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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03785/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/12/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
RECURSO
REGIME DE SUBIDA
Sumário:1. Assume-se como despacho interlocutório aquele em que o juiz indefere a produção da prova testemunhal oferecida na petição inicial de impugnação, dado que por esta forma não decide a causa principal, nem tão pouco algum incidente com a estrutura de uma causa;
2. O recurso de tal despacho apenas deve subir ao tribunal superior, a final, com o recurso interposto da decisão final;
3. Tendo o recurso sido admitido pelo tribunal “a quo”, para subir imediatamente, tal despacho não vincula o tribunal superior que o pode/deve corrigir, mesmo oficiosamente, para a forma de subida legalmente prevista.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Construções A... – Sociedade de Construções e Investimentos Imobiliários, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformado com o despacho proferido pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que indeferiu a requerida produção de prova testemunhal na impugnação judicial deduzida, veio do mesmo recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) Na petição inicial - artigo 81º - a recorrente reservou-se ao direito de se pronunciar sobre a fundamentação dos actos de liquidação do IVA logo que estes lhe fossem validamente notificados, que nunca sucedeu.
b) Mas o que é um facto é que a recorrente foi alvo de uma acção de inspecção da qual resultaram valores de IVA que lhe são imputados nunca tendo sido notificada de tal relatório de inspecção e foi o mesmo que veio a desembocar nas liquidações questionadas.
c) Pelo que a matéria de facto subjacente às liquidações em causa nos presentes autos há-de estar naquele relatório de inspecção.
d) Deste modo à recorrente, na ausência da sua notificação da fundamentação das liquidações, apenas lhe restaria fazer contra - prova aos factos vertidos no relatório de inspecção pois que não é verosímil que tal relatório não disponha de factos que levem às questionadas liquidações.
e) E para isso carece que sejam inquiridas as testemunhas arroladas pois que à recorrente é permitido não só fazer prova do por si alegado mas também contra - prova do alegado pe1a parte contrária.
f) Cabe exclusivamente à recorrente ajuizar da necessidade de contra - prova dos factos contra si alegados e da forma de prova, desde que respeitados os limites legais à respectiva produção e a situação em causa não é, manifestamente, uma daquelas em que a prova testemunhal não seja admitida, antes bem pelo contrário.
g) E as testemunhas arroladas possuem conhecimentos que lhes permitiria depor com razão de ciência àqueles factos.
h) Sendo bom não olvidar que os depoimentos testemunhais a prestar em sede de inquirição de testemunhas, e ainda que para contra - prova do alegado pe1a DGCI, não podem ser ignorados pelo Tribunal isto também porque o respeito pelo(s) princípio(s) do inquisitório e da investigação não é um mero dever platónico despido de conteúdo mas antes um verdadeiro dever jurídico, dever este que, a não ser respeitado, fará padecer a decisão tomada de claro défice instrutório.
i) Pois que neste mesmo sentido o abonam, precisamente, os já supra referidos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT.
j) Entende ainda a recorrente que a interpretação feita pelo despacho, ainda que de forma tácita, do artigo 113°, n° 1 do CPPT padece de inconstitucionalidade material por violação do artigo 20º, n° 4 da CRP uma vez que se encontra a ser-lhe vedado o direito a um processo justo e equitativo.
k) Ao decidir como decidiu violou o despacho o artigo 3° e 510°, n° 1 b) do CPC, 113°, n° 1 do CPPT e 20°, n° 4 da CRP, pelo que, nos termos que se deixam alegados, deverá decretar-­se a revogação do despacho recorrido, admitindo-se a produção da prova testemunhal requerida.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogado o despacho e ordenada a produção da prova testemunhal requerida, tudo o mais com as consequências legais.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por o recurso não ser de conhecer nestes momento mas só a final, já que se trata do recurso interposto contra um despacho interlocutório proferido nos autos.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir, também de conhecimento oficioso, consiste em saber se o presente recurso interposto contra o despacho interlocutório proferido nos autos deve subir só a final, com o recurso interposto da decisão final, não sendo de conhecer de quaisquer outras questões ao responder-se afirmativamente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” não fixou qualquer probatório separado, da aplicação que fez do direito, certamente por se tratar de um despacho interlocutório, o qual assim vamos reproduzir na íntegra:
«(...)
Apesar de a impugnante ter arrolado testemunhas, não alegou matéria de facto que careça deste tipo de prova.
Assim, indefiro a requerida produção de prova.
Notifique...
D.s.
...».


4. Como questão prévia suscitada pela Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, a qual também é de conhecimento oficioso, importa conhecer do regime de subida imediata a este Tribunal, do recurso interposto contra o despacho interlocutório supra citado que indeferiu a requerida inquirição das testemunhas arroladas pela ora recorrente, por desnecessária, sendo certo que tal processo judicial ainda não tem decisão final proferida e o recurso foi admitido pelo Tribunal “a quo”, para subir imediatamente, a este Tribunal.

Os recursos dos actos jurisdicionais proferidos no processo judicial tributário têm o seu modo de interposição, processamento e julgamento regulado nos art.ºs 279.º e segs do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cuja norma do seu art.º 281.º, expressamente, manda aplicar o regime dos agravos então previstos no processo civil, ou seja o regime dos art.ºs 733.º e segs do Código de Processo Civil (CPC).

O art.º 734.º do mesmo CPC, manda subir imediatamente, apenas, os agravos interpostos da decisão que ponha termo ao processo, do despacho pelo qual o juiz se declare impedido ou indefira o impedimento oposto por alguma das partes, do despacho que aprecie a competência absoluta do tribunal, dos despachos proferidos depois da decisão final e os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Todos os outros agravos têm subida diferida, com o primeiro recurso que, depois de eles serem interpostos, haja de subir imediatamente – art.º 735.º do mesmo CPC.
Logo, mesmo face a este regime de subida dos agravos, o presente recurso não era de subir imediatamente, mas apenas com o recurso interposto depois deste, que houvesse de subir imediatamente.

No âmbito tributário em que nos encontramos, existe norma própria a regular a interposição e a forma de subida destes recursos no processo judicial tributário, que assim é a aplicável, para os recursos interpostos contra todos os despachos interlocutórios(1) e que é a do art.º 285.º n.º1 e que dispõe:
Os despachos do juiz no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal podem ser impugnados no prazo de 10 dias, mediante requerimento contendo as respectivas alegações e conclusões, o qual subirá nos autos com o recurso interposto da decisão final.

Deve entender-se como despacho interlocutório aquele que é proferido antes de prolatada a decisão que ponha termo à causa principal ou de algum incidente com a estrutura de uma causa(2), no tribunal recorrido, como manifestamente constitui o segmento do despacho recorrido que indeferiu a requerida produção de prova testemunhal, em que os autos deixaram de prosseguir os seus regulares e legais termos até à decisão final, nada mais tendo sido tramitado nos mesmos tendo em vista a preparação do processo para essa decisão final, desta forma tendo sido prematura a subida dos mesmos a este Tribunal, para conhecer do recurso incidente sobre tal despacho proferido pela M. Juiz do Tribunal “a quo”, quando ainda não fora prolatado despacho ou sentença final de mérito ou de forma, sobre o objecto da causa.

O facto de tal recurso ter sido admitido pelo Tribunal “a quo” para subir imediatamente, obrigando, embora, aquele Tribunal (art.º 672.º do CPC), não vincula este, nos termos do disposto no art.º 687.º n.º4 do CPC, podendo sempre este Tribunal, oficiosamente, apreciar da correcção desta forma de subida e se a mesma é a que corresponde à concreta situação em causa, e modificá-la para a forma legalmente prevista, que no caso é de subida diferida, com o recurso interposto da decisão final, nos termos do art.º 285.º n.º1 do CPPT.


Assim, não é de conhecer por ora do objecto do recurso e de ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para o prosseguimento dos seus ulteriores termos e ser proferida decisão final, se, entretanto, outro fundamento a tal não obstar.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em modificar para subida diferida o regime de subida do recurso interposto pelo requerimento de fls 67 e segs, não se conhecendo por ora do seu objecto, e de ordenar a baixa do autos para o prosseguimento dos seus legais termos.


Sem custas, por a recorrente não ter ficado vencida, já que jamais pugnou pela subida imediata do recurso (art.º 446.º do CPC).


Lisboa, 12/05/2010


1- A menos que o recurso incidisse sobre despachos das matérias constantes nas alíneas citadas do art.º 734.º do CPC, em que subiria imediatamente, o que não é o caso – cfr. neste sentido, João António Valente Torrão, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2005, Almedina, pág. 1057.
2- Cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 26.3.2003 e de 29.10.2008, recursos n.ºs 1034/02-30 e 511/08-30, respectivamente.