Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2478/17.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCIDENTE DE REFORMA DE ACÓRDÃO.
INCIDENTE DE REFORMA DE ACÓRDÃO QUANTO A CUSTAS.
VERTENTES ESSENCIAIS DA CONTA OU LIQUIDAÇÃO DE CUSTAS NO PROCESSO.
EM PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO TRIBUTÁRIA NÃO SÃO DEVIDAS CUSTAS PELA FAZENDA PÚBLICA.
Sumário:1. A possibilidade de dedução do incidente de reforma da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12.
2. No que, especificamente, diz respeito ao incidente de reforma de acórdão quanto a custas prevê a lei processual a sua possibilidade nos termos dos artºs.616, nº.1, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.666, nº.1, do mesmo diploma.
3. As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas no processo são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.).
4. Por força das disposições conjugadas dos artºs.66, do R.G.I.T., e 94, nºs.3 e 4, do R.G.C.O., num processo de contra-ordenação tributária, como é o caso “sub judice”, em que tenha sido verificada uma nulidade insuprível prevista nos artºs.63 e 79, do R.G.I.T., mais tendo sido anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, notificado do acórdão datado de 6/12/2018 e exarado a fls.81 a 90 dos presentes autos, deduziu o incidente de reforma de acórdão quanto a custas, ao abrigo dos artºs.616, nº.1, e 666, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.fls.99 a 101 dos autos), alegando, em síntese:
1-Que estamos perante um recurso em processo de contra-ordenação no qual a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” anulou a decisão de aplicação da coima;
2-Que o acórdão deste T.C.A. negou provimento ao recurso e condenou a recorrente, Fazenda Pública, em custas;
3-Que embora a A. Fiscal não beneficie de qualquer isenção no pagamento de custas no âmbito dos processos judiciais tributários, a partir de 1/01/2004, o mesmo não se poderá afirmar no que concerne à presente espécie processual;
4-Porquanto, o regime de custas em processo de contra-ordenação tributária é regulado, em primeira linha, pelos normativos constantes dos art.ºs 92.º a 94.º do RGCO;
5-Que desta forma, por força das disposições conjugadas do art. 66.º do RGIT, bem como dos art.ºs 93.º n.ºs 3 e 4 e 94.º n.ºs 3 e 4 do RGCO, será de concluir, contrariamente ao decidido no douto aresto ora recorrido, que nos processos de recurso de contraordenação não são devidas taxas de justiça nem custas pela Fazenda Pública;
6-Tudo conforme diversos acórdãos do S.T.A. que decidem nesse sentido;
7-Termina, pugnando pela reforma do acórdão quanto a custas, no sentido de que o processo fique sem custas, por inexistência de norma legal que preveja a responsabilidade da Fazenda Pública por custas em processos de contra-ordenação, mais requerendo que seja dado sem efeito o 2.º parágrafo da notificação efetuada em 2018DEZ13 (com data de saída de 10 de Dezembro de 2018), bem como que seja anulada a guia cível/penal no valor de € 306,00, junta à referida notificação.
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Notificado do requerimento a suscitar o presente incidente, a sociedade recorrida nada disse (cfr.fls.104 e 105 do processo físico).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do presente incidente (cfr.fls.109 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr.artºs.657, nº.4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.125, do C.P.P.Tributário).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A possibilidade de dedução do incidente de reforma da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.400/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/10/2011, rec.497/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/4/2013, proc.5073/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6579/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6582/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.388 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.321 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e seg.).
No que, especificamente, diz respeito ao incidente de reforma de acórdão quanto a custas prevê a lei processual a sua possibilidade nos termos dos artºs.616, nº.1, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.666, nº.1, do mesmo diploma (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.).
Por outro lado, recorde-se que as duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas no processo são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6582/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.347 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, desde logo, se dirá que o acórdão reformando, exarado a fls.81 a 90 do processo físico, declara a nulidade do despacho de aplicação de coima, com base nos artºs.63, nº.1, al.d), e 79, nº.1, als.c) e d), ambos do R.G.I.T., terminando a condenar o recorrente, a Fazenda Pública, em custas.
É o segmento de condenação em custas da Fazenda Pública que ora é posto em causa no presente incidente.
Vejamos.
Por força do disposto no artº.4, nºs.6 e 7, do dec.lei 324/2003, de 27/12, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01/01/2004 (cfr.artº.16, nº.1, do citado dec.lei 324/2003, de 27/12).
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas tributárias espécie que sendo um "meio processual tributário" (cfr.artº.101, al.c), da L.G.T.), não está incluído, actualmente, no conceito de "processo judicial tributário", pois deixou de constar na lista de processos judiciais tributários consagrada no artº.97, nº.1, do C.P.P.T. Embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela al.q) do mesmo normativo), a comparação da lista que consta deste artº.97, nº.1, com a que constava da norma equivalente do anterior C.P.T. (que era o artº.118, nº.2, em que, expressamente, se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os "processos judiciais tributários" na respectiva al.c) da norma), revela, inequivocamente, que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de "processo judicial tributário", opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no R.G.I.T. de aplicar, subsidiariamente, ao processo contra-ordenacional tributário o R.G.C.O., aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10, e a respectiva legislação complementar e não o C.P.P.T., limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas.
Em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a constante do artº.66, do R.G.I.T.
Dispõe este normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos Tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (R.C.P.T.), aprovado pelo dec.lei 29/98, de 11/02.
No entanto, o artº.4, nº.6, do dec.lei 324/2003, de 27/12, revogou o R.C.P.T., com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa. Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele dec.lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido artº.66, do R.G.I.T. (enquanto o mesmo artº.66 não for actualizado e passar a remeter para o actual R.C.Processuais a questão das custas), o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no R.G.C.O. para as contra-ordenações comuns, nomeadamente, o disposto nos artºs.92 a 94, do mesmo diploma (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.457 e seg.).
Ora, nos termos do artº.93, nº.3, do R.G.C.O., há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. Mais resulta do artº.94, nºs.3 e 4, do R.G.C.O., que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.461; Paulo Sérgio Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pág.345). Em suma, do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas.
Pelo que, por força das disposições conjugadas dos examinados artºs.66, do R.G.I.T., e 94, nºs.3 e 4, do R.G.C.O., num processo de contra-ordenação tributária, como é o caso “sub judice”, em que tenha sido verificada uma nulidade insuprível prevista nos artºs.63 e 79, do R.G.I.T., mais tendo sido anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/11/2016, rec.1106/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/10/2017, rec.721/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/12/2017, rec. 703/17).
Sem necessidade de mais amplas considerações, merece provimento o primeiro pedido enunciado pela Fazenda Pública no requerimento inicial do presente incidente e supra identificado.
Quanto ao segundo pedido formulado (que seja dado sem efeito o 2º. parágrafo da notificação efectuada em 13/12/2018, com data de saída de 10 de Dezembro de 2018, bem como que seja anulada a guia cível/penal no valor de € 306,00, junta à referida notificação, tudo a fls.94 e 95 do processo físico) assiste igualmente razão à entidade requerente, pois que, no caso, não são devidas custas pela Fazenda Pública e a taxa de justiça mostra-se abrangida pelas custas, tudo conforme acima definido.
Atento tudo o relatado, julga-se totalmente procedente este incidente de reforma de acórdão, ao que se provirá na parte dispositiva.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em DEFERIR A REQUERIDA REFORMA DO ACÓRDÃO exarado a fls.81 a 90 do presente processo, em consequência do que:
1-Se revoga o acórdão na parte em que condenou a Fazenda Pública em custas, mais se deliberando que o presente processo fica sem custas;
2-Se delibera dar sem efeito a segunda parte do ofício junto a fls.95 do processo físico, em consequência do que se anula a guia de pagamento constante a fls.94 do processo físico, a qual titula o montante de € 306,00.
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Sem custas o presente incidente.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 8 de Maio de 2019


(Joaquim Condesso - Relator)


(Ana Pinhol - 1º. Adjunto)


(Jorge Cortês - 2º. Adjunto)