Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2970/12.7 BELRS |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 05/04/2023 |
![]() | ![]() |
Relator: | LUÍSA SOARES |
![]() | ![]() |
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO; REVERSÃO; GERÊNCIA DE FACTO; PROVA |
![]() | ![]() |
Sumário: | I- A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente. II – A responsabilidade subsidiária prevista no n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não bastando a mera gerência nominal ou de direito. III – A gerência de facto pressupõe que o gerente seja um órgão actuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros. IV – No caso dos autos, a assinatura de dois documentos pontuais pelo Recorrido, configuram a prática de actos isolados que, por si só, não são suficientes para formar a convicção do exercício da gerência da devedora originária no período a que se reporta a dívida exequenda. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição apresentada por D..... à execução fiscal n.º …724, instaurada à devedora originária O....., Lda., por dívidas de IRS do ano de 1998 no montante de € 27.728,60. A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “4.1 – O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando procedente a oposição deduzida, e em consequência, condenar a Fazenda Publica a proceder à extinção da execução quanto ao oponente. 4.2 – Entendeu a Meritíssima que: “A gerência, passa por actos de disposição e de administração contínuos, concernentes ao desenvolvimento do objecto social, que vinculam a empresa perante terceiros, fornecedores, clientes, trabalhadores e permitem aferir a intervenção do gerente nos mais variados destinos da mesma, prova que a AT não fez, à data da reversão, nem nos presentes autos(…) 4.3- O administrador/gerente, uma vez nomeado e iniciado o exercício das suas funções passa a ter direitos e obrigações para com a sociedade e para com terceiros. Há-de cumprir obrigações emergentes dos estatutos da sociedade e de outra origem interna e obrigações de variados preceitos legais. Tem o dever de administrar a empresa de modo a que ela subsista e cresça, para tal desenvolvendo os negócios adequados e, orientando a demais actividade daquela, devendo cumprir os contratos celebrados, pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos e sempre de molde a evitar que o património sociedade se torne insuficiente para o pagamento do passivo da sociedade, e tem ainda a obrigação, in extremis, de pedir em tribunal a convocação dos credores para que estes e o juiz decidam o destino da empresa. 4.4- Assim sendo, impõe-se, desde logo, a todo aquele que assuma um tal qualidade, que assuma uma postura responsável e ponderada, no desempenho das suas funções, por forma a que aquela corresponda a uma actuação que, de acordo com o exigível a um administrador criterioso, colocado em idêntica situação e dentro da inerente discricionariedade técnica, se mostre, em princípio, como adequado ao alcance dos objectivos para que a sociedade se constituiu, ou seja, impõe-se ao administrador/gerente que as suas opções discricionárias não sejam o fruto de improvisações irresponsáveis ou negligentes mas de decisões meditadas, ainda que envolvendo riscos, devidamente calculados e ponderados. 4.5- Ora, conforme o apurado da consulta à certidão da conservatória do registo comercial, a sociedade devedora originária foi constituída em 15-09-1994 tendo como sócios o oponente, ora recorrido, T....., E..... e P....., sendo a gerência da competência de todos os sócios, sendo que a forma de obrigar a sociedade é pela assinatura de dois gerentes. 4.6- Daqui decorre que o oponente tinha uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção, muitas vezes, do oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto, vide a título de exemplo os factos descritos na matéria dada como provada na douta sentença com os números 1e 3 (ponto 2.2 destas alegações). 4.7- O legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a este aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade. 4.8- Ao contrário do que refere a sentença recorrida, a assinatura em representação da devedora originária no contrato de subarrendamento, em tudo diz respeito ao objecto da empresa uma vez que o oponente, ora recorrido, atua em sua – da devedora originária, entenda-se - representação, tanto é que, por exemplo a devedora originária ficou a receber uma renda mensal de quatro milhões de escudos por tal arrendamento (Cláusula 3ª, ponto 1 da dita escritura). 4.9- Veio ainda a M. juiz do tribunal ora recorrido dar como não provado “que o oponente tenha subscrito requerimento em que formule pedido de pagamento em prestações fiscais”. 4.10- Ora, salvo o devido respeito que, diga-se que é muito, consta dos documentos juntos aos autos, folhas 93 a 97 na numeração do Sitaf ou 194 e ss do PEF o Requerimento de Regularização de Dívidas a que se refere o nº 1 do art. 14º do Decreto Lei nº 124/96 de 10 de Agosto em nome da devedora originária assinado justamente pelo oponente na qualidade de gerente. 4.11 – Ao dar este facto como não provado, ocorreu, uma vez mais o tribunal a quo em, erro de julgamento. 4.12- Acresce ainda que para fazer prova da dita gerência, foram ainda juntas aos autos duas sentenças, uma proferida pelo 6º Juízo criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa (fls 55 e ss do Sitaf e 162 e ss do PEF) donde consta dos factos provados no ponto 4) “Desde que foram nomeados gerentes da sociedade arguida e enquanto se mantiveram em tais funções os arguidos J..... e D..... sempre asseguraram a gestão dos negócios sociais, cabendo-lhes, em conjunto, a decisão sobre a respectiva condução, actuando em nome e no interesse daquela” [entenda-se da devedora originária] (negrito nosso). 4.13- Resulta ainda do ponto 8 que “Os arguidos J..... e D..... sabiam que estavam, enquanto gerentes da sociedade arguida, obrigados a proceder à entrega dos montantes relativos ao IVA liquidado e retido nos cofres do Estado. 9) Embora cientes de tal facto, os arguidos J..... e D..... decidiram, de comum acordo, enquanto gerentes da sociedade arguida, deixar de efectuar tal entrega no que se refere aos montantes supra descritos” (negrito nosso) 4.14- Nota-se que na presente acção foi o oponente condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal. 4.15- Já no âmbito do processo judicial que correu termos na 2ª secção do 2º juízo Criminal da Comarca de Lisboa sob o nº 113/98.7TIDLSB, onde foi igualmente o ora recorrido condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal, pág. 81 e ss do Sitaf e 188 e ss do PEF, consta do ponto 3 dos factos provados que: “Entre 1994 e 1997 período a que se reportam os autos, a gerência da O....... era exercida de facto e de direito pelo sócio gerente D....., (…)” 4.16- Ora, ao não ter tomado em consideração esta prova junta aos autos pelo órgão de execução fiscal, a M. Juiz do tribunal a quo analisou erradamente a prova e por conseguinte aplicou de forma igualmente errada os dispositivos legais ao caso concreto, por omissão de pronúncia quanto aos documentos juntos pela AT. 4.17- Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal a quo neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada na errada interpretação dos factos, violando o direito aplicável, no caso os artigos 607º, nº 4 do NCPC e art.º 13º do CPT. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, quanto à matéria aqui discutida. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”. * * * * * * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que o oponente era parte ilegítima na execução fiscal. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão: 1. Em 23/03/1994, D....., assina “Pedido de Certificado de Admissibilidade de Firma ou Denominação de Pessoa Coletiva” da “O....., Lda.”, requerimento efetuado ao Ministério da Justiça-Registo Nacional de Pessoas Coletivas – cfr. fls. 157 dos autos; 2. Em 15/09/1994, é registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (3ª Secção), o contrato de sociedade da “O......., Lda.”, em que são designados gerentes todos os sócios e, nomeadamente, D..... – cfr. fls. 79 dos autos; 3. Em 07/03/1996, é celebrado contrato de “Subarrendamento” em que constam como outorgantes a sociedade “M......., Limitada” e a sociedade “O....., Limitada”, sendo que D..... procede à respetiva assinatura do contrato em representação da segunda sociedade – cfr. fls. 24 a 29 dos autos; 4. Em 15/02/1999 foi instaurado à “O....... Lda.,” o processo de execução fiscal com n.º …724, para cobrança coerciva de dívidas de IRS dos anos de 1994, 1995 e 1996 no valor global de Esc.: 17.190.485$00 (€ 85.745,78) – cfr. fls. 15 e ss. dos autos; 5. Em 28/11/2002, é registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (3ª Secção) a cessação de funções de gerência de D....., por renúncia de 27/09/1997 – cfr. fls. 79 verso dos autos; 6. Em 07/05/2004, através do ofício nº 2609, o Serviço de Finanças de Lisboa-3, remete, por meio de carta registada com A/R, a D..... “ Notificação-Audição Prévia”, para processo de execução fiscal a que se reportam as dívidas de IRS de 1994 a 1996 – cfr. fls. 90 dos autos; 7. O oponente procedeu à assinatura do aviso de receção, referenciado no ponto anterior, em 20/05/2004 – cfr. fls. 91 dos autos; 8. Em 05/05/2008 foi proferido naqueles autos de execução despacho de reversão da divida exequenda, nos termos que a seguir se enunciam resumidamente: “(…) Dos elementos do processo, designadamente da informação retirada do sistema informático de bens penhoráveis, designada por SIPA (...) constatou-se a inexistência de bens penhoráveis da executada, o que (...) constitui fundamento para o chamamento à execução dos seus responsáveis subsidiários. (…) foram notificados para querendo exercer o direito de audição prévia conforme o nº 4 daquele art. 23º e art. 60º também da LGT. Os Srs.P......., T......., E..... e D....., nada vieram alegar, pelo contra eles se reverte a execução. (...) Converto, pois, em definitivo o projecto de decisão de reverter a execução contra os Srs. (...),D....., (...), identificados como responsáveis subsidiários. Proceda-se à citação pessoal dos executados (...) Também se considera face ao documento doe fls. 80 e à informação de fls. 81 prescritas as dívidas referentes aos exercícios de 1994 e 1995, seguindo-se assim a citação aos revertidos pelos valores e exercício de 1996. “ – cfr. fls. 94 dos autos; 9. Em 12/06/2008, o oponente é citado (reversão) no âmbito do processo de execução fiscal nº …724 para proceder ao pagamento da dívida exequenda referente ao IRS/1996 no valor de € 27.728,60 – cfr. fls. 99 e 102 dos autos; 10. Em 30/06/2008, no Serviço de Finanças de Lisboa-3, é apresentada a presente oposição – cfr. fls. 2 e ss. dos autos. II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou que o oponente tenha subscrito requerimento em que formule pedido de pagamento em prestações das dívidas fiscais. Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados. II. 3 – MOTIVAÇÃO A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente, referidos no probatório supra. * * 2) Em 15/09/1994, é registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (3ª Secção), o contrato de sociedade da “O......., Lda.”, em que são sócios D....., com a quota de 320.000$00, T....... com a quota de 740.000$00, E..... com a quota de 200.000$00 e P....... com a quota de 740.000$00 sendo designados gerentes todos os sócios e obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes (cfr. fls. 79 dos autos; * * * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOO Oponente, ora Recorrido, deduziu oposição ao processo de execução fiscal nº ...724, instaurado contra a devedora originária O….., Lda., referente a dívidas de IRS de 1996 no montante de € 23.051,66. A oposição à execução fiscal foi julgada procedente pelo Tribunal Tributário de Lisboa por provada a ilegitimidade do oponente porquanto aquele Tribunal considerou que a Administração Tributária não logrou provar a gerência de facto da sociedade devedora originária. Contra o assim decidido veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso, invocando erro de julgamento de facto e de direito na medida em que, em seu entender, a prova da gerência foi efectuada pela AT, sendo que o o Tribunal a quo errou ao ter considerado como não provado que “o oponente tenha subscrito requerimento em que formule pedido de pagamento em prestações das dívidas fiscais” quando dos autos consta prova documental que comprova o pedido de pagamento em prestações formulado pelo oponente em nome da sociedade devedora originária (cfr. conclusões 4.9 a 4.11 das alegações). Mais alega que foram ainda juntas aos autos duas sentenças, uma proferida pelo 6º Juízo Criminal do Tribunal Criminal de Lisboa onde consta dos factos provados no ponto 4) “Desde que foram nomeados gerentes da sociedade arguida e enquanto se mantiveram em tais funções os arguidos J..... e D..... sempre asseguraram a gestão dos negócios sociais, cabendo-lhes, em conjunto, a decisão sobre a respectiva condução, actuando em nome e no interesse daquela”e do ponto 8) “Os arguidos J..... e D..... sabiam que estavam, enquanto gerentes da sociedade arguida, obrigados a proceder à entrega dos montantes relativos ao IVA liquidado e retido nos cofres do Estado. 9) Embora cientes de tal facto, os arguidos J..... e D..... decidiram, de comum acordo, enquanto gerentes da sociedade arguida, deixar de efectuar tal entrega no que se refere aos montantes supra descritos”; a outra sentença, proferida no âmbito do processo judicial que correu termos na 2ª secção do 2º Juizo Criminal da Comarca de Lisboa onde consta do ponto 3 dos factos provados “Entre 1994 e 1997 período a que se reportam os autos, a gerência da O....... era exercida de facto e de direito pelo sócio gerente D....., (…)” (cfr. conclusões 4.12 a 4.16 das alegações). Invoca que o tribunal a quo efectuou uma análise errada da prova e, consequentemente aplicou de forma errada as normas legais ao caso concreto, ao considerar o oponente parte ilegítima na execução fiscal. Vejamos então. Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto com referência ao pedido de pagamento em prestações, face aos documentos existentes nos autos, diremos desde já que assiste razão à Recorrente. Na verdade resulta dos documentos juntos aos autos, mais concretamente do documento constante de fls. 194 a 196 do processo físico e doc. 93 a 97 do SITAF) que foi efectuado um pedido de pagamento em prestações ao abrigo do Decreto-Lei nº 124/96 de 10 de Agosto em nome da sociedade devedora originária, sendo que no requerimento encontram-se duas assinaturas, sendo uma delas do Recorrido. Assim, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em aditar ao probatório o seguinte facto: 11) Com data de 31/12/1996 foi apresentado junto da Repartição de Finanças-3º Bairro Fiscal de Lisboa, um “Requerimento de regularização de dívidas a que se refere o nº 1 do art. 14º do Decreto-Lei nº 124/96 de 10 de Agosto” em nome de O......., Lda., no qual é solicitado o pagamento das dívidas de natureza fiscal em 150 prestações mensais e das dívidas à segurança social em 24 prestações mensais, tendo o requerimento duas assinaturas, sendo uma delas do oponente (cfr. documento de fls. 194 a 196 do processo físico e fls. 93 a 97 do SITAF). Vem ainda a Recorrente alegar que o Tribunal a quo desconsiderou factos provados relativamente à gerência de facto do ora Recorrido que constam de duas sentenças proferidas por tribunais judiciais e juntas aos autos. Pretende assim a Recorrente que sejam dados como provados nos presentes autos, os factos que identifica e que constam daquelas sentenças. Importa ter presente que o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no nosso ordenamento jurídico no nº 5 do artigo 607º do CPC, estabelece que o juiz forma a sua convicção acerca de cada facto, a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova disponíveis no processo e de acordo com as regras da experiência de vida; apenas quando a lei exija para prova de determinado facto uma formalidade especial ou um específico meio de prova é que não vigora o princípio da livre apreciação -Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg. e a título meramente exemplificativo, Ac. TCA Sul de 31/10/2019 proc. 1547/08.6BELRS. O valor extraprocessual das provas, que se encontra consagrado no art. 421º do CPC (anterior art.º 522º), estabelece, em síntese, que a prova produzida (nomeadamente, depoimentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma parte num outro processo. Contudo, “não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial” (cfr. Acórdão deste TCA Sul de 24/01/2020 – proc. 34/09.0 BECTB). (sublinhado nosso) Na verdade, como se afirma no Acórdão do STJ de 05/05/2005, no proc.º05B691, “1. O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 522º, nº 1, do Código de Processo Civil, significa que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto. 2. Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. 3. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.”. No caso em apreço, o tribunal a quo, com base no princípio da livre apreciação da prova, analisou e valorou a prova produzida nos presentes autos, tendo elencado no probatório os factos que considerou como assentes. Defende a Recorrente que deveria ter considerado ainda os factos provados nas referidas sentenças quanto à gerência de facto, mas não lhe assiste razão porquanto tal como referimos supra, não pode confundir-se o valor extraprocessual dos meios de prova, com os factos dados como provados naqueles processos que não têm valor de caso julgado, e como tal não vinculam o tribunal a quo no seu julgamento da matéria de facto. Prosseguindo. A Recorrente defende ainda que estão provadas as funções de gerente, porquanto o Oponente tinha uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade tendo assinado documentos que vinculam a sociedade devedora originária, pelo que, ao contrário do decidido, considera que a Fazenda Pública cumpriu o seu ónus probatório. Vejamos então. Consagra o nº 1 do art. 24º da LGT que: “ 1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) (…); b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”. Assim, do regime constante da disposição legal acima transcrita, resulta que o chamamento dos “administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efectivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto, não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito. A responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente ou administrador. Salienta-se que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efectividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida. Na verdade, e tal como já referimos anteriormente, desde logo em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas indicadas no artigo 24º, nº1 da LGT a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, reafirma-se que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto. Ademais a prova da gerência de facto tem de resultar de actos praticados pelos eventuais revertidos, demonstrativos desse exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de actos com caráter de continuidade, efectividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência. Importa então analisar se a Fazenda Pública in casu logrou provar a prática de tais actos, por forma a considerar-se o exercício da gerência de facto por parte do Recorrido. Do probatório supra transcrito e por nós alterado, resulta assente que o Recorrido, tal como os demais sócios, desde a data do registo da constituição da sociedade (15/09/1994) foi nomeado gerente de direito da sociedade devedora originária, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes (cfr. ponto 2 do probatório alterado). Mais está provado que: - O Oponente assinou em 23/03/1994, o pedido de certificado de admissibilidade de firma ou denominação de pessoa colectiva (cfr. ponto 1 dos factos assentes). - O Oponente assinou em 07/03/1996, em representação da sociedade, contrato subarrendamento (cfr. ponto 3 do probatório). - O Oponente assinou em 31/12/1996 um requerimento de pedido de pagamento em prestações em nome da sociedade (cfr. ponto 11 do probatório) e; - O Oponente cessou funções de gerente, por renúncia em 27/09/1997 e registada em 28/11/2002 (cfr. ponto 5 do probatório). Defende a Recorrente que, provando-se que o Recorrido foi nomeado gerente e que a forma de obrigar da sociedade é pela assinatura de dois gerentes “daqui decorre que o oponente tinha uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção, muitas vezes, do oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto, vide a título de exemplo os factos descritos na matéria dada como provada na douta sentença com os números 1e 3ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto” (cfr. conclusão 4.6 das alegações). Contudo importa relevar que a dívida exequenda reporta-se ao ano de 1996, e como prova da gerência de facto, no âmbito temporal a que respeita a dívida exequenda, temos apenas a assinatura do contrato de subarrendamento e do pedido de pagamento em prestações. Ora para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder. Destarte, consistindo a gerência de facto de uma sociedade comercial no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade, ter-se-á de concluir face a todo o exposto que, in casu, nada foi demonstrado no sentido de o Recorrido ser um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto social, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros. Na verdade, a circunstância de o Recorrida ter assinado em 07/03/1996 um contrato de subarrendamento e em 31/12/1996 um requerimento a solicitar o pagamento em prestações de dívidas da sociedade, não é suficiente para que se possa inferir que tenha efectivamente exercido a gerência da sociedade devedora originária, já que se trata, claramente, da prática de actos isolados. Ou seja, a prática de dois actos isolados pelo Recorrido em que terá agido em representação da executada originária nesse concreto momento, embora possam constituir um indício no sentido do exercício da gerência, por si só, não são susceptíveis, à luz das regras de experiência comum, de conduzir à conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da devedora originária, já que o exercício da gerência constitui uma actividade continuada. Desta forma atentas as circunstâncias fácticas provadas, temos assim de concluir não ter a Fazenda Pública produzido prova demonstrativa de que o Recorrido tenha exercido a gerência de facto, pelo que, tal como decidido pelo tribunal a quo, o Recorrido é parte ilegítima na execução fiscal, sendo improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente. Conclui-se assim que o presente recurso não merece provimento, mantendo-se a sentença recorrida. * * Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Lisboa, 4 de Maio de 2023 Luisa Soares Vital Lopes Susana Barreto |