Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1255/21.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:PENHORA
PEDIDO PRESTAÇÃO DE GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I. O principio da boa-fé vincula a Administração e os particulares, por imposição legal, conforme decorre do artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) em vigor (corresponde ao anterior artigo 6.º-A).

II. No procedimento tributário considera-se relevante como data de apresentação de petições e de quaisquer outros requerimentos, exposições ou reclamações a data da remessa por correio, sob registo, ou a data do envio do email, nos termos do artigo 26.º do CPPT, e não a data do recebimento pelos serviços.

III. A execução fiscal mantém-se provisoriamente suspensa quanto à invasão da esfera patrimonial do executado, enquanto o pedido de suspensão da execução não se encontra definitivamente decidido, e na situação dos autos o executado apresentou reclamação do acto do órgão de execução fiscal contra o indeferimento tácito do pedido de prestação de garantia e dispensa parcial com vista à suspensão da execução fiscal, que ainda corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa.

IV. Decorre do regime legal vigente que a reclamação com subida imediata tem efeito suspensivo da decisão reclamada, significando, não só a inexecução da decisão reclamada, mas também que o órgão de execução fiscal deve abster-se de praticar actos que estejam na dependência lógico-processual da decisão reclamada e que gerem um dano de carácter irreparável na esfera jurídica do executado.

V. Embora a lei não esclareça o que sucede no caso do órgão de execução fiscal dar seguimento à execução quando estiver pendente reclamação com subida imediata, parece seguro que estando o acto reclamado suspenso, a pratica de qualquer acto que ofenda o efeito de suspensão da decisão reclamada é ilegal e o executado pode contra eles deduzir nova reclamação.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. AGERE - EMPRESA DE ÁGUAS, EFLUENTES E RESÍDUOS DE BRAGA, E.M. veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida por N... - A....., ACE, contra o acto de penhora no âmbito do processo de execução fiscal n.º 6…./2021, para cobrança de dívida proveniente de tarifa de ligação de saneamento, no valor total de € 665.112,79.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

« Quanto à matéria de facto entende a Recorrente que existem alguns factos que devem ser dados por provados e que são importantes para a boa decisão da causa, concretamente:

a) “O correio eletrónico mencionado no facto provado 5) foi remetido às 22h08m do dia 05.04.2021 e só foi lido no dia 06.04, às 09h59m";

b) "As 22h08m as instalações da Exequente encontravam-se encerradas”;

c) “No dia 06.04 foi lido o email em causa, conjuntamente com mais umas centenas de emails”;

d) "A Exequente é uma empresa com cerca de 530 trabalhadores”;

e) " Desde o início da pandemia que a recepção de emails cresceu, pois passou a ser, a par do contacto telefónico, o meio de comunicação por excelência dos utentes";

f) “Qualquer utente que se desloque à Agere tem de o fazer com prévio agendamento, o que é feito por email”;

g) “A Exequente não consegue acudir no próprio dia a todas as solicitações que chegam ao email geral aaere@agere.pt",

h) “Todos os emails recepcionados no endereço em causa são, posteriormente, encaminhados para o endereço 'secretariado@aaere.pt", sendo que o email da Reclamante foi recebido neste endereço no dia 08.04, às 15h49m";

i) “O trabalhador responsável pela gestão deste endereço efectua uma breve análise do conteúdo de cada um dos emails recebidos, e de seguida reencaminha-os para a direcção responsável, o que foi feito nesta situação";

j) "Quando o email chegou ao Serviço de Execuções Fiscais (tarde do dia 08.04) já o despacho a ordenar a penhora tinha sido praticado";

k) “A reclamação a que se alude no facto provado 13 foi remetida a Tribunal no dia 17.05.2021 (artigo 23 da Reclamação)”.

Aquela factualidade consta do requerimento apresentado pela Recorrente em 26.07.2021 (ref.ª: 48……), não foi impugnada e é comprovável numa parte significativa por documentos existentes no PA, pelo que se requer o seu aditamento ao abrigo do disposto no artigo 662°/n° 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2°/e) do CPPT.

De acordo com os factos provados 1, 2, 3 e 7 está em causa uma dívida de 665 mil euros do ano de 2011 e em execução desde Outubro desse mesmo ano, uma oposição à execução apresentada em 2012 julgada totalmente improcedente e uma reclamação graciosa apresentada em 2021 (é evidente a manifesta extemporaneidade deste último meio e que apenas serviu para a Recorrida ganhar tempo e evitar o pagamento da dívida).

Desde o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de oposição n° 81/12.4BEBRG que a Recorrente se aprestava a avançar com medidas coercivas de cobrança da quantia exequenda, mas como o processo de execução se encontrava em Tribunal a Recorrente teve de aguardar pela sua devolução para praticar os actos de cobrança coerciva.

O processo de execução só foi devolvido em 18.01.2021 (cfr. facto provado 4) e quando estavam reunidas as condições para se avançar com a penhora de bens/direitos da Recorrida foi aprovada a Lei n° 4-B/2021, de 01.02, cujo artigo 6°-B/n° 1 suspendeu as diligências e prazos para a prática de actos nos processos em curso nos órgãos de execução fiscal.

Aquela suspensão terminou no dia 05.04.2021 (cfr. Lei n° 13-B/2021, de 05.04) e o despacho que ordenou a penhora de bens da Recorrida é de 06.04.2021 (tendo sido expedidos os ofícios respectivos no dia 07.04.2021), entendendo, por isso, a Recorrente que é legalmente irrelevante a apresentação da reclamação graciosa no dia 05.04.2021 por ter sido enviada por email às 22h08m, ou seja, quando a empresa já se encontrava encerrada e não podia merecer qualquer tratamento da sua parte.

A apresentação de requerimentos por particulares está sujeita a registo próprio, por data de entrada, como decorre do artigo 105° do CPA, e o que releva para a apreciação da causa é o facto do acto de penhora ter sido praticado antes do registo do requerimento para prestação/dispensa parcial de garantia.

Como o acto de penhora foi praticado antes do registo do requerimento é o mesmo absolutamente legal por não existir até então qualquer impedimento à sua prática.

A sentença recorrida considera a penhora ilegal porque foi posterior ao requerimento da Recorrida, mas não foi assim que sucedeu porque a penhora é do dia 06.04 e o requerimento é registado no dia 08.04 e a este propósito importa salientar que a sentença recorrida não invoca qualquer norma que suporte o seu entendimento de que a mera apresentação do requerimento implica a suspensão de acto já praticado.

10ª No caso de se considerar que o requerimento da Recorrida deveria ter sido registado no dia 06.04 temos no mesmo dia a prática de dois actos, mas como a sentença não apurou a que horas se praticou o acto de penhora teriam os autos se ser remetidos à primeira instância para apuramento deste facto.

11ª Ainda que se aceite como boa a tese da sentença recorrida não se verifica a ilegalidade do acto praticado, pois apresentado o requerimento para prestação e dispensa parcial de garantia a Recorrente tinha o prazo de 10 dias para o apreciar e findo esse prazo presume-se o seu indeferimento, não existindo qualquer efeito suspensivo na execução após o indeferimento.

12ª Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Recorrente que a apresentação da reclamação só teve por efeito a suspensão dos efeitos do acto reclamado, o que é bem diferente da suspensão da execução.

13ª A execução só está legalmente suspensa a partir de 17.05, sendo que o Banco M..... concretizou a penhora no dia 16.05 (cfr. facto provado 16) e por este motivo defende-se a legalidade da penhora.

14.ª O entendimento de que com a apresentação da reclamação a Recorrente fica proibida de praticar actos de penhora seria insuportavelmente custoso para o credor público e um convite aos devedores na medida em que poderiam remeter sucessivamente requerimentos a solicitar a prestação de diversos tipos de garantias e deste modo manietavam o credor que ficaria impedido de proteger o seu crédito.

15ª A suspensão da execução enquanto se decide o pedido de prestação/dispensa de garantia é de aceitar, mas a partir da decisão de indeferimento só a remessa da reclamação a Tribunal é que determinara a suspensão da execução e esta só será de considerar para novos actos, não para os actos já em curso.

16ª O acto de penhora é legal e a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e em erro de julgamento de direito, neste caso por incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 52°/n° 1 da LGT e 169°/n° 2 e 170° do CPPT.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por decisão que julgue a reclamação totalmente improcedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!»

3. O recorrido, N…..-A……, ACE, veio apresentar as suas contra-alegações, cujas conclusões se reproduzem ipsis verbis:

«I - Ao presente recurso deve ser conferido efeito devolutivo, por não vir requerida a atribuição de efeito suspensivo ou tampouco alegado e demonstrado, por quem competia, que a atribuição de efeito devolutivo afeta o efeito útil do presente recurso - cf. artigo 286.°, n.° 2, do CPPT;

II - Das conclusões formuladas pela Recorrente não decorre qualquer impugnação ou sindicância a uma questão julgada pelo Tribunal a quo: a imputada atuação violadora do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança, tutelada pelas normas conjugadas dos artigos 55.° e 56.° da LGT e 266.° da CRP. Não constando tal questão das conclusões formuladas pela Recorrente nem sendo a mesma de conhecimento oficioso, não deverá a mesma, salvo melhor opinião, ser apreciada por esse douto Tribunal, mantendo-se incólume, como tal, o respetivo segmento decisório da sentença a quo, em que fundamenta a anulação do ato de penhora no vício de violação de Lei de que o mesmo padece, em virtude da violação do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança;

III - a) Sendo evidente a não indicação, pela Recorrente, dos concretos meios probatórios constantes do processo que, em sua opinião, impunham ao Tribunal a quo a inserção dos concretos pontos de facto no elenco dos factos provados, resulta incumprido o ónus de impugnação previsto no artigo 640.°, n.° 1, do CPC, o que deverá resultar na rejeição do recurso apresentado pela Recorrente quanto a este segmento;

b) A factualidade elencada pela Recorrente (sob as alíneas a) a j)) não configura factualidade não controvertida, representando, ao invés, factualidade não provada ou não assente, pelo que - sem prejuízo do incumprimento do ónus previsto no artigo 640.° do CPC, que deverá levar à rejeição do recurso neste segmento - não deverá ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto por esse douto Tribunal, nos termos do artigo 662.°, n.° 1, do CPC.

IV - a) A matéria de facto supra especificada (p. 13) e referidas nas pp. 3 e 4 das alegações, por representar factos que não resultam provados em 1.ª instância, não deverá ser considerada por esse douto Tribunal, nos termos do artigo 662.°, n.° 1, a contrario, do CPC, quer por não resultar de factos tidos como assentes, quer por não resultar da prova produzida, quer por não resultar de qualquer documento superveniente;

b) A atuação da Recorrente foi declarada ilegal por via da sentença a quo, por dois motivos capitais, que resultam cabalmente demonstrados e conforme reiterámos supra (nas pp. 13-20): i) A Recorrente praticou diligências coercivas (de penhora) quando o processo de execução fiscal se encontrava suspenso; e ii) A Recorrente ao proceder à pratica de atos de penhora enquanto ocorre se encontrava pendente de decisão um procedimento com vista à suspensão da execução fiscal, violou o princípio da boa-fé, na sua vertente da tutela da confiança, ao qual está vinculada. Assim, por não padecer dos vícios que lhe são imputados, deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser confirmada e mantida na íntegra por V. Exas., julgando-se o recurso interposto pela Recorrida totalmente improcedente.

Nestes termos e nos demais de Direito, deverão V. Exas. julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, confirmando e mantendo, na íntegra, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Assim decidindo, V. Exas. farão, como sempre, inteira e a almejada

JUSTIÇA

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.

5. Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter anulado o acto de penhora do saldo da conta bancária da Reclamante.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

« 1) Corre termos, nos Serviços da Reclamada, o processo de execução fiscal número 6…../2021, instaurado em 25/10/2011, contra o Reclamante, com base em certidão de dívida n.° 7…../91, relativa a dívida proveniente de vistoria para ligação saneamento e taxa de ligação de saneamento, constante da factura n.° 20……., emitida em nome do Reclamante, em 25/08/2011, no valor de 665.112,79€, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 09/09/2011 (autuação de processo de execução fiscal, factura e certidão de dívida de fls. 194 a 196 do SITAF).

2) Foi dado conhecimento ao Reclamante que contra si corre o processo de execução fiscal referido no número anterior, para pagar ou apresentar oposição por correio postal registado com a referência RM66……., cujo aviso de recepção foi assinado em 28/10/2011 (referência de registo postal, aviso de recepção e comprovativo de entrega dos CTT de fls. 197 a 199 do SITAF).

3) No âmbito do processo de oposição à execução que correu termos na Unidade Orgânica 3, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sob o número 81/12.4BEBRG, em que figura como Oponente o ora Reclamante e como Exequente a ora Reclamada, em 31/03/2020, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, a qual se tornou definitiva em 06/05/2020 (certidão judicial de fls. 547 do SITAF).

4) Por ofício n.° 1/2021, datado de 18/01/2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga devolveu, à Reclamada, o processo administrativo referente ao processo de oposição à execução referido no número anterior (notificação e aviso de recepção de fls. 140 do SITAF).

5) Em 05/04/2021, o Reclamante apresentou, junto dos serviços da Reclamada, por mensagem de correio electrónico, requerimento com pedido de suspensão do processo de execução fiscal referido em 1), mediante a prestação parcial de garantia, através de caução no valor de 665.112,79€ e dispensa de prestação de garantia em relação ao valor remanescente (mensagem de correio electrónico e requerimento de fls. 160 a 162 e 213 a 258 do SITAF).

6) Ao o requerimento referido no número anterior, o Reclamante declarou juntar oito documentos, de entre os quais, uma impressão da página do portal das finanças sobre o património / cadernetas, da qual consta que não existe nenhum prédio inscrito em nome do Reclamante e o extracto integrado n.° 2/2021, emitido pelo Banco M….. em 28/02/2021, referente à conta à ordem n.° 21……..074.717,99€ (impressão do portal das finanças e extracto bancário de fls. 245 a 247 do SITAF).

7) Na mesma data, o Reclamante apresentou reclamação graciosa em relação à factura referida em 1), invocando a nulidade da mesma (mensagem de correio electrónico e reclamação graciosa de fls. 160, 161, 176, 177, 259 a 287 e 556 a 574 do SITAF).

8) Na mesma data o Reclamante apresentou, junto da Reclamada, requerimento, através do qual pede a declaração de prescrição da dívida referida em 1) (requerimento de fls. 288 a 300 do SITAF).

9) Em 06/04/2021, o Reclamante enviou para a Reclamada, por correio postal registado com a referência RF60……., o original do requerimento referido em 5) (registo postal de fls. 167 e 183 do SITAF).

10) Com base em informação emitida na mesma data, da qual consta que o valor da dívida exequenda e acrescido é no valor de 1.011.018,58€, foi proferido despacho a ordenar a remessa de cartas registadas com aviso de recepção, à administração das instituições bancárias com representação em Portugal, para penhora de acções, títulos ou saldos de depósito à ordem ou a prazo, em nome do Reclamante, existentes em qualquer agência das referidas entidades, até ao montante necessário para satisfazer a dívida exequenda e acrescido, ficando igualmente penhoradas as entradas que venham a ser efectuadas nas referidas contas (informação e despacho de fls. 200 do SITAF).

11) Em cumprimento do despacho referido no número anterior, na mesma data, a Reclamada emitiu o ofício com a referência S027……, sob o assunto “pedido de penhora - processo de execução fiscal número 6…." (ofício de fls. 201 e 202 do SITAF).

12) Em 07/04/2021, o ofício referido no número anterior foi introduzido no canal PERTO - Plataforma de Electrónica de Registo e Transmissão de Ofícios, do Banco de Portugal - Eurosistema (impressão da plataforma PERTO do Banco de Portugal de fls. 203 a 212 do SITAF).

13) Em 26/04/2021 o Reclamante apresentou, junto dos serviços da Reclamada, por correio postal registado com a referência RF60……, petição de reclamação de acto praticado pelo órgão de execução fiscal, no âmbito do processo de execução fiscal referido em 1), que actualmente corre termos na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.° 895/21.4BEBRG, na qual pediu, além do mais, a anulação da decisão tácita de indeferimento em relação ao requerimento referido em 5) (petição de reclamação e registo postal de fls. 36 a 119 e 301 a 381 do SITAF).

14) Por ofício com a referência S08……, datado de 05/05/2021, enviado por correio postal registado com a referência RF5……., cujo aviso de recepção foi assinado em 10/05/2021, a Reclamada informou a Caixa Económica M....., SA que expediu, através da plataforma referida em 12), o ofício aí mencionado, tendo constatado que esta o consultou em 08/04/2021 e que nada comunicou àquela, solicitando resposta (ofício, registo postal e aviso de recepção de fls. 382 a 397 do SITAF).

15) Por ofício com a referência S09…., datado de 14/05/2021, enviado por correio postal registado com a referência RF59…., a Reclamante solicitou ao Governador do Banco de Portugal que averiguasse, junto da Caixa Económica M....., SA, o motivo pelo qual consultou o ofício referido em 12) em 08/04/2021 e não respondeu à Reclamada, mesmo após o envio do ofício referido no número anterior (ofício e registo postal de fls. 398 a 400 do SITAF).

16) Por comunicação com a referência DSO/DTGOL (9…….) A 00……, de 16/05/2021, o Banco M..... informou a Reclamada da penhora do valor de 1.011.018,58€, da conta n.°….., da titularidade do Reclamante (comunicação de fls. 409 do SITAF).

17) Por comunicação datada de 17/05/2021, o Banco M....., SA comunicou ao Reclamante a penhora referida no número anterior (comunicação de fls. 35 do SITAF).

18) Por comunicação com a referência DSO/DTGOL (2…..) 52….., de 18/05/2021, o Banco M..... informou a Reclamada que não respondeu ao ofício referido em 12), dado que o mesmo não lhe estava dirigido e não respeitou a legislação e vigor (comunicação de fls. 411 do SITAF).

19) Por ofício com a referência S09……., datado de 27/05/2021, a Reclamada solicitou à Caixa Económica M....., SA que a quantia já penhorada de 1.011.018,58€ seja depositada em conta da titularidade daquela (ofício de fls. 410 do SITAF).

20) A presente reclamação foi enviada para os serviços da Reclamada, que enviou para o Tribunal Tributário de Lisboa, por mensagem de correio electrónico, em 01/06/2021 (petição de reclamação e mensagem de correio electrónico de fls. 412 a 530 do SITAF).

21) A acção referida em 13) encontra-se em fase de instrução (ofício de fls. 584 do SITAF).


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MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova seja relevante para a decisão da causa.


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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

A convicção do Tribunal fundou-se nos elementos documentais existentes no processo, tal como indicados à frente de cada facto provado, os quais não foram impugnados, complementados pela na admissão das partes por acordo nos respectivos articulados, em relação aos factos provados 2), 3), 6) e 8).»


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2. DO MÉRITO DO RECURSO

2.1. Erro de julgamento sobre a matéria de facto

A primeira questão que vem colocada pela Recorrente e que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, por omissão de factos provados relevantes para a decisão da causa (conclusões 1.ª e 2.ª da alegação de recurso).

Nas alíneas a) a k) da conclusão 1.ª da alegação de recurso, a Recorrente indica os factos pretendidos aditar ao probatório, sustentando que essa factualidade não foi impugnada, consta do requerimento apresentado em 27/07/2021 e é comprovável numa parte significativa por documentos existentes no PA (conclusão 2.ª da alegação de recurso).

Vejamos.

Como é consabido, a alteração pelo Tribunal Central Administrativo da decisão da matéria de facto fixada em primeira instância pressupõe, não só a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes do processo e/ou da gravação dos depoimentos das testemunhas, que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC, sob pena de rejeição nesta parte do recurso (vide neste sentido Acórdão do TCA Sul de 13/03/2012, processo n.º 05275/12, disponível em www.dgsi.pt).

Com efeito, os n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º, dispõem o seguinte:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Assim, para legitimar o TCA a corrigir a matéria de facto dada como provada na primeira instância por erro de apreciação das provas seria necessário que os meios de prova indicados determinassem decisão diversa da que foi proferida.

António Santos Abrantes Geraldes, sintetiza o sistema que agora vigora, que concretizou de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, alargando os poderes de cognição do tribunal de segunda instância, sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da seguinte forma:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos e facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)

e) O Recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág.165 a 166).

As provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).

Analisadas as conclusões em conjugação com a alegação de recurso constata-se que a Recorrente não cumpre com o referido ónus que lhe é imposto por lei, uma vez que não indica os diversos meios probatórios, remetendo para a totalidade do PA, e admitindo que só numa parte é que os factos são comprováveis por documento, sem os destrinçar. Acresce referir que a Recorrente também não arrolou testemunhas e o aludido requerimento de 27/07/2021 foi apresentado pela ora Recorrente na sequência da notificação que lhe foi feita para se pronunciar sobre a litigância de má fé, que não está em causa no presente recurso.

Por outro lado, relembramos que o processo de execução fiscal tem natureza judicial na sua totalidade, sendo, pois, todos os prazos para a pratica de actos no seu âmbito, prazos judiciais, regulando a lei a forma de apresentação dos actos processuais, bem como a data em que considera praticado os actos.

Nesta conformidade, rejeita-se o recurso nesta parte, não só por não se mostrar cumprido o ónus referido supra, mas também por os factos pretendidos aditar, para além dos que já foram levados ao probatório e respectivos documentos, não assumem qualquer relevância no sentido da tese propugnada.


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A decisão da matéria de facto mantém-se estabilizada, por não ter sido alterada mediante qualquer aditamento aos factos provados.

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2.2. De Direito

Está em causa a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 12/11/2021, que julgou procedente a reclamação apresentada pelo ora Recorrido, e anulou o acto de penhora do saldo da conta bancária.

O acto de penhora da conta bancária foi determinado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 6…../2021, instaurado em 25/10/2011 contra N….-A……, ACE, aqui, Recorrido, por dívida proveniente de vistoria para ligação saneamento e taxa de ligação de saneamento, que corre termos nos Serviços da Recorrente (cfr. pontos 1, 10, 11, 16 e 17 do probatório).

Inconformada com a decisão da primeira instância a Recorrente sustenta na sua alegação, em síntese, que o acto de penhora foi praticado antes do registo do requerimento apresentado pelo Recorrido, sendo o mesmo absolutamente legal por não existir até então qualquer impedimento à sua pratica, defendendo que a penhora é do dia 06/04 e o requerimento foi registado no dia 08/04.

Alega ainda que caso se considere que o requerimento da Recorrida devia ter sido registado no dia 06/04, por os dois actos então terem sido praticados no mesmo dia, importava apurar a que horas se praticou o acto de penhora.

Invoca que o indeferimento tácito do requerimento para prestação e dispensa parcial de garantia não tem efeito suspensivo na execução e que a execução só está suspensa a partir do dia 17/05/2021, data em que a Reclamação do indeferimento tácito de prestação de garantia e dispensa parcial foi remetida ao tribunal, advogando a legalidade da penhora por esta ter sido concretizada no dia 16/05/2021.

Entende, assim, a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento por incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 52.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 169.º, n.º 2 e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

A Recorrida sustenta a sentença recorrida, alegando, em conclusão, que não padece dos vícios que lhe são imputados, devendo ser confirmada.

Na conclusão II das contra-alegações, a Recorrida invoca que nas conclusões da alegação de recurso não decorre qualquer impugnação da sindicância da questão julgada pelo Tribunal a quo relativa à imputada actuação violadora do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança, tutelada pela normas conjugadas dos artigos 55.º e 56.º da LGT e 266.º da CRP, pelo que, não sendo esta matéria do conhecimento oficioso, deverá manter-se incólume o respectivo segmento decisório da sentença a quo, em que fundamenta a anulação do acto de penhora no vício de violação de lei, em virtude da violação do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança.

Efectivamente, a Recorrente não coloca em causa este fundamento da reclamação (cfr. conclusões XXXII a XXXIV da p.i. da reclamação), apreciada pelo Tribunal a quo, com base no qual também julgou procedente a reclamação e anulou o acto reclamado.

O âmbito do recurso jurisdicional é delimitado pelo Recorrente nas conclusões da alegação de recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC), pelo que, a sentença não pode ser sindicada pelo tribunal ad quem, na parte em que não sofre impugnação, por ficar fora dos seus poderes de cognição, uma vez que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, nos termos do disposto no n.º 5, do artigo 635.º do CPC.

Porém, em primeiro lugar, importa que se faça uma breve analise sobre o princípio da boa fé na esfera das relações jurídico tributárias.

O principio da boa-fé vincula a Administração e os particulares, por imposição legal, conforme decorre do artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) em vigor (corresponde ao anterior artigo 6.º-A).

Nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.»

Nas palavras de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim «Ora, ponderar a boa-fé (merecedora de protecção jurídica), em função dos valores fundamentais do direito – como segurança jurídica, a igualdade, a proporcionalidade, a justiça, a confiança, a prossecução do interesse público pela Administração - é torná-la em certa medida dependente da sua confluência ou harmonização com eles e desvalorizá-la, enquanto factor autónomo de parametricidade jurídica da conduta da Administração e de particulares, nas relações administrativas.

Mostram-no, aliás, as duas alíneas do preceito, uma, a recomendar que se atenda à confiança suscitada na contraparte pela actuação da outra, a segunda, que se atenda ao objectivo (ao fim ou resultado) que se queria ou devia prosseguir com essa actuação. Que é o mesmo que dizer que a confiança criada, a boa-fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante.» (in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª Edição, Actualizada, Revista e Aumentada, 1997, Almedina, nota VIII ao artigo 6.º-A, pág. 116).

Como se ponderou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/07/2014, proferido no processo n.º 01561/13, que com a devida vénia se transcreve o seguinte excerto «(…) XXVI. Enquanto princípio geral de direito a boa fé significa “… que qualquer pessoa deve ter um comportamento correto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outras pessoas …” [cfr. M. Esteves de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J. Pacheco Amorim in “Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, pág. 108].

XXVII. Ora à luz daquilo que constitui o objeto de dissídio importa que a nossa análise se circunscreva à vertente do subprincípio da tutela da confiança, pressupondo este várias circunstâncias para a sua verificação.

XXVIII. Assim, serão cinco os pressupostos jurídicos para o preenchimento da tutela de confiança. A saber: a) a atuação dum sujeito de direito que crie a confiança; b) a situação de confiança mostrar-se justificada por elementos objetivos idóneos a produzir uma crença plausível; c) a existência dum investimento de confiança; d) o nexo de causalidade/imputação entre a atuação geradora de confiança e a situação de confiança e entre esta e o investimento de confiança; e) a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou [cfr. Marcelo Rebelo de Sousa in: “Direito Administrativo Geral”, Tomo I, pág. 216; vide, também, Diogo Freitas do Amaral in: “Curso de Direito Administrativo”, vol. II, 2.ª edição (2012), págs. 149/150].

XXIX. Note-se que no quadro duma situação de tutela de confiança revela-se como necessário estarmos em face duma confiança “legítima”, o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, dado não poder invocar-se a violação do referido princípio quando o mesmo radique num ato anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade percetível e não contestada por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido princípio [cfr., entre outros, os Ac. deste Supremo de 18.06.2003 - Proc. n.º 01188/02, de 21.06.2007 - Proc. n.º 0126/07 in: «www.dgsi.pt/jsta»; e Marcelo Rebelo de Sousa in: ob. cit., págs. 217/218].

XXX. Temos, por outro lado, que para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal princípio é necessário que o interessado não o pretenda alicerçar apenas na sua mera convicção psicológica antes se impondo a enunciação de sinais externos produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde se possa razoavelmente ancorar a invocada confiança.

XXXI. Ao referido acresce ainda a necessidade do particular ter razões sérias para acreditar na validade dos atos ou condutas anteriores da Administração aos quais tenha ajustado a sua atuação.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Prosseguindo.

Saber se a violação do princípio da boa-fé é ou não do conhecimento oficioso, não tem relevância para a decisão da causa, sendo certo que, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Com efeito, independentemente do entendimento que se tenha sobre se a violação do princípio da boa-fé é ou não do conhecimento oficioso, uma vez que é defensável que a violação deste princípio na sua vertente da tutela da confiança e da proibição do comportamento contraditório, se enquadra na proibição do abuso do direito, constituindo, por isso, uma excepção do conhecimento oficioso, embora seja sempre necessário que sejam alegados e que esteja demonstrada a respectiva factualidade para que o abuso de direito possa ser apreciado (vide neste sentido, entre outros, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2020, processo n.º 306/15.4T8AVR-A.PI.S2, disponível em www.dgsi.pt/), na situação dos autos, a decisão da primeira instância relativa à violação do principio da boa-fé, não se encontra totalmente coberta pelo caso julgado, porquanto o Tribunal a quo não autonomizou, nem podia, como fundamento de anulação do acto reclamado a violação do princípio da boa-fé, na sua vertente da tutela da confiança, visto que a apreciou partindo da factualidade assente e da decisão proferida sobre o suscitado vicio de violação de lei, concretamente dos artigos 52.º, n.º 1 da LGT e 169.º, n.ºs 1, 2, 4, 9 e 12 do CPPT.

Com efeito, o Tribunal a quo decidiu, com base na fundamentação expendia, anular o acto de penhora sindicado, por violação das referidas normas, por à data da realização da penhora se manter a suspensão provisória do processo executivo, e daqui concluiu que o acto de penhora também é anulável por violação do princípio da boa-fé, na sua vertente da tutela da confiança.

Assim sendo, há lugar ao conhecimento do recurso, por aqui não poder persistir a anulação do acto sindicado com fundamento em violação do principio da boa-fé, sem o conhecimento do erro de julgamento por violação dos artigos 52.º, n.º 1, da LGT e 169.º, n.º 2, e 170.º do CPPT.

Importa, então, apreciar e decidir quanto ao acerto do entendimento sufragado pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no segmento recorrido, para julgar procedente a reclamação, anular o acto de penhora reclamado e determinar o seu imediato levantamento.

Para assim decidir, a sentença recorrida apoiou-se no seguinte discurso fundamentador:

(…) No caso vertente, pese embora o processo em que se discutiu a oposição à execução apresentada pelo Reclamante já tenha transitado em julgado, a verdade é que ficou igualmente provado que o Reclamante apresentou em simultâneo, no dia 05/04/2021, requerimento com vista a suspensão do processo executivo e reclamação graciosa, com fundamento em nulidade.

E não cabe, no âmbito dos presentes autos, aferir se tais requerimentos, enquanto requisitos legais para aquele efeito, são admissíveis ou intempestivos ou se sobre eles deve ser formulado um juízo de deferimento ou de indeferimento, porquanto tal questão encontra-se a ser dirimida no âmbito da reclamação de acto do órgão de execução fiscal referida nos factos provados 13) e 21), encontrando-se, à data, em fase de instrução.

Basta (e não excede) para a decisão dos presentes autos, a constatação de que foram apresentados, em data anterior à realização do acto de penhora reclamado nesta acção, com vista a decisão sobre a eventual suspensão do correspondente processo executivo.

Decisão essa que não foi expressamente proferida no prazo legalmente previsto, dando lugar à reclamação de acto do órgão de execução fiscal em relação ao correspondente acto de indeferimento tácito que, como se disse, ainda não obteve decisão, não tendo, por maioria de razão, transitado em julgado.

Consequentemente, mantém-se a suspensão provisória do processo executivo, em virtude de não existir, à data, uma decisão definitiva sobre a requerida suspensão do processo de execução fiscal, por via da prestação parcial de garantia com dispensa ou isenção parcial.

O que a Reclamada não fez no caso vertente, porquanto proferiu despacho em 06/04/2021, expediu cartas e ofícios em 07/04/2021 e, como se não fosse suficiente, de todas as entidades que consultaram o ofício colocado na plataforma do Banco de Portugal, apenas dirigiu ofícios directamente ao M....., SA, onde o Reclamante já lhe havia comunicado ter um depósito à ordem em montante superior ao valor da garantia fixada, bem como dirigiu uma reclamação ao Governador do Banco de Portugal por alegada falta de resposta daquela entidade bancária e, por fim, ainda solicitou a transferência do valor penhorado para conta bancária da sua titularidade, factos que só ocorreram 05/05/2021, 14/05/2021 e 27/05/2021, respectivamente.

Tendo ficado igualmente provado que qualquer um dos actos praticados no processo executivo, com vista a penhora de acções, títulos ou saldos de depósito à ordem ou a prazo em nome do Reclamante, ora enunciados, ocorreu após a apresentação do sobredito requerimento de suspensão, acompanhado de reclamação graciosa, ou seja, entre 06/04/2021 e 27/05/2021 (vd. factos provados 10) a 12), 14) a 16), 18) e 19)), independentemente da data em que o agente que lhes deu corpo e execução deles tomou conhecimento (a qual é totalmente irrelevante para este efeito), não podiam os mesmo ter sido praticados e, logo que tomado conhecimento dos mesmos, não lhes devia ter sido dado seguimento, suspendendo todo e qualquer acto tendente à invasão da esfera patrimonial do Reclamante.

Pois se é verdade que inexiste garantia prestada, também é exacto que o procedimento com vista a suspensão do processo de execução fiscal, na pendência do qual opera a já referida suspensão provisória, não se encontra definitivamente decidido, o que não podia ter sido ignorado pela Reclamada.

Por conseguinte, no caso vertente, em face dos factos considerados provados, conclui-se que só perante decisão transitada em julgado sobre o requerimento referido no facto provado 5), à data em discussão no processo de reclamação referido nos factos provados 13) e 21), é que, em função da sua procedência ou improcedência, é que poderá, ou não, ter lugar o acto de penhora, tal como resulta da conjugação dos artigos 52.°, n.° 1 da LGT e 169.°, n.° 2 e 170.°, ambos do CPPT (neste sentido, pronunciaram-se os Acs. do STA de 08/02/2017, proc. n.° 0177/15; de 25/03/2015, proc. n.° 0249/15; de 06/08/2014, proc. n.° 0742/14).

Estando, então, assente que o procedimento com vista a suspensão do processo executivo ainda se encontra pendente, facilmente se conclui que o acto de penhora ora sindicado é também anulável por violar o princípio da boa- fé, na sua vertente da tutela da confiança, cuja aplicação é hoje inquestionável em sede da actividade administrativa tributária, sendo que, pese embora não estejam expressamente referidos no artigo 55.° da LGT, a sua aplicabilidade resulta, em primeira linha, do disposto no artigo 266.° da CRP, onde vem consagrado que:

“1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.".

A jurisprudência, mormente, por todos, o Ac. do STA de 21/09/2011, proc. n.° 0753/11, tem vindo, também, a admitir que a violação pela administração tributária dos deveres procedimentais segundo as regras da boa fé e da tutela da confiança, podem consistir em vício autónomo de violação de lei.

Com efeito, tem-se entendido que a actuação da administração tributária (neste caso, de entidade equiparada), ao proceder à pratica de actos de penhora enquanto ocorre a suspensão provisória decorrente da pendência de procedimento com vista a suspensão da execução fiscal, viola o princípio da boa-fé, na sua vertente da tutela da confiança, não porque frustre a expectativa de deferimento da pretensão, mas por frustrar a legítima expectativa de apreciação desse pedido, em termos definitivos, ancorada no princípio da decisão, previsto no artigo 56.° da LGT, cujo n.° 1 refere que “a administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo.".

Por isso, também com este fundamento, não pode admitir-se, sob pena de violação do princípio da boa-fé, na sua vertente da tutela da confiança, que a Reclamada proceda à penhora de bens do património do Reclamante, sem que previamente se pronuncie, em termos definitivos, sobre todas as questões suscitadas no âmbito da suspensão do processo de execução fiscal, mormente, a requerida e ainda não decidida em termos definitivos prestação parcial de garantia, com dispensa ou isenção em relação ao valor remanescente.

A entender-se de outra forma, ficaria no livre arbítrio da Entidade Exequente o momento para apreciar a garantia oportunamente oferecida ou a sua dispensa, ou a combinação de ambas e, consequentemente, a suspensão da execução fiscal, no âmbito da qual poderia, entretanto, ir praticando diversos actos ofensivos do património do executado, incompatíveis com aquela pretensão oportunamente aduzida, como se verificou no caso vertente.

Esta solução tem sido adoptada pela jurisprudência do STA em situações idênticas, quer relativamente a actos de compensação, quer relativamente à penhora efectuada pela Entidade Exequente, ambos praticados antes da pronúncia devida e definitiva sobre a garantia oferecida ou sobre o pedido de dispensa de prestação da mesma, ou da combinação de ambas (neste sentido, Acs. do STA de 15/02/2012, proc. n.° 89/12 e de 19/05/2010, proc. n.° 344/10).

Adiantamos que a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo.

O artigo 52.° da LGT prevê que a apresentação de reclamação graciosa que ponha em causa a legalidade da divida exequenda determina a suspensão da cobrança da prestação tributária no processo de execução fiscal, quando acompanhada de constituição ou prestação de garantia ou do reconhecimento da sua dispensa quanto reunidos os pressupostos legais (cfr. artigos 52.º n.ºs 1, 2 e 4 da LGT).

O artigo 169.° do CPPT dispõe o seguinte:

1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (...), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.0 ou prestada nos termos do artigo 199.° ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.

2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.

(…)

4 - O requerimento a que se refere o n.° 2 dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.

(...)

8 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reacção previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.

9 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.°, ou prestada nos termos do artigo 199.°, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução.

12 - Se for apresentada oposição à execução, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 a 8.

Por sua vez, o artigo 170.º, n.º 1 do CPPT preceitua que quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior.

E o n.° 2 do citado artigo 170.º estabelece que caso o fundamento da dispensa da garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.

Porém, se o reclamante até 15 dias depois da apresentação da reclamação graciosa não tiver apresentado garantia idónea ou requerimento de dispensa de prestação de garantia, o órgão de execução fiscal procede de imediato à penhora (artigos 52.º da LGT, 169.º, n.ºs 1 a 8, e 170.º do CPPT).

Na situação dos autos, resulta do probatório que o Recorrido apresentou em 05/04/2021 reclamação graciosa, invocando a nulidade da dívida em cobrança coerciva, e na mesma data apresentou, junto dos serviços da Recorrente, requerimento com pedido de suspensão do processo de execução fiscal, mediante a prestação de garantia, através de caução, no valor de € 665.112,79 e dispensa de prestação de garantia em relação ao valor remanescente (cfr. pontos 5, 6 e 7 do probatório).

Resulta igualmente provado que por despacho proferido em 06/04/202, no âmbito do processo de execução fiscal, foi determinado o envio de cartas às instituições bancárias para penhora de acções, títulos ou saldos de depósitos à ordem ou a prazo em nome do executado, tendo os ofícios sido expedidos no dia seguinte, e a penhora da conta bancária da titularidade da Recorrida existente no Banco M..... foi concretizada em 16/05/2021 (cfr. pontos 10, 11, 12, 16 e 17 do probatório).

Não tendo o Órgão de Execução Fiscal decidido o requerimento de suspensão do processo de execução fiscal, no prazo legal, o executado apresentou em 26/04/2021 petição de reclamação, ao abrigo do 276.ª do CPPT, do indeferimento tácito do requerimento a que se refere o ponto 5 do probatório (cfr. ponto 13 do probatório).

Daqui decorre, considerando o enquadramento jurídico supra referido, que o pedido de suspensão do PEF com oferecimento de garantia e pedido parcial de dispensa para a sua prestação, apresentado pelo executado em 05/04/2021 foi apresentado no prazo legal tendo por referência a data de apresentação da reclamação graciosa, e que a penhora da conta bancária foi efectuada em data posterior, quando ainda se encontrava em curso o prazo para o órgão de execução fiscal se pronunciar sobre o pedido de prestação de garantia e dispensa parcial do remanescente em vista da suspensão da execução fiscal.

Como bem observa a decisão recorrida, não cabe nos presentes autos, aferir se a reclamação graciosa e requerimento de suspensão da execução fiscal são admissíveis e tempestivos, ou se sobre eles deve ser formulado um juízo de deferimento ou indeferimento, uma vez que, tais questões se encontram a ser apreciadas nos respectivos procedimento de reclamação graciosa e reclamação de acto do órgão de execução fiscal (cfr. pontos 7, 13 e 21 do probatório).

Advoga a Recorrente que a apresentação da reclamação graciosa por email em 05/04/2021, às 22h08 é legalmente irrelevante, por não poder merecer a essa hora qualquer tratamento e por a apresentação de requerimentos por particulares estar sujeito a registo próprio, por data de entrada, nos termos do artigo 105.º do CPA.

Mas sem razão.

Não se aplica o regime ínsito no artigo 105.º do CPA à prática de actos no procedimento tributário.

Com efeito, no procedimento tributário considera-se relevante como data de apresentação de petições e de quaisquer outros requerimentos, exposições ou reclamações a data da remessa por correio, sob registo, ou a data do envio do email, nos termos do artigo 26.º do CPPT, e não a data do recebimento pelos serviços.

Sendo, assim, juridicamente relevante no procedimento tributário, como data de apresentação do requerimento, a da expedição, independentemente do seu recebimento nos serviços, quer no caso de remessa do requerimento por via postal registada, quer no caso da transmissão electrónica de dados a que foi equiparada a transmissão por telecópia, pelo que, prevalece, por identidade de razões, a data do envio sobre a do recebimento.

Neste entendimento, não oferece controvérsia que os emails através dos quais foram apresentados a petição de reclamação graciosa e o requerimento de pedido de suspensão do processo de execução fiscal, mediante a prestação de garantia e dispensa parcial da mesma, foram enviados no dia 05/04/2021, depois do horário de encerramento dos serviços. Ainda, assim, tem de considerar-se a sua apresentação nessa data, embora o envio tenha ocorrido às 22h08 (artigo 279.º, alínea c), do Código Civil; pontos 5 e 7 do probatório); não obstante, na contagem do prazo de 10 dias de que o órgão de execução fiscal dispõe para se pronunciar sobre o requerimento relativo à prestação de garantia se tenha que ter em conta a data da suspensão das diligências e prazos para a prática de actos nos processos em curso na execução fiscal (cfr. Lei n.º 13-B/2021, de 05/04).

Impõe-se, pois, concluir, que o acto de penhora ocorreu depois dessa data, ao contrário do defendido pela Recorrida, caindo em toda a linha a sua argumentação sobre a anterioridade da penhora relativamente à apresentação da reclamação graciosa e do aludido requerimento de suspensão da execução fiscal.

Alega ainda a Recorrente, se bem interpretamos, que a reclamação do acto do órgão de execução do indeferimento tácito da suspensão da execução fiscal por prestação de garantia e dispensa parcial, só tem por efeito a suspensão dos efeitos do acto reclamado e a suspensão da execução para novos actos, não para os actos já em curso (conclusões 12 a 15).

Nesta parte, a Recorrente também não tem razão.

Efectivamente, o órgão de execução fiscal não poderia ter ordenado a realização da penhora, porquanto encontrava-se pendente de decisão, à data, pedido de suspensão da execução fiscal mediante a prestação de garantia e pedido de dispensa parcial, tendo a penhora sido concretizada ainda dentro do prazo de 10 dias de que o órgão de execução fiscal dispunha para proferir decisão sobre tal pedido.

Resulta do exposto, conforme foi decidido pela 1.ª instância, a ilegalidade do acto de penhora sindicado.

A execução fiscal mantém-se provisoriamente suspensa quanto à invasão da esfera patrimonial do executado, enquanto o pedido de suspensão da execução não se encontra definitivamente decidido, e na situação dos autos o executado apresentou reclamação do acto do órgão de execução fiscal contra o indeferimento tácito do pedido de prestação de garantia e dispensa parcial com vista à suspensão da execução fiscal, que ainda corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa (cfr. pontos 13 e 21 do probatório).

Decorre do regime legal vigente que a reclamação com subida imediata tem efeito suspensivo da decisão reclamada, significando, não só a inexecução da decisão reclamada, mas também que o órgão de execução fiscal deve abster-se de praticar actos que estejam na dependência lógico-processual da decisão reclamada e que gerem um dano de carácter irreparável na esfera jurídica do executado (vide neste sentido acs. do STA de 20/06/2018, processo n.º 0480/18 e de 19/06/2019, processo n.º 049/19, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa «Está ínsito no regime de subida imediata da reclamação ao tribunal tributário que, quando o reclamante invocar prejuízo irreparável, a administração tributária deverá suspender os actos de cobrança da divida, tendo de limitar-se a decidir se revoga ou não o acto reclamado, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art. 277.º do CPPT e a praticar os actos necessários ao envio da reclamação ao tribunal tributário. (…)

Por outro lado, esse efeito suspensivo é imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante afectados por actos da administração tributária e, por isso, é exigido pelos arts. 20.º, n.º 1., e268.º, n.º 4, da CRP.» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, IV volume, Áreas Editora 2011, pág. 302 e 303)

Embora a lei não esclareça o que sucede no caso do órgão de execução fiscal dar seguimento à execução quando estiver pendente reclamação com subida imediata, parece seguro que estando o acto reclamado suspenso, a pratica de qualquer acto que ofenda o efeito de suspensão da decisão reclamada é ilegal e o executado pode contra eles deduzir nova reclamação.

Ora, foi o que o executado fez com a apresentação da presente reclamação.

Para além disso, Jorge Lopes de Sousa defende ainda que, estando-se perante um efeito suspensivo automático, é aplicável ao caso, por analogia, o disposto no artigo 128.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, podendo o reclamante, através de um incidente na reclamação com subida imediata, pedir que o juiz desse processo os declare ineficazes. Tudo sem prejuízo da adoção de outras medidas cautelares que entenda adequadas. (cfr. ob. cit. pág. 303).

Por último, como bem refere a sentença recorrida «Tendo ficado igualmente provado que qualquer um dos actos praticados no processo executivo, com vista à penhora (…) ocorreu após a apresentação do sobredito requerimento de suspensão, acompanhado de reclamação graciosa, ou seja, entre 06/04/2021 e 27/05/2021 (vd. Factos provados 10) a 12), 14) a 16), 18) e 19), independentemente da data em que o agente que lhes deu corpo e execução deles tomou conhecimento (a qual é totalmente irrelevante para este efeito), não podiam os mesmos ter sido praticados e, logo que tomado conhecimento dos mesmo, não lhes devia ter sido dado seguimento, suspendendo todo e qualquer acto tendente à invasão da esfera patrimonial do Reclamante.»

Nesta medida, tem de concluir-se que a sentença recorrida decidiu em conformidade com a lei aplicável, não enfermando dos erros de julgamento que o Recorrente lhe imputa.

Pelo exposto, na improcedência das conclusões do recurso interposto, impõe-se julgar o mesmo improcedente, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.


*

2.3. Da dispensa do remanescente da taxa de justiça

O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispõe: Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Esta norma está relacionada com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de € 275.000 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fração 3 unidades de conta no caso da coluna A, 1,5 unidade de conta no caso da coluna B, e 4,5 unidade de conta no caso da coluna C.

O remanescente da taxa de justiça, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa, deve ser considerado na conta final, se por acaso não for determinada a dispensa do seu pagamento.

Como pondera Salvador da Costa: «A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, por um lado, a sua menor complexidade ou maior simplicidade, e, por outro, a atitude das partes na prática dos actos processuais necessários à adequada decisão da causa, isto é, margem de afirmações ou alegações de índole dilatória.

A este propósito, é necessário ter em conta que a taxa de justiça é um dos elementos essenciais do financiamento dos tribunais e do acesso ao direito e aos tribunais.

A atitude das partes com vista à dispensa ou não do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada à luz dos princípios da cooperação e da boa fé processual, a que se reportam os artigos 7.º, n.º 1, e 8.º da CPC.» (in As Custas Processuais, análise e comentário, 7.ª Edição, Almedina, nota 6.8. ao artigo 6.º, pág. 141).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que justifica-se dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, se não se suscitarem questões de grande complexidade e se também o respectivo montante se mostrar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (vide por todos Ac. do STA de 01/02/2017, proc. n.º 0891/16 e de 08/03/2017, proc. n.º 0890/16, disponíveis em www.dgsi.pt/; e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07).

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 665.112,79 se existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes nos presentes autos.

Analisando a conduta processual das partes, verificada a tramitação dos autos constata-se que a mesma se limita ao que lhes é exigível e legalmente devido, não se destacando qualquer especial cooperação dos litigantes com o tribunal.

Quanto à complexidade da causa, o Regulamento das Custas Processuais não estabelece critérios específicos, pelo que, socorremo-nos do artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe considerarem-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meio de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Tendo presente os critérios indiciários supra elencados e o circunstancialismo em que foi lavrado o acórdão, constata-se que a especialidade da causa é de molde a afastar o excesso do pagamento sobre o valor de €275.000,00.

Efectivamente, ponderando que a questão apreciada não apresenta elevada complexidade, tendo inclusivamente versado sobre matéria já amplamente tratada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa, e não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.

Assim, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, dispensa-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.


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Conclusões/Sumário:

I. O principio da boa-fé vincula a Administração e os particulares, por imposição legal, conforme decorre do artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) em vigor (corresponde ao anterior artigo 6.º-A).

II. No procedimento tributário considera-se relevante como data de apresentação de petições e de quaisquer outros requerimentos, exposições ou reclamações a data da remessa por correio, sob registo, ou a data do envio do email, nos termos do artigo 26.º do CPPT, e não a data do recebimento pelos serviços.

III. A execução fiscal mantém-se provisoriamente suspensa quanto à invasão da esfera patrimonial do executado, enquanto o pedido de suspensão da execução não se encontra definitivamente decidido, e na situação dos autos o executado apresentou reclamação do acto do órgão de execução fiscal contra o indeferimento tácito do pedido de prestação de garantia e dispensa parcial com vista à suspensão da execução fiscal, que ainda corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa.

IV. Decorre do regime legal vigente que a reclamação com subida imediata tem efeito suspensivo da decisão reclamada, significando, não só a inexecução da decisão reclamada, mas também que o órgão de execução fiscal deve abster-se de praticar actos que estejam na dependência lógico-processual da decisão reclamada e que gerem um dano de carácter irreparável na esfera jurídica do executado.

V. Embora a lei não esclareça o que sucede no caso do órgão de execução fiscal dar seguimento à execução quando estiver pendente reclamação com subida imediata, parece seguro que estando o acto reclamado suspenso, a pratica de qualquer acto que ofenda o efeito de suspensão da decisão reclamada é ilegal e o executado pode contra eles deduzir nova reclamação.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda € 275.000.

Notifique.

Lisboa, 10 de Fevereiro 2022.




Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)