Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:434/16.9BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:01/30/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ACIDENTE DE TRABALHO;
INDEMNIZAÇÃO;
CONTRATO EMPREGO PROGRAMA INSERÇÃO
Sumário:i) Na presente acção o Autor e ora Recorrente pretende accionar a responsabilidade civil da Recorrida, com fundamento na ocorrência de um acidente quando estava a reparar o telhado de um barracão de armazenamento de materiais no monte da Torre de Sepúlveda por conta, ordem e fiscalização da mesma.

ii) Tratando a acção de um acidente que terá ocorrido quando o sinistrado, enquanto beneficiário de rendimento social de inserção, trabalhava para a Junta de Freguesia Recorrida ao abrigo de um “contrato de emprego-inserção”, deve este ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

iii) Nos termos do artigo 4.º, n.º 4, alínea b), do ETAF, incumbe aos tribunais judiciais a competência para conhecer de processo visando “a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. I....... (ora Recorrente) reclama para a conferência da decisão sumária do relator que, no âmbito da acção administrativa fundada em responsabilidade civil da Administração, por si intentada contra a JUNTA DE FREGUESIA DE GALVEIAS, negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida que havia julgado procedente a excepção de incompetência material do tribunal para conhecer da acção e absolveu a R. da instância.

1.1. A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art. 635º, n.º 4, do CPC CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art. 636º, n.º 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo Recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida.

1.2. Recapitulando as conclusões apresentadas no recurso interposto para este TCAS pelo RECORRENTE:

A) A sentença proferida nos presentes autos configura UMA DECISÃO ABSOLUTAMENTE SURPRESA para o Autor, proferida em manifesta violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º3 do CPC), uma vez que, sem ter sido alguma vez levantada tal questão nos autos, por quem quer que fosse, não foi dada oportunidade ao Autor de sobre ela se pronunciar (cfr. Acórdão do TCAN, de 30/11/2016, proferida no âmbito do processo 109 109/14.3BEMDL; Acórdão do Pleno do STA, da Secção de Contencioso Administrativo, de 02/10/2001, Rº n.º 42385, publicado no AP-DR de 16/04/2003, p. 985; Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo, de 09/10/2002, R.º n.º 48236, in www.dgsi.pt; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, II, p. 507 e s; Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1985, p. 393).

B) Consequentemente, não devia assim ter sido proferida uma tal decisão sobre a incompetência material do Tribunal sem ouvir as partes sobre tal questão, sendo certo que a preterição do contraditório constitui uma nulidade processual relevante (cf. art. 195º., nº 1 do CPC), a qual igualmente acarreta a nulidade dos subsequentes termos do processo.

C) Cometeu, assim, o tribunal uma nulidade, por violação do princípio do contraditório (artigo 3º, n.º3, do CPC), nulidade que aqui, desde já, se invoca e que pode ser impugnada no recurso da decisão em causa.

D) Sem conceder, dir-se-á que mal andou o tribunal em julgar-se materialmente incompetente para a presente causa.

E) Por sentença já transitada em julgado proferida no processo 525/15.3BECTB, do TAF de Castelo Branco, entre as mesmas partes e cujo objecto é o acidente dos autos (DOC.1 a 3), a (in)existência de contrato de trabalho ou em funções públicas para as funções de pedreiro desempenhadas pelo Autor já foi ultrapassada pela referida Sentença, pelo que faz CASO JULGADO MATERIAL quanto a esta questão (artigos 580º e 581º do CPC).

F) Sendo certo que a questão da competência material dos tribunais administrativos para a apreciação do referido processo nunca foi posta em causa, nem em primeira, nem em segunda instância.

G) De acordo com a aludida Sentença (e acórdão que a confirmou), o acidente dos autos não é nem um acidente em serviço, nem um acidente de trabalho, pelo que o apuramento da responsabilidade da Ré Freguesia de Galveias teria de ser realizado em sede de responsabilidade civil extracontratual: o direito de indemnização ao autor por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos ao prestar a actividade de pedreiro para a Ré, o que o Autor fez com a instauração da presente acção.

H) Sendo certo que os tribunais administrativos são materialmente competentes para conhecer da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por actos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, como é o caso, nos termos do artigo 4.º, n.º1, alínea f) do ETAF.

I) Ora, a Sentença recorrida, ao decidir que, “estando em causa nos presentes autos a indemnização pretendida pelo Autor derivada do acidente que sofreu ao prestar serviço ao Réu, no âmbito de um contrato que não configura a modalidade de relação jurídica de emprego público, não pode considerar-se um acidente em serviço nos termos do DL 503/99, de 20/11, mas acidente de trabalho, nos termos da Lei 98/2009, razão pela a qual a competência para conhecer do presente processo deve ser atribuída aos Juízos do Trabalho de tribunais judiciais”, está não só a violar o caso julgado formado na Sentença proferida no processo 525/15.3BECTB, como a enquadrar erradamente o pedido do Autor (o Autor intentou uma acção de responsabilidade civil e não de acidente de serviço ou de trabalho), e, ainda, a decidir erradamente a questão da incompetência material do tribunal para a presente acção.

J) Deve assim, considerar-se materialmente competente o tribunal para a presente acção, dando-se por confessados os factos constantes da PI, atenta a falta de contestação da Ré, e ser proferida Sentença que julgue procedente o Pedido.

K) Decidindo, como decidiu, violou o Exmo. Juiz, designadamente, o disposto nos artigos 4.º, n.º1 - al. f), do ETAF, 3.º, n.º3, 580.º e 581.º do CPC.

1.3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.



2. Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.



3. Constitui objecto do recurso apreciar se o tribunal recorrido incorreu em nulidade processual por violação do princípio do contraditório, se a sentença é nula por violação de caso julgado e se errou ao ter concluído pela procedência da excepção de incompetência material.



4. Com dispensa de vistos, conhecendo do recurso, vem o processo agora à conferência para apreciação da reclamação deduzida.

5. A matéria de facto pertinente, a qual não é sujeita a impugnação, é a constante da sentença recorrida e que se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC ex vi do art. 1.º do CPTA.


6. Apreciando, temos que o ora Reclamante vem reclamar da decisão sumária do relator de 28.11.2019 que negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida do TAF de Castelo Branco que havia julgado procedente a excepção de incompetência material do tribunal para conhecer da acção e, consequentemente, absolveu a R. da instância.


A decisão em causa do relator foi proferida nos termos previstos nos artigos 652.º, n.º 1, al. c), e 656.º do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3, do CPTA. Esta, na sua parte relevante, é do seguinte teor:

(…)

Em face da definição do objecto do recurso supra efectuada, impõe-se conhecer prioritariamente da questão da incompetência material.

Para aferir do pressuposto processual da competência do tribunal importa verificar não só o pedido, como a causa de pedir. Ou seja, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pelo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.

Vejamos então.

O ora Recorrente intentou a presente acção contra a Junta de Freguesia de Galveias, pedindo:

Para o efeito, alegou, tal como consignado na sentença recorrida, que:

O Autor celebrou com a Ré Freguesia de Galveias, um contrato denominado “Emprego-Inserção no âmbito da medida Contrato-Emprego-Inserção, para desempregados, beneficiários de prestações de desemprego”.

Consta, entre o mais, do referido contrato na cláusula 1ª que “1. O primeiro outorgante obriga-se a proporcionar ao segundo outorgante, que aceita, a execução de trabalho socialmente necessário, não podendo a Ré exigir do Autor o desempenho de tarefas que não se integrassem no projeto aprovado, nem as atividades a desenvolver poderiam corresponder ao preenchimento de postos de trabalho, n.º 2 das clausulas daquele contrato.

No âmbito do conjunto de trabalhos inerentes à profissão de Pedreiro, no dia 26 de janeiro de 2015, quando se encontrava a solicitação da Ré a reparar o telhado de um barracão de armazenamento de materiais no monte da Torre de Spúlveda, este cedeu, em virtude de os barrotes de madeira que o sustinham estarem todos podres, tendo o Autor caído desamparado de uma altura de 4 metros.

Entende que tal evento constitui um acidente de trabalho;

Em consequência de tal acidente a Autor sofreu várias lesões, tendo sido submetido a tratamentos, mas que ainda não se encontra curado.

Por outro lado, a presente acção é sequencial da acção sob o nº 525/15.3BECTB e que veio em recurso a este TCAS onde se decidiu, por ac. de 19.05.2016 que:

(…)

Durante o período de exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário, o desempregado subsidiado é abrangido pelo regime jurídico de proteção no desemprego (art. 10º da Portaria). E tem direito a uma “bolsa financeira mensal” (cfr. o art. 13º da Portaria e o Despacho nº 1573-A/2014).

Por outro lado, o que resulta do cit. art. 14º/3 da Portaria é que o seguro legalmente exigido não cobriria o caso presente, pois que é claro que o acidente aqui ocorrido não teve que ver com as atividades integradas no projeto de trabalho socialmente necessário. Mas isto não exclui o direito de indemnização ao autor por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos ao prestar a atividade de pedreiro para a Freguesia, a esta subordinado; isto apenas se refere a quem deverá, a final, suportar a indemnização devida, se uma seguradora, se a Freguesia.

O contrato de trabalho em funções públicas, o contrato de trabalho do funcionário público, uma espécie do vínculo de trabalho em funções públicas (pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração, que ainda pode ser ou nomeação ou comissão de serviço) tem, considerando o previsto na Lei nº 35/2014 e no Código do Trabalho (Lei nº 7/2009, atualizada até à Lei nº 8/2016), o seguinte conteúdo normativo:

- Uma pessoa singular obriga-se, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Deve-se, ainda, sublinhar que as hipóteses de presunção de contrato de trabalho constantes do art. 12º do C.T. irrelevam aqui, num âmbito em que, como vimos, o contrato de trabalho é sempre escrito e a escolha dos novos funcionários públicos não está nunca na livre e total disponibilidade da vontade do empregador público (vd. os arts. 17º ss e 33º ss da Lei nº 35/2014 e os arts. 50º/1 e 269º a 271º da Constituição da República Portuguesa).

Ora, atendendo a toda a factualidade provada, concluímos que a Freguesia violou a Medida e o contrato escrito, e concluímos ainda que a atividade de pedreiro a que o autor se “vinculou” ante a Freguesia não foi em contrapartida de uma retribuição, ou vice-versa. Falta este elemento constitutivo da relação jurídico-laboral, decorrente do facto de o recorrente não ter acordado, explícita ou implicitamente, com a Freguesia qualquer remuneração da atividade de pedreiro. O autor continuou, sim, a receber os montantes devidos (subsídio e bolsa mensal) na sede legal-contratual inicial (que a Freguesia violou).

Não se provou (nem se alegou) a existência de qualquer acordo sobre retribuição da atividade de pedreiro. E não há, na relação de facto provada, qualquer elemento remuneratório ou retributivo; por exemplo: as partes poderiam ter acordado verbalmente que, a troco da atividade de pedreiro, a Freguesia lhe pagaria X. Não.

O que ambas as partes fizeram, fora do âmbito do contrato escrito especial celebrado e quase totalmente custeado pelo Estado, foi alterar a atividade do desempregado em inserção, sem o conhecimento da outra parte da Medida (o IEFP); o mais manteve-se, de onde sobressai a “pacífica” ausência da contraprestação retributiva por parte da Freguesia.

Portanto, não houve qualquer contrato de trabalho, ainda que não escrito. O que ocorreu foi um desvio, por parte do autor e da Freguesia, em relação à Medida em execução e ao contrato escrito celebrado. Ambos aceitaram substituir, ilegalmente, o “trabalho não qualificado da agricultura e produção animal combinadas” pela atividade de pedreiro, sem que a Freguesia o remunerasse por isso, ou melhor, sem existir qualquer acordo (verbal ou informal) sobre qualquer remuneração a esse respeito da atividade de pedreiro. Não há, pois, qualquer subordinação económica do autor perante a Freguesia, elemento esse da noção de contrato de trabalho que, aqui, surge como decisivo.

E, não havendo contrato de trabalho, não se pode aplicar a este acidente o regime específico do cit. Decreto-Lei nº 503/99 (regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas), cujo âmbito subjetivo de aplicação corresponde aos trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas (art. 2º). [sublinhado nosso]”.

Ora, o que se decidiu nesse processo – e que o TCAS sancionou positivamente - foi que não poderia condenar-se os aí RR no reconhecimento de que o acidente sofrido pelo A. em 26.01.2015 era um acidente de serviço. Com efeito, concluiu-se que estava “vedado ao autor lançar mão da ação judicial prevista no art.º 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, o que determina a absolvição dos pedidos formulados”.

Daí que, pode já adiantar-se, e conhecendo nesta parte do objecto do recurso relativo à alegada violação de caso julgado material, não pode afirmar-se que o TCAS determinou a competência dos tribunais administrativos para conhecer do peticionado. O que afirmou foi coisa diferente: não pode aplicar-se o 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, por não estarmos perante um evento susceptível de ser qualificado como acidente em serviço para efeitos do regime específico do cit. Decreto-Lei nº 503/99 (regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas). Como afirmado no TCAS, esse regime tem como âmbito subjetivo de aplicação os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas (art. 2º), o que não é o caso. Sendo que nada se afirmou – pois que não foi sequer discutido/apreciado – quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer do processo visando a reparação das consequências do evento danoso. Dito de outra forma, o caso julgado que se formou foi relativamente à impossibilidade de qualificação do acidente sofrido pelo A. para efeitos de aplicação do regime específico do cit. Decreto-Lei nº 503/99 ; nada mais.

Donde, não ocorrer violação do caso julgado.

Continuando, temos que lida a p.i. nada há também a censurar ao tribunal recorrido quando concluiu ser “inequívoco que o que está em causa nos presentes autos (integrando, por isso, os factos que conformam a relação jurídica, tal como esta vem delineada na petição inicial) é a indemnização pretendida pelo Autor derivada de acidente que sofreu ao prestar serviço ao Réu, no âmbito de um contrato que não configura a modalidade de relação jurídica de emprego público, seja ela, na modalidade de nomeação, ou contrato de trabalho em funções públicas, seja, por tempo indeterminado ou determinado”. Ou não está o Autor e ora Recorrente a intentar uma acção de responsabilidade civil em que imputa os danos à Recorrida, com fundamento na ocorrência de um acidente quando estava a reparar o telhado de um barracão de armazenamento de materiais no monte da Torre de Sepúlveda por conta, ordem e fiscalização da mesma Recorrida?

E se assim é, como efectivamente sucede, sobre esta questão já se pronunciou o Tribunal de Conflitos, como é exemplo o Acórdão de 19.10.2017, processo n.º 15/17, citado, aliás, na sentença.

Aí se decidiu, ao contrário do que sustenta o Recorrente, que: “O acidente sofrido por um trabalhador, beneficiário do Rendimento Social de Inserção, a exercer funções de pedreiro, para um município, no âmbito de um contrato emprego-inserção, no tempo e no local de trabalho, deve ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro”. E que “nos termos do «artigo 4.º, n.º 4, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, incumbe aos tribunais judiciais a competência para conhecer de processo visando a reparação das consequências do referido no número”.

Jurisprudência que é uniforme, como se retira do recente acórdão do Tribunal de Conflitos de 28.02.2019, proc. nº 42/18. Nesse aresto afirmou-se: “A solução não pode ser outra do que aquela que, para situações similares, também decorrentes de acidentes de trabalho ocorridos no âmbito de contratos de emprego-inserção, já foi adotada por este Tribunal dos Conflitos, nos acórdãos datados de 20-6-17, 40/16, de 19-10-17, 15/17 e de 25-1-18, 41/17, em www.dgsi.pt. //Efetivamente, tratando a ação de um acidente de trabalho que terá ocorrido quando o sinistrado, enquanto beneficiário de rendimento social de inserção, trabalhava para o Município R., ao abrigo de um contrato de emprego-inserção outorgado com o IEFP, IP, inexiste razão alguma para o equiparar a um acidente em serviço submetido à competência dos tribunais administrativos. // Sem necessidade de reproduzir toda a argumentação, assume-se, para este efeito, aquela que consta do Ac. do Tribunal dos Conflitos proferido no âmbito do Proc. n° 15/17, tendo por base uma situação idêntica”.

Assim, bem decidiu o tribunal a quo quando julgou procedente a excepção da incompetência material, de conhecimento oficioso, dos tribunais administrativos para conhecer do pedido deduzido pelo Autor na petição inicial e, em consequência, absolveu o Réu da instância.

Perante a evidência do acabado de concluir, que a jurisprudência do Tribunal de Conflitos sustenta, percebe-se a desnecessidade de o tribunal recorrido ter entendido abrir o contraditório sobre a questão decidenda. Sendo que a decisão agora proferida tem como assente que o Recorrente no recurso interposto já a debateu amplamente. [sublinhado nosso]

A sentença recorrida não errou, portanto, na aplicação que fez do direito à situação dos autos, com o que tem que improceder o recurso.

A decisão proferida pelo relator sobre o mérito da causa é de manter integralmente.

Com efeito, a decisão recorrida está conforme com a jurisprudência do Tribunal de Conflitos, como se retira do recente acórdão deste Tribunal de 28.02.2019, proc. nº 42/18. A jurisprudência respondeu já, portanto, à questão em discussão, concluindo pela incompetência material dos tribunais administrativos para conhecer do pedido formulado pelo A. e ora Recorrente.

De resto, e no que respeita especificamente à arguida nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, deverá ter-se presente que o art. 3.º, n.º 3, do CPC se estabelece que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não deixa de prever que este pode em caso de “manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. E como a jurisprudência tem afirmado, “o exercício do contraditório é sempre justificável e desejável se puder gerar o efeito que, com ele, se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal” (cfr., i.a., o ac. doTRE, de 28.03.2019, proc. nº 208/10.0TBRDD-B.E1). Ora, como se disse na decisão reclamada, existia já jurisprudência uniforme do Tribunal de Conflitos sobre a matéria objecto da causa, à qual a sentença recorrida aderiu (nessa medida, nada inovando, estar-se-á perante a situação de manifesta prevista no n.º 3 do art. 3.º do CPC).

Pelo que, nada mais importando apreciar, na improcedência da presente reclamação, terá que manter-se a decisão do relator.



7. Em conclusão:

i) Na presente acção o Autor e ora Recorrente pretende accionar a responsabilidade civil da Recorrida, com fundamento na ocorrência de um acidente quando estava a reparar o telhado de um barracão de armazenamento de materiais no monte da Torre de Sepúlveda por conta, ordem e fiscalização da mesma.

ii) Tratando a acção de um acidente que terá ocorrido quando o sinistrado, enquanto beneficiário de rendimento social de inserção, trabalhava para a Junta de Freguesia Recorrida ao abrigo de um “contrato de emprego-inserção”, deve este ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

iii) Nos termos do artigo 4.º, n.º 4, alínea b), do ETAF, incumbe aos tribunais judiciais a competência para conhecer de processo visando “a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”.



8. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação apresentada, confirmando-se a decisão sumária do relator.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2020



Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Lina Costa