Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12413/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/15/2015
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:ASILO – ADVOGADO – MANDATO FORENSE
Sumário:
I – O advogado do requerente de protecção internacional tem de ser notificado da data da prestação de declarações, atento o estatuído no art. 16º n.º 3, ex vi art. 24º n.º 3, ambos da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, conjugado com o art. 52º n.º 1, do CPA de 1991, e o art. 62º n.º 1, al. c), do Estatuto da Ordem dos Advogados.
II – Caso não seja feita tal notificação, mas na petição inicial seja confessada a veracidade das declarações prestadas, atento o princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina utile per inutile non vitiatur, e que, com essa ou com outras formulações e designações (como a de princípio antiformalista, a de princípio da economia dos actos públicos e a de princípio do aproveitamento do acto administrativo), tem sido aplicado frequentemente pela jurisprudência, não se justifica a invalidação do acto que decidiu o pedido de protecção internacional, dado que o seu conteúdo não se mostra afectado pela preterição da referida formalidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*
I - RELATÓRIO
…………………………….. intentou no TAC de Lisboa acção contra o Ministério da Administração Interna (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), na qual peticionou a invalidação do despacho proferido pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 30 de Março de 2015, que não admitiu o pedido de protecção internacional formulado pelo autor.

Por sentença de 28 de Maio de 2015 o referido tribunal absolveu a entidade demandada do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

1. - A Douta sentença está ferida de nulidade, na medida em que o advogado do Autor não foi notificado da data e hora de realização de entrevista do mesmo, pelo que nunca poderia estar presente, em violação do disposto nos artigos 16° e 49 da Lei n° 26/2014, de 5 de Maio;
2. - Assim, tal entrevista feriu direitos legítimos do recorrente, nomeadamente Direitos de Defesa, em violação do disposto nos artigos 1° a 3°, 13°, 15°, 20°, 32°, 266° e 268° da Constituição, bem como foi preterido o artigo 64° do CPP, por analogia;
3. - A Decisão Administrativa, na qual a Douta Sentença do Tribunal a quo se louva, padece da nulidade consistente no facto de a decisão administrativa ter sido comunicada ao então Autor, e ora recorrente, em língua que o mesmo não fala nem entende, em violação do disposto no artigo 24° n° 5 da Lei n° 26/2014, de 5 de Maio;
4. - Esta segunda nulidade fere ainda os artigos 1° a 3°, 13°, 15°, 20°, 32°, 266° e 268° da Constituição Portuguesa;
5. - A Douta Sentença reflecte, agora de modo próprio, uma terceira nulidade: não analisou a doença referida pelo Autor, plasmada também no processo administrativo, junto aos Autos pelo SEF, constituindo omissão de pronúncia (artigos 615° do CPC e artigo 95° do CPTA);
6.- A Douta Sentença em crise, não ponderou, igualmente, que o aqui recorrente poderá ser preso no Senegal, por estar indocumentado; ou na Guiné, não apenas por estar indocumentado, mas ainda porquanto o seu pai foi morto, naquele país, por razões políticas;
7. - Além disso, bem se compreende que o recorrente não queira viver no país onde foi morto o seu pai.
8. - Por todos estes motivos, é elegível para efeitos de ser-lhe concedida autorização de residência, por razões humanitárias, o que se requer.
Assim se decidindo, far-se-á a costumada
JUSTIÇA!!”.

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência do recurso, com base no seguinte quadro conclusivo:


-1ª-
O ora recorrido subscreve o teor da sentença recorrida, que não padece de qualquer vício de facto ou de direito.
-2.ª-
Em suma, é inequívoco, que o pedido subjacente à decisão tem por objectivo ludibriar as autoridades nacionais para, na ausência de fundamento legal e factual, o requerente usufruir de um estatuto a que não tem direito.

Nestes termos e nos demais de direito, devem o presente recurso e o pedido formulado serem julgados improcedentes por não provados, e confirmar-se a douta sentença recorrida com todas as legais consequências”.


O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.


II - FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
a) O A. é cidadão nacional da Guiné Conacri, tendo sido retido no aeroporto de Lisboa, quando entrava em território português, por ser portador de passaporte com visto de residência sueco e com carimbo belga - fls. 42 do P.A.;
b) Tais visto e carimbo apresentam indícios de serem contrafeitos - fls. 42 do P.A.;
c) Foi impedido de entrar em território português - fls. 41, 49, 50;
d) Em 21/03/2015, apresentou um pedido de protecção junto dos serviços do R. - doc. de fls. 33 do P.A.;
e) Foi informado dos direitos e obrigações legais que lhe assistem, entre os quais o de beneficiar de aconselhamento jurídico directo pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e pelo Conselho Português para os Refugiados e ainda da possibilidade de beneficiar de apoio judiciário nos termos gerais - fls. 5 a 10 e fls. 30 a 33 do P.A.;
f) Em 25/03/2015, prestou declarações junto do SEF, acompanhado de uma intérprete, em que e em síntese, referiu que:
Pergunta (P). Que línguas fala?
Resposta (R). Francês e fula.
P. Em que língua pretende realizar esta entrevista?
R. Fula.
P. Qual é o seu estado civil?
R. Sou casado. Tenho uma filha.
P. Com quem vivia?
R. Com a minha mãe, 4 irmãs, com a esposa e com a minha filha.
P. Nível de escolaridade?
R. 6º ano.
P. Profissão?
R. Mecânico de automóveis.
P. Religião?
R. Muçulmano.
P. Grupo étnico?
R. Fula.
P. Já pediu asilo anteriormente?
R Não.
R. Já alguma vez teve ou pediu autorização de residência em Portugal?
R. Não.
P. Porque saiu do seu país?
R. Sai da Guiné-Conacri para o Dacar, para trabalhar no Senegal.
P. Quando saiu da Guiné-Conacri?
R. Em 2000.
P. E desde 2000 até 2014 viveu sempre no Senegal?
R. Sim.
P.E em 2014 para onde foi?
R Em 28 de Marco de 2014 regressei à Guine-Conacri.
P. Porque regressou à Guiné-Conacri após ler estado a viver 14 anos no Senegal?
R. Regressei a Guiné-Conacri para fazer os meus documentos para poder viajar para pedir protecção internacional em Portugal.
P. Então o motivo pelo qual saiu do Senegal onde vivia há 14 anos foi para fazer documentos para viajar?
R. Sim.
P. E saiu do Senegal há 14 anos para trabalhar no Senegal?
R. Sim.
P. E porque saiu agora da Guiné-Conacri?
R. Para pedir protecção na Europa.
P. Porque motivos quer pedir protecção na Europa?
R. Por motivos económicos. Para ganhar dinheiro. E por motivos de saúde. Estou doente.
P. Há quanto tempo está doente?
R. Há dois anos,
P. Com que doença?
R. Tenho sempre febre. Não sei se é febre, ou se é paludismo crónico.
P. Nunca foi ao médico?
R. Fui, mas só me dão comprimidos. Nunca fiz testes para saber o que tenho.
P. É ou alguma vez foi membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, no país onde receia perseguição?
R. Não.
P. Alguma vez cumpriu pena de prisão?
R. Não.
P. Alguma vez foi condenada por um crime?
R. Não.
P. Alguma vez foi preso, detido ou interrogado na Guiné-Conacri ou no Senegal?
R. Não.
P. Alguma vez foi perseguido pelas autoridades da Guiné-Conacri ou do Senegal?
R. Não.
P. Viajou com o seu verdadeiro passaporte?
R. Sim. Só o carimbo é que era falso.
P. O que receia se regressar à Guiné-Conacri ou ao Senegal?
R. Se for para o Senegal posso ir para a prisão e for à Guiné-Conacri, podem matar-me.
P. Por que motivos pode ir para a prisão no Senegal?
R. No Senegal, se se têm documentos falsos vai-se para a prisão.
P. E na Guiné-Conacri, podem matá-lo porquê?
R. Na Guiné-Conacri, também, se se tem documentos falsos, vai-se para a prisão. E podem matar-me porque, se as autoridades sabem que o meu pai era da oposição (partido UFDG) quando morreu na manifestação de 28 de Setembro de 2009, podem matar-me.
P. Podem matá-lo porque o seu pai era da oposição, do partido UFDG, antes de 28 de Setembro de 2009?
R. Sim.
P. O que fazia o seu pai no partido?
R. Ajudava a mobilizar pessoas para as manifestações.
P. O senhor também pertence à UFDG ou a outro qualquer partido?
R. Não. Eu não gosto de política.
P. Tem documentos para apresentar?
R. Não.
P. Qual o seu percurso até chegar a Portugal?
R. Dacar- Conacri (para fazer os documentos) Depois voltei para o Dacar, e foi daí que vim de avião para Lisboa. Houve na altura problemas na fronteira entre Conacri c Dacar por causa do Ébola.
P. Porque escolheu Portugal?
R, Porque em Portugal ajudaram pessoas que não têm qualificações a ir para a escola. Aqui quando dizem que ajudam urna pessoa, ajudam. E porque aqui se respeitam os direitos humanos.
P. Quais as principais cidades da Guiné Conacri?
R Conacri, Mamou, Kindia, Laobé.
P. Quais os hospitais na Guiné-Conacri.
Ft. Donka e Igasdin.
P. Como se chama o presidente da Guiné-Conacri?
R. Alpha Conde.
P. Deseja acrescentar alguma coisa?
P. Não.
P. Em Portugal, é-lhe concedido apoio durante todo o procedimento de asilo por uma ONG designada Conselho Português para os Refugiados (CPR). No final do procedimento, é necessária a sua autorização para a informar o CPR da decisão que venha a ser tomada no seu caso. Autoriza?
R. Sim, compreendi e autorizo.
- cfr. doc. de fls. 60 do P.A.;
g) Em 26/03/2015, o A. foi ouvido no Conselho Português para os Refugiados, tendo este emitido parecer em que conclui pela "natureza manifestamente infundada do presente pedido de protecção internacional" - doc. de fls. 77 a 87 do P.A.;
h) Em 30/03/2015, foi proferida proposta de decisão de indeferimento do pedido do A. (Inf. 182/GAR/15, do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF), em que se lê:

"(...) 7. Da apreciação da admissibilidade do pedido.

Em resumo, o requerente declara que saiu do seu pais há 14 anos, com destino ao Senegal, para ai se fixar e trabalhar. Após ter vivido 14 anos no Senegal, regressou ao seu pais República da Guiné - porque queria, no seu pais solicitar a emissão dos documentos de viagem, que lhe permitissem viajar para a Europa, Quis vir para Portugal parque ouviu dizer que aqui ajudam as pessoas a estudar e a trabalhar. O seu pai faleceu na manifestação de 28 de Setembro de 2009 na República da Guiné, lera militante da UFGD, senda, na entanto, que a requerente não tem qualquer filiação partidária, dado não gostar de politica.

Nunca foi membro de qualquer organização politica, religiosa, militar, étnica ou social Tampouco foi alvo de qualquer perseguição ou discriminação por parte das autoridades ou outros agentes na República da Guiné, ati no Senegal.

Da análise das declarações prestadas, verifica-se que o requerente não relata acontecimentos que tenham posto em causa a sua permanência no país, ou que tenham originado, individualmente, um receio fundado de perseguição, na acepção da Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque'. Com efeito, o requerente não Identifica nenhum factor ou medida persecutória ou discriminatória, sendo que não é evidente que o mesma tenha sido ou esteja em risco de ser perseguido com vista ao reconhecimento da estatuto de refugiado, pelos factos, que alega.

Com efeito, o requerente justifica a saída do seu pais há 14 anos por razões económicas, tendo-se fixado no Senegal para aí trabalhar. Ora, por mais legítima que seja a intenção de procurar trabalho noutro país, esta não se enquadra no espírito da Lei de Asilo portuguesa ou na Convenção de Genebra.

Por outro lado, o requerente saiu do Senegal, país onde permaneceu durante 14 anos - e regressou voluntariamente à República da Guiné (com o objectivo de ali obter documentos de viagem) demonstrando assim a inexistência de qualquer receio em regressar ao seu país de origem.

Assim, consideramos que o requerente não concretiza quaisquer medidas individuais de que tenha sido vítima em consequência da actividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, conforme disposto no art.3° da lei 27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 5 de Maio.

De igual modo, também não foi por si indicado receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3° da Lei 27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela lei 26/2014 de 5 de Maio.

Pelo acima demonstrado, trata-se de um pedido de asilo infundado por incorrer na alínea e) do n° 1, do artigo 19° da Lei 27/2008, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n° 26/2014, de 5 de Maio.

8. Da Autorização de Residência por protecção subsidiária

O artigo 7° da Lei n.°27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3°, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu pais de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Ora, como já se aferiu, o requerente invocou apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar do cumprimento das condições para ser elegível para protecção subsidiária. O requerente saiu há 14 anos do seu pais de origem por razões económicas, tendo regressado ao mesmo por questões de logística/económicas Ora, tal motivação não impede o requerente de regressar à República da Guiné (ou até ao Senegal I por ali se verificar violação sistemática dos direitos humanos, nem determina que o requerente se encontra em risco de sofrer ofensa grave, nomeadamente pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, ou ameaça contra a vida ou integridade física, resultante de violência indiscriminada em situação de conflito armado internacional ou interno, ou de violação generalizada ou indiscriminada dos direitos humanos. (...)"
- doc. de fls. 64 a 69 do P.A.;
i) Em 30/03/2015, foi indeferido o pedido de concessão de asilo apresentado pelo A., bem assim como a concessão do pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, com fundamento no teor do documento indicado na alínea anterior - doc. de fls. 70 do P.A.”.

Ao abrigo do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA, procede-se à alteração da factualidade dada como provada nos seguintes termos:
- O facto constante da al. g) é substituído pelo seguinte facto:
g) Em 26.3.2015, o autor foi ouvido no Conselho Português para os Refugiados, tendo este emitido, em 30.3.2015, o parecer que consta de fls. 76 a 87, do processo administrativo – apenso aos autos em 4.5.2015 -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se escreveu designadamente o seguinte:
(…)



(…)
V – ENQUADRAMENTO JURÍDICO
(…)





”.

- O facto constante da al. i) é substituído pelo seguinte facto:
i) Em 30.3.2015, foi proferido pelo Director Nacional do SEF o seguinte despacho:
De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1, do artigo 19º, e no n.º 4 do art. 24º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 108/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º 182/GAR/15 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pelo cidadão que se identificou como ……………………, nacional da República da Guiné, infundado.
Com base na mesma informação e nos e termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária apresentado pelo cidadão acima identificado, infundado.
Notifique-se o interessado nos termos do nº 5 do art.º 24º da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de Maio.” (cfr. fls. 70, do processo administrativo, apenso aos autos em 4.5.2015).

- São aditados os seguintes factos:
j) Aquando da apresentação do pedido descrito em d), foi entregue junto dos serviços do réu uma procuração com o seguinte teor:
………………………, cidadão nacional da Guiné Conacry, actualmente retido no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, constitui seu bastante Procurador o Exmo Sr. Dr. José ………………….., Advogado, com escritório na Avª de ……….., 2º dtº 1735-…… em Lisboa a quem confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos incluindo os de recorrer e de substabelecer.
Aeroporto de Lisboa, 21 de Março 2015
(…)” (cfr. fls. 21, do processo administrativo, apenso aos autos em 28.9.2015).
k) Também na altura da apresentação do pedido descrito em d), foi entregue junto dos serviços do réu cópia da cédula profissional do advogado José ……………. (cfr. fls. 19, do processo administrativo, apenso aos autos em 28.9.2015).
l) O advogado José ……………… não foi notificado da data da prestação de declarações que ocorreram em 25.3.2015 (teve-se em conta, por um lado, que este facto não foi impugnado pelo recorrido e, por outro lado, que do processo administrativo não consta qualquer notificação ao advogado José …………………. da data da referida prestação de declarações).

*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 608º n.º 2, 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, todos do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida:

- é nula;

- enferma de erro de julgamento ao ter absolvido a entidade demandada do pedido (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à apreciação da questão respeitante à nulidade da decisão recorrida

Invoca o recorrente que a sentença recorrida enferma das nulidades descritas nas conclusões 1ª, 3ª e 5ª, das alegações de recurso.

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.

As razões que conduzem à nulidade da decisão recorrida encontram-se elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 615º, ora transcritas, nas quais não se subsume o invocado nas conclusões 1ª e 3ª, das alegações de recurso, pelo que, nesta parte, tem de improceder a arguição de nulidade da decisão recorrida.


De todo o modo, cumpre salientar que não está o tribunal de recurso impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença (cfr. art. 5º n.º 3, do CPC de 2013), o que será feito infra, já que o invocado nas conclusões 1ª e 3ª, das alegações de recurso, reconduz-se ao desvalor de erro de julgamento.

Quanto à nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º (omissão de pronúncia – invocada na conclusão 5ª, das alegações de recurso), a mesma relaciona-se directamente com estatuído no art. 608º n.º 2, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.


A propósito desta nulidade, ensina Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, pág. 50, que, «À omissão de pronúncia alude a 1ª parte da alínea d) do n.° 1 do art. 668.°(1) e traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ante o estatuído na 1.ª parte do n.° 2 do art. 660.°(2).

Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda.

Como nos diz Alberto dos Reis, não enferma da nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”».

A omissão de pronúncia só existe, portanto, quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir a(s) questão(ões) que lhe é (são) colocada(s) pelas partes, isto é, o(s) problema(s) concreto(s) que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar razões, argumentos, raciocínios, considerações, teses ou doutrinas invocados pelas partes em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão da(s) questão(ões) colocada(s).

Esta nulidade assentou na invocação de que a sentença recorrida não analisou a doença referida pelo autor, ora recorrente, plasmada no processo administrativo.

Ora, esta nulidade improcede, pois na sentença recorrida foi analisada a situação do recorrente, concluindo-se que a mesma não se subsume nos arts. 3º e 7º, da Lei 27/2008, de 30/6 (relativos à concessão do direito de asilo e da autorização da residência por protecção subsidiária, respectivamente), nela se tendo apreciado especificamente a doença invocada pelo recorrente (cfr. fls. 8, da decisão recorrida, onde se refere designadamente o seguinte: “Também não demonstra que a doença de que diz sofrer não seja susceptível de tratamento no Senegal, país onde reside com a sua família”).

Nestes termos, não se verifica a nulidade da decisão recorrida nos termos da 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.

Pelo exposto, tem de improceder a arguição de nulidade da decisão recorrida.


Passando à apreciação do alegado erro de julgamento da decisão recorrida

O autor, ora recorrente, intentou a presente acção tendo em vista a invalidação do despacho proferido pelo Director Nacional do SEF, de 30 de Março de 2015, descrito em i), dos factos provados, o qual considerou infundados os pedidos de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária apresentados pelo recorrente.

A decisão recorrida absolveu o recorrido do pedido.

O recorrente, conforme decorre da conclusão 8ª, das alegações de recurso – e tendo presente, como acima se salientou, que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações -, pretende impugnar a sentença recorrida no segmento em que decidiu que o despacho de 30.3.2015 não violou a lei ao considerar infundado o pedido de autorização de residência por razões humanitárias (actualmente denominada de autorização de residência por protecção subsidiária – cfr. arts. 2º, als. b) e i), e 7º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5).

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida nessa parte.

Cumpre, desde logo, salientar que a questão suscitada na conclusão 3ª, das alegações de recurso - bem como na conclusão 4ª [na qual apenas se alterou a qualificação jurídica para a factualidade descrita na conclusão 3ª (a decisão de 30.3.2015 foi comunicada ao recorrente em língua que o mesmo não fala, nem entende)] -, consubstancia-se numa questão nova, não apreciada nos autos. Ora, os recursos, naturalmente, têm por objecto a revisão de decisões anteriores, ou seja, esta questão (decisão de 30.3.2015 foi comunicada ao recorrente em língua que o mesmo não fala, nem entende, em violação do art. 24º n.º 5, da Lei 26/2014, de 5 de Maio, bem como dos arts. 1º a 3º, 13º, 15º, 20º, 32º, 266º e 268º, da CRP) está subtraída do conhecimento deste tribunal de recurso, pois, além de não ser de conhecimento oficioso, também não foi alegada em 1ª instância, não integrando o objecto da sentença recorrida e, consequentemente, o objecto do recurso.

Nas conclusões 6ª a 8ª, o recorrente invoca erro da decisão recorrida, pois considera que reúne os requisitos para lhe ser concedida a autorização de residência por protecção subsidiária.

Apreciando.

Estatui o art. 7º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, sob a epígrafe “Protecção subsidiária”, o seguinte:
1 - É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
(…)”.

Um dos pressupostos de concessão da autorização de residência por protecção subsidiária, prevista no normativo ora transcrito, respeita à sistemática violação dos direitos humanos ou ao risco de sofrer ofensa grave, sendo certo que o recorrente invoca esta última hipótese, pois o mesmo alega o risco de ser preso no Senegal e na Guiné.

Vejamos, então, e de acordo com as declarações que prestou perante o SEF em 25.3.2015 (descritas na al. f), dos factos assentes) e a entrevista que decorreu no Conselho Português para os Refugiados em 26.3.2015 (as quais constam do parecer descrito na al. g), dos factos provados), a factualidade em que o autor, ora recorrente, funda o seu pedido de protecção subsidiária.

Perante o SEF o recorrente declarou, em síntese, o seguinte:
- Saiu da Guiné Conacri em 2000 para ir trabalhar para o Senegal, onde viveu até 2014;
- Em 28 de Março de 2014 regressou à Guiné Conacri para fazer os documentos, a fim de poder viajar para pedir protecção internacional em Portugal, por motivos económicos e de saúde;
- Se regressar ao Senegal receia ser preso por posse de documentos falsos e na Guiné Conacri também se vai para a prisão por uso de documentos falsos;
- Receia ser morto na Guiné Conacri se as autoridades descobrirem que o seu pai era da oposição (partido UFDG) quando morreu na manifestação de 28.9.2009;
- No regresso ao Senegal, após ter estado na Guiné Conacri para fazer os documentos, teve problemas na fronteira, por causa do ébola;
- Vivia com a mãe, quatro irmãs, a esposa e a filha.

Perante o Conselho Português para os Refugiados o recorrente declarou, em suma, o seguinte:
- Foi viver para o Senegal em 2000, para arranjar emprego, onde viveu catorze anos com a família, incluindo a mãe, quatro irmãs, a mulher e a filha menor;
- Em 28 de Março de 2014 regressou à Guiné Conacri para tratar do seu passaporte, tendo sido impedido de regressar ao Senegal por causa do encerramento da fronteira entre os dois países, até ao mês de Dezembro, devido ao surto de ébola, tendo regressado ao Senegal em 15.3.2015;
- Enquanto esteve na Guiné não teve problemas com as autoridades, permanecendo escondido em casa de familiares do seu pai em Soloprimo, freguesia de Conacri;
- Para si é perigoso regressar à Guiné, pois descobrirão que o seu pai – que foi assassinado na Guiné na manifestação que ocorreu em 28.9.2009 - era membro de uma organização política (UFDG), o que lhe acarretará problemas com as autoridades, dado que, quando as pessoas são mortas por razões políticas, as autoridades também tentam matar os familiares;
- Não ficou no Senegal porque a vida é actualmente muito difícil, não conseguindo arranjar trabalho.

Do ora exposto resulta que, tal como alegado na conclusão 6ª, das conclusões de recurso, o recorrente assentou o seu pedido de protecção subsidiária (também) no facto de entender que não pode regressar ao seu país de origem, a Guiné Conacri, por aí correr o risco de ser morto pelas autoridades, caso estas descubram que o seu pai era da oposição (partido UFDG) quando morreu na manifestação de 28.9.2009.

Verifica-se, no entanto e de forma evidente, que o recorrente não preenche o pressuposto de concessão da autorização de residência por protecção subsidiária relativo ao risco de sofrer ofensa grave, pois as declarações que prestou, nessa parte, não merecem, de forma evidente, credibilidade.


Com efeito, e conforme se salientou no parecer emitido pelo Conselho Português para os Refugiados, em 30.3.2015, sobre o pedido de protecção internacional formulado pelo recorrente:
(…)




(…)”.

Bem como na informação n.º 182/GAR/15, de 30.3.2015, na qual assentou o acto impugnado:
Da análise das declarações prestadas, verifica-se que o requerente não relata acontecimentos que tenham posto em causa a sua permanência no país, ou que tenham originado, individualmente, um receio fundado de perseguição (…)
Com efeito, o requerente justifica a saída do seu pais há 14 anos por razões económicas, tendo-se fixado no Senegal para aí trabalhar. Ora, por mais legítima que seja a intenção de procurar trabalho noutro país, esta não se enquadra no espírito da Lei de Asilo portuguesa ou na Convenção de Genebra.
Por outro lado, o requerente saiu do Senegal, país onde permaneceu durante 14 anos - e regressou voluntariamente à República da Guiné (com o objectivo de ali obter documentos de viagem) demonstrando assim a inexistência de qualquer receio em regressar ao seu país de origem.”.

Ora, não merecendo as declarações do recorrente – quanto ao alegado receio de ser morto na Guiné Conacri -, de forma manifesta, credibilidade, inexiste de forma evidente factualidade que permita considerar que o recorrente corre o risco de sofrer ofensa grave [e sendo certo que o mero desejo de não viver no país onde o seu pai foi morto – cfr. conclusão 7ª, das alegações de recurso -, não justifica, de forma manifesta, a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária, dado que a não realização desse desejo não pode ser entendida como uma ameaça grave contra a sua vida ou integridade física e moral], ou seja, o recorrente, claramente, não preenche esse requisito para lhe ser concedida a autorização de residência por protecção subsidiária.

Acresce que nada se apurou no sentido de que o recorrente receia ser preso no Senegal ou na Guiné por estar indocumentado, pois o que resulta das declarações prestadas perante o SEF é que o mesmo receia ser preso nesses países por uso de documentos falsos.

Ora, a prisão por uso de documentos falsos não constitui ofensa grave (para os efeitos do art. 7º, da Lei 27/2008, de 5/5), mas antes uma reacção legítima e proporcional face à prática de um ilícito grave (cumpre salientar que, em Portugal, o uso de documento falso constitui ilícito criminal, o qual é punido com pena de prisão até cinco anos, no caso de estarem em causa documentos autênticos – cfr. art. 256º n.ºs 1, al. e), e 3, do Código Penal).

Nestes termos, improcede o erro de julgamento alegado nas conclusões 6ª a 8ª, das alegações de recurso, pois a factualidade aí em causa, de forma evidente, não permita considerar que o recorrente corre o risco de sofrer ofensa grave.

Invoca ainda o recorrente que o seu advogado não foi notificado da data e hora de realização da sua entrevista – descrita na al. f), dos factos assentes -, pelo que nunca poderia estar presente na mesma, assim ocorrendo violação dos arts. 16º e 49º, da Lei 26/2014, de 5/5, bem como dos arts. 1º a 3º, 13º, 15º, 20º, 32º, 266º e 268º, da CRP, e preterição do art. 64º, do CPP, por analogia.

Vejamos.

De acordo com o disposto nos arts. 23º n.º 1 e 24º n.ºs 2 e 3, conjugados com o art. 16º n.º 3, todos da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, nos pedidos de protecção internacional apresentados nos postos de fronteira, por estrangeiros que não preencham os requisitos legais necessários para a entrada em território nacional, o SEF notifica de imediato o requerente para prestar declarações no prazo de dois a cinco dias, as quais valem como audiência prévia do interessado.

Prescreve o art. 49º n.º 7, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, que na referida prestação de declarações os requerentes de protecção internacional podem-se fazer acompanhar de advogado, sem prejuízo de a respectiva ausência não obstar à realização desse acto processual.

Da factualidade dada como assente decorre que o recorrente, aquando da apresentação do pedido de protecção internacional, fez entrega, junto dos serviços do recorrido, de uma procuração, nos termos da qual constituía seu procurador o Dr. José…………………., advogado, ao qual conferia os mais amplos poderes forenses, não tendo este sido notificado da data da prestação de declarações que ocorreram em 25.3.2015 (cfr. als. j) a l), dos factos provados).

Ora, como se sumariou no Ac. deste TCA Sul de 11.9.2014, proc. n.º 11427/14:
Se um particular informou e provou à Administração que se faz representar por certo advogado, com um mandato forense (artigo 62º do EOA), isso só pode querer significar, até para o mandato forense ter utilidade e dignidade, que é com o advogado que a Administração passará a lidar directamente, sem prejuízo de notificar pessoalmente o particular em casos em que isso logicamente se justifique, como por exemplo, em convocações”.

E conforme se explicitou nesse aresto:
O recorrente foi notificado do indeferimento liminar do pedido de asilo que formulara.
Tal pedido foi formulado em 29-3-2014, com junção de procuração forense.
Em 4-4-14 o indeferimento foi notificado ao recorrente e em 8-4-14 foi notificado ao seu advogado antes constituído.
A p.i. impugnatória entrou no tribunal a quo no dia 10-4-2014.
O tribunal a quo considerou que foi violado o prazo de 72 horas consagrado no artigo 25º/1 da Lei do Asilo para intentar a impugnação judicial. Para tal o tribunal relevou o dia 4-4-14 cit. e não atendeu ao dia 8-4-14 cit.
Relevam aqui ainda os artigos 52º (3)[Todos os particulares têm o direito de intervir pessoalmente no procedimento administrativo ou de nele se fazer representar ou assistir, designadamente através de advogado ou solicitador] e 66º do CPA e o artigo 62º/1/c) do EOA (4) [Considera-se mandato forense o exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos].
O que se discute não é se as notificações no procedimento administrativo podem ser feitas ao advogado e com eficácia (cfr. Ac. STA de 11-1-2001, p. nº 046726; STA de 16-1-2002, p. nº 047590), mas sim se a eficácia da notificação contra o particular exige que o advogado antes constituído tenha de ser notificado pela A.P.
Ora, se um particular informa a A.P. que se fez representar por certo advogado ante essa A.P., com um mandato forense (artigo 62º do EOA), isso só pode querer significar, até para o mandato forense ter utilidade e dignidade, que é com o advogado que a A.P. passará a lidar, sem prejuízo de notificar pessoalmente o particular em casos em que isso logicamente se justifique, como por exemplo, em convocações (cfr. assim Mário Esteves de Oliveira et al., CPA Comentado, 2ª ed., p. 267). É o advogado quem representa o seu constituinte perante a entidade que recebeu a procuração forense.
E daí as normas contidas nos artigos 247º do CPC(3) e 40º do CPPT(4), aplicáveis mutatis mutandis ao procedimento administrativo em geral. Nada justifica outro entendimento, sob pena de inutilidade da constituição de advogado” (sublinhados e sombreado nossos).

Assim, tem de concluir-se que o recorrido, ao não ter notificado o advogado do recorrente (Dr. José………………) da data da prestação de declarações, violou o art. 16º n.º 3, ex vi art. 24º n.º 3, ambos da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, conjugado com o art. 52º n.º 1, do CPA de 1991, e o art. 62º n.º 1, al. c), do Estatuto da Ordem dos Advogados [carece de fundamento a posição do recorrente no sentido da aplicação ao caso sub judice do art. 64º, do CPP, por analogia, pois não existe qualquer lacuna a necessitar de integração; quanto à invocação que faz da violação dos arts. 1º a 3º, 13º, 15º, 20º, 32º, 266º e 268º, da CRP, e face à falta de concretização desta alegação, não se pode conhecer da mesma].

De todo o modo, verifica-se que na petição inicial, concretamente no respectivo artigo 37º, o autor, ora recorrente, consignou o seguinte: “o Autor dá como verdadeiros e assentes os factos referidos na entrevista – doc nº 1 - que confessa, para todos os efeitos legais”.

Nestes termos, conclui-se que, mesmo que o advogado do recorrente tivesse sido notificado da data da prestação de declarações – e tivesse acompanhado o recorrente nesse acto procedimental -, as declarações do recorrente seriam idênticas às prestadas em 25.3.2015 (as quais se encontram descritas na al. f), dos factos assentes), pelo que o acto impugnado, de 30.3.2015, teria sido praticado com o mesmo conteúdo, razão pela qual não deverá ser invalidado.

Dito por outras palavras, atento o princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina utile per inutile non vitiatur, e que, com essa ou com outras formulações e designações (como a de princípio antiformalista, a de princípio da economia dos actos públicos e a de princípio do aproveitamento do acto administrativo), tem sido aplicado frequentemente pela jurisprudência, in casu não se justifica a invalidação do acto de 30.3.2015, dado que o seu conteúdo não se mostra afectado pela preterição da referida formalidade.


Nestes termos, bem andou a decisão recorrida ao não invalidar o despacho descrito na al. i), dos factos provados, no segmento em que considerou infundado o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida, com os fundamentos acima expressos.


*
Uma vez que o recorrente ficou vencido no presente recurso, deverá suportar as respectivas custas (art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA), já que a isenção prevista no art. 84º, da Lei 27/2008, de 30/6, foi revogada pelo art. 25º n.º 1, do DL 34/2008, de 26/2, sem prejuízo da decisão proferida pela Segurança Social relativamente ao pedido de apoio judiciário que formulou, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Negar total provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, com os fundamentos acima expressos.

II – Condenar o recorrente nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional, sem prejuízo da decisão proferida pela Segurança Social relativamente ao pedido de apoio judiciário que formulou, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo
III – Registe e notifique.

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Lisboa, 15 de Outubro de 2015

_________________________________________
(Catarina Jarmela - relatora)

_________________________________________
(Conceição Silvestre)

_________________________________________
(Cristina dos Santos)


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(1) Que corresponde à 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.

(2) Que corresponde à 1ª parte do n.º 2 do art. 608º, do CPC de 2013.

(3) No qual se dispõe o seguinte:
“1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.
3 - Sempre que a parte esteja simultaneamente representada por advogado ou advogado estagiário e por solicitador, as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial são feitas sempre na do solicitador.” (sublinhado e sombreado nossos).
(4) No qual se prescreve o seguinte:
“1 - As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório.
2 - Quando a notificação tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal, além da notificação ao mandatário, será enviada carta ao próprio interessado, indicando a data, o local e o motivo da comparência
3 - As notificações serão feitas por carta ou aviso registados, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos, podendo estes ser notificados pelo funcionário competente quando encontrados no edifício do serviço ou tribunal. ” (sublinhado e sombreado nossos).