Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04966/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIOS DO INQUISITÓRIO/INVESTIGAÇÃO NO PROCESSO TRIBUTÁRIO.
A FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO É QUESTÃO DIFERENTE DA NOTIFICAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO.
NOÇÃO DE MAIS-VALIA. ARTº.10, Nº.1, DO C.I.R.S.
TRIBUTAÇÃO DAS MAIS-VALIAS EM SEDE DE I.R.S.
DUPLICAÇÃO DE COLECTA.
Sumário:1. Tendo em vista a concretização dos princípios do inquisitório/investigação e da descoberta da verdade material (cfr.artºs.13, nº.1, 113, nº.1, e 114, do C.P.P.T.; artº.99, da L.G.T.) incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, de acordo com um critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade, não decorrendo da conjugação dos artºs.13 e 114, do C. P. P. Tributário, que o juiz esteja obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelas partes, antes de tais preceitos decorrendo o dever de realizar aquelas que o Tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
2. Deve fazer-se a destrinça entre a fundamentação do acto administrativo e, questão diferente, a notificação da fundamentação, realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da eventual anulabilidade do acto tributário. A mera falta de notificação da fundamentação de um acto de liquidação não gera a invalidade deste, antes dando direito ao sujeito passivo de requerer a notificação da fundamentação ou a passagem de certidão que a contenha (cfr.artº.37, do C.P.P. Tributário).
3. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).
4. O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de “numerus clausus” em matéria de incidência fiscal. Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma.
5. Nos termos do artº.3, nº.2, al.c), do C.I.R.S., são tributadas pela categoria “B” as mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artº.43, do C.I.R.C., designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa e, bem assim, os outros ganhos ou perdas que, não se encontrando nessas condições, decorram das operações referidas no nº.1, do artº.10, do C.I.R.S., quando imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais. Do exame da norma constante do artº.3, nº.2, al.c), do C.I.R.S., concatenada com o citado artº.43, do C.I.R.C., deve concluir-se que, para que as mais-valias sejam imputáveis às actividades geradoras de rendimentos empresariais ou profissionais, estando o sujeito passivo integrado no regime simplificado (cfr.artº.31, do C.I.R.S.), necessário será que o bem gerador da mais-valia esteja afecto à sua actividade e exerça na “empresa” as funções de um bem do activo imobilizado, portanto enquanto bem que reveste um carácter de permanência e que a empresa utiliza na sua actividade e pretende manter por mais de um exercício económico (cfr.artº.43, nº.1, do C.I.R.C.).
6. De acordo com a lei (cfr.artº.287, nº.1, do C.P.Tributário; artº.205, do C.P.P.Tributário), a figura jurídico-tributária da duplicação de colecta caracteriza-se pelos seguintes vectores:
a)Unicidade do facto tributário;
b)Identidade da natureza entre a contribuição ou imposto já pago integralmente e o que de novo se pretende cobrar;
c)Coincidência temporal entre a incidência do imposto pago e o que de novo se exige.
7. A duplicação de colecta pode configurar-se como o equivalente, no domínio do direito fiscal, ao princípio penal da proibição do “non bis in idem”, sendo causa de ilegalidade do acto tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.82 a 88 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada tendo por objecto uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2003 e no montante total de € 197.357,22.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.101 a 119 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Conforme exposto supra pelo recorrente, o Tribunal de primeira instância considerou como provado que o acto de liquidação objecto dos presentes autos está devidamente fundamentado “Considerando que o que serviu de base à liquidação de imposto foi a própria determinação dos rendimentos sujeitos a tributação em resultado da omissão da declaração da alienação onerosa dos referidos imóveis devidamente identificados e encontrando-se devidamente quantificados e qualificados os factos tributários, conforme resulta do apurado em 1, 2 e 3 do probatório, sendo certo que na qualificação dos factos tributários se considerou aquele ganho como sendo proveniente da alienação onerosa dos referidos imóveis, encontra-se devidamente fundamentado o acto tributário o qual resulta da alteração de elementos declarados pelo contribuinte com relevância para a liquidação do imposto, tendo-se dado cumprimento ao disposto no artº.66, do C.I.R.S., relativo à fundamentação da decisão de alteração de rendimentos declarados, o qual serviu à liquidação de imposto ora controvertido - cfr.alínea a), do nº.1, do artº.76, do C.I.R.S., “in fine”;
2-A fundamentação do acto tributário constitui uma exposição dirigida ao sujeito passivo das razões de facto e de direito que fundamentam o acto de liquidação, por conseguinte, a mera identificação (i) dos rendimentos sujeitos a tributação bem como (ii) a mera quantificação dos mesmos, apenas permite ao recorrente identificar a operação que deu origem ao rendimento, não permitindo, nem com muito esforço por parte do recorrente, determinar qual foi o itinerário cognoscitivo efectuado pela D.G.C.I. para determinar, por um lado, que os rendimentos não foram efectivamente sujeitos a tributação em 2003 de acordo com as regras do regime simplificado de tributação, bem como que os mesmos rendimentos deveriam ter sido tributados de acordo com as regras da categoria “G” de rendimentos, e não com as regras aplicáveis à categoria “B”;
3-Ora, determina o disposto no artº.77, nº.1, da L.G.T. (lei que prevalece sobre o C.I.R.S. nos termos do disposto no artº.2, da Lei de Aprovação da L.G.T.) que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”;
4-Ora, ao contrário do que entendeu o Tribunal de primeira instância na sentença recorrida, o acto de liquidação não está fundamentado nos termos do disposto no artº.77, da L.G.T., tendo em consideração que não é possível ao recorrente compreender, tão pouco, qual foi o itinerário cognoscitivo percorrido pela D.G.C.I. para concluir que o rendimento obtido com a transmissão onerosa dos imóveis não foi sujeito a tributação, bem como que o itinerário cognoscitivo percorrido pela mesma para concluir que os rendimentos obtidos com os prédios não foram incorporados na actividade profissional do recorrente;
5-Ao exposto acresce que a falta de fundamentação expressa não é susceptível de ser sanada através da realização de diligências probatórias posteriores, a realizar em sede de audiência, uma vez que, nos termos do artº.74, da L.G.T., cabe à D.G.C.I. o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, no caso concreto, do direito de tributar de acordo com o disposto no artº.10 e seguintes, do C.I.R.S., os rendimentos que foram obtidos no âmbito da actividade profissional do recorrente, ónus esse que, conforme resulta dos presentes autos, não foi cumprido pela D.G.C.I., ao contrário do que entendeu o Tribunal de primeira instância. Por conseguinte, no que respeita à fundamentação da liquidação em causa nos presentes autos, bem como no que respeita à liquidação de juros compensatórios, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, tendo violado o disposto no artº.77, da L.G.T., vício que determina a anulação da mesma decisão, e a respectiva substituição por outra, que determine uma correcta aplicação do direito;
6-Conforme resulta da sentença recorrida, o Tribunal de primeira instância considerou que o rendimento obtido pelo recorrente (colectado pelo exercício de uma actividade agrícola) com a transmissão onerosa dos prédios mistos e dos prédios rústicos identificados nos autos, constitui um incremento patrimonial que deve ser tributado como rendimento da categoria “G” (mais-valia) uma vez que no momento da liquidação a D.G.C.I. não dispunha de “(...) quaisquer elementos que lhe permitissem concluir que os mesmos resultariam de actividade profissional agrícola ou que os mesmos fossem imputáveis a actividades geradoras de rendimentos dessa categoria (...)”;
7-Nos termos do disposto no artº.3, nº.2, do C.I.R.S., consideram-se como rendimentos empresariais e profissionais (i) as mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do disposto do artº.43, do C.I.R.C., e bem assim (ii) os ganhos ou perdas que decorram das operações referidas no nº.1, do artº.10, quando imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, enquadrando-se na alínea a), do nº.1, do artº. 10, os ganhos obtidos com a compra e venda de imóveis;
8-Os prédios em causa nos presentes autos que foram alienados pelo recorrente, constituem prédios mistos (inscritos na matriz predial da freguesia da Sé, Évora, sob os artigos 1213, 1214, 1216, e artigos 1 da Secção SS - 1 (parte) 5, 6 (parte) e 8, da secção S) e um prédio rústico (inscrito na matriz sob parte dos artºs.1 e 2, Secção S e artº.6, Secção S). De acordo com o disposto no artº.5, do C.I.M.I., consideram-se prédios mistos os prédios que integram uma parte rústica e uma parte urbana, dispondo o artº.3, do mesmo Código, que são prédios rústicos os terrenos integrados fora do aglomerado urbano que não devam ser integrados no aglomerado urbano, considerando-se como tal (a) os terrenos que estejam afectos, ou que tenham como destino normal a afectação a rendimentos agrícolas, tal como são considerados para efeitos de I.R.S.;
9-Tratando-se da transmissão de prédios rústicos e de prédios mistos (que por natureza estão afectos a uma actividade de natureza agrícola) e sendo a actividade do recorrente precisamente a actividade agrícola, resulta provado que os mesmos prédios estavam afectos à actividade do recorrente, ao que acresce que o próprio Tribunal considera no ponto 4 dos factos provados na sentença recorrida, que os balancetes gerais do razão apresentados em nome individual pelo recorrente e reportados a 31/7/99 e regularizações do balancete geral em 2003 (documentos juntos com a p.i.) comprovam que os mesmos prédios (bens mencionados em 1) foram afectos à actividade profissional exercida em nome individual pelo próprio recorrente;
10-Neste sentido, tratando-se de prédios afectos à actividade profissional do recorrente as mais-valias obtidas com a transmissão dos mesmos prédios são imputáveis à actividade desenvolvida pelo mesmo, integrando-se os mesmos rendimentos no disposto na alínea c), do artº.3, do C.I.R.S. Aliás, o próprio Tribunal integra os referidos rendimentos na categoria “B”, do C.I.R.S., na qual se enquadram os rendimentos profissionais previstos no disposto no artº.3, do mesmo Código, ao dispor que o recorrente encontrava-se “(...) sujeito ao regime simplificado nesse ano (o que significa que as mais-valias apuradas teriam de ser acrescidas aos demais rendimentos brutos da categoria(…)”;
11-Ora, conforme não pode deixar de ser do conhecimento do Tribunal, nos termos previstos no artº.28, do C.I.R.S., o regime simplificado de tributação constitui uma forma de determinação do rendimento profissional e empresarial previsto, precisamente, no disposto no artº.3, do C.I.R.S., prevendo a alínea c), do nº.2, da norma, a qual está a ser objecto da nossa análise, que se integram nesta categoria de rendimentos as mais-valias imputáveis a actividades geradoras de rendimentos de natureza profissional e empresarial;
12-Neste sentido, e apesar de nos termos do artº.74, da L.G.T., caber à D.G.C.I., e não ao recorrente, o ónus da prova dos factos constitutivos da integração dos rendimentos obtidos pelo recorrente na categoria “G” de rendimentos (mais-valias obtidas fora da actividade profissional), dos factos descritos, bem como dos documentos oportunamente juntos aos autos (e já referidos nos artigos anteriores) resulta que o recorrente provou que os prédios transmitidos estavam afectos à sua actividade profissional e que os mesmos foram transmitidos no âmbito da sua actividade;
13-Note-se que para considerar como provado o enquadramento dos rendimentos auferidos pelo recorrente na categoria “G” (mais-valias) o Tribunal alega que o recorrente (i) omitiu rendimentos, (ii) não tendo dado cumprimento ao dever de entregar os documentos de suporte comprovativos dos rendimentos da categoria “B” ou (iii) o dever de prestar esclarecimentos à D.G.C.I. relativamente às questões que lhe foram colocadas, designadamente no que respeita ao exercício da sua actividade;
14-Em última análise, tais factos poderiam, em abstracto, ser susceptíveis de legitimar a avaliação indirecta da matéria colectável obtida pelo recorrente, nos termos previstos no disposto no artº.87, da L.G.T., caso os mesmos vícios tornassem impossível para a D.G.C.I. comprovar e determinar o rendimento obtido pelo recorrente por aplicação das regras da avaliação directa, não comprovando nenhum dos mesmos factos que os prédios alienados não estivessem integrados na actividade profissional do recorrente no momento em que foram alienados, ou que os mesmos não tenham sido alienados no âmbito da sua actividade profissional;
15-Ao que acresce que, o facto de o Tribunal considerar que o balancete geral não demonstra que os rendimentos obtidos pelo recorrente tenham sido tributados em sede de I.R.S. nos termos da categoria “B” de rendimentos, não constitui igualmente um facto constitutivo do direito da D.G.C.I. de tributar os rendimentos como “mais-valias” uma vez que os mesmos factos não demonstram que os imóveis (i) não tenham sido integrados na actividade profissional do recorrente, ou que (ii) os imóveis não tenham sido transmitidos no âmbito da mesma actividade; ou ainda que (iii) os rendimentos obtidos não tenham sido integrados na actividade desenvolvida pelo recorrente;
16-Termos em que, resulta dos presentes autos que o Tribunal incorreu em erro de julgamento, uma vez que não estão preenchidos os pressupostos legais para a tributação dos rendimentos obtidos pelo recorrente como mais-valias (integrados na categoria “G” do I.R.S.) vício que determina que a sentença recorrida deveria ter julgado a impugnação judicial apresentada pelo recorrente como procedente por provada, determinando a anulação do acto de liquidação com os fundamentos expostos, por violação expressa do princípio da legalidade previsto no artº.103, da Constituição, bem como por incumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos do alegado direito de tributar, previsto no artº.74, da L.G.T.;
17-Neste sentido, ao contrário do que defende a sentença recorrida, o acto de liquidação de I.R.S., bem como o acto de liquidação de juros compensatórios em causa nos presentes autos, são manifestamente ilegais, devendo os mesmos ser anulados nos termos do artº.135, do C.P.A., aplicável “ex vi” do artº.2, do C.P.P.T., por serem manifestamente violadores do princípio da legalidade consagrado no disposto no artº.103, da Constituição, o que significa que ao declarar a validade do mesmo acto de liquidação, o Tribunal incorreu em erro de julgamento devendo, por conseguinte, a sentença recorrida ser revogada com as demais consequências legais;
18-No que respeita ao facto de o recorrente alegar e provar que os rendimentos obtidos com a transmissão dos imóveis foram tributados de acordo com as regras do regime simplificado de tributação, conforme determina o disposto no artº.3, do C.I.R.S., o Tribunal de primeira instância entendeu que “dos autos não resulta que aqueles ganhos tenham sido sujeitos a imposto ainda que em diferente categoria de rendimentos (...) sendo que o valor apurado apenas nas regularizações do balancete geral resultante da alienação das imobilizações corpóreas é apenas dado pela diferença dos valores a crédito e a débito, estes últimos sem qualquer justificativo dos valores a débito da referida conta tendo em consideração o valor de aquisição dos referidos imóveis (...)”;
19-Conforme resulta do disposto no artº.114, do C.P.P.T., o processo judicial tributário é regulado pelo princípio do inquisitório, o que determina que o Tribunal esteja onerado com a obrigação legal de apreciar todos os elementos de prova apresentados pelo sujeito passivo, ordenando a realização de provas adicionais, no caso de existirem dúvidas sobre a existência ou sobre a quantificação do facto tributário;
20-Por aplicação do referido princípio do inquisitório, consagrado no disposto no artº. 114, do C.P.P.T., se os documentos apresentados pelo recorrente não eram claros no que respeita à prova do facto de os rendimentos terem sido sujeitos a tributação por aplicação das regras do regime simplificado de tributação, cabia ao Tribunal determinar a realização de diligências instrutórias adicionais destinadas a comprovar tal facto, sendo que, ao não determinar a realização de tais diligências o Tribunal incorreu em défice instrutório, vício que leva igualmente à anulação da sentença recorrida;
21-Resulta assim do exposto, que o Tribunal incorreu em défice instrutório, tendo em consideração que o Tribunal considerou como provado que os rendimentos obtidos pelo recorrente não foram tributados em sede de I.R.S., considerando igualmente como provado que a D.G.C.I. não incorreu em duplicação de colecta dos rendimentos obtidos pelo recorrente, sem realizar todas as diligências probatórias que poderia considerar como essenciais para demonstração de tal facto;
22-Termos em que, a sentença recorrida deverá ser anulada com fundamento em défice instrutório, devendo a mesma ser substituída por outra que determine a realização de diligências adicionais de prova destinadas a comprovar que os rendimentos correspondentes aos ganhos obtidos com a alienação dos imóveis que estavam integrados na sua actividade profissional, foram sujeitos a tributação em sede de I.R.S., o que prova que o acto objecto dos presentes autos é claramente ilegal com fundamento em vício de duplicação de colecta;
23-Termina, pugnando por que seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que declare procedente a impugnação judicial deduzida pelo recorrente, assim fazendo V. Exªs. a costumada JUSTIÇA.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e acompanhando o parecer, nessa direcção, exarado pelo M. P. na 1ª. Instância (cfr.fls.129 e 130 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.132 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.83 a 85 dos autos):
1-Em 21/11/2003, o impugnante vendeu, pelo preço de € 2.500.000,00, à sociedade comercial “B...-..., L.da.”, os prédios mistos inscritos na matriz predial da freguesia da Sé, Évora, sob os artºs. nºs.1213, 1214, 1216 e artºs.1, da Secção SS-1 (parte), 2, da Secção SS-1 (parte), 5, 6 (parte) e 8, da secção S, e um prédio rústico, inscrito na matriz sob parte dos artºs.1 e 2, Secção SS e artº.6, Secção S, que havia adquirido em Fevereiro e Março de 1999 às pessoas singulares devidamente identificadas, pelo montante de € 1.795.672,43 (cfr.cópia das escrituras de compra e venda juntas a fls.216 a 239 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
2-Os serviços da A. Fiscal procederam a uma acção inspectiva ao impugnante, o qual se encontrava colectado pelo exercício de uma actividade agrícola, quanto aos elementos incluídos na respectiva declaração periódica de rendimentos do ano de 2003, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, no qual se conclui que foram omitidos rendimentos com a venda dos imóveis que não constam de qualquer dos anexos da Modelo 3 entregue pelo contribuinte, não tendo o contribuinte dado cumprimento ao dever de apresentar, entre outros, os documentos de suporte comprovativo dos rendimentos da categoria B e o dever de esclarecer qual o local de exercício da actividade profissional, tendo-se efectuado a alteração dos elementos declarados com base nos factos mencionados no nº.1 supra não declarados, mais se considerando que a diferença apurada constitui um rendimento da categoria “G” (cfr.parecer e despacho de fls.102 e 103 e relatório da I. T. de fls.104 a 186 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
3-Dá-se aqui por reproduzido o conteúdo da declaração periódica de rendimentos relativa ao ano de 2003 e respectivos anexos apresentado pelo contribuinte e correspondente documento de correcção único elaborado pela A. Fiscal, tendo-se efectuado a notificação do acto de alteração dos elementos declarados e elaborado a liquidação adicional de imposto e de juros compensatórios com o nº.5000064133, de 14/03/2006 (cfr.demonstração de liquidação junta a fls.19, comprovativo da entrega da declaração modelo 3 de I.R.S., de fls.20 a 28, dos presentes autos; documento de correcção único junto a fls.187 a 200, correspondência postal de fls.201 a 204 e ofício de fls.205, todos do processo administrativo apenso aos presentes autos);
4-Dão-se aqui por reproduzidos os balancetes gerais do razão, apresentados em nome individual do sujeito passivo, reportados a 31/07/1999 e de regularizações do balancete geral em 2003, tendo os bens mencionados no nº.1 supra sido afectos a actividade profissional exercida em nome individual pelo respectivo proprietário (cfr.factualidade constante dos artºs.9 e 74 da p.i. junta a fls.3 e seg. dos autos; documentos juntos a fls.29 a 31 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
A decisão da matéria de facto em 1ª. Instância baseou-se em prova documental constante dos presentes autos e apenso, e dado que o recorrente impugna a mesma decisão, imputando-lhe insuficiência ou deficiência na fundamentação, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
5-No ano de 2003, o impugnante, A..., com o n.i.f. ..., exercia a actividade de “produção agrícola e animal associadas”, CAE 01300, auferindo rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários em sede de I.R.S., sendo colectado pelo 1º. Serviço de Finanças de Cascais e estando sujeito ao regime simplificado de tributação (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.104 a 111 do processo administrativo apenso aos presentes autos; documento junto a fls.206 do processo administrativo apenso aos presentes autos; cópia do anexo B à declaração de rendimentos de I.R.S. de 2003 junta pelo impugnante a fls.23 e 24 dos presentes autos);
6-Na declaração periódica de rendimentos identificada no nº.3 supra, no anexo B, o impugnante declarou o montante de € 454.928,63 de rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários obtidos no ano de 2003 (cfr.cópia do anexo B à declaração de rendimentos de I.R.S. de 2003 junta pelo impugnante a fls.23 e 24 dos presentes autos);
7-A acção inspectiva a que se refere o nº.2 supra da matéria de facto incidiu, além do mais, sobre a actividade do impugnante realizada no ano de 2003 (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.104 a 111 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
8-No âmbito da citada acção inspectiva, através de ofício registado em 17/10/2005, o impugnante foi notificado pela Direcção de Finanças de Lisboa, além do mais, no sentido de apresentar junto da A. Fiscal os documentos de suporte comprovativos dos rendimentos de categoria “B” declarados, mais devendo esclarecer o local onde foi exercida a actividade que originou os rendimentos, tudo tendo por objectivo a análise à declaração de rendimentos identificada no nº.3 supra, também se informando o impugnante de que o não cumprimento da presente notificação implicava a violação do dever geral de colaboração previsto no artº.59, da L.G.Tributária (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.104 a 111 do processo administrativo apenso aos presentes autos; documentos juntos a fls.112 a 118 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
9-O impugnante não cumpriu com a notificação identificada no nº.8, não apresentando os documentos, nem prestando os esclarecimentos pedidos (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.104 a 111 do processo administrativo apenso aos presentes autos; informação exarada a fls.241 a 250 do processo administrativo apenso);
10-Através de carta registada em 6/1/2006, o impugnante foi notificado de todo o conteúdo do relatório produzido na acção inspectiva a que se refere o nº.2 supra, nos termos do artº.60, da L.G.Tributária, mais tendo sido fixado em dez dias o prazo para exercer o direito de audição incidente sobre o projecto de conclusões do relatório (cfr. cópia do relatório de inspecção junta a fls.144 a 154 do processo administrativo apenso aos presentes autos; documentos juntos a fls.207 e 208 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
11-O impugnante não exerceu o direito de audição incidente sobre o projecto de conclusões do relatório (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.144 a 154 do processo administrativo apenso aos presentes autos; informação exarada a fls.241 a 250 do processo administrativo apenso);
12-Em virtude do silêncio do impugnante, em 6/2/2006, a A. Fiscal estruturou o documento de correcção único cuja cópia se encontra a fls.187 a 200 do processo administrativo apenso aos presentes autos, incidente sobre o I.R.S. de 2003, do impugnante e no qual, além do mais, consta do anexo G o valor de aquisição (€ 1.795.672,43) e de venda (€ 2.500.000,00) dos imóveis identificados no nº.1 supra, dado que tal venda gerou mais-valias enquadráveis em sede de I.R.S. no artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., mais sendo tributáveis como rendimentos de categoria “G” (cfr.informação exarada a fls.241 a 250 do processo administrativo apenso);
13-Em 23/2/2006, o impugnante foi notificado das correcções ao rendimento em sede de I.R.S., de 2003, produzidas pelo documento de correcção único identificado no nº.12 (cfr.documentos juntos a fls.201 a 205 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
14-Em 14/3/2006, a A. Fiscal estruturou a liquidação adicional de I.R.S. relativa ao ano de 2003 e identificada no nº.3 supra, na qual, além do mais, sujeitou a tributação pela categoria “G” do I.R.S. o ganho obtido (€ 704.327,57) pelo impugnante com a venda dos imóveis identificados no nº.1 (cfr.cópia de demonstração de liquidação junta pelo impugnante a fls.19 dos presentes autos como documento nº.1 anexo à p.i.; informação exarada a fls.241 a 250 do processo administrativo apenso).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações referidos em cada um dos números do probatório, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude de considerar legal a correcção à matéria colectável, em sede de rendimentos de categoria G, e consequente liquidação, levadas a efeito pela A. Fiscal, relativamente ao ano fiscal de 2003 do impugnante e na cédula de I.R.S.
X
Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O apelante dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, que a sentença recorrida deverá ser anulada com fundamento em défice instrutório, devendo a mesma ser substituída por outra que determine a realização de diligências adicionais de prova destinadas a comprovar que os rendimentos correspondentes aos ganhos obtidos com a alienação dos imóveis que estavam integrados na sua actividade profissional, foram sujeitos a tributação em sede de I.R.S., tudo ao abrigo do princípio do inquisitório, consagrado no disposto no artº.114, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 18 a 22 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à sentença recorrida um erro de julgamento de facto.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Haverá que saber se este Tribunal deve anular a sentença recorrida, por défice instrutório, nos termos do artº.712, nº.4, do C. P. Civil, atento o acabado de mencionar e dado que do presente processo não constam, alegadamente, todos os elementos probatórios que permitam a apreciação da matéria de facto em causa.
Na perspectiva da finalidade do recurso, três sistemas se podem configurar: o sistema de substituição, o sistema de cassação e o sistema intermédio.
No sistema de substituição, o Tribunal “ad quem”, se der razão ao recorrente, substitui a decisão impugnada por aquela que lhe pareça correcta, ou seja, por aquela que devia ter sido logo proferida pelo Tribunal “a quo”, quer perante a matéria de facto apurada ou que deva considerar-se como provada no processo, quer perante o quadro legal que, nas circunstâncias, reclamasse aplicação. No processo civil português o sistema de substituição é a regra e encontra-se bem documentado nas duas situações previstas no artº.715, do C. P. Civil:
a) quando o Tribunal de recurso declara nula a decisão que põe termo ao processo, não deixa de conhecer do objecto da apelação;
b) e quando o Tribunal de recurso entende que a apelação procede, deve conhecer das questões que o Tribunal recorrido se dispensou de apreciar, designadamente, por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, sempre que para isso disponha dos elementos necessários.
No sistema de cassação, o Tribunal “ad quem”, no caso de procedência do recurso, limita-se a cassar ou anular a decisão recorrida, para que o Tribunal “a quo” decida de novo, mas em termos diversos da decisão rejeitada. Ordena-se a repetição do julgamento, muito embora a mesma repetição não abranja a parte da decisão não afectada pelo vício patenteado.
No processo civil português já se prevê um sistema de cassação quanto à reapreciação da matéria de facto, quando o Tribunal “ad quem” anula, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª. Instância por reputar deficiente, obscuro ou contraditório o julgamento sobre pontos determinados da matéria de facto ou, ainda, quando considere indispensável a ampliação desta (cfr.artº.712, nº.4, do C.P.Civil).
Por último, no sistema intermédio o Tribunal superior, se o recurso for provido, determina ao Tribunal recorrido que profira nova decisão com o conteúdo que aquele fixar. Expressão paradigmática deste sistema intermédio são os recursos de constitucionalidade ou de legalidade, dado que o Tribunal Constitucional define o direito aplicável nesse âmbito, o qual deve ser acatado pelo Tribunal “a quo”, caso o recurso tenha sido provido, aquando da reforma da decisão (cfr.artº.80, nº.2, da Lei 28/82, de 15/11). No processo civil consagra-se tal sistema, por exemplo, no artº.730, nº.1, do C. P. Civil, ou seja, quando o Supremo, depois de definir o direito aplicável, manda julgar novamente a causa, em harmonia com a dita decisão de direito (cfr.José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, págs.125 e 131; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.190 e seg.).
Voltando ao caso concreto, defende o recorrente que este Tribunal deve determinar a realização de diligências adicionais de prova destinadas a comprovar que os rendimentos correspondentes aos ganhos obtidos com a alienação dos imóveis que estavam integrados na sua actividade profissional, foram sujeitos a tributação em sede de I.R.S., tudo ao abrigo do princípio do inquisitório, consagrado no disposto no artº.114, do C.P.P.T., para tanto anulando a sentença recorrida, por défice instrutório, nos termos do artº.712, nº.4, do C. P. Civil.
A resposta a este fundamento do recurso deduzido pelo impugnante tem que ser, forçosamente, negativa.
Tendo em vista a concretização dos princípios do inquisitório/investigação e da descoberta da verdade material (cfr.artºs.13, nº.1, 113, nº.1, e 114, do C.P.P.T.; artº.99, da L.G.T.) incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, de acordo com um critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade, não decorrendo da conjugação dos artºs.13 e 114, do C. P. P. Tributário, que o juiz esteja obrigado à realização de todas as diligências que sejam requeridas pelas partes, antes de tais preceitos decorrendo o dever de realizar aquelas que o Tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Por outro lado, dir-se-á que incumbe às partes, à luz da base instrutória e das demais circunstâncias do caso, fazer a prognose da prova que será necessário produzir sob essa perspectiva, tudo levando em consideração o ónus da prova que sobre cada uma recai (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Por último, refira-se que, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
“In casu”, é óbvio que recaía sobre o impugnante o ónus da prova da factualidade destinada a comprovar que os rendimentos correspondentes aos ganhos obtidos com a alienação dos imóveis que estavam integrados na sua actividade profissional já tinham sido sujeitos a tributação em sede de I.R.S. (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.). Mais se dirá que o recorrente teve três oportunidades para fazer prova de tal matéria de facto. A primeira aquando da notificação identificada no nº.8 da matéria de facto. A segunda verificou-se quando foi notificado para o exercício do direito de audição no âmbito da acção inspectiva (cfr.nº.10 da matéria de facto provada). Por último, quando apresentou em Tribunal a p.i. que originou o presente processo.
Não tendo aproveitado nenhuma destas oportunidades para fazer prova de tal factualidade, não pode vir agora clamar pela existência de défice instrutório, nos termos do artº.712, nº.4, do C. P. Civil, mais fazendo apelo ao princípio do inquisitório.
Por último, sempre se dirá que a declaração de I.R.S. apresentado pelo recorrente junto da A. Fiscal e identificada no nº.3 da matéria de facto provada não goza da presunção de veracidade precisamente em virtude da sua conduta perante a A. Fiscal (cfr.artº.75, nº.2, al.b), da L.G.T.).
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Alega, igualmente, o recorrente que, ao contrário do que entendeu o Tribunal de primeira instância na sentença recorrida, o acto de liquidação objecto da presente impugnação não está fundamentado nos termos do disposto no artº.77, da L.G.T., tendo em consideração que não é possível ao recorrente compreender, tão pouco, qual foi o itinerário cognoscitivo percorrido pela D.G.C.I. para concluir que o rendimento obtido com a transmissão onerosa dos imóveis não foi sujeito a tributação, bem como o itinerário cognoscitivo percorrido pela mesma para concluir que os rendimentos obtidos com os prédios não foram incorporados na actividade profissional do recorrente. Por conseguinte, tanto no que respeita à fundamentação da liquidação em causa nos presentes autos, bem como no que respeita à liquidação de juros compensatórios, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, tendo violado o disposto no artº.77, da L.G.T., vício que determina a anulação da mesma decisão, e a respectiva substituição por outra, que determine uma correcta aplicação do direito (cfr.conclusões 2 a 5 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C. P. Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G. Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Ainda, deve fazer-se a destrinça entre a fundamentação do acto administrativo e, questão diferente, a notificação da fundamentação, realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da eventual anulabilidade do acto tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/9/99, rec.23773; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.889/08).
A mera falta de notificação da fundamentação de um acto de liquidação não gera a invalidade deste, antes dando direito ao sujeito passivo de requerer a notificação da fundamentação ou a passagem de certidão que a contenha (cfr.artº.37, do C.P.P. Tributário).
O âmbito de aplicação do artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário, restringe-se ao procedimento tributário, não abrangendo o processo judicial tributário, como se infere da referência feita na norma à “decisão em matéria tributária”. Permite este preceito a sanação de deficiências dos actos de notificação, prevendo-se, aparentemente, a possibilidade de tal sanação ocorrer em relação a quaisquer requisitos do acto de notificação. Ao abrigo da norma em exame o destinatário pode requerer a notificação da fundamentação que não lhe foi comunicada, ou a passagem de certidão nesse sentido (a qual está isenta de custas), pois esta aplica-se sempre que a comunicação da decisão “não contiver a fundamentação legalmente exigida”, seja por o acto notificado não a ter, seja por a notificação ser deficiente.
Se a Administração Tributária não passar a certidão requerida nem efectuar a notificação dos requisitos omitidos, o acto notificado permanecerá ineficaz em relação ao sujeito passivo, não se iniciando o prazo para uso do meio de impugnação administrativa ou contenciosa que pretender utilizar (cfr.nº.2, do artº.37, do C.P.P.Tributário; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.337; João António Valente Torrão, C.P.P. Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.188).
No caso “sub judice”, o acto tributário objecto do presente processo encontra-se devidamente fundamentado, tendo sido levado ao conhecimento do impugnante as razões da sua estruturação (cfr.nºs.10 e 13 da matéria de facto provada). E tanto assim é, que o próprio impugnante aos fundamentos da liquidação alude na p.i.
Mais, se acaso não se considerava devidamente esclarecido da fundamentação do acto tributário objecto do presente processo, deveria ter feito uso do mencionado dispositivo constante do artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente igualmente este fundamento do recurso.
Aduz o apelante, também, que resulta dos presentes autos que o Tribunal incorreu em erro de julgamento, uma vez que não estão preenchidos os pressupostos legais para a tributação dos rendimentos por si obtidos como mais-valias (integrados na categoria “G” do I.R.S.) vício que determina que a sentença recorrida deveria ter julgado a impugnação judicial apresentada pelo recorrente como procedente por provada, determinando a anulação do acto de liquidação com os fundamentos expostos, por violação expressa do princípio da legalidade previsto no artº.103, da Constituição, bem como por incumprimento do ónus da prova dos factos constitutivos do alegado direito de tributar, previsto no artº.74, da L.G.T. (cfr.conclusões 6 a 17 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
“In casu”, o recorrente defende que, tratando-se de prédios afectos à sua actividade profissional, as mais-valias obtidas com a transmissão dos mesmos prédios são imputáveis à actividade por si desenvolvida, integrando-se os citados rendimentos no disposto na alínea c), do nº.2, do artº.3, do C.I.R.S., enquanto rendimentos da categoria “B”, do I.R.S.
Pelo contrário, a A. Fiscal baseia a liquidação adicional objecto do presente processo no pressuposto de que tal venda gerou mais-valias enquadráveis em sede de I.R.S. no artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., mais sendo tributáveis como rendimentos de categoria “G”.
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).
O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de “numerus clausus” em matéria de incidência fiscal. Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.136 a 139).
Por outras palavras, qualquer das alienações onerosas referidas nas diversas alíneas do artº.10, nº.1, do C.I.R.S., só originará uma mais-valia tributável enquanto tal se for efectuada fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, porque só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial, portanto um rendimento da categoria “B”. Estaremos sempre perante ganhos inesperados ou imprevistos, conforme referido acima, os quais não podem ser produto de uma actividade económica apostada em obtê-los (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.135 a 137).
Haverá, agora, que examinar se, como entende o recorrente, o rendimento por si obtido cai no âmbito de incidência da alínea c), do nº.2, do artº.3, do C.I.R.S., assim sendo passível de tributação enquanto rendimento de categoria B, em sede de I.R.S.
A antiga categoria “C” dos rendimentos da cédula de I.R.S. englobava os proventos resultantes das actividades de natureza comercial e industrial, naturalmente quando auferidos por pessoas singulares (cfr.artº.4, do C.I.R.S. na versão em vigor até 2000). Com a revisão do sistema de tributação do rendimento operada a partir de 2000, o legislador decidiu unificar todos os rendimentos empresariais e profissionais, mais suprimindo a categoria “C” de rendimentos, a qual foi incluída na actual categoria “B” (cfr.artºs.3 e 4, do C.I.R.S., na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.153 e seg.).
A actual categoria “B” dos rendimentos sujeitos a tributação em I.R.S. goza de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. Até à indicada reforma operada em 2000, os rendimentos profissionais não tinham a característica da preponderância, pelo que, mesmo que obtidos no desenvolvimento de uma actividade profissional não se tornavam rendimentos de categoria “B”, antes sendo tributados como rendimentos da categoria a que, pela natureza, correspondessem. Assim, por exemplo, os rendimentos prediais conexos com a actividade profissional, eram tributados na categoria “F”, e não integrados no rendimento líquido da categoria “B”. Já as mais-valias de bens afectos à actividade de profissionais independentes não se integravam no rendimento líquido da mesma actividade (da então categoria “B”), antes sendo tratados autonomamente como mais-valias passíveis de tributação na categoria “G”.
Depois da reforma, nos rendimentos líquidos da nova categoria “B” integram-se todos os proventos obtidos ou conexos com a respectiva actividade desenvolvida. É o que se conclui da análise interpretativa do artº.3, nº.2, do C.I.R.S., na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12. A predominância significa pois que todos os rendimentos, de todas as naturezas, que se possam imputar à actividade profissional ou empresarial acabam por ser qualificados como proveitos da categoria, integrando-se na respectiva conta de exploração para efeitos de cálculo do lucro tributável (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.169 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.85 e seg.).
Nos termos do artº.3, nº.2, al.c), do C.I.R.S., são tributadas pela categoria “B” as mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artº.43, do C.I.R.C., designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa e, bem assim, os outros ganhos ou perdas que, não se encontrando nessas condições, decorram das operações referidas no nº.1, do artº.10, do C.I.R.S., quando imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais. Do exame da norma constante do artº.3, nº.2, al.c), do C.I.R.S., concatenada com o citado artº.43, do C.I.R.C., deve concluir-se que, para que as mais-valias sejam imputáveis às actividades geradoras de rendimentos empresariais ou profissionais, estando o sujeito passivo integrado no regime simplificado (cfr.artº.31, do C.I.R.S.), necessário será que o bem gerador da mais-valia esteja afecto à sua actividade e exerça na “empresa” as funções de um bem do activo imobilizado, portanto enquanto bem que reveste um carácter de permanência e que a empresa utiliza na sua actividade e pretende manter por mais de um exercício económico (cfr.artº.43, nº.1, do C.I.R.C.; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.188; Rui Duarte Morais, ob.cit., pág.86).
No caso “sub judice”, conforme se retira da matéria de facto provada (cfr.nº.5 da matéria de facto provada), no ano de 2003 o impugnante/recorrente exercia a actividade de “produção agrícola e animal associadas”, CAE 01300, auferindo rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários em sede de I.R.S., sendo colectado pelo 1º. Serviço de Finanças de Cascais e estando sujeito ao regime simplificado de tributação.
Por outro lado, conforme também se conclui da análise da matéria de facto provada, o recorrente não fez prova que os imóveis por si adquiridos em 1999 e posteriormente vendidos em 2003, sendo objecto de mais-valias, estivessem afectos à sua actividade empresarial e exercessem na “empresa” as funções de um bem do activo imobilizado, portanto, que fossem imóveis que revestissem um carácter de permanência na actividade desenvolvida pelo recorrente, em virtude do que já teriam sido declaradas e tributadas as mais-valias resultantes da venda de tais imóveis. O impugnante não fez prova de tal factualidade, pelo que não podem as mais-valias por si obtidas ser enquadráveis como rendimentos de categoria “B” para efeitos de tributação em I.R.S., tudo ao abrigo do artº.3, nº.2, al.c), do C.I.R.S. Para assim concluir, basta remeter para o nº.6 da matéria de facto provada, de onde se extrai que no anexo B, da declaração de rendimentos de I.R.S., relativa a 2003, o impugnante declarou o montante de € 454.928,63 de rendimentos agrícolas, silvícolas e pecuários obtidos nesse ano, quantia pecuniária que nada tem a ver com as mais-valias obtidas com a venda dos imóveis em questão nos presentes autos (cfr.nº.14 da matéria de facto provada).
Pelo contrário, tais mais-valias devem visualizar-se como ganhos inesperados ou imprevistos, não sendo passíveis de encaixar na actividade profissional do recorrente, antes se enquadrando no âmbito de incidência do artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., mais sendo tributáveis como rendimentos de categoria “G”, como defende a A. Fiscal, vector que fundamentou a liquidação objecto do presente processo.
Nestes termos, julga-se improcedente também este fundamento do recurso.
Por último, alega o recorrente que os ganhos obtidos com a alienação dos imóveis que estavam integrados na sua actividade profissional, já tendo sido sujeitos a tributação em sede de I.R.S., rendimentos de categoria “B”, o que prova que o acto tributário objecto dos presentes autos é claramente ilegal com fundamento em vício de duplicação de colecta (cfr.conclusão 22 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, mais um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
A duplicação de colecta consubstancia, além do mais, fundamento de oposição a execução fiscal (cfr.artºs.286, nº.1, al.f), e 287, do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.g), e 205, do C.P.P.Tributário), sendo factualidade igualmente de conhecimento oficioso pelo Tribunal (cfr.artº.287, nº.2, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
Considerada uma heresia dentro do sistema fiscal, a duplicação de colecta implica a verificação de três identidades: do facto, do imposto e do período. Não se exige, contudo, a identidade do contribuinte (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.603 e seg.; Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Almedina, 1996, pág.450).
De acordo com a lei (cfr.artº.287, nº.1, do C.P.Tributário; artº.205, do C.P.P.Tributário), a figura jurídico-tributária da duplicação de colecta caracteriza-se pelos seguintes vectores:
1-Unicidade do facto tributário;
2-Identidade da natureza entre a contribuição ou imposto já pago integralmente e o que de novo se pretende cobrar;
3-Coincidência temporal entre a incidência do imposto pago e o que de novo se exige (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/10/78, Acs. Douts., nº.207, pág.391; ac.T.T.2ª. Instância, 12/10/93, C.T.F.373, pág.227 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.604; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.394).
A duplicação de colecta pode configurar-se como o equivalente, no domínio do direito fiscal, ao princípio penal da proibição do “non bis in idem”, sendo causa de ilegalidade do acto tributário.
“In casu”, de acordo com a matéria de facto provada é óbvia a conclusão de que o impugnante não fez prova de qualquer dos vectores mencionados supra, sendo forçosa a improcedência do presente fundamento do recurso.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso sob exame e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não sofre de qualquer dos vícios que lhe são assacados pelo apelante, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Ofício junto a fls.140 dos presentes autos: após trânsito, satisfaça remetendo cópia certificada do presente acórdão.
X
Lisboa, 31 de Janeiro de 2012


(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)