordância proferido pelo Director de Finanças em 23.01.08, constante de fls 56, do P.A. apenso, devidamente notificado aos interessados, e da qual não foi apresentada pedido de revisão da matéria tributável, - cfr Certidão de Notificação, de fls 46 a 48 dos autos.
3 - Dá-se aqui por reproduzido o relatório referido em 2, do qual consta que “III - Descrição dos Factos e Fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável...
... Na sequência da acção de inspecção às sociedades em que o sujeito passivo é detentor de capital e junto de vários compradores verificou-se uma diferença entre o valor da escritura e o valor real da fracção adquirida e que os cheques destas diferenças tinham sido emitidos em nome do sócio da empresa... e depositados nas contas de que são únicos titulares...nas quais foram efectuados depósitos e transferências provenientes das seguintes sociedades de que são sócios....assim como se apuraram os cheques emitidos em favor do impte marido pelos adquirentes de imóveis vendidos pelas sociedades....sem que o sujeito passivo fornecesse elementos relativos a esses depósitos e dos beneficiários dos cheques a si emitidos, assim como os lançamentos a crédito e a débito na conta de outros credores em relação à sociedade “ADPIR, Lda” por contrapartida de empréstimos e de aquisição de imóveis não provenientes das suas contas bancárias nem de pagamentos efectuados pela sociedade ou pelos sujeitos passivos,... pelo que os valores discriminados nos quadros....(6, 7, 8, 9, 13 e 18) consideram-se adiantamentos por conta de lucros...
IV- Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos... nas contas da titularidade do sujeito passivo foram efectuados depósitos e transferências de valores provenientes de pessoas singulares e de sociedades das quais não são conhecidas relações especiais com o sujeito passivo...o não cumprimento do solicitado... permite concluir que existem factos que patenteiam uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada... não tendo fornecido elementos relativo às operações (tal) impossibilita a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável,... considera-se os valores depositados nas contas bancárias dos s.p. como acréscimos patrimoniais não justificados... como rendimentos da categoria G...- cfr Relatório de fls 59 a 864 do P.A apenso aos autos.
x
Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
x
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. »
*
Nos termos e para os efeitos do art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, aos elencados factos provados, por documentalmente demonstrados e revestirem interesse para a decisão, aditam-se os seguintes:
4 - A liquidação identificada em 1, apresentando como saldo a pagar o montante de € 751.673,24, foi remetida, aos impugnantes, através do registo postal n.º RY 456570928PT, de 2.4.2008, com entrega conseguida no dia 7.4.2008 – cfr. fls. 49 e 50.
5 - Os considerados “adiantamentos por conta dos lucros” totalizaram € 1.422.074,86, montante que integrou a alteração, por avaliação directa, ao rendimento líquido – categoria E, dos impugnantes, para o ano de 2004 – fls. 47.
6 - Este mesmo rendimento, quanto à categoria G, foi alterado, por métodos indirectos, na importância total de € 292.871,96 – idem.
***
Em função do teor das conclusões 1. e 2., complementado pela alegação respectiva, a primeira questão colocada pelos Recorrentes/Rtes, envolve o julgado, pelo tribunal recorrido, no, singelo, sentido de não constatar a preterição de qualquer formalidade legal, quanto às notificações da decisão que alterou os rendimentos declarados pelos impugnantes e fixou matéria tributável por métodos indirectos, bem como, do acto tributário de liquidação impugnado.
Respeitosamente, este julgamento tem de reputar-se correcto, desde logo, em função da factualidade apurada e inscrita nos pontos 1, 2 e 4 dos factos provados, onde se referenciam os meios, documentais, utilizados para comunicar, aos impugnantes, o conteúdo relevante dos actos tributários em causa. Assim, é seguro que a liquidação objectada lhes foi notificada pela entrega da correspondente documentação transmitida por via postal registada, enquanto a notificação dos elementos relativos às correcções introduzidas na determinação da matéria tributável, do ano de 2004, aconteceu por contacto pessoal, registado na competente certidão.
Aliás, se atentarmos na alegação inscrita nos arts. 5º a 34º da p.i., reafirmada (1) na parte inicial das alegações deste recurso, constatamos que os impugnantes assumem a ocorrência dos actos de notificação, questionando, sim, a respectiva relevância e, sobretudo, a falta de cumprimento de requisitos fixados no art. 36.º n.º 2 CPPT, como terem inclusa a decisão, os fundamentos, os meios de defesa e a indicação dos prazos para reagir. Ora, mesmo admitindo-se que os visados actos de notificação não integraram todos ou alguns destes elementos, a ocorrência de tal omissão podia ter sido ultrapassada, pelos impugnantes, notificandos, mediante a activação do procedimento prescrito no art. 37.º n.º 1 CPPT, isto é, tinham de ter pedido a notificação ou a passagem de certidão que contivessem os dados faltosos. E, só na eventualidade destes nem assim serem fornecidos, estaríamos colocados perante um caso de falta de notificação e inerente vício afectante do procedimento. Na falta do apontado requerimento, eventuais vícios dos actos de notificação ficaram sanados, ou, no mínimo, deixaram de ser relevantes para se considerar que os mesmos não atingiram o efeito de levar ao conhecimento, dos impugnantes, os factos respectivos (2); concretamente, a alteração dos rendimentos declarados, a fixação de matéria tributável por métodos indirectos e a liquidação impugnada.
Neste quadrante, resta mencionar não assistir razão à Exma. PGA, quando defende que a notificação da liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, do ano de 2004, tinha de ter sido feita através de carta registada, com A/R.
Efectivamente, após 1.1.2001, data em que iniciou vigência a L. 30 -G/2000 de 29.12., em sede de IRS, todas as notificações, incluindo as referentes a liquidações, ainda que adicionais, a efectuar, devem (e podem) ser feitas por carta registada; ressalvam-se as notificações previstas no art. 66.º CIRS que, quando por via postal, têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção e as notificações que podem ser feitas por edital, nos casos em que não é conhecido o domicílio fiscal do notificando. Ou seja, estamos aqui em presença de um regime específico de realização de notificações, que, embora conflituante, pelo menos em parte, com o regime geral decorrente do art. 38.º n.º 1 CPPT, tendo sido introduzido em norma especial, posterior ao início de vigência deste compêndio adjectivo, se impõe respeitar e conferir o estatuto de regulação da hipótese em discussão nestes autos.
Prosseguindo, tendo sido entendido, pelo tribunal de 1.ª instância, que os impugnantes, por não haverem requerido procedimento de revisão da matéria tributável, estavam impedidos de suscitarem e conseguirem a apreciação judicial de eventual erro na quantificação ou nos pressupostos de determinação indirecta de uma parte da mesma, na importância de € 292.871,96, os Rtes limitam-se a insistir na ilegalidade dessa correcção “porque foi feita prova bastante e demonstrativa de que tais valores não reverteram para os recorrentes, não podendo ser rendimentos tributados em IRS” – cfr. conclusão 6. Sem delongas, o julgamento em apreço tem de subsistir, pelo singelo motivo de, nitidamente, não ter sido criticada a sua concreta base fundamentadora, em nada relacionada com a prova do efectivo percebimento, pelos impugnantes, dos discutidos rendimentos, mas com a violação do disposto nos arts. 86.º n.º 5 LGT e 117.º n.º 1 CPPT.
No que tange aos intitulados “adiantamentos por conta dos lucros”, cifrados em € 1.422.074,86, os Rtes, linearmente, consideram ter sido ilidida a presunção, ao abrigo da qual foram considerados rendimentos tributáveis em IRS – cfr. conclusão 5.
Devendo começar por anotar-se que este fundamento de recurso deixa incólume a parte da decisão recorrida que, quanto a esta correcção meramente aritmética/técnica – cfr. ponto 5 dos factos provados, versou rendimentos resultantes da emissão, por sociedades, onde detinham parcelas do capital, de cheques a favor dos impugnantes e depositados nas suas contas bancárias, particulares, sem qualquer justificação, passíveis de tributação nos termos do art. 5.º n.º 2 al. h) CIRS (3), quanto ao demais, isto é, relativamente “aos montantes depositados nas contas de sócios e provenientes das contas das sociedades”, a sua insubsistência é manifesta.
Estando em causa a pretensa ilisão de uma presunção legal, impendia sobre os impugnantes e ora Rtes, o ónus de produzirem prova do contrário (4), ou seja, de desenvolverem actuação probatória dirigida contra o casuístico facto presumido, com o objectivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto (5) que serve de base ao funcionamento da presunção invocada, o facto presumido não se verificou e/ou o direito presumido não existe. Acresce, tratando-se da presunção prevista no art. 6.º n.º 4 CIRS, por força do disposto, de forma expressa, no n.º 5 do mesmo normativo, a necessidade incontornável de a mesma só poder ser ilidida pelos quatro meios de prova aí, taxativamente (6), inscritos. Ora, se, por um lado, os Rtes nenhuma crítica válida e circunstanciada dirigem ao julgamento da matéria de facto, produzido na sentença aprecianda, designadamente, tendente a proporem o acrescento de factualidade demonstrativa da realidade coligida nos arts. 42º a 66º da p.i., em suma, à prova de que os valores em causa respeitariam a movimentos financeiros entre sociedades e/ou a suprimentos dos sócios, entre os quais o impugnante marido, por outro, de forma mais determinante, pelo específico regime de prova referenciado, dos autos apenas decorre terem os impugnantes produzido prova documental e por testemunhas, sendo que a primeira em nenhuma medida respeita aos meios provatórios exigidos no art. 6.º n.º 5 CIRS, pelo que, resulta falhado este motivo de reparo e eventual alteração do sentido do judiciado no tribunal recorrido.
Remanesce a questão da caducidade do direito à liquidaçãoconclusões 3. e 4., quanto à qual, constatamos tratar-se de fundamento, especificamente, não convocado, explicitado, no articulado inicial do corrente processo de impugnação judicial. Compulsado o conteúdo integral deste, somente, achamos, invocado, no art. 34º, que “A falta de notificação (do acto tributário) não suspende o prazo da caducidade”, afirmação, com o devido respeito, irrelevante e inconsequente, para efeitos de se reputar despoletada, pelos impugnantes, a caducidade do direito de liquidação, de IRC e juros compensatórios, impugnada, face à previsão do art. 45.º LGT; normativo, aliás, nunca mencionado na p.i.
Neste enquadramento, impõe-se afirmar que o exercício do poder de cassação da decisão recorrida, por parte deste tribunal, encontra-se restringido ao respeito pelos termos e limites em que a versada questão foi colocada na 1.ª instância. Ora, com estes marcos delimitadores, apenas, cumpre expressar concordância com o silente julgamento da sentença (7) e afirmar a impossibilidade de, nesta sede, se alargar a apreciação a qualquer novel, por não convocada em momento anterior, questão.
Por pertinente, transcrevemos: “O recurso destina-se a modificar a decisão e não a criar decisões sobre matéria nova (…). O tribunal de recurso apenas se pronuncia sobre factos alegados objecto de anterior julgado; não pode discutir questões que não hajam sido previamente apreciadas (…), salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso (…); o objecto do recurso é limitado à decisão impugnada (…)” – cfr. Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª edição, pág. 91/92. Noutra formulação, “os recursos visam o reestudo, por um Tribunal Superior, de questões já resolvidas pelo tribunal a quo, tendo por objecto a apreciação da legalidade das respectivas decisões com fundamento na imputação de nulidades ou erros de julgamento sobre a matéria de facto e/ou direito (…)”.
Sem concessões, ainda que se entendesse não estarmos defronte de matéria nova, sempre resultaria improcedente este motivo de apelo, por virtude de, como começamos por analisar e concluir, ao invés do sustentado pelos Rtes, tanto as correcções introduzidas na determinação da matéria tributável, do ano de 2004, como a liquidação objectada, foram notificadas aos impugnantes, nada constando do processo que permita questionar terem-no sido com respeito pelo prazo, fixado por lei, para o efeito.
Em suma, importa atestar o decesso de todas as conclusões de recurso, formalizadas pelos Rtes.
*******
III
Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Custas a cargo dos recorrentes, em partes iguais.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 14 de Junho de 2011

ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS
MAGDA GERALDES


1- Sem ser sujeita a artigos, com excepção do 24º que se encontra a fls. 150.
2- Art. 35.º n.º 1 CPPT.
3- Redacção vigente no ano de 2004.
4- Cfr. art. 350.º n.º 2 Cód. Civil.
5- In casu, lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas em sociedades comerciais.
6- A saber, decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos.
7- Atente-se não ter sido, pelos Rtes, nesta matéria (nem em qualquer outra), invocada nulidade da mesma, por omissão de pronúncia.