Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03998/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/15/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. PROVISÕES. JUROS COMPENSATÓRIOS. FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:1. Tal como em sede de Contribuição Industrial, também hoje em sede de IRC, é possível a constituição de provisões destinadas a fazer face às perdas de valor que sofrerem as existências;
2. O montante desta provisão corresponde à diferença entre o custo de aquisição ou de produção das existências constantes no balanço no final do exercício e o preço de mercado referido à mesma data, que corresponderá ao preço de venda, quanto aos produtos destinados à venda;
3. O preço de venda é o constante em elementos oficiais, e na falta destes, serão os últimos que em condições normais tenham sido praticados pela empresa ou os que no termo do exercício forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco;
4. Tendo a empresa fornecido à AT um tabela de preços, devem ser estes os considerados como correntes no mercado e como tal constitutivos para efeito dessa provisão, que não os montantes dos preços líquidos praticados pela mesma na venda de alguns desses produtos a seus clientes, com elevadas margens de desconto;
5. A liquidação de juros compensatórios encontra-se também sujeita a fundamentação, de molde a dar a conhecer ao contribuinte as razões dessa liquidação, ainda que possa ser mínima, designadamente devendo conter o início e o fim do período dos juros, taxa aplicável, montante sobre que incide e norma ao abrigo da qual foram liquidados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP) e A..., SA, identificados nos autos, dizendo-se inconformados com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na parte em que para cada um deles a mesma lhes foi desfavorável, na impugnação judicial deduzida, vieram da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) Da Fazenda Pública:
I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da procedência parcial da impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC nº 8310016853 relativa ao exercício de 1994.
II - Fundamentação da sentença recorrida (síntese) O acto de liquidação de juros compensatórios enferma do vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.
III - Nos termos do art. 80° do CIRC, com a redacção em vigor à data do facto tributário - 1994, sempre que, por facto imputável ao S.P. for retardada a liquidação do imposto, a esta acrescerá o juro correspondente à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor na data em que se tiver iniciado o retardamento da liquidação, acrescida de cinco pontos percentuais.
IV- Necessariamente essa foi a norma mencionada no documento de cobrança notificado ao S.P. e que consta como doc.8 anexo à p.i., o que afasta por si só qualquer fundamentação a posteriori que se pretenda imprimir ao acto de liquidação de juros compensatórios.
V - Existindo fundamentação de direito - a menção e vigência do art. 80º do CIRC, a fundamentação de facto decorre directamente do apuramento de imposto em falta que origine a emissão de uma liquidação adicional, a qual no caso concreto não mereceu censura na douta decisão da qual ora se recorre no segmento dos juros compensatórios.
VI - Desse modo os fundamentos para a liquidação de juros compensatórios decorrem daqueles que alicerçam a liquidação adicional, na medida em que a primeira é consequência desta última, resultando a forma do seu apuramento do disposto no art. 80° do CIRC.
VII - A douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada aplicação do disposto no art. 80° do CIRC, com a redacção em vigor à data do facto tributário.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


B) Da recorrente A... SA:


A) A questão decidenda nos presentes autos prende-se em determinar qual a base de cálculo da provisão para depreciação de existências contabilizada pela Recorrente e do valor aceite como custo para efeitos fiscais
B) O Tribunal a quo aderiu na íntegra à argumentação da Administração Tributária, tendo concluído na Douta Sentença de que ora se recorre que, de acordo com as disposições legais aplicáveis, “os preços de venda a considerar não são aqueles que em condições excepcionais ou particulares tenham sido praticados pela empresa mas aqueles que constem de elementos oficiais ou que em condições normais de actividade tenham sido praticados pela empresa ou ainda que forem correntes no mercado no termo do exercício respectivo
C) Na óptica da Recorrente e contrariamente ao entendimento defendido pela Administração Tributária e confirmado pelo Tribunal a quo nos presentes autos, a provisão constituída pela Recorrente deverá ser integralmente aceite para efeitos fiscais, em cumprimento do disposto no artigo 35.º do CIRC, à data dos factos tributários em análise, assentando a correcção à matéria colectável em apreço num claríssimo erro nos pressupostos de direito e vício de lei
D) O ponto 5.3.7 do Plano Oficial de Contabilidade determinava que “Entende-se como preço de mercado o custo de reposição ou o valor realizável líquido, conforme se trate de bens adquiridos para a produção ou de bens para venda
E) Conforme defendido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 30 de Setembro de 2003 (processo n.º 5461/01), “Nessa medida, parece incontornável que, para que se verifiquem os necessários e legais pressupostos à constituição deste tipo de provisões, basta que, no final do exercício, as existências finais, quando se tratem de mercadorias destinadas à venda e cujo custo tenha sido de um determinado montante, tenham um preço de venda que lhe seja inferior, - já que, só no caso de se tratarem de bens destinados à produção é que o parâmetro “preço de mercado” há-de corresponder ao custo de reposição nos termos do referido nº.2 do art.º 35°
F) Assim, na ausência de elementos oficiais, o preço de venda relevante será o praticado pelo sujeito passivo durante o ano de 1994 - o preço de venda praticado pela Recorrente nas suas facturas - e não os preços constantes das respectivas tabelas de preços estabelecidas no início do ano pela Recorrente
G) Como resulta da prova documental apresentada pela Recorrente nos presentes autos (facturas emitidas pela casa-mãe, facturas de venda aos seus clientes, mapa detalhado do cálculo de depreciação de existências, mapa de provisões, tabela de preços, bem como uma explicação detalhada para a política comercial adoptada no final do ano de 1994) o preço de mercado praticado no sector onde opera a Recorrente não corresponde aritmeticamente ao preço estabelecido nas tabelas gerais de venda
H) O preço final praticado pela Recorrente nas suas relações comerciais com os seus clientes corresponderá ao melhor preço de mercado, pois é o preço pelo qual entidades independentes estão disponíveis para adquirir um determinado produto
I) Recorde-se que preço de mercado corresponde ao custo de reposição ou o valor realizável liquido, ou na actual linguagem contabilística, o justo valor, i.e. o valor pela qual duas entidades independentes estão dispostas a transaccionar um bem
J) A posição ora defendida pela Recorrente resulta claramente e tem pleno enquadramento legal no disposto no artigo 25.º, número 3 do CIRC, que permite a consideração como preço de venda dos que forem correntes no mercado, desde que “sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco”
K) Conforme sustentado pelo TCA Sul no acórdão supra referido, “Ora, cano é manifesto não existem elementos oficiais, pelo menos no âmbito da DGCI, que permitam aferir quais eram os preços correntes no mercado para aquele tipo de mercadorias, aqui em causa; Assim sendo, para que pudesse ser constituída a provisão era necessário, ou que os últimos preços, naquelas corrente circunstâncias correntes, praticados pela recorrente, ou os correntes no mercado, tivessem sido inferiores aos de custo, que, obviamente, hão-de ser revelados pela contabilidade e respectiva documentação de suporte, a não ser que à mesma seja, fundadamente, imputada falta de credibilidade em tal domínio”
L) Estamos perante relações comerciais entre entidades independentes, cujas operações estão tituladas por documentos fiscalmente aceites (facturas) cuja autenticidade nunca foi questionada pela Administração Tributária ao longo do presente procedimento
M) Conforme resulta das disposições conjugadas dos pontos 5.3.4, 5.3.5 e 5.3.10 do Plano Oficial de Contabilidade, quando o preço de aquisição ou de produção for inferior ao preço de mercado ou quando, à data do balança haja obsolescência, deterioração física parcial, quebra de preços, bem como outros factores análogos, as diferenças serão expressas pela contabilização de uma provisão para depreciação de existências
N) O valor de realização líquido é o único passível de retratar a perda potencial com a depreciação das existências, pois corresponde à perda efectiva que o sujeito passivo regista com vendas abaixo do respectivo custo de aquisição
O) O Sistema de Normalização contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/09, de 13 de Julho, o qual revogou o Plano Oficial de Contabilidade, continua a prever a mensuração dos agora denominados inventários, de acordo com o respectivo valor realizável líquido (vide Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 18), determinando-se a obrigatoriedade de realização de ajustamentos ao valor dos mesmos sempre o valor realizável líquido seja inferior ao valor do custo
P) A Administração Tributária está vedada a possibilidade de formular juízos de censurabilidade sobre actos inseridos no normal risco empresarial, sob pena de violação expressa dos princípios da legalidade e da tributação pelo lucro real
O) Conforme resulta do relatório final de inspecção, a Administração Tributária, embora sem concretizar, vem afirmar que o custo de aquisição das existências poderia estar sobreavaliado, uma vez que se tratariam de bens adquiridos à casa-mãe
R) A admitir-se qualquer correcção, a mesma deveria ter sido efectuada ao abrigo do disposto no artigo 57.º do CIRC, corrigindo-se o valor de aquisição praticado nas relações comerciais entre a Recorrente e a sua casa-mãe, e não com base numa interpretação ilegal e destituída de qualquer base legal do regime consagrado nos artigos 25.º, 33.º e 35.º do CIRC, como vimos acima
S) A ora Recorrente apresentou à Administração Tributária a seguinte documentação; (i) cópias das facturas emitidas pela casa-mãe, (ii) facturas de venda aos seus clientes, (iii) mapa detalhado do cálculo de depreciação de existências, (iv) mapa de provisões, (v) tabela de preços, (vi) bem como uma explicação detalhada para a política comercial adoptada no final do ano de 1994
T) A ora Recorrente fez prova do direito que se arroga, em cumprimento do disposto no artigo 74.º da LGT, tendo evidenciado de forma clara e suficiente os cálculos que estiveram na origem da constituição da provisão, quais os preços por si habitualmente praticados, bem como a prova do valor histórico de aquisição e do valor efectivo de venda
U) A sentença recorrida assenta numa errónea interpretação e aplicação das normas legais em vigor, vide dos artigos 25.º, 33.º e 35.º do CIRC, pelo que deverá ser revogada, anulando-se, em conformidade a liquidação de IRC de 1994, tudo com as demais consequências legais, em particular o reembolso à Recorrente do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 35° da LGT

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juizes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente procedente, determinando-se a anulação das correcções efectuadas à matéria colectável de IRC do exercício de 1994, bem como a anulação da consequente liquidação de imposto, nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos,
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!


Foram admitidos ambos os recursos para subirem imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A recorrente A...veio ainda a apresentar as contra-alegações quanto ao recurso interposto pela parte contrária, cujas conclusões igualmente na íntegra se reproduzem:


A) A questão decidenda nos presentes autos prende-se com a apreciação da legalidade da liquidação de juros compensatórios relativa ao acto tributário de IRC do exercício de 1994, no valor de EUR 34.923,12, por falta de fundamentação do referido acto tributário;
B) Na óptica da Fazenda Pública, ora Recorrente, foi cumprido o ónus de fundamentação, uma vez que a liquidação fazia expressa menção à norma legal ao abrigo da qual os juros era liquidados, em concreto o artigo 80.º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos tributários;
C) A posição defendida pela ora Recorrente viola o disposto no n.º 9 do artigo 35° da LGT, uma vez que, de acordo com o disposto na referida disposição legal, a fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios tem que ser expressa, factual, suficiente e contemporânea do acto tributário, não sendo admissível a fundamentação por remissão ou a posteriori;
D) Ao omitir a taxa aplicável, o período de contagem, os cálculos subjacentes ao apuramento dos juros compensatórios, bem como a base legal, a Administração Tributária violou de forma expressa o disposto no n.º 9 do artigo 35° da LGT, sendo assim o acto tributário anulável nos termos gerais;
E) A interpretação defendida pela Fazenda Pública não tem suporte legal e não tem correspondência na letra ou espírito da norma, pelo que consubstancia uma verdadeira interpretação contra legem e sem apoio na Jurisprudência dos nossos Tribunais superiores conforme demonstrado nas presentes contra-alegações de recurso;
F) Com efeito, da análise do acto tributário em apreço resulta de forma evidente que a Administração Tributária se limitou a apresentar um resultado final no que respeita à liquidação de juros compensatórios, inviabilizando o controlo da respectiva legalidade, o que determina a sua ilegalidade por vício de lei consubstanciado na falta de fundamentação de direito e de facto, em estrita violação do disposto nos artigos 268.º, número 3 da CRP, 124.º e 125.º do CPA, 77.º da LGT, 36.º, número 2 do CPPT e 35.º, número 9 da LGT;
G) Decorre de forma expressa do acervo normativo aplicável que a fundamentação tem que se expressa e contextual, ou seja, deve integrar-se no próprio acto e ser dele contemporânea, não sendo admissível fundamentação sucessiva ou a posteriori, sendo, pois, irrelevante qualquer ulterior reparação do vício originário que enferma os actos de liquidação;
H) Constitui Jurisprudência pacífica dos nossos Tribunais Superiores que a fundamentação dos actos tributários tem de ser clara, contextual, suficiente e contemporânea do acta tributário;
I) Nesta matéria, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 7 de Janeiro de 2009 (processo n.º 871/08), já decidiu que “(...) a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo.”;
J) De igual forma não procedem os argumentos da Fazenda Pública no sentido de que a ora Recorrida deveria ter recorrido ao mecanismo previsto no artigo 22.º do CPT, à data dos factos tributários relevantes, uma vez que a referida disposição legal (actual 37°do CPPT) constitui uma mera faculdade do sujeito passivo, pelo que a sua não utilização não permite a sanação do vício de falta de fundamentação, sob pena de manifesta inconstitucionalidade e conforme propugnado pelo Supremo Tribunal Administrativo;
K) Uma interpretação consistente do regime previsto no artigo 37º do CPPT só permite uma tal posição sempre que esteja em causa um vício da notificação (sanável por natureza a posteriori) e não um vício do próprio acto, como sucede com a falta ou insuficiência de fundamentação dos actos tributários;
L) Deve assim o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo no sentido da anulação da liquidação de juros compensatórios, por expressa violação do disposto no número 9 do artigo 35.º da LGT, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juizes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, determinando-se a anulação da liquidação de juros compensatórios relativa à liquidação de IRC do exercício de 1994, nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos,
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso da Fazenda Pública, dizendo que a sentença recorrida nesta parte se encontra ancorada em jurisprudência que secunda e, quanto ao recurso da A..., igualmente se pronuncia pela sua improcedência, dizendo aderir ao parecer pré-sentencial produzido no Tribunal “a quo” pelo Exmo Procurador da República, junto do mesmo Tribunal.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se para o efeito de ser constituída uma provisão para depreciação de existências, o preço de mercado deve ser considerado aquele que o sujeito passivo indicou nas respectivas tabelas de venda (na falta de elementos oficiais) remetidas à AT, ou aquele outro, por que a mesma vendeu parte dessas mercadorias e em que praticou elevadas margens de desconto (valor líquido); E se também os juros compensatórios carecem de fundamentação (formal) e que no caso não é conhecida.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Pela Equipa 13 (IRC/IVA) da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a despesa) foi levada a efeito uma acção de fiscalização ao exercício de 1994 da Impugnante.
B) Em, 20.10.1998, na decorrência da apresentação da pronúncia a que alude a al. B) do probatório, a AF notificou a impugnante para no prazo não superior a dez dias prestar os esclarecimentos que se mostram identificados sob os números 1 e 2 do Doc. n.º 1 junto à p.i., sob pena “ . . . far-se-ão de imediato as correcções que se mostrem devidas com os elementos disponíveis.". (Doc. n.º1 junto à p.i.)
C) Mediante ofício sob a ref. “ Proc.º 257 – DCs – 22 N.ºs 3375/94, emitido pela AF no âmbito da acção de fiscalização a que alude a al. A) do probatório, a Impugnante foi notificada do projecto de decisão de alteração do lucro tributável para, querendo exercer o direito de audição prévia e juntar quaisquer documentos que julgasse relevantes. (Doc. n.º 2 junto à p.i.)
D) Respondendo ao convite a que alude a al. C) do probatório, em 25.06.1999, deu entrada na Direcção de Finanças de Lisboa a pronuncia apresentada pela Impugnante no âmbito do direito a que alude a al. B) do probatório que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (Doc. n.º 8 junto à p.i. e fls. 15 do P.A.T. em apenso)
E) Em, 28.07.1999 foi elaborado o Relatório Final preferido no âmbito da acção de fiscalização a que alude a al. A) do probatório, sobre o qual, recaiu em 27.07.1999 despacho de concordância proferido pela Chefe de Divisão da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa - Inspecção Tributária. (Doc. n.º 4 junto à p.i.)
F) Mediante ofício datado de 23.11.1999, a AF notificou a Impugnante dos fundamentos das correcções efectuadas ao IRC do exercício de 1994, que aqui se transcrevem
"O exercício do direito à audição foi entregue fora do prazo A correcção de Esc. 28.489.988$00. Relativamente à provisão para depreciação de existências, teve origem na diferença entre o valor total da provisão constituída no exercício de 1994, no valor de 100 333 000$00 e o valor acrescido na linha 9 Quadro 17. da declaração modela 22 desse exercício - 71.843.012$00.
O valor não aceite fiscalmente nos termos do artigo 55° do CIRC, teve por base o facto de não ter sido dado cumprimento à notificação efectuada em 20 de Outubro de 1998, onde tinham sido colocadas questões que se prendiam com a determinação do valor a ser aceite fiscalmente como custo, bem como a justificar o preço de mercado praticado.
Da análise dos argumentos invocados no direito de audição, ressalta
Não foi justificado o motivo da não resposta à nossa notificação de 20 de Outubro de 1998.
A Provisão considerada nos termos do artigo 3do CIRC, pelo sujeito passivo, foi constituída tendo por base a diferença entre o custo histórico e o valor líquido do bem, constante em facturas emitidas para clientes em Dezembro de 1994
A Provisão assim constituída não pode ser aceite fiscalmente nos termos do artigo 3do CIRC, pois poderá aceitar-se como preço de mercado, o valor ilíquido do artigo constante das facturas de venda, e que é igual ao constante na tabela de preço, remetida pelo sujeito passivo através do anexo n.º 6 do direito de audição, e não o valor líquido o qual no caso do artigo 1522, a título exemplificativo, sofre uma redução de 37%+28% de desconto, correspondente a 30% de desconto base, 5% de desconto de distribuidor oficial, 2% de desconto de programação e 28% de desconto particular do produto. (. . .) Convém, ainda, referenciar que este artigo foi adquirido à casa mãe nos últimos meses do exercício de 1994, pelo triplo do valor final de venda, pelo que pressupõe a existência de relações especiais, pelo assumir do prejuízo pela filial portuguesa.”
G) Com base nos fundamentos corporizados no Relatório de inspecção a que alude a al. F) do probatório, a AF em 25.10.1999 procedeu à emissão da liquidação n° 8810016858, no valor de € 86.098,17, dos quais € 84,928,12 correspondem a juros compensatórios. (Doc. n.º 5 junto à p.i.)
H) Em, 29.02.2000, a Impugnante requereu ao Ministro das Finanças o pagamento do imposto e juros compensatórios aposto na liquidação a que alude a al. G) do probatório ao abrigo do DL. n.º 124/96, de 10 de Agosto. (Doc. n.º 6 junto à p.i.)
I) Em, 17.03.2000 a impugnante deduziu reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação de IRC n.º 8810016858, no montante de € 86.098.17. (Doc. a fls. 1 a 6 dos autos de reclamação graciosa em apenso)
J) A liquidação a que alude a al. G) do probatório foi paga em 15.05.2000, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 8488-00/108648.2 ao abrigo do DL. n.º 124/96, de 10 de Agosto, tendo a impugnante entregue nos cofres do Estado a quantia de € 27.988,50 a título de juros compensatórios. (cfr. art. 31° da contestação)
L) Em, 10.09.2004, por despacho proferido pelo Director de Finanças Ajunto da Direcção de Finanças de Lisboa foi indeferida a reclamação graciosa a que alude a al. I) do probatório. (Doc. fls. 181 dos autos de reclamação graciosa em apenso)
M) Em, 28.09.2004, a impugnante foi notificada no despacho a que alude a al. L) do probatório. (Doc. fls. 189 e 190 dos autos de reclamação graciosa em apenso)
N) Sob o registo postal datado de 15.10.2004 a impugnante remeteu a tribunal a petição inicial que originou os presentes autos, a qual se encontra carimbada com a data de entrada de 14.10.2004. (Doc. fls. 224 e 255 e fls. 2 dos autos).


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida na parte em que o foi, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a não aceitação como custo da verba relativa à provisão para depreciação de existências deve ser o valor ilíquido e não o valor líquido, não sendo tido em conta os descontos a praticar pela mesma, já que esta provisão é constituída no final do exercício e se todos esses bens foram vendidos com prejuízo, já não há que a constituir mas sim que operar com o respectivo prejuízo obtido, bem como não tendo reconhecido à impugnante o direito a juros indemnizatórios por a anulação dos juros compensatórios ter sido efectuada por vício de forma, caso em que os mesmos não são devidos, e no que aos juros compensatórios diz respeito, em que a impugnação foi julgada procedente, a mesma assenta na sua falta de fundamentação, citando jurisprudência dos nossos tribunais superiores que no mesmo sentido tem decidido.

Para a recorrente A..., de acordo com a matéria das conclusões da alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que se vem a insurgir, pugnando que o valor a considerar para este efeito da provisão para depreciação de existências deve ser o preço líquido, já que será este que melhor corresponderá ao preço de mercado, que não o ilíquido como foi efectuado e aceite pela sentença recorrida; quanto ao recurso da Fazenda Pública continua a mesma a defender que tal acto de liquidação dos juros se encontra fundamentado por referência à norma do art.º 80.º do CIRC então vigente, que foi para o caso convocada, pelo que tal acto de liquidação dos juros se encontra formalmente fundamentado.

Vejamos então.
"Provisão é um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, e destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão(1) ".
"Segundo as considerações técnicas do POC, a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de um passivo certo. A constituição de provisões baseia-se nos princípios contabilísticos da especialização e da prudência. Estabelece o primeiro que os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos independentemente do seu recebimento ou pagamento, e devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam, e o segundo que é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza sem, contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso. A não constituição ou a constituição por montantes inferiores de provisões num determinado exercício poderá fazer deslocar para exercícios futuros custos ou perdas pertencentes a este e, em contrapartida, a constituição de provisões desnecessárias ou em montante excessivo difere a tributação dos resultados.
Ao enunciarem-se neste artigo taxativamente as provisões que são fiscalmente dedutíveis e os respectivos limites, adopta-se para efeitos de determinação do lucro tributável uma especialização dos exercícios, de acordo com as regras definidas pelo legislador fiscal, que poderão não coincidir com as que resultam dos critérios contabilísticos.
Face à definição de critérios objectivos de constituição ou reforço das provisões definidas nos art.ºs 33.º a 35.º e à periodização do lucro tributável definida no n.º1 do art.º 18.º, a constituição das provisões é obrigatória para efeitos fiscais, pelo que, quando o sujeito passivo não constitua a provisão que, de acordo com os critérios definidos, deveria ter constituído, originará a não aceitação para efeitos fiscais, no exercício em que se vier a efectivar, do custo ou perda não objecto de provisão.
...
Face aos novos critérios adoptados neste artigo para a constituição da provisão para a depreciação de existências, passou a existir uma aproximação entre a fiscalidade e a contabilidade deixando esta de ser calculada por métodos estatísticos e com base em percentagem sobre o valor das existências no fim do exercício.
O cálculo da provisão para depreciação de existências corresponderá à diferença entre o custo de aquisição ou de produção das existências constantes do balanço no fim do exercício e o respectivo preço de mercado referido à mesma data, quando este for inferior àquele. Entende-se, para efeitos fiscais, por preço de mercado, o custo de reposição ou o preço de venda, consoante se trate de bens adquiridos para a produção (matérias-primas e subsidiárias) ou bens destinados à venda (mercadorias e produtos).
A provisão deverá ser evidenciada no mapa das provisões aceitando-se como justificativos dos preços de mercado os legalmente admitidos, designadamente:
- No caso de bens adquiridos para venda, os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais sejam correntes no mercado (facturas ou tabelas de preços) desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco, reportados à data da constituição da provisão.
- O n.º3 desta disposição estabelece que a provisão para depreciação de existências só poderá ser utilizada no exercício em que o prejuízo se torne efectivo. Este prejuízo só se efectiva no momento da venda, pelo que a utilização da provisão só se verificará para mercadorias ou produtos vendidos por valores inferiores ao custo de aquisição ou de produção(2).
...
O papel das contas de provisões é importantíssimo: permitem uma maior regularidade na escrituração dos prejuízos ou apuramento dos resultados, evitando que se venha a afectar desfavorável ou desmesuradamente os eventos que conduziram anteriormente à constituição das provisões - cfr. Rogério Fernandes Ferreira, Gestão Financeira, Vol. I, Parte Geral, 4.ª Edição, págs. 353 e 354 e Manuel Henrique de Freitas Pereira, A Periodização do Lucro Tributável; Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (152), pág. 172.

Sob a epígrafe Regime das Provisões, dispõe a norma do art.º 33.º do CIRC(3):
1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a)As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b) As que se destinarem a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências;
C
c) ...
...
E a do art.º 35.º (Provisão para depreciação de existências):
1 – A provisão a que se refere a alínea b) do n.º1 do artigo 33.º, corresponderá à diferença entre o custo de aquisição ou de produção das existências constantes do balanço no fim do exercício e o respectivo preço de mercado referido à mesma data, quando este for inferior àquele.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por preço de mercado o custo de reposição ou o preço de venda, consoante se trate de bens adquiridos para a produção ou destinados a venda.
3 – Esta provisão só poderá ser utilizada no exercício em que o prejuízo se torne efectivo.

E a do art.º 25.º, n.º3, subordinado à epígrafe Valorimetria das existências:
São havidos por preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pela empresa ou ainda os que, no termo do exercício, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

Constituindo a provisão um custo do exercício e de constituição obrigatória para efeitos fiscais, como acima se disse, não pode a sua constituição fazer-se a belo prazer do contribuinte e desta forma permitir-se manipular os resultados do exercício, tendo a sua constituição de cingir-se também, a entre outras, às regras da especialização dos exercícios, como os demais custos, nos termos do disposto nos art.ºs 17.º e 18.º do CIRC.

No caso, do total inscrito a título de provisão para este efeito, no exercício de 1994 – Esc. 100.333.000$ - não foi aceite o montante de Esc. 28.489.988$, por conforme consta da matéria transcrita na alínea F) do probatório da sentença recorrida e melhor se colhe dos autos, designadamente do doc. n.º2 do PAT apenso, por a ora recorrida ter utilizado como valor de referência para esses bens destinados a venda, o valor líquido de venda desses bens, não correspondendo esse ao preço de mercado, tal como se encontra previsto na lei para este efeito, e que corresponde ao preço tal como a mesma o anunciava nas respectivas tabelas e que para a AT remeteu, como se não coloca em causa.

Desde logo convém lembrar o fim que com tais provisões legalmente se visa atingir, acima referido - fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, e destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão – destinadas a cobrir as perdas de valor que no futuro as existências apresentarão, desconhecido no momento dessa constituição, tomando como referência o “preço de mercado” dos bens (quando inferior ao preço do custo, que o será em geral, daí a necessidade e a possibilidade da criação da provisão para este efeito), preço este que quanto a nós, não poderá deixar de ser o como tal tabelado pela ora recorrente (na falta dos elementos oficiais), que não o preço líquido dessas vendas, que ela já praticou nas vendas efectuadas, com inúmeros descontos comerciais, no caso, por estes serem já certos e como tal deixarem de caracterizar a natureza e fim da provisão, que é o de tal valor ainda não ser conhecido, servindo tal preço real e líquido constantes nessas facturas das vendas já efectuadas sim, mas para apurar o lucro tributável do exercício na vertente dos proveitos – cfr. art.º 17.º e segs do CIRC – que como é bem de ver constitui uma realidade totalmente diferente daquela que preside à da criação da provisão para este efeito, como aliás, bem se pronunciam, quer a M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, quer o Exmo Procurador da República, junto do Tribunal “a quo”, no seu parecer pré-sentencial, dizendo-se secundarem o acórdão do então TCA, de 30-09-2003, proferido no recurso n.º 5461/01.

E na realidade, neste mesmo sentido, pode respigar-se do texto deste acórdão:
...
Ora, como se referiu já, o que está em causa, são mercadorias para venda, não para a produção, pelo que as facturas e tabelas de preços que importariam ser apresentadas, como idóneas e adequadas, eram, a existir, as emitidas/praticadas pela recorrente, no final do exercício para aquela espécie de mercadorias e que eram as que, como temos por evidente, possibilitariam o apuramento do preço corrente de venda de tais bens, àquela data, situação diversa das que pudessem ter por objecto bens de produção, já que aí sendo o preço de mercado o da respectiva reposição é manifesto que seriam aquele tipo de documentos, mas referentes aos fornecedores, que teriam relevância àquele mesmo desiderato.
...
A ora recorrente bem se empenha em tentar demonstrar que o único critério adequado nesta matéria seja o de, no caso, utilizar como critério do preço de mercado, o valor líquido dessas vendas tal como aparece nas respectivas facturas de venda de tais mercadorias, em que foram praticados os citados descontos – cfr. matéria da sua conclusão N) e art.ºs 26.º e segs da sua petição inicial de impugnação judicial – já que seria este o único a permitir a quantificação da perda potencial da depreciação das existências, por registar a efectiva perda que o sujeito passivo regista com tais vendas abaixo do custo, critério este que como acima se disse, corresponde ao do apuramento do lucro real em sede de lucro tributável de IRC, desde logo para as empresas, com assento constitucional na norma do art.º 104.º, n.º2 da CRP, mas, segundo cremos, não é o que preside à constituição das provisões em geral e desta em particular, como acima se viu, e que é baseado nos princípios da especialização e da e prudência, tendo em vista cobrir um valor incerto e futuro, e que ainda se não conhece.

No caso, na falta dos elementos oficiais, o critério imediatamente a seguir será o dos últimos preços que em condições normais tenham sido praticados pela empresa ou ainda os que, no termo do exercício, forem correntes no mercado, sendo que a AT fez coincidir como tais preços normais, aqueles que a ora recorrente forneceu nas respectivas tabelas de preços (que não aqueles em que praticou um desconto de 65% em facturas passadas a seus dois clientes, o que não configurará a prática corrente, como desde logo se fundamenta na desconsideração desse custo na respectiva declaração Mod. DC – 22, cuja cópia consta, em entre outros lugares, de fls 23/26 dos autos), sem que esta tenha vindo provar o quer que seja a este respeito, pelo que não descortinamos razões para também assim não entender, nada se vendo dos autos que nos permitam desvalorizá-los, face aos textos legais e à jurisprudência citada, pelo que no caso, também aceitaremos este como o critério apto para esse efeito de mensuração.

De resto, a afirmação contida na matéria citada conclusão N), de que o critério de atendimento do valor líquido ser o que melhor retrata a perda potencial com a depreciação das existências, constitui uma mera afirmação que carece de demonstração, tudo dependendo de, tais bens, no futuro, efectivamente, virem a ser vendidos abaixo ou acima do valor praticado quanto aos já então comercializados, no caso, com os já citados e elevados descontos neles praticados.


Improcede assim, a matéria de todas as conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida nesta parte, que em igual sentido decidiu.


5. O recurso da Fazenda Pública, como acima já se adiantou, cinge-se apenas à parte da sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial no que aos juros compensatórios tange, por falta da respectiva fundamentação (formal), e que esta, na matéria das conclusões da alegações do seu recurso, parece restringir à menção da aplicação da norma do art.º 80.º do CIRC, como constituindo fundamentação suficiente para esse efeito.

Ainda que no exercício de então de 1994 se encontrasse em vigor a norma do art.º 80.º do CIRC, como se não controverte, a mesma fazia depender a existência desse direito e respectiva quantificação a favor da AT, de diversos pressupostos como sejam o momento do retardamento da liquidação, a contagem dos juros dia a dia e o termo dessa contagem, tudo elementos vinculados que teriam de existir e a mesma teria de explicitar minimamente a fim de, entre motivos, permitir ao contribuinte aquilatar da sua real existência e aferir da sua conformidade à lei e poder determinar-se pela sua aceitação ou poder impugná-los, caso se encontrassem eivados por algum erro que os afectasse na sua legalidade, em suma, tais juros encontravam-se já sujeitos a uma fundamentação mínima, desde logo por força do disposto nos art.º 82.º e 83.º do CPT, então vigente.

Aliás, tal questão não é nova nas decisões dos nossos tribunais superiores, designadamente nas decisões proferidas por este Tribunal, como desde logo nos dá conta a M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida.

Como se decidiu no acórdão deste Tribunal de 8.4.2003, recurso n.º 7101/02(4) e que traduz jurisprudência corrente, também a liquidação dos juros compensatórios, mesmo nos casos de actos produzidos em grande quantidade, a chamada produção de actos em massa, e em que o contribuinte tenha entregue a sua declaração de rendimentos fora do respectivo prazo legal, haverá um mínimo de fundamentação que é exigível, tendo em vista permitir ao contribuinte aquilatar da respectiva legalidade e com ela se conformar ou impugná-la, como seja o período sobre que os mesmos incidiram, sobre que montante e qual a respectiva taxa aplicada.

No caso, quer no documento de cobrança de IRC, cuja cópia consta a fls 112 destes autos (repetida a fls 114), quer no processo administrativo apenso, nenhuma fundamentação contemporânea dessa liquidação se encontra para tal efeito, tendo tal liquidação se limitado a indicar o respectivo montante global de tais juros à frente da indicação “Juros compensatórios art.º 80.º CIRC”, tendo-se assim, pura e simplesmente, omitido qualquer fundamentação relevante a tal respeito, e nem mesmo a posteriori, ainda que, se o tivesse sido, a mesma não relevaria, sabido que a fundamentação produzida em data posterior à prática do acto irreleva para aferir da respectiva legalidade.

Não se deu assim a conhecer à contribuinte qual o período sobre que incidiram os juros, sobre que montante e nem qual a taxa aplicada, não permitindo à mesma conhecer as razões dessa liquidação de molde a com ela conformarem-se ou a impugná-la (substantivamente).

Tendo em conta os requisitos que as normas dos art.ºs 80.º do CIRC e 82.º e 83.º do CPT, então vigentes, prevêm para poder haver lugar à liquidação de juros compensatórios, a sua liquidação passa sempre por no caso se verificarem ou não tais requisitos vinculados, o que a AF tem de indagar e externar, de molde a permitir ao contribuinte atingir aquele desiderato visado pela fundamentação, obrigatória, ainda que possa ser sucinta, nos termos do disposto no art.º 77.º da actual LGT. Não o tendo feito no caso, apenas tendo convocado para tal fundamentação a indicação da respectiva norma, há falta de fundamentação dessa liquidação de juros, sendo a mesma de anular, como bem se decidiu na sentença recorrida.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso da FP, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que em igual sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento a ambos os recursos e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 15/02/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS

1- In acórdão deste Tribunal de 29.1.2002, recurso n.º 5939.01.
2- Cfr. anotação ao Código do IRC, 1990, da DGCI, pág. 183 e segs.
3- Redacção então vigente em 1994, assim como de todas as outras normas do mesmo CIRC, citadas.
4- Tendo como Relator o do presente e que aqui seguimos de perto. No mesmo sentido, entre outros, o recurso n.º 3994/00, de 19.2.2002, igualmente com o mesmo Relator.